Sentença de Julgado de Paz
Processo: 24/2018-JPTRF
Relator: IRIA PINTO
Descritores: PRESTAÇÃO SERVIÇOS MÉDICOS
Data da sentença: 04/18/2018
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral:
Sentença

Processo nº 24/2018-JP
Relatório
A demandante .................................., S.A., melhor identificada a fls. 3, intentou, em 18/1/2018, contra a demandada .........................................., melhor identificada a fls. 3, ação de condenação para cumprimento de obrigação pecuniária, formulando os seguintes pedidos:
- Ser a demandada condenada a pagar à demandante a quantia de €171,16, sendo €163,22 de valor em divida e €7,94 de juros de mora vencidos, acrescidos de sanção pecuniária compulsória.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 3 e 4 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 2 (dois) documentos.
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A demandante prescindiu da realização de sessão de pré-mediação (fls. 10).
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Regularmente citada a defensora oficiosa da demandada, em sua representação (fls. 63), apresentou a contestação de fls. 66 a 70, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando em suma os factos alegados no requerimento inicial e concluindo pela absolvição da demandada. Juntou 8 (oito) documentos.
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Entretanto, foi junta procuração forense passada pela demandada a mandatário judicial, o que fez cessar as funções da defensora oficiosa, dada a intervenção em juízo da demandada, como consta de Despacho de fls. 99.
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Foi realizada a audiência de julgamento em 6 de abril de 2018, com a observância das formalidades legais, como da respetiva Ata junta aos autos se infere.

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- Da dedução de Reconvenção-
Acautelando eventual direito, veio a demandada deduzir, a final, reconvenção.
Apreciando, entende-se que a reconvenção prevista no artigo 48º da Lei dos Julgados de paz (Lei 78/2001, com a alteração da lei 54/2013) só é admissível nos termos do nº 1 do referido artigo, quando a demandada se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas á coisa cuja entrega lhe é pedida, que não é o caso. E, quanto à compensação remete-se para o disposto no artigo 847º do Código Civil, a que se atende desde que preenchidos os requisitos aí previstos e que se entende não estarem preenchidos no presente caso.
Pelo exposto, não é a reconvenção admissível, considerando as limitações atrás referidas no mencionado artigo 48º.
Pelo exposto, considera-se a inadmissibilidade do pedido reconvencional.

Cumpre apreciar e decidir

O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €171,16 (cento e setenta e um euros e dezasseis cêntimos).
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Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença.
A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar (entre outros) uma “sucinta fundamentação”.

Fundamentação da Matéria de Facto

Factos provados
Com interesse para a decisão da causa ficou provado que:
1 – A demandante é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social consiste na prestação de serviços de saúde, nomeadamente internamento hospitalar, assistência médico – cirúrgica, medicamentosa e medicina dentária.
2 – Nos dias 10 e 17/10/2016, a demandada recorreu aos serviços da demandante, tendo sido submetida a tratamentos médicos nas instalações da demandante.
3 – No exercício da sua atividade comercial e mediante prévia solicitação da demandada, a demandante prestou-lhe todos os cuidados médicos necessários e adequados, nomeadamente consulta odonto-estomatológica, impressões e goteira.
4– Os tratamentos e serviços prestados pela demandante à demandada encontram-se titulados pelas faturas nº 2016/0000190057, emitida em 10/10/2016, com vencimento na mesma data, no valor de €2,49 e nº 2016/0000190056, emitida em 10/10/2016, com vencimento na mesma data, no valor de €50,00, que foram pagas pela demandada.
5 – Foram emitidas as faturas nºs. 2016/095654 e 2016/095655, datadas de 18/10/2016, nos valores de 150,00 e de €13,22, respetivamente, objeto de carta da demandante de 3/11/2016, relativa a valor pendente de €163,22, de que a demandada reclamou tendo ficado a aguardar esclarecimentos da demandante.
6 – Entretanto, a demandada recepcionou a fatura nº 2016/116503, emitida em 16/12/2016, no valor de €136,78, cujo valor pendente foi solicitado por carta de 5 de janeiro de 2017 e pago em 3/2/2017.

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A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, da inquirição das testemunhas apresentadas pelas partes e da demais prova, como se verá.
A testemunha apresentada pela demandante, sua funcionária ........................, explicitou os procedimentos normais da demandante e quanto à factualidade dos autos, disse não ter atendido pessoalmente a demandada, mas uma outra colega, limitando-se a ler as anotações constantes do registo clinico relativo à utente em causa, que era beneficiária da ADSE, tendo sido dado orçamento dos serviços prestados pela médica que a atendeu de €160,00, referindo ainda que dos registos constam os contactos com o marido da demandada que solicitou esclarecimentos relativos à faturação, com a qual não concordava, além disso, a testemunha confirmou que os códigos dos serviços não foram disponibilizados na altura da sua prestação, o que aconteceu posteriormente, concluindo que os códigos se mantiveram. Este testemunho apresentou-se credível, porém não foi presencial, pelo que é considerado limitado em termos probatórios.
A testemunha apresentada pela demandada, ............................., não obstante ser o marido da demandada foi quem a acompanhou sempre e fez os contactos com a demandante, confirmando que as duas vezes que a esposa, ora demandada, se deslocou ao hospital foi em dois dias, a 10/10/2016 e passado uma semana no dia 17 e não no dia 18, como está numa das faturas da qual reclamou e além do mais nesse dia 10 pagou o valor de €52,49 e da segunda vez, no dia 17, o hospital não tinha os códigos dos serviços prestados, pelo que aguardaram pelos mesmos, o que não foi possível obter nesse dia, ficando a aguardar a respetiva fatura, que quando chegou pediu esclarecimentos, reclamando por ser de data e valor superior, o que não aceitou pois o orçamento que tinha sido falado era de €150,00 e entretanto recebeu posteriormente outro valor inferior que embora ainda fosse superior ao valor orçamentado resolveu pagar, para não se incomodar, julgando estar tudo pago ao hospital, até receber a carta deste tribunal. Este testemunho, não obstante o laço familiar próximo com a demandada, demonstrou credibilidade e coerência, uma vez que além de acompanhar a demandada e todo o procedimento, pediu esclarecimentos e reclamou da faturação, demonstrando ter ficado convencido de que depois do pagamento do valor relativo à última carta recebida do hospital, as contas estariam feitas com a demandante, pelo que o seu depoimento foi considerado em termos probatórios.
A prova mencionada foi coadjuvada com o teor dos documentos de fls. 71 a 73 e 75 a 77 juntos aos autos, o que devidamente conjugado com critérios de razoabilidade e normalidade alicerçou a convicção do Tribunal.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, nomeadamente a demandante não provou o alegado débito da demandada do valor total de €163,22, titulado pelas faturas nºs. 2016/095654 e 2016/095655, datadas de 18/10/2016, nos valores de €150,00 e de €13,22, respetivamente.

Fundamentação da Matéria de Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada no pagamento de serviços de saúde prestados e executados, alegando em sustentação desse pedido a celebração com a demandada de um contrato de prestação de serviços, alegadamente incumprido pela demandada.
Estamos, assim, perante a figura jurídica do contrato de prestação de serviços que, segundo o artigo 1154º do Código Civil “… é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
No âmbito dos contratos, dispõe o nº 1 do artigo 406º do Código Civil que, uma vez celebrados os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que reflete o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos. Assim, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exatos termos em que são assumidas (pacta sunt servanta) e segundo as normas gerais da boa-fé. Sendo que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo as partes reger-se pelo princípio da boa-fé (artigo 762º do Código Civil).
No âmbito da responsabilidade contratual, a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá que provar que “… a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.” (artigo 799º, nº 1 do Código Civil).
É neste âmbito que se terá que analisar a conduta da demandada, dado que alegadamente não procedeu ao pagamento do valor constante das faturas de fls. 5 e 6 juntas aos autos. Será esta conduta legítima?
Assim, veio a demandada contestar o peticionado pela demandante, referindo que teve duas deslocações às instalações da demandante, em 10/10/2016, tendo pago uma consulta de €2,49 e uma impressão de €50,00, dado ser beneficiária do subsistema de saúde da ADSE e deslocando-se em 17/10/2016 para lhe ser entregue pela demandante uma goteira, nada tendo pago nessa data, considerando que a demandante não dispunha de códigos dos serviços prestados e que levou à posterior emissão da faturação em falta por envio postal, o que veio a decorrer da prova produzida em audiência.
Acontece que, como decorreu da prova produzida, quando a demandada recebeu duas faturas emitidas em 18/10/2016, no valor de global de €163,22 ou de €150,00 e de €13,22, solicitou esclarecimentos, na medida em que só havia ido nos dias 10 e 17 de outubro de 2016, às instalações da demandante e, além disso, tinha sido dado um orçamento de €150,00 para o tratamento dentário acordado entre as partes.
Quanto a esta matéria, interessa referir que se considera que um orçamento não tem que conter um valor fixo para os serviços prestados, mas uma estimativa aproximada de custos, daí que a demandada achasse que existia desfasamento entre o valor agora solicitado pela demandante de €163,22, acrescido do valor primeiramente liquidado de €52,49 (fls. 71 a 73), bem como do posteriormente liquidado de €136,78 (fls. 75 a 77), em comparação com o do orçamento previamente solicitado de cerca de €150,00 e que se apurou tinha sido dado pela médica da demandante no valor de €160,00, portanto em termos de orçamentos com valores relativamente aproximados, mas desfasados dos valores totais de €352,49 apurados exigidos pela demandante, após a soma de todos os valores faturados à demandada.
Na decorrência do exposto, provou-se ainda que após ter a demandada reclamado perante a demandante do valor pendente de €163,22, conforme foi solicitado por carta de 3/11/2016 (a fls. 74), a demandada recebeu carta posterior de 5/1/2017 de valor pendente de €136,78 (fls. 75), que a demandada pagou, certa de que havia sido atendida a sua reclamação e seria esse o único valor pendente e entretanto liquidado.
E, relativamente a prova trazida aos autos, entende-se que a demandada trouxe aos autos meios de prova com vista a abalar a tese da demandante, nomeadamente prova testemunhal e documental, como lhe incumbia.
Resulta ainda inequívoco da prova dos autos, que a demandante não informou devida e esclarecidamente a demandada da responsabilidade pelo pagamento das faturas emitidas em 18/10/2016, nos valores de €150,00 e de €13,22, na altura da reclamação perante as faturas recebidas, pelo que não são devidas, até porque posteriormente a essa reclamação, a demandante envia nova carta de valor pendente de €136,78, que a demandada liquidou, convencida de que estava a pôr um ponto final no que concerne ao pagamento dos serviços médicos prestados pelo hospital.
Nessa medida e para contraprova, deveria a demandante comprovar que existiu informação cabal sobre a emissão das ditas faturas no que concerne aos seus valores e datas, o que não conseguiu concretizar.
Note-se que se entende que uma das boas práticas em termos de atendimento é a de que os utentes estejam devidamente informados e esclarecidos, de modo a tomarem decisões conscientes acerca da aceitação ou não de determinados exames ou procedimentos hospitalares, antes da realização dos mesmos, dadas as consequências materiais e outras que daí podem advir, considerando que cada pessoa é livre de decidir. E o facto de a um beneficiário de um subsistema de saúde lhe caber conhecer ou procurar conhecer sobre as relações contratuais com esse subsistema, tal facto não inibe o estabelecimento hospitalar de prestar os esclarecimentos adequados e encaminhar devidamente o utente no que respeita aos serviços médicos que lhe são confiados.
Pelo que se conclui que a demandada não põe em causa a prestação dos serviços médicos realizados nos dias 10 e 17 de outubro de 2016, pondo sim em causa a responsabilidade pelo pagamento das faturas emitidas com data de 18/10/2018, dado que, segundo ela, tais serviços foram pagos numa primeira fase no dia 10/10/2016, bem como na sequência da emissão da fatura pendente de €136,78, considerando ter sido indevidamente faturado o valor de €163,22, dada a reclamação e posterior envio de subsequente fatura pendente de €136,78 que efetivamente pagou, conformando-se com esse pagamento, a não ser assim, seriam ultrapassados os limites impostos pela boa-fé e boas práticas de atendimento hospitalar.
Em consequência, resultou provado, que a demandada não pode ser responsabilizada pelo pagamento do valor de €163,22, peticionado nos autos, uma vez que, segundo entendeu, com o pagamento do valor pendente de €136,78 (fls. 75 a 77), estaria pago o remanescente dos serviços médicos prestados, como ficou demonstrado, pelo que não há lugar à responsabilidade pelo pagamento das faturas objeto dos autos, por parte da demandada.
Pelo exposto, tendo a demandante incumprido (parcialmente) o contrato de prestação de serviços médicos objeto dos autos, por falta de informação essencial à utente desses serviços, improcede, nessa medida, o peticionado.
Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a demandada ............................................. do peticionado.

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, sendo devida pelo presente processo a taxa única de €70,00 (setenta euros), a qual é da responsabilidade da demandante ................................. (NIF ................) condeno-a no pagamento das custas, a qual tendo pago a taxa inicial de €35,00, deverá ainda proceder ao pagamento da segunda parcela da taxa de justiça, no montante de €35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de 3 dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso, comprovando o pagamento no Julgado de Paz.
--- Devolva à demandada o valor de €35,00.
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A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 5472013.
-Para a leitura de sentença – 18/4/2018, 16H00 - não estiveram presentes as partes e mandatários, pelo que segue notificação por via postal.
Notifique e Registe.
Julgado de Paz da Trofa, em 18 de abril de 2018
A Juíza de Paz, (Iria Pinto)