Sentença de Julgado de Paz
Processo: 568/2017-JPPRT
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO - LOCAÇÃO DE IMÓVEIS
Data da sentença: 05/30/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc. nº 568/2017

I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente ação declarativa respeitante ao arrendamento urbano contra B e C, melhor identificados a fls. 2, pedindo a condenação dos mesmos a pagarem-lhe a quantia de 1.012,31 € ou, subsidiariamente, o montante de 918,47 €, sendo 112,31 € de despesas de eletricidade e água e 806,16 € correspondente à sobretaxa de 50% sobre as rendas pagas com atraso, tudo acrescido de juros a que haja lugar até integral pagamento.
Para tanto, o demandante alegou, em síntese, que deu de arrendamento à 1ª demandada, em 10/11/2015, um apartamento tipo T2, situado na Rua -----------, n.º --- – 3º Dtº, freguesia e concelho de Santo Tirso, sendo o 2º demandado o respetivo fiador, mediante a renda mensal acordada verbalmente de 400,00 €, apesar de ter ficado a constar no contrato o valor de 250,00 €, a pedido da 1ª demandada, a pagar até ao dia 15 do período mensal anterior ao que se referissem, ficando esta de pagar a água diretamente ao fornecedor e a eletricidade ao senhorio, juntamente com a renda. Mais alegou que a 1ª demandada denunciou o contrato através de notificação judicial avulsa em 20/03/2017, tendo entregado o locado em 14/08/2017, mas tendo deixado por pagar as despesas de água e eletricidade após Abril de 2017, alegando que tal não lhe competia, além de ter passado a pagar a renda com o atraso de um mês a partir de Janeiro de 2017 e de ter reduzido o seu valor mensal para 250,00 € em vez dos 400,00 € acordados.
Para prova da factualidade alegada, o demandante juntou aos autos três documentos.
Regularmente citados, os demandados não apresentaram contestação.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que os demandados faltaram à mesma, afastando tacitamente essa possibilidade.
Foi, por isso, marcada a audiência de julgamento, mas os demandados não compareceram à mesma, sem que tenham vindo a apresentar justificação.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 a) e g) e 12º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, este último em conjugação com o disposto no artigo 774º do Código Civil).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, exceções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer.
Isto posto, fixa-se o valor da ação em 1.012,31 € (cfr. artigo 297º, n.os 1 e 2 do CPC).
Assim, cabe apreciar e decidir:

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Nos termos do artigo 58º, nº 2 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, consideram-se confessados os factos alegados pelo demandante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que corresponde no essencial à síntese da sua posição acima apresentada.
Assim sendo, dá-se aqui igualmente por reproduzido o teor dos documentos juntos pelo demandante como suporte probatório da sua alegação.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
O contrato estabelecido entre as partes enquadra-se no regime jurídico da locação de imóveis, regulado pelo disposto no artigo 1022º e segs. do Código Civil. De facto, a locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, na definição lapidar do preceito legal acima citado. Quando incida sobre bens imóveis para habitação, a locação toma o nome de arrendamento urbano (cfr. artigos 1023º e 1064º do Código Civil).
Ora, de entre as obrigações do locatário avulta a de pagar a renda (cfr. artigo 1038º do Código Civil), a qual deve ser paga pontualmente, nos termos do artigo 406º, nº 1 do Código Civil. Nos casos em que o locatário se constitua em mora, o locador tem o direito de exigir, além rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento (cfr. artigo 1041º, nº 1 do Código Civil).
Além disso, como resulta do artigo 1078º, nº 1 do Código Civil, as partes podem estipular, por escrito, o regime dos encargos e despesas, sendo certo que, neste caso, a cláusula 6ª do contrato de arrendamento estipula que a inquilina se responsabiliza pelo pagamento direto de todas as despesas referentes a eletricidade e água, desde que respeitem a esta habitação.
Porém, a 1ª demandada pagou a renda com atraso e por valor inferior ao acordado verbalmente.
Em primeiro lugar, importa ter em conta que o arrendamento urbano é um contrato formal, devendo ser submetido à forma escrita (cfr. artigo 1069º do Código Civil). Nessa medida, as estipulações verbais acessórias anteriores ou contemporâneas ao mesmo são nulas, tanto mais que, no caso em apreço, se lhes aplicam as razões determinantes da forma legal (cfr. artigo 221º do Código Civil). Ora, a nulidade é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 286º do Código Civil). Deste modo, como é evidente, não pode ser considerada a renda mensal de 400,00 € apalavrada entre as partes, dado que prevalece o que consta do contrato de arrendamento. Na verdade, a partir do momento que admite simular parcialmente a renda, o demandante aceita o risco de não poder cobrar a parte da mesma não formalmente convencionada, em caso de incumprimento da arrendatária. Aliás, como se sabe, a simulação da renda comporta para o senhorio a prática de ilícito fiscal, a menos que este declare à Administração Tributária o valor total recebido. Contudo, isso não significa que a demandada possa vir repetir o indevido, desde logo face ao caráter de execução continuada do contrato de arrendamento, uma vez que, neste caso, a nulidade da cláusula 2ª do mesmo não deve abranger as prestações já efetuadas (cfr. artigo 434º, nº 2 do Código Civil, aplicável por analogia). De resto, a demandada tinha obrigação natural de pagar a renda verbalmente acordada, tendo-a cumprido voluntariamente, apesar da mesma não lhe ser exigível.
Nessa medida, o demandante não tem direito à parcela da renda que a 1ª demandada não pagou entre Janeiro e Junho de 2017.
Por outro lado, a conjugação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 1041º do Código Civil deixa entrever que, se pretender receber a indemnização moratória, o senhorio deve recusar o recebimento da renda ou devolver aquela que tiver recebido tardiamente. Contudo, tendo recebido a renda que foi paga para além do prazo previsto no nº 2 do mesmo preceito legal, o senhorio fica privado da respetiva indemnização moratória, sob pena de abuso de direito (cfr. artigo 334º do Código Civil).
Deste modo, tendo a 1ª demandada efetuado o pagamento integral da renda devida, ainda que tardiamente, sem que o demandante tivesse recusado o seu recebimento nem devolvido o seu montante, não tem a mesma que pagar a indemnização moratória.
Face ao exposto, resta em dívida o valor de 112,31 € relativo às despesas de água e eletricidade, que a demandada não pagou, apesar de lhe competir essa obrigação, nos termos acordados.
Por seu turno, o 2º demandado obrigou-se pessoal e solidariamente com a 1ª demandada, na qualidade de fiador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, a cumprir as obrigações da mesma emergentes do referido contrato de arrendamento, pelo que responde igualmente pelo pagamento do referido montante em dívida (cfr. artigos 627º, 628º e 634º do Código Civil).
Finalmente, atento o disposto nos artigos 804º a 806º do Código Civil, o capital em dívida vence juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação dos demandados (22/11/2017) até ao seu efetivo e integral pagamento, como forma de ressarcir o demandante dos prejuízos causados com a sua mora.

V. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno os demandados a pagarem solidariamente ao demandante a quantia de 112,31 € (cento e doze euros e trinta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a data da citação até ao efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.
Custas pelos demandados, nos termos do artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, conjugado com o disposto na cláusula 8ª do contrato de arrendamento.
Registe e notifique.
Porto, 30 de maio de 2018

O Juiz de Paz,


(Luís Filipe Guerra)