Sentença de Julgado de Paz
Processo: 107/2018-JPACB
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: ARRENDAMENTO / INDEMNIZAÇÃO PELA MORA NO PAGAMENTO DAS RENDAS
Data da sentença: 02/28/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 107/2018-JPACB

DEMANDANTE: A., com NIF 000, residente na Rua XX, Alcobaça.
1.ª DEMANDADA: B., Lda”, tendo como representante legal a 2.ª Demandada, com NIPC 000 e sede na Rua XX Alcobaça.
2.ª DEMANDADA: C., com NIF 000, residente na Rua XX, Alcobaça.
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OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra as Demandadas a presente acção enquadrável na alínea g) do n.º1 do artº 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho respeitante ao arrendamento urbano, peticionando a condenação destas no pagamento da quantia de € 918,00, a título de indemnização por atraso no pagamento de rendas correspondentes aos meses de setembro, outubro e novembro de 2017, acrescida de juros até integral pagamento. Mais pede a condenação das Demandadas no pagamento das custas judiciais e procuradoria a favor do Demandante.
Para tanto, o Demandante alegou os factos constantes do Requerimento Inicial, de fls. 2/3, que se dão por reproduzidos.
Juntou um documento, de fls. 4 a 6, que igualmente se dá por reproduzido.-
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As Demandadas apresentaram contestação, nos termos plasmados a fls. 50 a 56 que se dá por integralmente reproduzida.
Juntaram 10 documentos, de fls. 55 a 74 que se dão por reproduzidos.
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Realizou-se a sessão de pré-mediação e mediação, não tendo as partes logrado obter acordo.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito e com observância do legal formalismo consoante resulta da respetiva Acta de fls. 116 e 117.
Demandante requereu o depoimento de parte da 1.ª Demandada e declarações de parte do Demandante, que foram tomadas de imediato e as Demandadas apresentaram duas testemunhas.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 910,00 – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil.

DA EXCEPÇÃO DA LEGITIMIDADE DO DEMANDANTE:
Pretende o Demandante que as Demandadas sejam condenadas a pagar-lhe o valor da indemnização correspondente ao atraso no pagamento de três meses de renda. Para se aferir da legitimidade activa para os presentes autos, verifica-se que o Demandante não provou ser o único proprietário das fracções autónomas objecto do contrato de arrendamento, conforme alegou no seu Requerimento Inicial, tendo ainda, as Demandadas alegado que não é proprietário da totalidade das fracções, mas comproprietário com D., com quem foi casado. Porém, como tem sido jurisprudência dominante, nas acções relacionadas com relações locatícias a questão da propriedade do prédio, por parte do locador, não é uma questão central ou decisiva para se aferir da legitimidade deste. Com efeito, tais acções centram-se na qualidade de senhorio do Demandante, credor das rendas em dívida e titular dos demais direitos e deveres, na sua relação com a inquilina, Demandada. Como se deu como provado infra foi o Demandante quem celebrou o contrato de arrendamento com as Demandadas sendo, por conseguinte, o credor das rendas acordadas com o mesmo, e das indemnizações a que tenha direito como contrapartida pela cedência do gozo e fruição do prédio.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2, do artigo 30.º do Código de Processo Civil, o Demandante tem interesse em demandar e, por isso, é partes legítima, pelo que, a excepção não poderá proceder.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas.
Não existem outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

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FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. Em 26 de junho de 2017, o Demandante e as Demandadas celebraram dois contratos de Arrendamento Comercial com prazo certo, pelo período de seis anos, com início em 1 de julho de 2017.
2. Por um dos referidos contratos o Demandante cedeu, à 1.ª Demandada, o gozo do prédio urbano sito no Beco YY em Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º 000 e inscrito na matriz sob o artigo 000.
3. A renda mensal acordada foi de 204,00 €, vencendo-se no primeiro dia útil 2 meses antes do mês a que disser respeito e a ser paga na residência do Demandante ou por transferência bancária se viesse a ser acordado.
4. Por outro dos referidos contratos o Demandante cedeu, à 1.ª Demandada, o gozo do prédio urbano sito na Rua XX, sem número de polícia, Alcobaça, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça sob o n.º 000 e inscrito na matriz sob o artigo 000.
5. A renda mensal acordada foi de 408,00 € vencendo-se no primeiro dia útil, 2 meses antes do mês a que disser respeito e a ser paga na residência do Demandante ou por transferência bancária se viesse a ser acordado.
6. A 2.ª Demandada, C., legal representante da 1.ª Demandada constituiu-se fiadora em ambos os contratos.
7. O Demandante indicou o seu IBAN À Demandada, para proceder ao pagamento das rendas, sendo que já era conhecido da Demandada, devido a relações anteriores.
8. Com a assinatura dos contratos foram pagas as rendas correspondentes aos meses de julho e agosto de 2017.
9. Anteriormente os imóveis encontravam-se arrendados à firma do marido da Demandada C. e, tendo esta constituído nova sociedade, solicitaram a alteração do contrato para o nome da 1.ª Demandada, o que veio a acontecer.
10. Em Outubro de 2017, quando foi actualizar a caderneta da sua conta, o Demandante verificou que não tinham sido pagas as rendas vencidas em julho, agosto e setembro de 2017.
11. O Demandante contactou o seu advogado que, por carta registada com A/R de 10 de outubro de 2017, notificou a 1.ª Demandada para proceder ao pagamento das rendas em falta, acrescida da repectiva indemnização de 50% do seu valor.
12. Quando recebeu a carta a Demandada tomou conhecimento da falta de pagamento e procedeu à transferência do valor total das rendas, ou seja ao pagamento das rendas em falta, no dia 12 de outubro de 2017.
13. Por engano ao inserir os números do IBAN do Demandante, no sistema de transferência automática pela internet, a 1.ª Demandada, através de E. (marido da 2.ª Demandada) procedeu aos pagamentos nos referidos meses de julho, agosto e setembro para uma conta diferente da do Demandante, indicando o nome deste como beneficiário.
14. No dia 25/07/2017 fez a transferência das quantias de € 204,00 e 408,00, no dia 09/08/2017 fez a transferência das quantias de € 204,00 e 408,00 e no dia 13/09/2017 fez a transferência das quantias de € 204,00 e 408,00, para a conta 40289837712, como pagamento das rendas.
15. Os pagamentos caíram na conta de F. que, quando se apercebeu de tal facto comunicou ao banco que teria dinheiro na sua conta, que não lhe pertencia e não o queria na sua conta.
16. As Demandadas solicitaram junto do banco a devolução das quantias transferidas para a conta de F., o que se verificou.
17. Entre o Demandante e as Demandadas nunca houve quaisquer problemas. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Para a fixação da matéria fática dada como provada foram tidos em consideração os factos admitidos pelas partes nos seus articulados, bem como a valoração crítica das declarações do Demandante que esclareceu e confirmou os factos descritos no seu requerimento inicial e no depoimento de parte da representante legal da 1.ª Demandada / 2.ª Demandada. Esta confirmou os factos 1 a 6, 8,9, 12, 13 e 14, dizendo que fez os pagamentos, mas ao digitarem os números houve um lapso e as transferências foram feitas para outra conta. Que quando teve conhecimento do lapso, pela carta do Demandante, fez de imediato a transferência do valor das rendas. A testemunha F. afirmou que se foi apercebendo que foram feitas duas transferências para a sua conta durante 3 meses consecutivos. Informou o banco dessa situação e solicitou a retirada do dinheiro e averiguação do depositante. Só veio a saber após os três meses. Não se apercebeu porque tem vários inquilinos a depositar as rendas naquela conta e nem todos apresentam identificação no extracto bancário. A testemunha E., confirmou os factos 1 a 9, 12 a 14, 16 e 17. Participou nas negociações para mudança e assinatura de novos contratos e fez as transferências das rendas em nome e pedido da 1.ª Demandada. Por lapso inseriu mal o NIB do Demandante só vindo a aperceberem-se quando receberam a carta do advogado, tendo de imediato pago as rendas vencidas em julho, agosto e setembro.
A referida prova foi conjugada com a valoração crítica dos documentos juntos ao processo.

DO DIREITO:
O litígio em apreço pode resumir-se no seguinte: o Demandante deu de arrendamento, para fim não habitacional - comércio, à 1.ª Demandada os prédios urbanos, sitos no Beco YY Alcobaça, e na Rua XX, sem número de polícia, Alcobaça, com início em 1 de julho de 2017, pelo prazo certo de seis anos, renovável por períodos de um ano, mediante as rendas mensais de € 204,00 e 408,00 €, com vencimento no primeiro dia útil, 2 meses antes do mês a que diz respeito, tendo nessa data, a 1.ª Demandada pago os valores correspondentes aos meses de julho e agosto. Por lapso ao identificar o IBAN do Demandante no sistema de pagamento automático, a Demandante pagou as rendas vencidas em julho, agosto e setembro para uma conta de terceiro, nos dias 25/07/2017, 09/08/2017 e 13/09/2017. Instada para pagar as rendas em falta e respectiva indemnização nos termos do art.º 1041º do código civil apercebeu-se do erro e procedeu ao pagamento das rendas vencidas nos referidos meses, não tendo pago a referida indemnização por entender que não é devida.
Da matéria fáctica provada resulta que entre o Demandante na qualidade de senhorio, e as Demandadas na qualidade de inquilina e fiadora foram celebrados dois contratos de arrendamento para fim comercial, juntos a fls. 56 a 58 e 59 a 61. Os contratos em apreço regem-se pelas disposições previstas no Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado e anexo pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, ao qual se aplica também as normas constantes do Código Civil, relativa a princípios gerais em matéria contratual, e as normas especiais previstas para a locação em particular. Delas que resulta a noção de arrendamento. O arrendamento é a locação de uma coisa imóvel (art.º 1023º do C.C.) e nos termos do disposto no artigo 1022.º do Código Civil “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”. Como negócio bilateral que é, emergem do referido contrato direitos e obrigações para ambas as partes, consistindo uma dessas obrigações, a cargo do locatário (a aqui demandada), pagar a renda no montante e demais termos acordados, conforme estipulam a alínea a), do artigo 1038.º do Código Civil, sendo certo que esta deve ser paga pontualmente, tal como prescreve o artigo 406º, nº 1 do Código Civil. No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil, de acordo com o qual podem as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos que celebram, desde que dentro dos limites da lei.
Ora, a obrigação de pagar a renda provém da natureza onerosa e sinalagmática do contrato (art.º 1022º C. C.), e deve ser cumprida no tempo e lugar devidos (art.º 1039º C. C.), sob pena de constituir o locatário em mora (art.º 1041º C.C.). No caso vertente, atendendo à matéria de facto dada como provada, esta não pagou as rendas vencidas em julho, agosto e setembro, ao Demandante, mas por lapso transferiu os seus valores para terceiro. No entanto, após ter recebido carta que lhe foi remetida pelo Demandante com a data de 10.10.2017, efectuou o pagamento das referidas rendas em 12.10.2017. Importa destacar que os pagamentos efectuados a terceiro, o foram na convicção de ser ao Demandante. No entanto, desta factualidade decorre que a Demandada incumpriu a sua obrigação de pagamento das rendas acordadas.
É inequívoco que a situação factual de que dependia a aplicação da indemnização prevista no art.º 1041º do Códgo Civil se verificou. Com efeito, a Demandada não procedeu ao pagamento das três primeiras rendas a que estava vinculada até aos dias 08.07.2017, 08.08.2017 e 08.09.2017, respectivamente, o que se ficou a dever a um lapso administrativo da Demandada, que inseriu o IBAN errado. Porém, neste ponto a questão que se colocaria é a de saber se a reclamação desta quantia a título de indemnização por parte do demandante se compagina, perante a concreta matéria factual apurada, com o princípio da boa fé. É que não pode deixar de se salientar que o Demandante não ia passar recibo imediatamente nos referidos meses, senão ter-se-ia apercebido, bem como as Demandadas poderiam mais facilmente controlar os pagamentos, bem como a atitude da Demandada que, uma vez alertada para o incumprimento que se ficou a dever a um lapso administrativo, prontamente efectuou o pagamento das prestações em falta; no entanto é também certo que o Demandante veio ab inicio exercer um direito pedindo o pagamento das rendas e correspondente indemnização. Dispõe o art. 762º, nº 2 do Cód. Civil que «no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.» Escreve Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, 7ª ed., pág. 13) que “O apelo aos princípios da boa fé, feito nos termos amplos que constam do artigo 762º, 2, não envolve uma remissão para os critérios casuísticos, para o sentimento de equidade ou para o prudente arbítrio do julgador. Do que se trata é de apurar, dentro do contexto da lei ou da convenção donde emerge a obrigação, os critérios gerais objectivos decorrentes do dever de leal cooperação das partes, na realização cabal do interesse do credor com o menor sacrifício possível dos interesses do devedor (…)”.
Por outro lado é importante e fulcral atender a que que foi acordado, nos contratos de arrendamento, que o vencimento das rendas ocorriam no primeiro dia útil, dois meses antes daquele a que dissessem respeito, não resultando alegado nem provado que que as partes tivessem alterado essa data de vencimento. Ora, não sendo feito o pagamento no dia do vencimento o locatário constitui-se em mora, tendo o locador direito a exigir, para além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento, o que nesta parte não é o caso. O Locatário pode fazer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo, cessando consequentemente, o direito à referida indemnização, nos termos do n.º 1 e n.º 2, do art.º 1041º do Código Civil.
No caso vertente, a Demandada efectuou os pagamentos, convicta que os fazia para o Demandante, e tal só não aconteceu por ter colocado o IBAN errado. Ordenou a transferência automática mensal, procedendo aos pagamentos das rendas nos termos seguintes: no dia 25 de julho de 2017 fez a transferência das quantias de € 204,00 e 408,00, no dia 09 de agosto de 2017 fez a transferência das quantias de € 204,00 e 408,00 e no dia 13 de setembro de 2017 fez a transferência das quantias de € 204,00 e 408,00. Verifica-se que quando a Demandada efectuou os pagamentos já estava em mora não tendo procedido ao pagamento no prazo de oito dias a contar do seu começo, se bem que em algum caso o pagamento foi no limiar do prazo, pelo que não lograria interromper a mora e consequentemente fazer cessar o direito à indemnização por parte do Demandante, caso tivesse efectivamente feito a transferência para o Demandante.
Pelo exposto e considerando e ponderando o principio da boa fé, nos termos supra referidos e agora em aplicação à Demandada, sem descurar a diligência da mesma em solucionar o problema ocorrido, da forma mais eficaz e célere, releva-se que o Demandante não agiu de má-fé e pagamento voluntário foi feito já depois do prazo e sempre o seria, como a Demandada bem sabia. Assim não pode o tribunal deixar de condenar a 1.ª Demandada no pagamento da indemnização pedida.
Consequentemente, a 2ª Demandada, na qualidade de fiadora, é igualmente responsável pelo pagamento da quantia correspondente à indemnização pelo atraso no pagamento das rendas, de € 918,00, nos termos do art.º 627º, 634º do Código Civil.


DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a acção procedente e, em consequência, condeno as Demandadas a pagarem ao Demandante a quantia total de € 918,00 (novecentos e dezoito euros)

Custas: A suportar pelas Demandadas, parte vencida, (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro). As Demandadas deverão efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Proceda-se ao correspondente reembolso ao Demandante, em conformidade com os arts. 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.

Registe, notifique e arquive após trânsito em julgado.

Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 28 de fevereiro de 2019
A Juíza de Paz
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(Luísa Ferreira Saraiva)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
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