Sentença de Julgado de Paz
Processo: 482/2015-JPPRT
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS - EXCLUSÃO DA COBERTURA
Data da sentença: 04/04/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente acção declarativa destinada a efetivar o cumprimento de obrigações contra B, melhor identificada a fls. 3, pedindo que seja determinada a exclusão das cláusulas 4ª, al. c) e 31º das condições gerais das coberturas facultativas da apólice nº 0, por violação dos artigos 18º, 21º, 22º, 32º e 34º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como por violação dos artigos 5º e 6º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais e, consequentemente, a condenação da demandada a assumir a reparação dos danos sofridos no veículo da demandante, com a matrícula OC, no valor de 897,78 €, bem como a assumir perante a seguradora C o valor dos danos sofridos no veículo de matrícula PB, decorrentes do acidente ocorrido no dia 03/10/2013.
Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 3 a 14, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo doze documentos.
Regularmente citada, a demandada veio apresentar a contestação de fls. 89 a 95 verso, que aqui se dá por reproduzida, pugnando pela improcedência da acção.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que a demandada faltou à mesma, afastando tacitamente essa possibilidade.
Foi, por isso, marcada e realizada a audiência de julgamento, segundo as regras legais.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:
Encontram-se reunidos os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objecto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 a) e 12º nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
Por outro lado, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se fixa o valor da presente causa em 897,78 €.
Assim, cabe apreciar e decidir:

II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. No pretérito dia 3 de Outubro de 2014, pelas 7.11h, a demandante seguia ao volante do automóvel da marca X, modelo Y, com a matrícula OC, de sua propriedade, quando embateu na lateral esquerda traseira do veículo PB, na faixa lateral da Praça Mouzinho de Albuquerque (Rotunda da Boavista), na cidade do Porto.
2. Após ter sido contactada a Polícia de Segurança Pública e da mesma se ter deslocado de imediato ao local, a demandante foi conduzida à esquadra por se ter recusado a entregar os documentos de identificação e a sujeitar-se ao teste de despistagem de álcool e drogas.
3. No dia 7 de Outubro de 2014, a demandante preencheu a declaração amigável de acidente automóvel (DAAA) com a proprietária do veículo embatido.
4. Na mesma data, a demandante remeteu um correio electrónico ao mediador de seguros, através do qual celebrou o contrato de seguro com a demandada, juntando a referida declaração amigável de acidente automóvel e solicitando informações sobre como haveria de proceder.
5. Em resposta, o mediador de seguros remeteu um correio electrónico à demandante com os contactos do B, para onde a demandante se devia dirigir.
6. No dia 8/10/2014, a demandante deslocou-se ao B, onde deixou o seu automóvel, tendo sido aberto o processo nº 0, instruído com a referida DAAA.
7. A demandante veio a ser informada no B do Porto que a demandada não se ia responsabilizar pelo risco assumido, sendo posteriormente notificada do motivo da recusa.
8. Inconformada, visto que a apólice abrangia a cobertura de choque, colisão e capotamento, a demandante entrou em contacto com o referido mediador de seguros, expondo-lhe a situação e solicitando o envio da apólice de seguro.
9. Conforme o solicitado, o referido mediador de seguros remeteu, em 14/10/2014, à demandante um correio electrónico, juntando em anexo as condições gerais e particulares da apólice nº 0 e informando que iria contactar a demandada para fazer um ponto de situação.
10. No dia 13/10/2014, a demandante recebeu no seu domicílio uma missiva remetida pela C. a informar que “de acordo com a autorização recebida ao abrigo da Convenção IDS entre companhias de seguro, assumimos 100% dos danos da viatura matrícula PB, nossa segurada, resultantes do sinistro ocorrido em 03/10/2014 (…)”.
11. No dia 15/10/2014, a demandante recebeu no seu domicílio uma carta da demandada, na qual esta informava que não podia aceitar qualquer responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo seu veículo, dado que o condutor do veículo da mesma se tinha recusado a submeter-se aos testes para despiste de álcool ou de drogas.
12. No âmbito da sua atividade seguradora, a demandada celebrou com a demandante o contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice nº 0, decorrente do uso da viatura com a matrícula OC.
13. Ao contratar a apólice de seguro acima referida, a demandante solicitou, além da cobertura de responsabilidade civil obrigatória, diversas garantias facultativas adicionais, incluindo a de choque, colisão ou capotamento.
14. Aquando da celebração do contrato de seguro, a demandante informou a demandada, por escrito, que era advogada.
15. Nesse mesmo documento, a demandante declarou que tinha recebido um exemplar das condições gerais e especiais da modalidade subscrita e delas teve conhecimento antes da celebração do contrato, mais tendo declarado ter recebido, em documento escrito, toda a informação pré-contratual legalmente prevista e necessária ao seu total esclarecimento acerca do contrato de seguro.
16. Na cláusula 4ª, alínea c) das condições gerais das coberturas facultativas desta apólice está contratado que “ficam também excluídos (…) sinistros ocorridos quando o condutor se recuse a submeter-se à realização dos testes para despiste de álcool ou drogas.

Os factos provados resultam, por um lado, do acordo das partes (nº 1) e por outro, quer dos documentos constantes dos autos, nomeadamente auto policial de participação de acidente (nº 2), declaração amigável de acidente automóvel (nº 3), correspondência postal e eletrónica trocada entre a demandante e o seu mediador de seguros e com a demandada (n.os 4 a 11), apólice de seguro (n.os 12, 13 e 16) e proposta de seguro (n.os 14 e 15), quer ainda do depoimento das testemunhas D, agente policial, e E, profissional de seguros, tendo o primeiro corroborado o teor do auto de participação de acidente constante dos autos, de sua autoria, referindo que, chegado ao local, deparou-se com a demandante muito alterada, sem que a mesma admitisse que ia conduzir o seu veículo, recusando a sua identificação e a soprar no “balão”, pelo que lhe foi dada ordem de detenção, tendo a mesma resistido à voz de prisão e obrigando a que fosse algemada, posto o que foi conduzida à esquadra, tendo o seu veículo sido rebocado para o parque de viaturas da polícia; por sua vez, o segundo explicou o tipo de seguro contratado pela demandante e qual o motivo da posição da demandada, com base na exclusão prevista na referida cláusula 4ª c) e na recusa da demandante de se submeter ao teste de álcool e drogas.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, mormente que a demandante não tivesse sido informada das condições gerais e especiais do contrato de seguro aquando da sua celebração, sendo certo que o seu envio pelo seu mediador de seguros após o sinistro não significa por si só que as mesmas não lhe tivessem sido facultadas anteriormente; que tivesse havido confusão no local do acidente e que a demandante tivesse sido conduzida à esquadra somente por se recusar a fornecer a sua identificação à autoridade policial, dado que a prova produzida não permitiu sustentar conclusões diferentes a este respeito.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
O litígio entre as partes diz respeito ao cumprimento do contrato de seguro de danos estabelecido entre a demandante e a demandada complementarmente ao contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que celebraram entre si. Com efeito, neste caso, embora esteja em causa um acidente de viação, a demandante é a segurada da demandada e a pretensão da primeira é o pagamento por parte desta última dos danos por ela sofridos, apesar de ser a responsável pela produção dos mesmos. Adicionalmente, a demandante pretende obstar a que a demandada se exima ao pagamento dos valores indemnizatórios devidos ao terceiro lesado no mesmo acidente de viação.
Ora, estipula o artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, que por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, enquanto o tomador do seguro se obriga a pagar o prémio correspondente.
Por outro lado, o sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura do risco prevista no contrato, devendo ser participado pelo tomador do seguro ou segurado à seguradora, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento do sinistro (cfr. artigos 99º e 100º, nº 1 do mesmo diploma legal).
Além da prova do prejuízo sofrido, o tomador ou o beneficiário do seguro tem de provar a ocorrência do sinistro, nos termos gerais (cfr. Pedro Romano Martinez. Direito dos Seguros. Lisboa, Principia, 2006, pág. 101). De facto, o artigo 342º, nº 1 do Código Civil faz recair a prova dos factos constitutivos do direito alegado sobre aquele que o invoca. Por sua vez, a seguradora tem que demonstrar os factos constitutivos das exceções alegadas, nomeadamente a verificação de uma ou mais exclusões das coberturas convencionadas, nos termos contratuais (cfr. artigo 342º, nº 2 do Código Civil).
Isto posto, no caso em apreço, não há dúvida que se verificou o evento aleatório previsto no contrato e que tinha, à partida, cobertura pelo mesmo. Na verdade, como resulta da apólice de seguro, uma das garantias contratadas pela demandante era a de choque, colisão ou capotamento, até ao valor de 12.960,00 €. Deste modo, em princípio, a demandada teria que suportar a reparação do veículo da demandante até ao referido valor.
Porém, a demandada veio alegar e demonstrar que se verifica uma causa de exclusão do contrato de seguro, prevista na cláusula 4ª c) das condições gerais das coberturas facultativas do seguro automóvel. De facto, face à prova produzida, não há dúvida que a demandante se recusou a submeter ao teste de despistagem de álcool e drogas, levando à sua detenção por parte da polícia. Ora, essa é precisamente uma das hipóteses colocadas na referida cláusula contratual.
A demandante insurge-se contra esta posição da demandada, alegando que está em causa uma cláusula contratual geral e que a mesma não lhe foi comunicada de forma adequada, pelo que a sua aplicação deve ficar excluída. Ora, nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, consideram-se cláusulas contratuais gerais aquelas que sejam elaboradas sem prévia negociação individual e que os proponentes ou destinatários se limitem a subscrever ou aceitar, sem poderem influenciar o seu conteúdo. Desta forma, parece indubitável que o clausulado do contrato de seguro subscrito pela demandante contém disposições deste teor. É certo que a demandante contratou não apenas o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, mas também coberturas adicionais facultativas relativamente a danos próprios. Porém, embora a demandante pudesse ou não contratar estas coberturas facultativas, o seu conteúdo encontrava-se padronizado, como se infere das respetivas condições gerais, onde se insere justamente a referida cláusula 4ª, que prevê as exclusões. Assim sendo, a demandada estava obrigada, nomeadamente, a comunicar de modo adequado e efetivo esta cláusula e a prestar os esclarecimentos solicitados, cabendo-lhe o ónus da prova do cumprimento desses deveres, conforme o disposto nos artigos 5º e 6º do citado diploma legal. E, na falta de prova do cumprimento dos deveres de comunicação e informação, as cláusulas contratuais gerais devem ser excluídas dos contratos singulares, como é o caso deste (cfr. artigo 8º do mesmo diploma legal).
Contudo, como a demandada alegou e provou, a demandante é jurista de formação e exerce a profissão de advogada, tendo declarado, quando subscreveu a proposta de seguro, que tinha recebido um exemplar das condições gerais e especiais da modalidade subscrita e delas teve conhecimento antes da celebração do contrato, mais tendo declarado ter recebido, em documento escrito, toda a informação pré-contratual legalmente prevista e necessária ao seu total esclarecimento acerca do contrato de seguro. Ora, a comunicação adequada e efetiva legalmente exigida varia consoante o nível cultural do tomador do seguro e o seu domínio da linguagem contratual. Neste caso, considerando que a demandante é jurista, afigura-se suficiente para o efeito em vista a informação que lhe foi prestada pelo modo acima indicado. Na verdade, a demandante não tinha necessidade de esclarecimentos especiais sobre o sentido e o alcance das condições contratuais acordadas com a demandada. Deste modo, não há motivo para a exclusão da referida cláusula contratual. Nesse sentido, a pretensão indemnizatória da demandante não pode ser atendida, por falta de suporte contratual para o efeito.
E as mesmas considerações acima expendidas para a citada cláusula 4ª valem também para a cláusula 31ª das condições gerais do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. Contudo, nesta situação, o efeito da aplicação desta cláusula não é o de eximir o pagamento por parte da demandada da indemnização devida ao terceiro lesado no acidente de viação causado pela demandante. Aliás, essa indemnização já terá sido paga, pelo que se percebeu da discussão da causa. A demandada veio apenas comunicar à demandante que podia vir a exercer sobre esta o direito de regresso relativamente ao montante indemnizatório por si despendido. Porém, nos termos da referida cláusula, o direito de regresso parece pressupor que a demandante tivesse acusado taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, nos termos da citada cláusula 31ª c). Ou seja, neste caso, ao contrário do que acontece na referida cláusula 4ª c), não se prevê que a recusa de submissão aos testes de despistagem de álcool ou drogas possa fundamentar o exercício do direito de regresso.

V. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente ação improcedente e não provada e, consequentemente, absolvo a demandada dos pedidos.
Custas pela demandante (cfr. artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 4 de Abril de 2018

O Juiz de Paz,


(Luís Filipe Guerra)