Sentença de Julgado de Paz
Processo: 8/2017-JPPNV
Relator: JOANA SAMPAIO
Descritores: POSSE
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Data da sentença: 12/07/2017
Julgado de Paz de : PROENÇA-A-NOVA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I. RELATÓRIO

AA, melhor identificada a fls. 1 dos autos, veio intentar a presente ação declarativa, com fundamento na alínea e) do n.º 1 do art. 9º da lei n.º 78/2001, de 13 de julho (alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho) contra BB e esposa CC, melhor identificado a fls. 1 dos autos, pedindo que estes fossem condenados a reconhecer a posse do caminho pela Demandante e abster-se de praticar qualquer ato que limite a referida posse, bem como no pagamento das custas processuais.
Para tanto, alegou, em suma, que é possuidora, com exclusão de outrem, do prédio urbano, composto por prédio total sem divisões, destinado a arrecadações e arrumos, sito em XX, freguesia de XX, concelho de Proença-a-Nova, com a área de 15,90m2, a confrontar a Norte com a rua, a sul com JJ, a Nascente com LL e a Poente com a rua, inscrito nas matriz com o nº 000; desde há uns meses que tem sido confrontada com sucessivos problemas no lado poente, nomeadamente os Demandados terem construído um muro que impossibilita a passagem da Demandante para cuidar do seu prédio, não tendo outro acesso; que as confrontações indicadas na caderneta predial não correspondem minimamente à realidade; que a passagem obstruída era por si e antecessores utilizada desde tempos imemoriais.
Para prova do por si alegado juntou 3 (três) documentos, de fls. 4 e 5, 87, 104 a 110, que se dão por reproduzidos.
Os Demandados foram regularmente citados, em 01-02-2017, cfr. fls. 16 e 17 dos autos, tendo apresentado a contestação de fls. 25 a 27, na qual, em síntese, alegam que reconhecem a existência de uma passagem mas não pelo local onde a Demandante diz ser, já que neste existia um pequeno muro; reconhece que a Demandante passou algumas vezes por ali mas não ao longo de 15 anos; só depois de saber que os Demandados pretendiam murar a propriedade é que a Demandante começou a insistir que tinha direito a passar pelo local que alega.
Juntou 5 (cinco) documentos, de fls. 57 a 71 que igualmente se dão por reproduzidos.
Foi realizada a sessão de pré-mediação, em 08.02.2017, não tendo as partes logrado alcançar um entendimento.
Foi agendada e realizada a Audiência de Julgamento, na qual compareceram a Demandante e Demandados, tendo ambos oferecido prova testemunhal e requerido inspeção judicial como meios probatórios, inspeção que se realizou em cumprimento de todas as formalidades legais, conforme do respetivo auto e ata se infere.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, já que:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 al. e), 10º e 11º nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, respectivamente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
Fixa-se o valor da ação em €250,00 (duzentos e cinquenta euros), de acordo com a indicação da Demandante.

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa, nomeadamente, os seguintes os factos:
1 – A Demandante é com exclusão de outrem possuidora do prédio urbano composto por prédio total sem divisões, destinado a arrecadações e arrumos, sito em XX, freguesia de XXX e concelho de Proença-a-Nova, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 000, descrito na Conservatória do Registo Predial de Proença-a-Nova com o nº 000000;
2- O descrito prédio veio à posse da Demandante através de compra e venda verbal com o legítimo proprietário do mesmo, há mais de 15 anos, pagando o valor acordado de imediato;
3- A Demandante sempre usou, fruiu e dispôs de todas as utilidades e bens que o prédio lhe proporcionava, enquanto possuidora, mas sempre agindo como verdadeira proprietária;
4- Sempre exerceu o seu direito sobre o prédio à vista de toda a gente;
5- Desde há alguns meses tem sido confrontada com sucessivos problemas no lado poente da sua propriedade;
6- Os Demandados construíram um muro a poente;
7- Pelo lado sul o caminho tem degraus;
8- Existe uma passagem para a propriedade da Demandante mais a nascente, derivando de um caminho (antiga vereda);
9- Outra passagem é mais a sul, onde existem degraus;
10- No local onde a Demandante diz ser sua passagem existia um pequeno muro;
11- A demandante passou algumas vezes por ali;
12- Quando estavam a construir o muro a Demandante foi ao local e destruiu parte do muro com os pés;
13- Em 2016 os demandados propuseram uma ação contra o companheiro da Demandante – CC – no Julgado de Paz de Proença-a-Nova, reivindicando a propriedade, e ninguém apareceu a contestar a ação.
Os factos assentes resultaram da conjugação ponderada dos documentos juntos pela Demandante e Demandados: a caderneta predial (fls. 4), escritura pública de justificação (fls. 57 a 59), imposto de selo (fls. 60 a 65), certidão permanente predial (fls. 66 a 71 verso), certidão permanente predial (fls. 87), documento particular autenticado de compra e venda (fls. 104 a 110), do depoimento das testemunhas apresentadas, que depuseram com isenção sobre os factos de que tinham conhecimento direto, e ainda da prova por inspeção judicial ao local, tudo tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 607º do Código de Processo Civil e no art. 396º do Código Civil (CC).
Concretizando, os factos nº 1 a 5 resultaram do acordo das partes.
Os factos nº 6, 7, 8, 9, 10 resultaram da diligência de inspeção judicial e os nºs 6, 8, 9, 10 e o 12 também do depoimento das testemunhas.
As testemunhas foram todas inquiridas no local, objeto do litígio nos presentes autos, o que permitiu uma melhor localização dos depoimentos e apreensão do Tribunal.
Em suma, a primeira testemunha indicada pela Demandante, MR, referiu que a passagem para a horta era pela frente dos palheiros, existindo ainda uma vereda; que a demandante agora passava por aqui (referindo-se à passagem alegada), para não dar a volta por ali (pela frente dos palheiros). A testemunha referiu que tinha uma horta por baixo (portanto num limite inferior ao prédio da Demandante) e acedia à mesma, há 50 anos, pelo acesso que agora está vedado com o portão, fazia uns degraus num monte de terra e descia. Confirmou a existência de um muro de pedra, mais baixo que o de agora; antes de lhe estorvarem (à Demandante) a passagem por sul, passou a passar por aqui; nunca viu passar por ali um motocultivador.
A segunda testemunha indicada, PP, declarou conhecer o local desde 2003, data em que fez umas obras para a Demandante; passou pelo local referido pela Demandante, tal como passou pelo caminho da vereda, referindo ser mais perto e mais cómodo passar por ali; havia um degrau que tinham de subir para passar o muro mas subia por onde quisessem, não havia caminho - trajeto definido; o espaço não era utilizado e passavam por lá; não conhecia o local antes de 2003 e seguiu instruções da Demandante e do marido.
Quanto às testemunhas indicadas pelos Demandados, SS, declarou que foi uma sua irmã que vendeu aos Demandados, mas como ela está em Lisboa era ele que tratava dos prédios, lavravam, colhia azeitona e semeava milho; do muro de blocos para baixo era da irmã; os prédios têm caminho, por sul e por nascente, se alguém passou por aqui (referindo-se ao local alegado pela Demandante) foi sem autorização; sabe que os palheiros eram da família da Demandante, mas quando vendeu nunca passavam por onde agora dizem, mas pela vereda mais a norte; sempre existiu uma parede de pedra, mais baixa da atual em blocos, a separar os prédios; a demandante vivia em França e não vinha cá; nunca viu animal ou alfaia agrícola a lavrar o prédio da Demandante; passava pelo caminho de cima, sendo que o que sabe é de 20 anos para trás.
A segunda testemunha, JR, declarou conhecer o local pois andou a trabalhar no muro de blocos e há cerca de 20 anos andou ali também a construir o pavilhão; naquela altura o palheiro estava muito velho e não existia a pérgula; quando estava a construir o muro não notou trilho nenhum, a Demandante é que resmungou, passou pela vereda da parte de cima e deu um pontapé no muro porque dizia que existia uma passagem; o muro foi feito assim para segurar o muro de pedra.
Por último, a testemunha GG, declarou conhecer o local de andar ali a trabalhar para o Demandado em obras pequenas; esteve lá a chumbar uns ferros e a Demandante e o marido disse-lhe que se chumbasse mandava-os abaixo, então não chumbou e foi fazer outras coisas; o terreno estava como está, não tinha caminho nenhum; lembra-se de ver a demandante à porta do palheiro mas não reparou que os demandantes passassem pelo terreno do demandado; agora a demandante está cá sempre mas estavam em França; convive com o demandante marido desde a mocidade e vinha aqui a casa dele, que morava com os pais.
Todas referiram que a Demandante e marido residiam habitualmente em França.
Da inspeção judicial feita ao local foi possível corroborar os depoimentos das testemunhas ouvidas, verificando-se a existência de um pequeno caminho a norte da propriedade dos Demandados, com alguma inclinação; foi igualmente constatada a existência de um portão fechado a cadeado, a norte da propriedade dos Demandados, bem como a existência de um muro construído a blocos juntos a um muro antigo de pedras, ao lado desse portão; do lado poente do prédios dos Demandados há uma edificação da Demandante que foi recuperada, bem como, uma pérgula em frente a essa edificação; foi possível ainda constatar vestígios de um pequeno caminho pedonal, desde a porta daquela edificação (arrecadação) até ao caminho existente a norte da propriedade dos Demandados. Por último, e com interesse para os autos apurou-se que no lado sul há um acesso aos prédios, com vários degraus e está limitado lateralmente e em parte, pelas habitações.
O facto nº 13 resultou do conhecimento oficioso deste Tribunal, pois correu termos neste Julgado o processo nº 110/2016 em que os ora demandados reivindicaram contra CC (pelo que consta naquele processo, companheiro da aqui demandante) a propriedade do prédio rústico sito em XX, freguesia de XX, concelho de Proença-a-Nova, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial 000 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Proença-a-Nova a favor dos Demandantes sob o n.º 00000, tendo a ação sido julgada procedente, desde logo por confissão do demandado (efeito cominatório pela falta de contestação e comparência na audiência de julgamento).
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa, por falta de mobilidade probatória ou prova minimamente credível e suscetível de convencer o Tribunal da pertinente factualidade, nomeadamente: a) que sensivelmente há um ano começaram a surgir problemas com o Demandado, começando por andar com o trator no caminho de acesso ao prédio possuído pela Demandante, chegando mesmo a derrubar a parede desta; b) que o muro construído pelos Demandados impossibilita a passagem da Demandante para cuidar do prédio identificado no ponto 1º do requerimento inicial; c) que desde sempre a Demandante, ou alguém a seu mando e os proprietários do prédio referido no ponto 1º deste requerimento, utilizaram aquela passagem para poderem cuidar do prédio, desde tempos imemoriais; d) que o prédio possuído pela Demandante não tem outro acesso; e) que esta disputa de titularidade sobre o direito do terreno da passagem tem sido marcada por diversas acusações, o que inclusive já fez com que as autoridades policiais de deslocassem ao local.
Tampouco se provou que f) só desde que soube que a Demandada e marido iam murar a propriedade é que começou a Demandante a insistir que tinha direito a passar por ali, manifestando esse interesse; g) não parou de causar distúrbios aos Demandados (apesar de em sede de contestação estar descrito Demandante depreende-se que se tratou de um lapso de escrita pois queria dizer Demandados já que está a imputar a prática dos referidos atos à Demandante), primeiro partiu uns vidros que eram para reutilizar, destruiu uma máquina que era para retirar peças e ainda deslocou uns ferros; h) que a Demandada tivesse apresentado queixa junto das autoridades policiais, após a destruição do muro. Consta de facto dos autos (fls. 52) um pedido de elementos feito pelo Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Castelo Branco, na qual refere a Demandante como arguida, mas não identifica os denunciantes/ofendidos, nem os factos imputados;

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Veio a Demandante propor a presente ação peticionando a condenação do Demandado a reconhecer a posse do caminho pela Demandante e a abster-se da prática de qualquer ato que limite a posse daquela, bem como, no pagamento das custas processuais.

No ponto 12º do requerimento inicial a Demandante declara que pretende “a restituição imediata da posse da servidão de passagem para o prédio por eles possuído, uma vez que é o que decorre do disposto no artigo 1278º do Código Civil”.
Estamos, portanto, perante uma ação de restituição da posse, para defesa da alegada posse da servidão de passagem.
Nos termos do disposto no artigo 1278º do CC, no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.
Daqui resulta que, requisito fundamental para a procedência da pretensão do possuidor perturbado ou esbulhado é, antes de tudo, a prova da posse. Ou se prova a posse e o autor/demandante é mantido ou restituído; ou não se prova e a ação deverá ser julgada improcedente.
O artigo 1251º do Código Civil define a posse como o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. A posse, tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem (1252º CC).
O nosso legislador adotou uma conceção subjetiva de posse. Para que haja posse é necessário a atuação de facto, traduzida na prática de atos materiais, correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor, o que constitui o corpus da posse, bem como, que haja por parte do detentor uma específica intenção de domínio - o animus - de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa. De tal forma que, não são considerados possuidores os simples detentores ou possuidores precários (artigo 1253º do CC).
Quanto à aquisição da posse, determina o artigo 1263º do CC que será pela a) prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito; b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor; c) por constituto possessório; d) por inversão do título da posse.
A Demandante alega que o prédio veio à sua posse através de compra e venda verbal com o legítimo proprietário do mesmo, há mais de 15 anos – facto admitido por acordo. Alega também que, desde sempre, ou alguém a seu mando e os anteriores proprietários do prédio utilizaram aquela passagem para poderem cuidar do prédio, desde tempos imemoriais.
Primeiro, repare-se que a Demandante não identificou o caminho sobre o qual alega a posse (onde começa, onde desemboca, a sua extensão, largura...). É certo, porém, que, em sede de inspeção judicial foi possível apurar o trajeto a que se refere a pretensão da Demandante.
Segundo, relativamente ao conceito de “tempos imemoriais”, a doutrina e a jurisprudência têm entendido equivaler a uma ocasião tão recuada no tempo que os vivos não conseguem dizer desde quando ocorre, nem com apelo à memória daquilo que percecionaram diretamente, nem com recurso à recordação do relato que lhes haja sido efetuado pelos seus antecessores - tão antigo que desapareceu da memória.
Vejamos, portanto, se existe posse ou se esta se provou.
A primeira testemunha inquirida referiu que ela própria tinha uma horta na parte de baixo (portanto num limite inferior ao prédio da Demandante) e acedia à mesma (há 50 anos) pelo acesso que agora está vedado com o portão. A horta da testemunha, como disse, situava-se num plano inferior ao prédio da Demandante, desconhecendo-se, desde logo, se teria outro acesso para além do que referiu ou se seria encravado.
Acontece que, a mesma testemunha afirmou que, antes, para passar para a horta de cima (da Demandante) era pela vereda em frente aos palheiros, e só quando lhe (à Demandante) estorvaram a passagem pelo outro lado é que ela começou a passar por ali.
A outra testemunha apresentada pela Demandante conhece o local há 14 anos tendo relatado que nas obras que fez para a Demandante passavam por baixo porque era mais cómodo e mais perto, mas que tanto passavam por baixo como pela frente dos palheiros. Também afirmou que não havia um caminho definido no terreno dos demandados.
Perante isto, temos que a Demandante não fez prova, desde logo, de que os anteriores proprietários utilizassem a alegada passagem para cuidar do seu prédio, tendo, pelo contrário, a testemunha D. MR indicado que antes a passagem para as hortas de cima era pela vereda em frente aos palheiros.
Tal como não provou que desde que é possuidora faça uso da alegada passagem para habitualmente aceder e cuidar do seu prédio.
Conforme referimos supra, a posse adquire-se, pelo que no caso interessa, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito (1263º al. a) do CC). Para o ato de provimento na posse é necessária uma atuação estável, persistente, traduzida em atos materiais de uso, fruição ou transformação, que exteriorizem, de forma indiscutível, uma relação de domínio entre a coisa e o adquirente.
Nas palavras de HENRIQUE MESQUITA, “o essencial, em suma, é que os actos aquisitivos, variáveis de caso para caso, se dirijam ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa não bastando um contacto fugaz, passageiro.” (Direitos Reais”, Coimbra, 1967, pág. 97).
Por outro lado, é ainda necessário, nos termos daquele normativo legal (1263º al. a) do CC), que os atos materiais sejam realizados com publicidade, de modo a poderem ser conhecidos pelos interessados (art. 1262º do CC). Quando não contenham a exterioridade suficiente para ser conhecidos, são insuscetíveis de provir na posse.
Ora, diz-nos o art. 342º n.º 1 CC que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.» Nos termos do ónus da prova incumbia à Demandante fazer prova do direito que se arroga, nomeadamente da sua posse e da existência, a favor do seu prédio, da referida servidão de passagem. Entendemos que não o fez. Não ficou, efetivamente, este Tribunal convencido de que a atuação da demandante tivesse, de per si, a exterioridade suficiente capaz de sustentar uma relação de natureza estável, duradoura e vinculativa. Pelo contrário, não só pelo facto de o prédio da demandante estar servido por, pelo menos, dois acessos (factos provados nºs 8 e 9) e alegando a Demandante que o acesso a sul “tem degraus e é muito mais longe” (ponto 10º do Requerimento inicial), parece-nos que a atuação da demandante foi motivada por comodidade (a primeira testemunha da Demandante disse que agora passava por aqui para não dar a volta por ali; a segunda diz ter passado por ali com os materiais das obras porque era mais cómodo e mais perto), resultado da mera condescendência dos demandados (admitem, logo em sede de contestação, que a demandante passou algumas vezes por aquele local), o que encaixa numa situação de simples detenção.
Sustentando a demandante o seu pedido na posse, que não se provou, significa que, a sua pretensão tem de improceder.
Por último, diga-se que, ainda que a Demandante peticionasse a constituição, por usucapião, da servidão de passagem sempre teria de improceder pois, ainda que provasse a posse, sempre seria uma servidão não aparente e, do mesmo modo que a lei civil impede as ações de manutenção e restituição da posse aplicáveis à defesa das servidões não aparentes (art. 1280º do CC), estabelece que aquele tipo de servidões não podem ser constituídas por usucapião (a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício a atuação corresponde – art. 1287º do CC) - art. 1548º nº 1 e 1293º al. a) do CC).
A exclusão das servidões não aparentes justifica-se, como afirma Henrique Mesquita, porque elas “correspondem, em regra, a actos de mera tolerância, ou praticados a ocultas e, como tais, não devem poder impor-se ao proprietário. Quando assim não aconteça, isto é, quando haja uma verdadeira aquiescência (não apenas tolerância) do proprietário serviente, a solução deverá ser diversa, e daí a excepção referida no preceito citado” (Antunes Varela/Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. III, 2010, página 53).
No caso presente, e em consonância com o que foi concluído até então, não foram encontrados sinais aparentes da existência e de uso da referida passagem, tal como um trilho de terra batida, calcada ou empedrada, de rodados de tração animal ou motora (a prova testemunhal foi convincente ao declarar que nunca tinham visto a Demandante a utilizar na lavoura do seu prédio animais ou máquinas agrícolas). De igual modo, foi possível observar a existência de um muro de pedras, antigo, que separava os prédios de cima (inclusive o da Demandante) do de baixo, o que não será compatível com a existência antiga de um caminho/acesso.

V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, pelo que absolvo os Demandados dos pedidos formulados pela Demandante.
As custas, serão suportadas pela Demandante, que considero parte vencida (artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro).

Registe e notifique.

Julgado de Paz de Proença-a-Nova, 7 de dezembro de 2017.

A Juiz de Paz,
(em substituição)


(Joana Sampaio)