Sentença de Julgado de Paz
Processo: 226/2017JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: ATRASO DE VOO. DANOS MORAIS.
Data da sentença: 07/31/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Proc. n.º 226/2017 – JPCBR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
1ª, 2º e 3ª Demandantes: A, B e C;
Demandada: D.

OBJETO DO LITÍGIO
Os Demandantes intentaram contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea i) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo que a presente ação fosse considerada como provada e procedente e, em consequência, ser:
a) O direito a indemnização considerado como reconhecido por parte da Demandada;
b) A Demandada condenada no pagamento aos Demandantes do valor global de €4000,00, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da verificação do facto, ou seja o atraso, e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação, conforme vertido a fls. 39 a 44, tendo impugnado os factos vertidos no RI.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.

Valor da ação: € 4.000,00

FACTOS PROVADOS:
A. Os Demandantes adquiram uma viagem com transporte aéreo e hotel, de Lisboa com destino a Porto Santo por intermédio da agência de viagens E;
B. O voo de partida, com saída no aeroporto da Portela, agora aeroporto Humberto Delgado, partiria às 15h30m do dia 26/06/2016, com horário de chegada a Porto Santo às 17h05m.
C. Por sua vez, a viagem de regresso teria como horário as 12h55m, com chegada a Lisboa às 14h30m, no dia 04/07/2016.
D. Este horário sofreu alterações aquando da entrega da documentação relativa à viagem;
E. A agência de viagens comunicou que os voos tinham sido alterados, sendo o horário de saída de Lisboa às 17h00 do dia 27/07/2016, com horário de chegada a Porto Santo às 18h35m.
F. Da mesma forma informou que o horário de saída de Porto Santo, em 04-07-2016, com destino a Lisboa teria também sido alterado, com saída às 14h25m e chegada às 16h00.
G. Os Demandantes nada obstaram a estes novos horários, tendo aceite todas as alterações.
H. Os novos horários não foram cumpridos por parte da Demandada.
I. O horário de saída do voo de Lisboa ocorreu cerca das 22h00 do dia 27 de junho de 2016, tendo chegado a Porto Santo por volta das 00h00,
J. Da mesma forma, o horário de saída de Porto Santo com destino a Lisboa, no dia 4 de julho de 2016, apenas ocorreu às 19h00 e não às 14h25m, tal como estava previsto.
K. Na viagem de ida, a Demandada disponibilizou aos passageiros um lanche durante o tempo de espera e serviu uma refeição a bordo;
L. Na viagem de volta, a Demandada não disponibilizou aos passageiros um lanche durante o tempo de espera e não serviu refeição a bordo;
M. Na viagem de volta, o Hotel disponibilizou um pack com comida, que foi entregue também para as crianças, incluindo a Demandante ----.
N. Os Demandantes faziam-se acompanhar de sua filha menor, a ora Demandante, a qual à data teria 10 anos.
O. Os atrasos de transportadora aérea e a falta de lanche e refeição a bordo causaram perturbações e incómodos aos Demandantes;
P. Os Demandantes decidiram enviar reclamação junto da Demandada,
Q. Por e-mail datado de 20 de setembro de 2016, os Demandantes expuseram a sua reclamação/indignação pelos atrasos ocorridos, sendo que explanaram todas as circunstâncias ora relatadas;
R. Em anexo a este e-mail, os Demandantes remeteram formulário próprio de reclamação, conforme Regulamento (CE) N.º 261/2004;
S. A Demandada respondeu a este e-mail na mesma data, referindo que o processo iria ser analisado;
T. No dia 21 de setembro de 2016, a Demandada remeteu e-mail com dois anexos para a Demandante;
U. Neste e-mail, a Demandada solicitou o comprovativo de IBAN dos demandantes para efetuar o pagamento da indemnização no montante total de €1500, referente a €250 por passageiro e por viagem;
V. A Demandada não efetuou qualquer pagamento até à presente data,
W. Nem mesmo após insistência dos Demandantes, que, depois do reconhecimento da indemnização, enviaram vários e-mails para a Demandada, para a Sociedade de Advogados que a representa e para a Autoridade Nacional da Aviação Civil.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos de fls. 12 a 34, das declarações de parte prestadas pelos 1ª e 2º Demandante e da aceitação expressa pela Demandada, em sede de contestação, dos factos alegados nos Artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 7 º, 8.º, 9.º, 10.º, 16.º, 17.º, 19.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º e 32.º do RI.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Nos presentes autos está em causa a apreciação do pedido indemnizatório derivado do alegado atraso dos voos da Demandada e dos consequentes danos sofridos na esfera jurídica dos Demandantes.
A lei aplicável ao litígio em causa é o Regulamento (Ce) N.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004, que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 295/91.
No seu preâmbulo, é realçado o objetivo de garantir um elevado nível de proteção dos passageiros e que as transportadoras aéreas operem em condições harmonizadas num mercado liberalizado.
Mais estabelece que o presente regulamento não deverá limitar os direitos da transportadora aérea operadora à indemnização por qualquer pessoa, incluindo terceiros, ao abrigo do direito aplicável.
Assim, prevê a al. a) do n.º 1 do Art. 6º, conjugado com a al. a) do n.º 1 do Art. 7º, que, quando haja atraso de duas horas ou mais, no caso de quaisquer voos até 1 500 quilómetros, os passageiros devem receber uma indemnização no valor de 250 euros.
O n.º 1 do Art. 12º reconhece, ainda, o direito dos passageiros a uma indemnização suplementar, sendo que a indemnização concedida ao abrigo do presente regulamento pode ser deduzida dessa indemnização.
Por seu turno, o n.º 1 do Art. 9º prevê que devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera.
No caso sub judice, ficou provado que ocorreram atrasos nos voos de ida e de volta, com cerca de 5 horas cada, e que a Demandada, apesar de ter reconhecido o direito à indemnização dos 1ª, 2º e 3ª Demandantes pela quantia unitária de € 500,00 a cada um, nunca chegou a cumprir tal obrigação de pagamento.
Por outro lado, também resultou do acervo factual dado como provado que, na viagem de volta, a Demandada não disponibilizou aos passageiros um lanche durante o tempo de espera e não serviu refeição a bordo.
Ao demais, toda esta situação causou aos Demandantes incómodos e preocupações.
No que concerne ao direito conferido pelo Regulamento comunitário, é inequívoco que a Demandada está obrigada a indemnizar cada um dos Demandantes pelo período de tempo de espera sofrido e que tal quantia vem ali expressamente prevista, isto é, € 250,00 por cada voo.
Seguramente que a previsão da norma que reconhece este direito parte da presunção que tais danos se verificaram, dispensando ao passageiro o ónus de provar que efetivamente sofreu quaisquer danos resultantes do atraso do voo.
Ainda assim, nada impede que os passageiros lesados com o atraso do voo possam, ainda, acionar a companhia aérea por forma a serem indemnizados a título suplementar, tal como prevê o já citado n.º 1 do Art. 12º do Regulamento, o que abrange danos de natureza patrimonial ou não patrimonial, como foi o caso dos presentes autos.
Importa a este respeito dizer que os danos não patrimoniais não podem ser avaliáveis em dinheiro, pelo que só é possível a sua reparação ou compensação. São exemplo disso, a vergonha, o sofrimento físico ou psicológico, a angústia, a depressão, o desgosto, as insónias, tudo situações em que não é possível atribuir, desde logo, um quantum em dinheiro mas apenas fixar uma compensação expressa em valor económico.
Assim, a lei faculta ao lesado a possibilidade de ser “compensado” pela ocorrência de tais danos na sua esfera jurídica, através da fixação de uma indemnização.
Prescreve o n.º 1 do Art. 496º do Código Civil que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Tal é sinónimo de dizer que não serão todos e quaisquer danos dessa natureza que serão ressarcíveis, pelo que tal como decidiu o STJ, em 1973-10-12, “Os simples incómodos não justificam a indemnização por danos morais” - Acórdão publicado no BMJ Nº 230, Novembro de 1973.
Sendo, também, certo que “A determinação/fixação indemnizatória devida por danos morais, para além da faculdade atendível, deverá sê-lo segundo critérios de equidade, que nos conduzem para o plano jurídico, para uma questão de direito” – Acórdão do STJ, de 1991-02-26, publicado no BMJ Nº 404, de 1991, pág. 424 e que “Para que os danos não patrimoniais justifiquem uma indemnização é necessário que mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito, cabendo ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica” - Acórdão do STJ, de 25-11-1988, ADSTA, 326º-264.
No caso em concreto, os incómodos e preocupações a que ficaram sujeito os Demandantes, com o atraso dos voos, são sentimentos naturais e vulgares que perpassam qualquer ser humano em situação equiparada e, na medida em que não revestem um grau elevado, não justificam a atribuição da correspondente indemnização, à luz do n.º 1 do Art. 496º do CC.
Com efeito, o facto danoso, que se consubstanciou no atraso dos voos, não representa uma lesão de interesse de ordem espiritual de tal modo grave que os respetivos danos não patrimoniais, sofridos por estes, venham a ser alvo de uma efetiva compensação.
No entanto, provou-se que a Demandada não disponibilizou, na viagem de volta, aos passageiros um lanche durante o tempo de espera e não serviu refeição a bordo, o que consubstancia uma clara e flagrante violação do disposto no n.º 1 do Art. 9º do Regulamento em análise, o qual prevê que devem ser oferecidos a título gratuito aos passageiros refeições e bebidas em proporção razoável com o tempo de espera.
Ora, cinco horas sem acesso a uma merenda gratuita, e agravado pelo facto de não terem sido servidas, a bordo, refeições no âmbito do voo atrasado das 19h00, representa uma clara afronta do direito a que os passageiros nessas condições se encontrem, como foi o caso dos Demandantes.
Nessa medida, devem os mesmos ser ressarcidos pela Demandada, a título da falta de refeições e bebidas e dos consequentes incómodos que tal lhes provocou, que consideramos suficientemente graves para serem merecedores da tutela do direito.
Assim, devem ser indemnizados, cada um, na quantia de € 50,00, pela Demandada, valor esse que consideramos justo e adequado face às horas de espera e atento que estava em causa o respeito pelo direito ao bem-estar e à saúde física e psicológica dos passageiros pelo tempo de espera do voo.
Quanto aos juros de mora peticionados, serão devidos à taxa legal de 4%, sobre a indemnização total (€1.650,00), desde a data da citação, até integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08.04) – cfr. Arts. 804º, 805º, n.º 3 e 559º, todos do CC.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar aos Demandantes a quantia total de € 1.650,00 (mil e seiscentos e cinquenta Euros), acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da citação, que ocorreu a 13.10.2017, até integral pagamento.


Custas na proporção do decaimento que se fixam em 60% para os Demandantes e 40% para a Demandada, o que equivale a que os Demandantes efetuem o pagamento de € 7,00, no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto à Demandada, proceda-se ao reembolso de €7,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
A presente sentença foi proferida e notificada nos termos do n.º 2 do Art. 60º da LJP.
Registe e notifique.

Coimbra, 31 de Julho de 2018
A Juíza de Paz,
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Daniela Santos Costa