Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 614/2017 – JPPRT |
Relator: | MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES |
Descritores: | AÇÃO DE ANULAÇÃO AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CRÉDITO |
Data da sentença: | 11/14/2018 |
Julgado de Paz de : | PORTO |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Proc. n.º 614/2017 – JPPRT
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A., Lda., NIPC …., com sede na Rua…., Porto Demandados: B., C., D., E., F., G.,H., I., J., K., L., M., N., O., P., e Q., todos representados pela administradora do condomínio do Edifício ……., sito na Rua ………Porto, NIPC …., a sociedade R., Sociedade Gestora de Condomínios, Unipessoal, Lda., com sede na Avenida ……. Ermesinde * OBJECTO DO LITÍGIO A Demandante intentou contra os Demandados a presente acção enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, peticionando: i. a anulação da deliberação que aprovou a proposta B relativamente à compensação do seu crédito, discutida no ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos ordinária de 25.09.2017, ii. o reconhecimento do crédito que alega deter, no valor de € 1.374,41, por via das quantias já despendidas, ou, caso assim não se entenda, no valor de € 742,00 e iii. que o referido crédito fosse pago através da compensação com as quotas de condomínio. * A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 65 a 79, tendo invocado i. excepção de ineptidão da petição inicial, ii. excepção de caso julgado material e iii. impugnado parte da factualidade alegada pela Demandante, mais tendo pugnado, a final, pela procedência das excepções deduzidas, pela absolvição da Demandada do pedido e pelas custas e demais encargos a cargo da Demandante. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta das actas, tendo aí sido concedido, à Demandante, o direito de contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Demandada na contestação e, nesse seguimento, sido proferido despacho a julgar não verificada a excepção de ineptidão da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 186.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, e a diferir o conhecimento da excepção de caso julgado para final (cfr. fls. 106 a 108 dos autos). * QUESTÃO PRÉVIA: DA EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO Alega a Demandada a excepção de caso julgado, fundamentando tal excepção no facto de ter corrido termos um processo executivo proposto, em 2015, pela aqui Demandada contra a aqui Demandante – o mesmo que é referido pela Demandante no artigo 25.º do requerimento inicial –, por via do qual se pretendia a cobrança do valor das quotas de condomínio vencidas e não pagas pela aqui Demandante (aí executada), e que engloba o valor que, nesta acção, a Demandante pretende que lhe seja reconhecido como crédito (cfr. alínea B do petitório), processo, esse, que veio a ser extinto por acordo alcançado pelas partes e por via do qual a aqui Demandante procedeu ao pagamento do montante de € 1.374,41 (precisamente, o mesmo montante que ora pretende ver reconhecido como crédito, conforme alínea B do petitório). Ora, ocorre caso julgado quando se repete uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. artigo 580.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, doravante CPC), sendo certo que a excepção de caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (cfr. n.º 2 do indicado artigo 580.º). Os requisitos para a existência da excepção de caso julgado vêm previstos no artigo 581.º do CPC, sendo que, no que à identidade do pedido se reporta (cfr. artigo 581.º, nºs 1 e 3 do CPC), a nossa Doutrina considera que “A decisão exclui as situações contraditórias com a que por ela (isto é, pela decisão em si, não pelos fundamentos) é definida. São, assim, em primeiro lugar, excluídas pela decisão proferida as possibilidades de solução do litígio que com ela constituíam alternativa (…).” Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 349. A nossa Doutrina também fala em “autoridade do caso julgado”, a qual acarreta o “efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito” Cfr. Autores e obra supra citados, pág. 354.; “(…) quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz, também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo de constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade do caso julgado). Com o caso julgado condenatório precludem definitivamente todos os meios de defesa invocáveis contra a pretensão deduzida, absorvendo-se neste efeito preclusivo extraprocessual a preclusão intra-processual produzida quando, na contestação, não são invocadas excepções que não sejam de conhecimento oficioso (…) O preceito (artigo 671.º da anterior versão do CPC, actual artigo 619.º) não tem apenas aplicação à sentença proferida após o julgamento, em audiência, da matéria de facto. Aplica-se igualmente à sentença homologatória de desistência do pedido, confissão do pedido ou transacção (…)” Cfr. Autores e obra supra citados, pág. 713 e 714. Conforme é, ainda, entendimento da nossa Doutrina Cfr. CASTRO MENDES, in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 178 e segs. , “a paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto. (…) Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha. A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. (…) Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado. (…) Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que «não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado». O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo «ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim», tutela da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo «princípio-irmão» do caso julgado material. (…) Com o trânsito em julgado da sentença, o efeito preclusivo dissolve-se porém no instituto geral do caso julgado, e traduz-se no afastamento de possíveis limites argumentativos do mesmo. (…)” No caso, e no que se reporta ao pedido formulado sob a alínea B do petitório, pretende a Demandante que lhe seja reconhecido um crédito no valor de € 1.374,41, precisamente o mesmo valor que a mesma pagou, no âmbito do supra referido processo executivo, no seguimento de acordo que efectuou nesse mesmo processo e com vista ao término do mesmo. Dispõe o artigo 728.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) que o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação, mais preceituando o artigo 731.º do CPC que não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração. De acordo com a alínea h), do artigo 729.º do CPC, a oposição pode ter como fundamento contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos. Ora, no caso, o título executivo dado à execução em apreço nos autos foi uma acta de assembleia de condóminos, sendo, assim, aplicável o disposto no indicado artigo 731.º do CPC quanto aos fundamentos de oposição, que, por sua vez, remete para os fundamentos constantes do disposto no artigo 729.º, nos quais se inclui, conforme exposto, o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos. Temos, assim, que, no caso, a aqui Demandante poderia ter deduzido oposição mediante embargos nos termos do disposto no artigo 728.º do CPC e com fundamento na indicada alínea h) do artigo 729.º do mesmo diploma legal, por via do disposto no artigo 731.º do mesmo diploma, podendo, assim, e no âmbito do incidente de oposição mediante embargos deduzido no indicado processo executivo visto apreciada a existência e validade do contracrédito que alega deter sobre a aqui Demandada; porém, a verdade é que a Demandante não o fez, tendo feito acordo com a Demandada no âmbito do indicado processo executivo e tendo, por conseguinte, pago o valor que ora reclama deter como crédito sobre a Demandada. Conforme entendimento doutrinal supra exposto, devidamente adaptado à tramitação da acção executiva e respectivos apensos declarativos, com o pagamento efectuado pela aqui Demandante, à aqui Demandada, no âmbito do referido processo executivo que correu entre as partes (e, por conseguinte, com a não dedução de oposição mediante embargos, com fundamento no contracrédito sobre a exequente, com vista a obter a compensação de créditos), a Demandante precludiu a possibilidade de vir a invocar tal crédito e pretender o seu reconhecimento, numa outra acção – como a presente. Se assim não fosse, por-se-ia em causa a paz e a segurança jurídica que se visam proteger por via da autoridade de caso julgado, pois, não obstante a Demandante ter precludido a possibilidade de invocação do alegado contracrédito na oposição mediante embargos e ter, alternativamente, pago parte da quantia exequenda, o presente Tribunal ver-se-ia na iminência de apreciar a existência de um contracrédito “não reclamado” no momento próprio para o efeito, possibilitando-se à Demandante, em violação da decisão proferida no processo executivo, suprir uma falta a que a mesma deu aso. Assim, com os fundamentos que se deixaram expostos e ao abrigo das disposições legais supra aduzidas, julga-se procedente, por verificada, a invocada excepção dilatória de caso julgado no que se reporta ao pedido formulado sob a alínea B do petitório formulado pela Demandante no requerimento inicial e consequente pedido formulado sob a alínea C do petitório, pois este é decorrência directa do pedido formulado sob a alínea B, e, em consequência, absolve-se a Demandada da presente instância no que se reporta aos indicados pedidos (cfr. artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea i) e 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC, ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho Na falta de indicação em contrário, os artigos do CPC que sejam mencionados na presente sentença são aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.). * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 1, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 1.374,41 (cfr. artigos 301.º, nºs 1 e 2, e 306.º, nºs 1 e 2, do CPC). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (ambas por representação – cfr. artigo 25.º do CPC no que se reporta à Demandante e artigo 26.º do CPC no que se reporta à Demandada) e são legítimas. * FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA C. Na assembleia de condóminos mencionada no precedente facto provado, a representante das fracções “M” e “AQ” propôs a compensação de uma dívida que tinha para com o condomínio com o montante despendido na reparação, tendo a assembleia informado “não dispor de elementos suficientes para tomar uma decisão em consciência”. * FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da causa. * FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez. Assim, o facto A resultou provado por via de admissão pela Demandada, conjugada com os documentos nºs 1 e 2 juntos com o requerimento inicial, não impugnados. Os factos B e C resultaram provados por via de admissão da Demandada, conjugada com o documento n.º 12 junto com o requerimento inicial, igualmente não impugnado. Já os factos D, E, F e G resultaram, igualmente, provados por via de admissão da Demandada, conjugada com o documento n.º 15 junto com o requerimento inicial, o qual também não foi impugnado. * DIREITO Por via dos presentes autos (resumidos à apreciação da validade da deliberação aludida nos factos provados D a G, e correspondente à alínea A do petitório formulado no requerimento inicial, atenta a absolvição da Demandada da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas B e C do indicado petitório), pretende a Demandante que seja anulada a deliberação que aprovou a proposta B relativamente à compensação do crédito de que alega ser titular, discutida no ponto 1 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos ordinária de 25.09.2017. * DECISÃO Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis: (Marta M. G. Mesquita Guimarães) Processado por computador (Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Revisto pela signatária. Julgado de Paz do Porto |