Sentença de Julgado de Paz
Processo: 192/2017-JPFNC
Relator: LUÍSA ALMEIDA SOARES
Descritores: VENDA DE BENS DE CONSUMO
Data da sentença: 05/14/2018
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: Processo n.º 192/2017-JP
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SENTENÇA
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I. RELATÓRIO
A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, NIF -----------, residente na ---------, Conjunto -----------, Bloco --- – n.º -----, Apartamento ---, --------- Funchal.

Demandado: B, S.A., com sede na ---------, n.º ----, --------- Lisboa.
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B) PEDIDO
O Demandante A propôs contra a Demandada B, S.A. a presente ação declarativa enquadrada nas alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, peticionando a) seja reconhecida a responsabilidade da Demandada na reposição, sem encargos, da conformidade do equipamento, mediante reparação, no montante de €105,00; b) ou que seja a Demandada condenada a substituir o equipamento no valor de €249,90, valor do telemóvel.

Juntou 33 (trinta e três) documentos.
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A Demandada foi regularmente citada, contestou impugnando e deduzindo matéria de exceção que foi decidida na audiência de julgamento, antes da produção de prova.
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II- SANEAMENTO
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância: o Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em € 249,90 (duzentos e quarenta e nove euros e noventa cêntimos) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 1 e 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho).
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IV- OBJETO DO LITIGIO
O objeto do litígio entre as partes circunscreve-se a apurar da responsabilidade da avaria de um telemóvel adquirido pelo Demandante à Demandada, verificada durante o período de garantia.
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V – QUESTÕES A DECIDIR
Nos presentes autos importa apreciar da natureza do contrato celebrado entre as partes e do seu cumprimento pela Demandada, nomeadamente quanto à conformidade do bem e, na negativa, as consequências daí advenientes.
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VI- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, de acordo com a prova testemunhal e documental carreada para os autos, sendo que, para além dos documentos juntos com o requerimento inicial, o Demandante exibiu na audiência de julgamento o telemóvel objeto dos presentes autos e a Demandada, para além dos documentos juntos com a contestação, juntou dois documentos, resultaram os seguintes:
FACTOS PROVADOS
1. No dia 16.12.2013 o Demandante adquiriu para uso pessoal à Demandada um telemóvel Sony C1905 (Xperia M) Black , n.º série -----, IMEI (in) ---------, com vinculação à VPNCC-M-Madeira corporate pelo período de 24 meses.
2. O equipamento referido em 1. foi adquirido pelo Demandante à Demandada através de pontos acrescidos do montante de 138,40€, pagos por ATM na loja B Funchal, -------, n.º--, ----------- Funchal.
3. O valor de mercado do equipamento referido em 1. à data da compra era de 249,88€ (duzentos e quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
4. O equipamento referido em 1., após uma chamada, aqueceu e desligou-se não voltando a ligar-se até à presente data, tendo-o o Demandante entregue para reparação no dia 28.09.2015, na loja B1, Avenida ------, no Funchal.
5. O equipamento referido em 1., no dia 28.09.2015, foi recebido e observado pela funcionária da Demandada, D, criando a nota de reparação 1001350791, escrevendo no campo “descrição da situação”, “não liga e não carrega, desligou-se sobr. BAT 233542TWXORS. Não liga e não carrega, sobreaqueceu em demasia e desligou-se. Equipamento com riscos, marcas e mossas nas extremidades, poeiras, picos/marcas na extremidade, filtros de humidade ativos na bateria e equipamento.” Nos campos “sintomas” fez constar “não liga, problemas de carregamento, problemas de software”. No campo “Aspecto do equipamento” escreveu “Equip com riscos normais de utilização; Equip com sujidade de normal utilização; Falhas de tinta Pontuais; Ligeiramente/Picado; Marcas; Mossas” . No campo “causas” indicou “indeterminada” e no campo “acessórios recepcionados” indicou “Baterias (1) e Tampa Traseira”.
6. No dia 28.09.2015 a Demandada entregou ao Demandante um equipamento HUAWEI ASCEND W1 HSUPA DCORE PRE T, no valor de 81,89€ a título de empréstimo.
7. No dia 01.10.2015 foi feito pela Sony Xperia um relatório técnico de reparação relativo ao equipamento referido em 1, referindo-se “orçamento não aceite”, tendo o técnico escrito no relatório no campo “observações” que “equipamento recepcionado com vestígios de humidade na placa de circuito impresso, não sendo possível efectuar reparações em garantia em equipamentos nestas condições, fornecemos orçamento para substituição da placa de circuito impresso. Orçamento recusado.”
8. O relatório técnico referido em 7. tem fotografias do interior do equipamento referido em 1., onde se verifica ferrugem e o selo junto à placa de circuito tem cor vermelha.
9. Por orçamento de 05.10.2015 o Demandante foi informado que a reparação seria no valor de €105,00 (acrescido de iva), que recusou por entender que nunca deu uso indevido ao equipamento nem o expôs a ambientes húmidos.
10. No dia 30.10.2015 o Demandante fez uma reclamação junto do Serviço de Defesa do Consumidor da Secretaria Regional da Inclusão e Assuntos Sociais, Governo Regional, Região Autónoma da Madeira.
11. No dia 19.11.2015 o Gabinete de Satisfação do Cliente da Demandada dirigiu resposta ao Serviço de Defesa do Consumidor, informando que “após análise efetuada pelo Centro Técnico autorizado pela marca, foi verificado que o equipamento Sony Xperia M 3G, com o IMEI ----------------- não se encontra dentro dos parâmetros de garantia do fabricante devido ao facto de apresentar vestígios de humidade na placa de circuito impresso. Esta situação é decorrente de ações exteriores e não de defeitos de fabrico, pelo que não poderá ser reparada ao abrigo da garantia do equipamento.”
12. No dia 08.01.2016 o Serviço de Defesa do Consumidor da Secretaria Regional da Inclusão e Assuntos Sociais, Governo Regional, Região Autónoma da Madeira solicitou à Demandada, em nome do Demandante, a reapreciação da posição referida em 11 “reiterando que não submeteu o equipamento móvel a qualquer fonte de humidade, não aceitando, por isso suportar o pagamento da reparação do bem, cujo prazo de garantia ainda se encontra a decorrer”.
13. No dia 21.01.2016 o Gabinete de Satisfação do Cliente da Demandada respondeu ao Serviço de Defesa do Consumidor da Secretaria Regional da Inclusão e Assuntos Sociais, Governo Regional, Região Autónoma da Madeira, e ao Demandante, enviando relatório técnico e fotográfico feitos pela reparadora e referindo que “após reanalise efetuada pelo Centro Técnico autorizado pela marca, foi verificado que o equipamento Sony Xperia M 3G, com o IMEI ------------------- não se encontra dentro dos parâmetros de garantia de fabricante face aos danos que apresenta, pelo que não será possível a sua reparação em garantia.”
14. No dia 03.10.2016, após frustração de mediação, o Serviço de Defesa do Consumidor da Secretaria Regional da Inclusão e Assuntos Sociais, Governo Regional, Região Autónoma da Madeira enviou o processo de reclamação ao Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região Autónoma da Madeira.
15. No dia 05.05.2017 a Demandada comunicou por email ao Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região Autónoma da Madeira que mantinha a posição referida em 13. e que não pretendia submeter o processo a arbitragem.
16. No dia 10.05.2017 o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo da Região Autónoma da Madeira arquivou o processo de reclamação do Demandante por falta de adesão e comparência no dia 09.05.2017 para tentativa de conciliação pela Demandada.
17. Nas condições de assistência técnica, que entrega aos Clientes aquando da entrega de equipamentos para reparação, a Demandada, através do seu Serviço Pós Venda, compromete-se a reparar qualquer equipamento de Clientes B exceto nos casos aí excluídos, designadamente se “a avaria do equipamento estiver relacionada com a utilização fora das condições previstas pelo fabricante.”.
18. Nas condições de assistência técnica, que entrega aos Clientes aquando da entrega de equipamentos para reparação, a Demandada refere ser da “inteira responsabilidade do Cliente, o pagamento de todas as despesas inerentes ao processo de reparação, exceto nos casos em que o equipamento se encontre, comprovadamente, no período e condições de garantia definidos pelo fabricante.”
19. Nas condições de assistência técnica, que entrega aos Clientes aquando da entrega de equipamentos para reparação, a Demandada prevê que a garantia de fabrico “só é válida para o comprador, não sendo extensível a terceiros e não cobre defeitos causados, designadamente, pelo desgaste, instalação imprópria, intempéries, descargas eléctricas, ajustes incorretos, sujidade, erros de operação, negligência ou acidentes, mau manuseamento, infiltração de humidades/líquidos, utilização de acessórios não originais e intervenções técnicas por pessoal não autorizado.”
20. Aquando da entrega do equipamento para reparação é feita uma breve análise do seu aspeto geral, sendo a análise mais minuciosa remetida para a análise técnica de acordo com os procedimentos definidos pela marca.
21. O Demandante tomou conhecimento e aceitou as condições pós venda da Demandada aquando da entrega do equipamento para reparação, designadamente que para efeitos de garantia o fabricante reparará ou substituirá os equipamentos avariados, desde que a anomalia se deva, comprovadamente a defeitos de fabrico.
22. Nos termos e condições da garantia Sony para produtos de consumo constam no ponto 3. os casos que a garantia não cobre, designadamente: o não cumprimento das instruções da Sony quanto a manutenção adequada, negligência, acidentes, incêndio, líquidos, produtos químicos, outras substâncias, inundações, vibrações, calor excessivo, ventilação inadequada, picos de tensão, excesso ou fornecimento inadequado de tensão, radiação, descargas electrostáticas incluindo relâmpagos, outras forças externas e impactos.

FACTOS NÃO PROVADOS
23. A Demandada tem conhecimento que o Demandante precisa do telemóvel para o seu dia-a-dia.
24. O serviço de assistência técnica prestado não é mais do que um serviço suplementar que a Demandada presta e tem em vista a minimização dos inconvenientes para os seus Clientes decorrentes de avarias nos equipamentos e/ou acessórios para simplificação de processos de assistência técnica, através de uma uniformização das operações e procedimentos.
25. A Demandada procede sempre à substituição dos equipamentos quando justificado, sendo efetuado, por intermédio das reparadoras, os despistes e verificações necessárias, tendo em vista o respeito elo quadro legal em vigor e regulador destas matérias, nomeadamente, a conformidade do bem à finalidade a que o mesmo se destina.
26. O referido em 25. só não acontece (e não é possível) quando a falta de conformidade decorre de terem sido sujeitos a condições impróprias ou uso inadequado, isto é, manuseamento inábil, utilização imprópria ou mau tratamento.
27. Quando os equipamentos não preencham os requisitos definidos pela marca para efeitos de garantia (ou se mostre ultrapassado o respetivo período indicado pelo fabricante/produtor), o Cliente fica responsável pelo pagamento de quaisquer reparações que venham a ser efetuadas nos seus equipamentos decorrentes de avarias e/ou substituições consideradas necessárias para o bom funcionamento dos aparelhos.
28. A humidade é tão só uma consequência da sua utilização/exposição pelo Demandante, o que exclui qualquer cobertura de garantia de fabrico.
29. A responsabilidade pelos defeitos do equipamento referido em 1. deve-se ao uso que o Demandante fez do mesmo.

Os factos dados como provados em 1 a 22 assim foram considerados atendendo à prova documental junta pelo Demandante e pela Demandada aos autos e à testemunha por esta apresentada, D, sua funcionária.
Ouvido nos termos do n.º 1 do artigo 26.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, o Demandante explicou que após a realização de uma chamada o equipamento, que comprou à Demandada através do sistema de pontos e pagamento de 138,40€, ficou muito quente, de tal modo que era impossível segurá-lo na mão e que logo depois se desligou e não voltou até à data ser possível ligá-lo. Quanto ao mais, confirmou o teor dos documentos que juntou aos autos e o que descreveu no seu requerimento inicial.
A testemunha da Demandada, sua funcionária, D referiu trabalhar com telemóveis há 14 anos, na área técnica e ter sido ela quem rececionou o equipamento em causa nos autos e o encaminhou para reparação. Confirmou que, após ter sido dado o orçamento, o Demandante recusou a reparação por afirmar que não expôs o telemóvel a condições que levassem a infiltração de humidade no mesmo e que foi entregue ao cliente (Demandante) o relatório técnico do equipamento. Atendendo a que o Demandante trouxe para a audiência de julgamento o telemóvel, este foi-lhe exibido e após abertura da tampa traseira a testemunha explicou que normalmente o filtro de humidade que se encontra no telemóvel e na bateria tem a cor branca e que quando apresenta indícios de humidade assume a cor vermelha. Explicou que a humidade presente no equipamento se pode dever a várias causas como sendo suor das mãos, o ser pousado num local húmido, o estar no bolso das calças e a pessoa transpirar, o ter estado fechado dentro de um carro ao sol, entre outros motivos. Não soube no entanto dizer em concreto no presente caso qual a razão para o equipamento apresentar humidade que determinou a mudança de cor do filtro, ou se seria da responsabilidade do Demandante designadamente por má utilização deste. Referiu que existem por parte da Sony, fabricante do telemóvel do Demandante, condições de reparação de garantia especificas da marca, - cuja cópia lhe foi pedida pelo Tribunal e que ficou junta aos autos - e que estão excluídas da garantia avarias que tenham por motivo humidade/infiltrações.
Os factos dados como não provados em 23 a 29 assim foram considerados atenta a falta de prova, ou prova suficiente, pela parte a quem ela competia.
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VII – ENQUADRAMENTO JURÍDICO LEGAL
Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
O Demandante peticiona a) seja reconhecida a responsabilidade da Demandada na reposição, sem encargos, da conformidade do equipamento, mediante reparação, no montante de €105,00; b) ou que seja a Demandada condenada a substituir o equipamento no valor de €249,90, valor do telemóvel.
A presente ação funda-se no alegado incumprimento de uma obrigação por parte da Demandada, enquadrando-se, em termos de competência material deste Tribunal, na alínea h), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho.
No caso, estamos perante um contrato (de compra e venda – artigos 874.º e segs. do Código Civil) de consumo ao qual é aplicável, designadamente, a Lei n.º 24/96, de 31 de julho (doravante designada Lei de Defesa do Consumidor), e o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04 (alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05, que a alterou e complementou certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas e transpôs para o direito interno da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de maio).
Resulta do no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) da Diretiva 1999/44/CE que existe relação de consumo se o objeto do ato ou do contrato for um bem, serviço ou direito, destinado ao uso não profissional e as partes no contrato ou pessoas no ato de promoção forem, por um lado, um profissional e, por outro, uma pessoa que atue como não profissional visando a satisfação de necessidades pessoais.
Como ensina João Calvão da Silva (in Venda de Bens de Consumo, 3ª edição, pag. 59 e 60) afirma-se que o vendedor deve entregar ao consumidor os bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, n.º1 do art.º 2, consigna no nº2 desse mesmo artigo presunções ilidíveis de conformidade, valendo como regras legais de integração do negócio jurídico, suprindo a insuficiência ou inexistência de cláusulas que estabeleçam as características e qualidades da coisa a entregar ao consumidor, conforme o contratualmente acordado
O artigo 4.º da Lei de Defesa do Consumidor prevê que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”. No DL 67/2003 de 8 de abril, além de se presumir, os casos em que os bens de consumo não são conformes com o contrato, responsabiliza-se o vendedor pela falta de conformidade do bem no momento da sua entrega, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega, já existiam nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as caraterísticas da falta de conformidade do bem (n.º 2 do artigo 3.º).
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.02.2012 (www.dgsi.pt) referenciam-se assim a não conformidade do bem com a descrição que é feita pelo vendedor, não possuir as qualidades que o vendedor tenha apresentado como amostra ou modelo, não ser adequado ao uso específico para o qual o consumidor o destinou e que informou o vendedor quando celebrou o contrato, ou não ser adequado à utilização habitualmente dada a bens do mesmo tipo, e ainda não apresentar as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo, que o consumidor possa razoavelmente esperar, face à sua natureza.
Resulta pois que ao comprador apenas caberá alegar e provar o mau funcionamento da coisa durante o prazo de garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. O vendedor, terá de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega, imputável ao comprador, a terceiro, ou a caso fortuito.
Os bens destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor (artigo 4.º da Lei Defesa do Consumidor, na redação dada pelo artigo 13.º do Decreto Lei n.º 67/2003).
Por outro lado, os bens entregues pelo vendedor ao consumidor devem estar conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se que o não estão, designadamente, se não forem conformes com a descrição deles feita pelo vendedor, se não forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, ou se não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, als. a), c) e d) do Decreto Lei 67/2003).
Ora, seria expectável que um telemóvel pudesse ser utilizado para efetuar comunicações sem ter um sobreaquecimento e deixar de ser possível ligar-se, como sucedeu in casu.
Verificando-se falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem o direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição (uma ou outra dentro de um prazo razoável máximo de 30 dias, no caso de bens móveis), à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (artigos 3.º, 4.º e 5.º do DL 67/2003).
Face a uma falta de conformidade do bem (móvel ou imóvel) com o contrato, o consumidor pode dirigir-se quer ao vendedor quer ao produtor, sendo certo que a responsabilidade deste último e os direitos que se lhe podem exigir, não é tão ampla como a do vendedor (artigo 6.º do DL 67/2003, com a redação do DL 84/2008).
No artigo 4.º do DL n.º 67/2003, de 08 de abril prevê-se que tratando-se de coisa móvel, podem ser exercidos no prazo de dois anos, a contar da entrega do bem, devendo o defeito ser denunciado no prazo de dois meses, a contar da data em que tenha sido detetado (n.ºs 1 do artigo 5.º e n.º 2 do artigo 5.º-A do DL n.º 67/2003, de 08 de abril).
Assim, resulta do Decreto Lei 67/2003 que por um lado, o consumidor pode exigir do vendedor a eliminação da desconformidade sem afetar o contrato, ou seja (a) a reparação ou, quando esta não se mostre adequada ou não se tenha revelado eficaz, (b) a substituição do bem, salvo se esta for impossível ou desproporcionada (para o vendedor, em relação à reparação); e, por outro lado pode exigir o que destrói o contrato, ou seja, (c) a redução adequada do preço, ou (d) a resolução do contrato quando não tiver lugar a reparação, nem a substituição, ou o vendedor não tiver encontrado uma solução eficaz num prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor.
Reforça-se a tutela dos direitos do consumidor em termos mais amplos que os previstos no Código Civil, conferindo-lhe o direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo (direito à qualidade dos bens e serviços consumidos que têm assento constitucional).
Ora, nos presentes autos resulta provado que no dia 16.12.2013 o Demandante adquiriu à Demandada um telemóvel Sony C1905 (Xperia M) Black , n.º série YT -------------------, IMEI (in) -------------------------, com vinculação à VPNCC-M-Madeira corporate pelo período de 24 meses, através de pontos acrescidos do montante de 138,40€, pagos por ATM na loja B Funchal, Avenida ------, n.º ----, Funchal. Mais resultou dos factos provados que o equipamento adquirido pelo Demandante, após uma chamada, aqueceu e desligou-se, não voltando a ligar-se até à presente data, tendo-o o Demandante entregue para reparação no dia 28.09.2015, na loja B1, Avenida -----, no Funchal, ou seja, no período de garantia.
A desconformidade existente no telemóvel (sobreaqueceu e não liga) ocorreu no período de garantia, e cumpridos que foram, pelo Demandante os prazos de denúncia e de ação que a Lei lhe impõe, o bem é havido, por presunção legal, como desconforme com o contrato celebrado, ou seja como se os defeitos se apresentassem no momento da entrega do bem.
A tutela da confiança do consumidor na idoneidade dos bens adquiridos, que têm as qualidades asseguradas ou legitimamente esperadas, justifica a garantia contra defeitos da coisa, reportada à data da sua compra.
Competia pois ao vendedor/Demandada, provar que, a origem dos defeitos denunciados não são da sua responsabilidade, mas de outrem ou são devidos a caso fortuito.
Conforme se decidiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.05.2014 (www.dgsi.pt), para que ao contrato de compra e venda seja aplicável o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, é indispensável a prova – que vincula o comprador –, desde logo, de que o adquirente tem a qualidade de consumidor, sendo certo que o Demandante, provou que adquiriu o telemóvel em causa nos autos à Demandada para uso não profissional, que o mesmo se avariou durante o período de garantia, tudo conforme lhe competia nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
Por seu lado, cabia à Demandada elidir a presunção legal de falta de conformidade e que a responsabilidade pelos defeitos não era sua, mas imputável ao Demandante, originada no mau uso do telemóvel, conforme alegou, mas o que não logrou provar.
Peticiona o Demandante em primeiro lugar a reparação do equipamento (telemóvel) e em alternativa que seja a Demandada condenada a substituir o mesmo.
O consumidor, pode exercer em relação aos defeitos qualquer um dos quatro direitos estabelecidos no artigo 4.º da Lei do Consumidor, - reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato,- com os limites da impossibilidade ou abuso de direito.
A jurisprudência e a maioria das posições doutrinárias prevalecentes, tem entendido que o consumidor deve seguir preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou pela substituição da coisa) sempre que possível, adequada e proporcionada, conservando o negócio jurídico e só quando tal possibilidade e/ou proporcionalidade não forem viáveis, deve subsidiariamente o consumidor enveredar pela redução do preço ou, por último, pela resolução do contrato.
Ora, resulta da matéria dada como provada que a Demandada, através do serviço de assistência técnica, elaborou orçamento para a reparação do equipamento do Demandante, o que significa que a referida reposição do equipamento, sem encargos para o Demandante, é possível, pelo que deve proceder o peticionado pelo Demandante, devendo a Demandada reparar o telemóvel Sony C1905 (Xperia M) Black , n.º série YT----------, IMEI (in) --------------------.
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VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:
As custas serão suportadas pela Demandada, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12 (o n.º 10 com a redação dada pelo artigo único da Portaria n.º 209/2005, de 24-02), com custas totais €70,00 (setenta euros) a seu cargo, sem prejuízo dos 35,00€ que já liquidou com a apresentação da contestação, devendo liquidar a quantia de 35,00€ no prazo de 3 (três) dias úteis a contar do conhecimento da presente decisão sob a cominação de pagamento de sobretaxa estabelecida naquela Portaria.
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IX- DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação totalmente procedente, e em consequência decido:
1. Condenar a Demandada B, S.A. à reposição, sem encargos para o Demandante A, da conformidade do telemóvel do Demandante, Sony C1905 (Xperia M) Black-, n.º série YT--------------, IMEI (in) -----------------, mediante reparação, no montante de €105,00.
2. Condenar a Demandada nas custas do processo.
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Em relação ao Demandante A, NIF ----------, proceda-se em conformidade com o artigo 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, devolvendo-se a quantia de 35,00€ (trinta e cinco euros).
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Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive.
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Funchal, 14 de maio de 2018


A Juíza de Paz

Luísa Almeida Soares
(Processei e revi. Art.º 31 n.º 5 CPC/Art.º 18 LJP)