Sentença de Julgado de Paz
Processo: 123/2006-JP
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPOSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 12/07/2006
Julgado de Paz de : OLIVEIRA DO BAIRRO
Decisão Texto Integral:
Acta de Audiência de Julgamento
E
Sentença
(nº 1, do artº 26º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho)

Processo nº 123/2006-JP
Objecto: Responsabilidade civil.
(alínea h), do nº 1, do artigo 9º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho)

Demandante: A
Mandatário: B

Demandada: C
Mandatário: D

Valor da Acção: € 1.936 (mil novecentos e trinta e seis euros).

Requerimento inicial
O demandante intentou a presente acção pedindo a condenação da demandada no pagamento da reparação da viatura, que ascendeu a €1.936 (mil novecentos e trinta e seis euros), IVA incluído, tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, a folhas 1 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Alega, em síntese, que em 5 de Fevereiro de 2006 comprou à demandada um veículo automóvel marca Seat, matrícula NO, tendo-lhe sido concedida a garantia de um ano. Passados poucos meses, ainda durante o período de garantia, o veículo avariou, o que o demandante comunicou à demandada, que o informou para colocar o veículo a reparar na oficina E, em Aveiro. Após a reparação, quando o demandante foi buscar o seu veículo, o gerente da referida E, comunicou ao demandante que tinha de proceder ao pagamento de €1.600, acrescido de IVA, pois a seguradora da demandada só pagava a importância de €275. Por diversas vezes o demandante entrou em contacto com a demandada com vista a que esta pagasse a reparação e solucionasse a situação, o que esta nunca fez. Juntou 4 (quatro) documentos.

Contestação
Procedeu-se à citação da demandada, que contestou, a fls. 14 dos autos, alegando que “(…) transferiu a responsabilidade por possíveis avarias, no âmbito da garantia, para uma companhia de seguros (...)”, pelo que, consequentemente, nada tem a pagar ao demandante. Mais alega que “sabe que a companhia de seguros mandou fazer peritagem à viatura por um perito seu, que deve ter concluído que a avaria não estaria abrangida pela garantia e daí a recusa de pagamento total da reparação” e que tendo o demandante andado com o carro cerca de 70.000 Km, em 7 ou 8 meses, a avaria foi ocasionada por desgaste natural de utilização.

Tramitação
As partes aderiram à mediação, tendo esta sido realizada em 24 de Novembro de 2006, durante a qual as partes não lograram obter qualquer acordo. Em consequência manteve-se a data para audiência de julgamento, 30 de Novembro de 2006, pelas 10:30 horas, já anteriormente notificada às partes.

Audiência de Julgamento
Iniciada a audiência, na presença do demandante, e dos mandatários, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1, do artº 26º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, não tendo esta diligência sido bem sucedida.

Audição das partes
Advertido e ajuramentado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 559º do Código de Processo Civil, o demandante confirmou o teor do requerimento inicial, esclarecendo que o veículo é da marca seat, do ano de 1999. Quem “anda” com o carro é o seu pai e, desde logo, após a compra, o carro começou a ter problemas, primeiro, logo no dia em que se foi buscar o carro ao stand da demandada, em que o carro não subia, e o segundo, pouco tempo depois, com uma porta. Nestas duas situações a demandada procedeu às devidas reparações. Quando o veículo começou a ter o novo problema (“soluçava” quando circulava a uma velocidade baixa e fazia um barulho estranho após ser desligado) o seu pai foi, mais uma vez, ao stand da demandada, tendo o C lhe indicado, primeiro uma oficina em Barouco (a qual não conseguiu solucionar o problema), posteriormente a F (que também não conseguiu) e, só então, a E. O Pai do demandante levou o carro a essas três oficinas porque o sócio gerente da demandada lhe indicou essa oficinas para ir, caso contrário não o teria feito e, fizeram-no, convictos que a reparação do carro estaria a cargo da demandada ou da sua Companhia de Seguros. Quando o seu pai foi buscar o carro à oficina, foi-lhe dito que a Companhia de Seguros só pagaria cerca de € 275, e que ele teria de pagar o remanescente, cerca de € 1.600, não conseguindo concretizar o montante certo.

Audição das testemunhas
Apresentadas pelo demandante:
1 – G, casado, reformado, portador do bilhete de identidade nºx, emitido em 22/09/2005, pelos Serviços de Identificação Civil de Coimbra, residente em, Penacova.
2 – H, casado, contabilista, portador do bilhete de identidade nº x, emitido em 13/10/2005, pelos Serviços de Identificação Civil de Coimbra, residente em São Pedro D’Alve.
Apresentadas pela demandada:
1 – I, solteiro, maior, vendedor, portador do bilhete de identidade nº x, emitido em 08/01/2003, pelos Serviços de Identificação Civil de Aveiro, residente em Souselas.
As testemunhas, após cumprimento do disposto nos artigos 559º, nº 1, e 635º, ambos do Código de Processo Civil, disseram o seguinte:
A primeira testemunha, referiu ser pai do demandante, pretendendo depor, apesar de poder não o fazer, por ter conhecimento fáctico de toda a situação por ser ele que utiliza o veículo, não o seu filho. Disse que o veículo (marca seat, do ano de 1999), foi comprado em Fevereiro de 2006, com 109.000 quilómetros. Conformou ser ele quem utiliza o carro, o qual, logo no dia em que o foi buscar ao stand da demandada se avariou, tendo a demandada procedido à sua reparação. Pouco tempo depois, verificou existir um defeito numa porta, tendo também a demandada procedido à devida reparação. Acrescenta que cerca de 1 ou 2 meses após a compra começou a verificar que o carro fazia um barulho estranho após ser desligao e quando circulava a uma velocidade baixa “soluçava”, o que transmitiu ao C que lhe disse para levar o veículo a uma oficina em Barouco, a qual não conseguiu detectar e solucionar o problema; Posteriormente indicou-lhe a oficina F, que também não detectou ou solucionou o problema e, por último, disse-lhe para levar o carro à E, o que fez. Quando foi foi buscar o carro à oficina, foi-lhe dito que a Companhia de Seguros só pagaria cerca de €275, e que ele teria de pagar o remanescente, cerca de €1.600, não conseguindo também concretizar o montante certo. Posto isto, e tendo o contacto da oficina, com o acordo da demandada, telefonou-se para a mesma tendo o J, comunicado à Juíza de Paz, que a factura que se encontrava em dívida ascendia a €1.373,46 (IVA incluído), e que, após submeter o veículo a uma análise computorizada substituíram as seguintes peças ao veículo: disco de embraiagem e bimassa (colocando um Kit embraiagem bimassa), assim como um rolamento. A testemunha, pai do demandante, acrescenta que só levou o carro à referida E, porque estava convicto que a reparação do carro seria a cargo da demandada ou da sua Companhia de Seguros. Quando questionado de quantos quilómetros andou com o carro, referiu cerca de 40.000 Km, tendo, a instâncias da Juíza de Paz, referido que foi 2 vezes a França. Inquirido se não considerava estranho ir fazer duas grandes viagens num carro onde havia detectado um problema, respondeu que não, pois o Sr. José Seco disse-lhe para deixar andar que se veria melhor o que seria quando o carro parasse. Acrescentou que sabe que fez cerca de 40.000 Km pois fez 4 revisões ao carro (cada uma feita de 10.000 em 10.000 Km).
A segunda testemunha do demandante disse ter feito, no veículo, duas viagens a França (cada viagem com cerca de 2.600 km, ida e volta), com o Pai do demandante: uma em Abril e outra no verão de 2006. Disse que na primeira viagem foi ele que conduziu devido ao problema físico do Pai do demandante, numa perna, tendo reparado que quando desligava o carro o mesmo fazia um barulho estranho e que, quando arrancava, o carro “soluçava”. Tendo-lhe sido perguntado se tinha falado desse problema com o pai do demandante, disse que sim, e relativamente à reacção deste, se este lhe comunicou que já detectara o problema, ou não, referiu que o pai do demandante lhe disse “nunca reparei”.
A testemunha apresentada pela demandada disse que trabalha para a mesma, sendo vendedor, mas que também faz algumas reparações, que na demandada faz de tudo, mas não tem formação específica de mecânico. Que ele andou e verificou o estado do veículo antes do mesmo ser vendido ao demandante, sendo que o mesmo estava em bom estado. Confirma que o carro fez 4 revisões, as quais são feitas de 10.000 em 10.000 Km e que, no dia em que o mesmo foi entregue ao pai do demandante o mesmo avariou-se, tendo a demandada procedido à sua reparação, assim como a uma outra, de uma porta. Considera normal o carro ter tido a avaria no próprio dia em que foi entregue. Nunca presenciou qualquer conversa entre pai do demandante e o C, pelo que não sabe quando o pai do demandante comunicou ao C a avaria em questão. Aceita que uma avaria na bimassa ou na embraiagem pode ter sido ocasionada por má utilização feita por quem vendeu o carro à demandada, como pelo pai do demandante, com quem nunca andou de carro. Acrescenta que se o carro não estivesse bom, o pai do demandante não poderia ter feito cerca de 40.000 Km com ele.
Após os mandatários das partes proferirem as suas bem fundamentadas alegações, a audiência foi suspensa, agendando-se a sua continuação, para leitura de sentença, para o dia 7 de Dezembro de 2006, pelas 14:00 horas.

Fundamentação fáctica
Ficou provado que:
1 – Em 5 de Fevereiro de 2006 o demandante comprou à demandada o veículo automóvel, marca Seat, matrícula NO, do ano de 1999.
2 – A demandada concedeu a garantia de um ano ao veículo.
3 – Durante o período de garantia concedido, o veículo avariou, o que o pai demandante comunicou à demandada.
4 – O sócio gerente da demandada, após indicar ao pai do demandante duas oficinas onde proceder á reparação do veículo, que nada detectaram, indicou a oficina E, em Aveiro, para proceder à reparação do veículo.
5 – Após a reparação do veículo, quando o pai do demandante foi buscar o mesmo, o gerente da E, comunicou-lhe que tinha de proceder ao pagamento da reparação, reduzido do montante de €275, que a seguradora da demandada pagaria.
6 – O custo da reparação efectuada pela E, ascende a €1.373,46 (mil trezentos e setenta e três euros e quarenta e seis cêntimos), IVA incluído.
7 – Na E, após submeter o veículo a uma análise computorizada, substituíram o disco de embraiagem, bimassa e rolamento do veículo.
8 – O pai do demandante andou com o veículo cerca de 40.000 quilómetros.
9 – A demandada transferiu para uma Companhia de Seguros a sua responsabilidade relativamente à garantia de bom funcionamento do bem vendido.
10 – A Companhia de Seguros assume como sendo da sua responsabilidade o pagamento de €275 (duzentos e setenta e cinco euros) da reparação.
11 – Por diversas vezes o demandante entrou em contacto com a demandada com vista a que esta pagasse a reparação e solucionasse a situação, o que esta nunca fez.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente os alegados na contestação.
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, o depoimento do demandante, os testemunhos e os documentos juntos aos autos.

O Direito
Entre demandante e demandada foi celebrado um contrato de compra e venda, definido no artigo 874º, do Código Civil, subordinado ao regime previsto no artigo 921º, do mesmo Código, que estipula que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador” (nº 1), acrescentando o seu nº 2 que “No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior”, e o nº 3 que “O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido”.
Contudo, no caso sub judice, estamos perante uma compra e venda para consumo, nos termos da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs a Directiva n.º 1999/44/CE, de 25 de Maio), ou seja, o objecto do contrato é um bem destinado ao uso não profissional e as partes no contrato são, por um lado, um profissional (a demandada) e, por outro, uma pessoa particular (não actua como profissional), visando a satisfação de necessidades pessoais, ou seja o demandante (cfr. artigo 1º, nº2, alínea a) da Directiva 1999/44/CE, citada). Neste âmbito, prescreve a Lei de Defesa do Consumidor, no artigo 4º, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”; complementada pelo prescrito no já citado Decreto-Lei nº 67/2003 que, além de presumir os casos em que os bens de consumo não são conformes com o contrato (nº 2 do artigo 2º), responsabiliza o vendedor pela falta de conformidade do bem no momento da sua entrega, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (no caso de coisas móveis, aceitando-se a redução do prazo para um ano, no caso de coisas móveis usadas) a contar da data de entrega, já existiam nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade do bem (artigo 3º), prescrição com importantes reflexos a nível do ónus da prova: o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa durante o prazo de garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega, enquanto que o vendedor, para se ilibar da responsabilidade, terá de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega, imputável ao comprador, ou a terceiro, ou é devida a caso fortuito. Acresce que os direitos do consumidor previstos no artigo 4º desse Decreto-Lei (reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato), tratando-se de coisa móvel podem ser exercidos no prazo de dois anos, a contar da entrega do bem, prazo que, no caso de coisa móvel usada, pode, por acordo das partes, ser reduzido para um ano, devendo o defeito ser denunciado no prazo de dois meses, a contar da data em que tenha sido detectado (nºs 1, 2 e 3 do artigo 5º).
Ora, nos presentes autos resulta provado que a viatura foi adquirida em 5 de Fevereiro de 2006 e que a avaria se manifestou em durante a vigência da garantia concedida. Provado ficou que a avaria não foi a primeira ocorrida após a venda e que foi a demandada que indicou ao demandante a oficina E, para proceder à reparação do veículo. Por sua vez a demandada não logrou provar que a causa da avaria verificada na viatura foi posterior à entrega, é imputável ao demandante, a terceiro ou a caso fortuito. Neste âmbito, cumpre pronunciarmo-nos quanto à transferência da responsabilidade da demandada, por possíveis avarias, para uma companhia de seguros. Não ficou provado os termos e condições concretas dessa transferência de responsabilidade, ou seja, quais as avarias que se encontrariam abrangidas nessa transferência de responsabilidade, se a avaria verificada no veículo estava nesse âmbito, se não qual a razão; contudo, mesmo que a avaria verificada no veículo não esteja coberta pelo seguro celebrado pela demandada, desse facto não pode resultar, para o demandante, a perda de qualquer um dos direitos acima referidos, conferidos por Lei ao consumidor, sendo a demandada responsável pela pela falta de conformidade do bem, consequentemente pela sua reparação.
Deste modo, tendo em consideração os factos dados como provados, e o disposto na legislação aplicável ao caso concreto, o demandante tem direito a exercer qualquer um dos direitos consignados no artigo 4º, invocáveis alternativamente, pelo que, tendo optado pela reparação do bem, é a demandada responsável pelo custo da mesma.
Contudo, apreciando o pedido do demandante (de pagamento da reparação da viatura, que ascende a € 1.936, IVA incluído), verificamos que ficou provado que o valor da reparação da viatura não ascende a esse montante, mas sim a € 1.373,46 (mil trezentos e setenta e três euros e quarenta e seis cêntimos), IVA incluído.

Decisão
O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Em face do exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e consequentemente condeno a demandada a pagar o preço da reparação efectuada no veículo matrícula NO, que ascende a € 1.373,46 (mil trezentos e setenta e três euros e quarenta e seis cêntimos).

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, condeno demandante e demandada no pagamento das custas processuais, na proporção de ¼ para o demandante e ¾ para a demandada. Consequentemente, a demandada deverá proceder ao pagamento de € 17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10 (dez euros) por cada dia de atraso. Devolva-se ao demandante a quantia € 17,50 (dezassete euros e cinquenta cêntimos), em cumprimento do disposto no número 9 da referida Portaria.
A sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida e notificada às partes, e seus mandatários, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, ficando as mesmas cientes de tudo quanto antecede.
Registe e arquive.
Julgado de Paz de Oliveira do Bairro, em 7 de Dezembro de 2006
A Juíza de Paz

(Sofia Campos Coelho)