Sentença de Julgado de Paz
Processo: 95/2013-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: SPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 08/14/2013
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc.º 95/2013-JP
Demandante: A
Demandada: B
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OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante propôs contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea h) do nº1 do art.º 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, tendo sido peticionado a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00.
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A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls.59 a 63.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo como da respetiva ata se alcança.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território (art.º 12º da Lei 78/2001 de 13 de Julho e art.º 774º do C.Civil) e do valor que se fixa em € 5.000,00 – art.ºs 306º nº1 e 315º nº2, ambos do C.P. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (Demandante e Demandada, por representação – art.º 21º do C.P. Civil) e são legítimas.

FACTOS PROVADOS
A. A Demandante é uma empresa de serviços do ramo imobiliário, que se dedica em exclusividade à mediação de propriedades, com a Licença AMI nº x.
B. Fazendo uso do telefone e Internet, uma das ferramentas essenciais da sua atividade para comunicar com o exterior.
C. Para o efeito a Demandante possuía (e possui) 3 linhas de rede telefónicas da PT com os números xxxxxxxx, xxxxxxxx e xxxxxxxx e internet a elas associada.
D. Foi apresentado um pedido de portabilidade, na loja do Porto da TV Cabo, referente ao número 226094007 subscrito em 26/01/2011.
E. A portabilidade foi solicitada por C.
F. No dia 24/02/2011, ocorreu a efetiva portabilidade do número XXXXX.----
G. No dia 25 de Fevereiro de 2011, logo pela manhã, a Demandante ficou deixou de ter acesso às linhas telefónicas e internet referidas em C. supra.
H. Contactada de imediato a PT (Apoio ao Cliente) para saber o que se passava, foi transmitido à Demandante que as linhas de rede tinham sido portadas para a Zon, a pedido desta.
I. Sem qualquer autorização da Demandante.
J. Nesse mesmo dia, a Demandante participou o facto à ANACOM - Autoridade Nacional de Comunicações.
K. A TV Cabo, no dia 28/02/2011 recebeu a reclamação da Demandante.
L. Reclamou ainda para o Provedor de Justiça.
M. Logo que a Demandante apresentou a reclamação, a Demandada procedeu à anulação do pedido de portabilidade com efeitos a partir do dia 15/03/2011.
N. A Demandante, por estar privada das linhas telefónicas durante cerca de 20 dias, sofreu prejuízos em montante não apurado.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final, sendo que os factos constantes de A e B., se consideram admitidos por acordo – nº2 do art.º 490º do C.P. Civil.
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Quanto aos factos não provados, resultaram da ausência ou prova convincente sobre os mesmos.
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O DIREITO
Com a presente ação, pretende a Demandante ser ressarcida pela Demandada por alegados prejuízos que sofreu no montante de € 5.000,00.
Alegou para tanto e em síntese, ser uma empresa de serviços do ramo imobiliário, dedicando-se em exclusividade à mediação de propriedades, fazendo uso do telefone e Internet, uma das ferramentas essenciais da sua atividade para comunicar com o exterior, possuindo 3 linhas de rede telefónicas da PT com os números xxxxxxx, xxxxxxxx e xxxxxxx e internet a elas associada. Mais alegou, que no dia 25 de Fevereiro de 2011, logo pela manhã, ficou sem comunicações com o exterior, tendo contactado de imediato a PT (Apoio ao Cliente) para saber o que se passava, foi-lhe transmitido que as linhas de rede tinham sido portadas para a B, a pedido desta, tendo tal acontecido sem qualquer autorização da Demandante.
Ora, face ao alegado, estamos no âmbito da responsabilidade civil extra contratual ou aquiliana, resultante da violação de direitos absolutos, tal como definida no art.º 483.º do Código Civil: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, que condicionam a obrigação de indemnizar, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – é o que resulta do citado artigo.
Assim, para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
A Demandada contesta a sua responsabilidade, pois diz ter cumprido todos os procedimentos a que estava obrigada, uma vez que, na sequência de um pedido de portabilidade, efetuado na loja do Porto da TV Cabo, referente ao número xxxxxxxx subscrito em 26/01/2011, portabilidade essa, solicitada por C, deu início ao processo de portabilidade, tendo a mesma ocorrido no dia 24/02/2011.
Será que lhe assiste razão? Vejamos.
No Regulamento da Portabilidade nº 58/2005 de 18 de Agosto, entretanto alterado pelo Regulamento nº 87/2009 de 18 de Fevereiro e pelo Regulamento nº 302/2009 de 16 de Julho, aplicáveis à situação em análise, face à data dos factos - 2011 estão definidos os princípios gerais a observar pelos prestadores com obrigações de portabilidade.
O processo de portabilidade está definido no art.º 9º, nomeadamente no que concerne aos procedimentos administrativos fundamentais:
- Cessação ou alteração do contrato celebrado com o PD, nos termos do art.º 10º e 11º;
- Pedido de portabilidade apresentado pelo assinante ao PR, nos termos dos art.ºs 12º e 14º;
- Pedido eletrónico de portabilidade transmitido pelo PR ao PD, nos termos dos art.ºs 12º a 14º.
Consta do art.º 10º, que diz respeito à denúncia do contrato, na redação dada pelo Regulamento nº 87/2009 de 18/02:
I - A portabilidade implica a cessação do contrato existente entre o assinante que pretende a portabilidade e uma determinada empresa e a celebração de um novo contrato com outra empresa para onde o número ou números em causa são portados.
2 - A denúncia contratual, devidamente identificada como sendo para efeitos de portabilidade, é dirigida ao PD e entregue pelo assinante ao PR, devendo este verificar o documento de denúncia, em particular a conformidade da respetiva assinatura com a do documento de identificação apresentado (Cartão de Cidadão, Bilhete de Identidade, Título de Residência ou Passaporte). Tratando-se de pessoa coletiva, deve igualmente ser apresentado ao PR documento que comprove a capacidade do signatário para assinar a denúncia em representação da pessoa coletiva.
3 - O PR deve enviar mensalmente ao PD, por qualquer meio que permita a correta identificação do assinante e respetiva assinatura, os documentos de denúncia relativos às portabilidades efetivadas nos 30 dias anteriores, salvo acordo entre as empresas que estabeleça um procedimento diferente.
Sendo a Demandada, para efeitos do Regulamento de Portabilidade o PR (recetor da portabilidade) está obrigada a tomar determinados procedimentos, revestindo desde já de particular importância, o vertido do ponto 2: a conformidade da respetiva assinatura com a do documento de identificação apresentado.
Ora, consta a fls. 64 e 65, um formulário de transferência de número de telefone/denúncia contratual à Operadora de rede fixa detentora do número, preenchido com o nome de Sara Raquel Pinheiro de Sousa e referente ao número fixo de telefone xxxxxxxx, identificando o respetivo B.I. (que se encontra, aliás anexo a fls.65) e subscrito pela mesma. Trata-se de um pedido efetuado por uma pessoa singular, logo a exigência prevista no citado Regulamento era a verificação da conformidade da respetiva assinatura com a do documento de identificação apresentado, o que coincide – de facto, a assinatura é igual à que consta do Cartão de Cidadão anexo.
Nos termos do art.º 12., na redação dada pelo Regulamento nº 302/309 de 16/07 – O pedido de portabilidade é transmitido pelo PR ao PD (detentor do número), por via eletrónica - pedido eletrónico de portabilidade - com uma proposta de três opções distintas de janela e dia, obrigatoriamente abrangendo dois dias úteis seguidos, por ordem de prioridade, das quais o PD é obrigado a aceitar uma, atento o disposto nos nºs 8 e 9 do presente artigo, devendo a transmissão ser efetuada com uma antecedência mínima de 48 horas que decorram de forma seguida em dias úteis relativamente à primeira opção, no tempo, proposta.
Prescreve o nº2 do art.º 13º que pode haver recusa do pedido eletrónico pelo PD nos seguintes casos:
a) Quando o número não seja portável nos termos do n.º 2 do artigo 3º;
b) Quando esteja pendente pedido de alteração do número;
c) Quando o número do documento de identificação (Cartão de Cidadão, Bilhete de Identidade, Título de Residência, Número de Identificação Fiscal ou Passaporte) do assinante no pedido de portabilidade não corresponda ao existente no PD para o (s) número(s) a portar, ou caso não seja possível a verificação destes elementos por ausência dos mesmos nos registos deste prestador e, simultaneamente, o nome do titular não corresponda àquele que figura no PD para esse(s) número(s), exceto no caso de identificações com mais de três nomes, em que bastará que correspondam três nomes, na mesma sequência;
d) Quando o SIM não exista, não corresponda ao MSISDN ou se encontre perdido ou extraviado, no caso de números do serviço telefónico móvel;
e) Quando existam problemas do foro da defesa nacional;
l) Por qualquer outro motivo que venha a ser expressamente definido pelo regulador.
Acrescenta o nº3:
3 - Nos casos referidos no número anterior, a recusa é obrigatória (sublinhado nosso), devendo ser logo indicada a respetiva causa.
Quer isto dizer que, in casu, o detentor do número xxxxxxxxxx (a PT) deveria ter recusado a respetiva portabilidade, uma vez que, o mesmo estava atribuído à Demandante, pessoa coletiva, daí que a responsabilidade pela efetiva portabilidade deva ser imputada ao PD e não ao PR, pois no que concerne a este, não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos supra referidos, os quais são, aliás, cumulativos, pois, foi, na sequência do pedido de portabilidade efetuado que a Demandada desencadeou todo o processo de portabilidade, tendo observado os procedimentos que lhe eram exigidos pelo Regulamento supra citado, pelo que, não se encontra obrigada a indemnizar a Demandante pelos prejuízos por si sofridos, os quais embora não concretamente apurados, sempre seriam relegados para liquidação de sentença – nº 2 do art.º 661 do C.P. Civil, caso se verificasse o nexo de causalidade entre o comportamento da Demandada e o respetivo dano.
Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações, deverá improceder a presente ação.
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DECISÃO:
Pelo exposto, julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo a Demandada do peticionado.
Custas pela Demandante, em conformidade com os artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 14 de Agosto de 2013

A Juíza de Paz

(Cristina Barbosa)