Sentença de Julgado de Paz
Processo: 72/2018-JPTCS
Relator: CRISTINA POCEIRO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL. PAGAMENTO DE FATURAS.
Data da sentença: 10/10/2018
Julgado de Paz de : TRANCOSO
Decisão Texto Integral:
Processo nº 72/2018 – JP Trancoso
SENTENÇA
I – RELATÓRIO:
Identificação das partes:
Demandante: A, sociedade comercial por quotas, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ---, com sede na Trancoso;
Demandado: B, portador do número de identificação civil --- e do número de identificação fiscal --- , residente na ---- Lagares, Oliveira do Hospital.
Objeto do litígio:

A demandante instaurou a presente ação declarativa de condenação pedindo, com base nos fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial, que aqui se reproduzem, que a mesma seja julgada procedente e, em consequência, que o demandado seja condenado a pagar à demandante a quantia de € 310,60 (trezentos e dez euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros vencidos desde o vencimento das faturas até à data da instauração da presente ação e juros vincendos na pendência da ação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do respetivo requerimento inicial, segundo os quais, resumidamente, no âmbito das respetivas atividades comerciais, a pedido do demandado, forneceu-lhe diversos bens que comercializa, no valor total acordado de € 460,60 (quatrocentos e sessenta euros e sessenta cêntimos), IVA incluído, permanecendo ainda em dívida o montante de € 310,60 (trezentos e dez euros e sessenta cêntimos); bens que aquele recebeu e dos quais não reclamou e que, até à data da instauração da ação, não pagou o valor remanescente em dívida, apesar de interpelado para tal.

Juntou sete documentos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Tramitação e Saneamento:
O demandado faltou à sessão de pré-mediação e não justificou a respectiva falta no prazo legal, motivo pelo qual não foi possível obter a resolução do litígio através do serviço de mediação existente neste julgado de paz.

O demandado, pessoal e regularmente citado, não apresentou contestação. Notificado para tal, faltou à audiência de julgamento e não justificou a respetiva falta no prazo legal.

A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos.
Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, pois, o julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alíneas a) e i) e 12º, nº 1, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhes foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Valor da ação: fixa-se o valor da presente ação em € 310,60 (trezentos e dez euros e sessenta cêntimos), em conformidade com a posição das partes e as disposições conjugadas dos artigos 296º, nº 1, 297º, nº 1, 305º e 306º, todos do Código Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho.
Não há exceções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Assim, cumpre apreciar e decidir:

II - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

1. A demandante é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica às atividades de comércio, distribuição e representação de bebidas e de produtos alimentares;

2. À data dos fornecimentos referidos nas faturas infra indicadas no número quatro, o demandado explorava um restaurante destinado a pizaria e pastelaria, designado “O Coreto Estrela”, localizado na Avenida dos Bombeiros, nº5, em Seia;

3. No exercício das respetivas atividades, o demandado solicitou à demandante vários fornecimentos de diversos bens, que esta aceitou fazer;

4. Para tal efeito, a pedido do demandado, a demandante forneceu-lhe águas (---Gás Limão, ---), sumos (---), cerveja (---), vinho branco (---) e tubos (CO2 e de gás), no valor total acordado de € 460,60 (quatrocentos e sessenta euros e sessenta cêntimos), IVA incluído, cujas respetivas quantidades, qualidades e preços unitários e totais se acham identificados nas seguintes faturas:

A) Fatura nº BX/1416584, emitida em 26-12-2014, com vencimento acordado para a mesma data, no valor de € 170,64 (cento e setenta euros e sessenta e quatro cêntimos);

B) Fatura nº BX/1501095, emitida em 30-01-2015, com vencimento acordado para a mesma data, no valor de € 138,91 (cento e trinta e oito euros e noventa e um cêntimos);

C) Fatura nº 15/001328, emitida em 13-03-2015, com vencimento acordado para a mesma data, no valor de € 101,05 (cento e um euros e cinco cêntimos);

D) DT/15000069, emitida em 17-03-2015, com vencimento acordado para a mesma data, no valor de € 50,00 (cinquenta euros);

5. O demandado pagou € 150,00 (cento e cinquenta euros) por conta da fatura nº BX/1416584, indicada na anterior alínea a);

6. A demandante entregou, efetivamente, todos os bens indicados nas referidas faturas ao demandado no dito restaurante;

7. Os aludidos bens foram aceites pelo demandado, sem qualquer reclamação;

8. As faturas referidas no anterior número quatro foram entregues, em mão, ao demandado no momento da entrega das mercadorias solicitadas, às quais também não apresentou qualquer reclamação;

9. Até ao presente, o demandado não apresentou qualquer reclamação quanto aos referidos bens fornecidos e recebidos, nem às referidas faturas;
10. Apesar da interpelação feita pela demandante para tal efeito, até ao presente, o demandado não pagou à demandante o valor total ainda em dívida de € 310,60 (trezentos e dez euros e sessenta cêntimos) respeitante aos fornecimentos de bens titulados pelas faturas identificadas no anterior número quatro;

Factos não provados: Não há quaisquer factos não provados a especificar com relevância para a decisão dos autos.


Motivação dos factos provados:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica dos documentos juntos aos autos pela demandante e na confissão dos factos alegados pela mesma no respetivo requerimento inicial, decorrente da citação pessoal e regular do demandado, da ausência de qualquer contestação sua e da respetiva falta injustificada à audiência de julgamento agendada nos autos, nos termos do disposto no artigo 58º, nº 2 da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho. Atendeu-se ainda às regras de repartição do ónus da prova (artigo 342º do Código Civil).
Dos documentos juntos aos autos, o tribunal atendeu à certidão permanente da matrícula da demandante junta a fls. 6 a 11 dos autos, que comprova a factualidade dada como provada sob o número 1; ao extracto de conta corrente de fls. 12 e 13 dos autos, que também comprova a factualidade dada como provada sob os números 4 e 5; às faturas de fls. 14 a 17 dos autos, que também confirmam a factualidade dada como provada sob os números 2, 3, 4 (e, respetivamente, sob as correspondentes alíneas) e 6.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
O nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, determina que “quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”. Motivo pelo qual, se consideraram provados os factos supra enunciados, uma vez que articulados pela demandante no respetivo requerimento inicial e suscetíveis de prova por confissão (artigos 352º e 354º, ambos do Código Civil, diploma a que pertencem todas as normas posteriormente referidas sem expressa menção da sua fonte legal).
De acordo com tal factualidade, as partes celebraram entre si, por referência a cada um dos fornecimentos titulados pelas faturas acima identificadas, um contrato de compra e venda comercial dos bens que nelas se acham identificados quanto às respetivas qualidades, quantidades, preços unitários e globais.
Com efeito, sendo a demandante uma sociedade comercial e o demandado uma pessoa singular que, à data dos fornecimentos dos autos, explorava, profissionalmente, um restaurante, tendo adquirido àquela bens para aí revender, as compras e vendas realizadas têm natureza subjectiva e objetivamente comercial, face ao disposto nos artigos 2º, 13º e 463º, nº 1, todos do Código Comercial (e conforme resulta dos documentos juntos aos autos acima indicados).
De acordo com o regime geral do Código Civil, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 3º do Código Comercial, o contrato de compra e venda, independentemente da sua natureza civil ou comercial, é um contrato translativo ou de efeito real imediato (produz sempre a transferência da propriedade de uma coisa ou direito); bilateral e sinalagmático (já que importa direitos e obrigações recíprocos para ambas as partes); oneroso (pressupõe atribuições patrimoniais de ambos os contraentes); sujeito ao princípio da liberdade de forma (artigos 219º e 875º, este a contrario), pelo que, tendo demandante e demandado capacidade e legitimidade negociais, os contratos dos autos são válidos e produziram os respetivos efeitos jurídicos.
A compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artigo 874º). A transmissão da propriedade dos bens, a obrigação de os entregar e a obrigação de pagar o respetivo preço são os efeitos essenciais produzidos no âmbito de tal contrato (artigo 879º). Isto é, o contrato de compra e venda tem um efeito real automático, de transmissão da propriedade dos bens vendidos (artigo 408º) e constitui efeitos obrigacionais recíprocos para as partes, ou seja, para o vendedor, a obrigação de entrega dos bens, e para o comprador, a obrigação de os pagar (conforme artigos 879º e 882º).
É, precisamente, o que ocorre no caso dos presentes autos quanto aos diversos acordos celebrados entre demandante e demandado titulados por cada uma das faturas supra indicadas, pois, conforme resulta da factualidade considerada provada, a autora demonstrou nos autos, como lhe competia, a existência das relações contratuais e a entrega dos bens ao demandado nas condições acordadas.
Segundo o artigo 762º, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e o contrato deve ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes (artigo 406º). No caso concreto dos autos, ficou demonstrado que a demandante, quanto aos fornecimentos de bens efetuados ao demandado aqui em causa, cumpriu integralmente as respetivas obrigações, pois, entregou ao demandado os bens por este solicitados, dos quais aquele se apropriou, fazendo-os seus, já que deles não reclamou, nem os devolveu (artigo 471º do Código Comercial).
O demandado, por sua vez, não cumpriu, pontualmente, a respetiva obrigação de pagar o preço ajustado à demandante, quanto aos diversos fornecimentos aqui em causa, pois, apesar de vencida a sua obrigação, não fez o pagamento da totalidade do valor do preço acordado com a demandante. Sendo que, não fez prova nos autos do contrário, atenta a respetiva conduta processual, pois, não alegou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pela demandante ao pagamento do preço aqui reclamado. Com efeito, para assim não ser, competia-lhe fazer alegação e prova de factos que impedissem a produção do efeito jurídico pretendido pela demandante, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º, o que não se verifica nos autos.
Conclui-se, assim, que o demandado faltou, culposamente, ao cumprimento pontual e integral da respetiva obrigação, sendo responsável pelo prejuízo que causou ao credor com a sua conduta, uma vez que, incumbindo-lhe o ónus de provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artigos 798º e 799º), também não fez prova de tal facto.
De acordo com o disposto nos artigos 804º e 806º, verificando-se um retardamento do pagamento do preço, por causa imputável ao devedor, este constitui-se em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados à demandante, aqui também peticionados pela mesma. Como se trata de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, e se a obrigação tiver prazo certo, como ocorre no caso dos autos, o devedor fica constituído em mora a partir dessa data [artigo 805º, nº 2, alínea a)], isto é, no caso em apreço, a partir da data de vencimento de cada uma das faturas aqui em causa.
Atento o exposto, a demandante tem, efetivamente, direito ao pagamento da quantia global de capital ainda em dívida de € 310,60 (trezentos e dez euros e sessenta cêntimos) e dos respetivos juros de mora comerciais vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas aqui em causa até à data da instauração dos presentes autos (09-08-2018), calculados às respetivas taxas legais e semestrais estabelecidas para tal período de 8,15% (Aviso nº 8266/2014, de 16-07), de 8,05% (Aviso nº 563/2015, de 19-01, Aviso nº 7758/2015, de 14-07 e Aviso nº 890/2016, de 27-01) e de 8,00% (Aviso nº 8671/2016, de 12-07, Aviso nº 2583/2017, de 14-03 e Aviso nº 8544/2017, de 01-08, Aviso nº 1989/2018, de 13-02 e Aviso nº 9939/2018, de 28-06), conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 102º, nº 5 do Código Comercial e dos aludidos Avisos, todos da Direção Geral do Tesouro e Finanças, na importância total ora liquidada de € 86,48 (oitenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), atenta a mera necessidade de se efetuar um simples cálculo aritmético, bem como dos vincendos desde 10-08-2018 até efetivo e integral pagamento, como também peticionou.

IV- Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condeno o demandado, B, a pagar à demandante a quantia global de € 397,08 (trezentos e noventa e sete euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais vincendos, à taxa legal, sobre o capital em dívida de € 310,60 (trezentos e dez euros e sessenta cêntimos), calculados desde 10-08-2018 até efetivo e integral pagamento.

As custas totais, no valor de € 70,00 (setenta euros), são a cargo do demandado, que declaro parte vencida, sendo que tal importância deve ser paga nos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena de aplicação e liquidação de uma sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, até ao valor de € 140,00 (cento e quarenta euros), atento o disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código do Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e nos artigos 1º, 8º e 10º, todos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, na redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro.

Reembolse-se a demandante, nos termos do artigo 9º da mesma Portaria.

Notifique e registe.
Vila Franca das Naves, 10 de outubro de 2018

A juíza de paz,

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(Cristina Maria da Costa Rodrigues Poceiro)
Processado por meios informáticos (artigo 131º, nº 5 do Código de Processo Civil), versos em branco e revisto pela signatária.---