Sentença de Julgado de Paz
Processo: 227/2016-JPCSC
Relator: SÓNIA ISABEL DOS SANTOS PINHEIRO
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 11/29/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I – Identificação das partes
Demandante: A., NIF ..., divorciada, residente na Av. ... Lisboa.
Demandado: B., NIF ........, ausente, com última residência conhecida na Avenida Lisboa.

II – Objeto do litígio
A Demandante veio propor contra o Demandado a presente acção declarativa, enquadrada na al. g) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (doravante LJP) pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 7.150,00 (sete mil cento e cinquenta euros), relativa a rendas vencidas e não pagas, acrescida dos juros que se vencerem.
Alegou, para tanto e em síntese, que é proprietária do imóvel sito na Rua Monte do Estoril, inscrito na matriz predial urbana nº ... . da freguesia de Cascais, Estoril; que o Demandado foi fiador e principal pagador no contrato de arrendamento celebrado em 2 de Outubro de 2014 entre a Demandante e C.; que a referida C. não pagou as rendas no montante total de € 7.150,00, referentes aos meses de Agosto de 2015 a Junho de 2016; que face ao desconhecimento da actual morada da inquilina vem pedir ao Demandado, fiador e principal pagador, o pagamento das rendas em divida; que contactado o Demandado por carta registada de 24 de Fevereiro de 2016, que este recebeu, não deu qualquer resposta; que fez todos os contactos que lhe foram possíveis para receber as quantias em divida enviando cartas e fazendo contactos telefónicos, acordos de pagamento, mas que nada resultou. Juntou 6 documentos.
Tendo-se frustrado a citação do Demandado e não se tendo logrado obter através da base de dados das entidades oficiadas, bem como das demais diligências realizadas, informações sobre o seu paradeiro, foi nomeada Defensora Oficiosa ao ausente.
Citado o Demandado, na pessoa da sua I. Defensora Oficiosa, foi pela mesma apresentada contestação, onde impugna a letra e assinatura atribuídas ao Demandado no contrato de arrendamento a que se refere os autos, e a que titulo o terá feito, mais invocando que nesse contrato não consta a declaração expressa, livre e sem reservas, de forma taxativa e inequívoca, de abdicar do direito/benefício da excussão prévia, concluindo pela improcedência da acção.
A fase da mediação não se aplica nos autos.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com obediência às formalidades legais como da ata se infere, então se tendo relegado para apreciação ulterior a questão da autenticidade da letra e assinatura discutidas por contender com a necessidade de produção de prova.
Fixo à ação o valor de € 7.150,00 (sete mil cento e cinquenta euros).
O Tribunal é competente (artigo 7º da Lei 78/2001, de 13.07).
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam excepções, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.
III. Fundamentação
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1. Por escrito datado de 02 de outubro de 2014, a Demandante, na qualidade de senhoria, cedeu o gozo e fruição a C., na qualidade de arrendatária, para sua habitação, do seu imóvel sito na Rua..., Monte Estoril, Cascais, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...;
2. O arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, renovável por igual período, com inicio em 01 de outubro de 2014, mediante o pagamento da renda mensal de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), a qual não sofreu alteração;
3. Mais acordaram que a renda seria paga no dia 1 do mês anterior àquele a que dissesse respeito, em local a indicar pela Demandante, como sendo no Largo .... Cascais;
4. A arrendatária deixou de pagar as rendas relativas aos meses de agosto de 2015 e seguintes;
5. Por escrito datado de 19 de abril de 2016, outorgado pela Demandante e arrendatária C., as mesmas declararam extinguir o contrato de arrendamento, com efeitos a 31 de maio de 2016;
6. A arrendatária, com autorização da Demandante, entregou o locado em finais de junho de 2016, sem que lhe efectuasse o pagamento da quantia de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) relativa a esse mês;
7. Para além desse valor, a arrendatária C. não pagou à Demandante as rendas vencidas referentes aos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2015 e de janeiro, fevereiro, março, abril, e maio de 2016, no total de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros);
8. O Demandado declarou-se e subscreveu, assinando-o, o contrato de arrendamento referido em 1. na qualidade de fiador da arrendatária C. e principal pagador, com ela solidariamente se responsabilizando pelo pagamento das rendas e demais condições inerentes ao contrato (cláusula 9);
9. A Demandante interpelou, por diversas vezes, quer o Demandado quer a arrendatária C., para efectuarem o pagamento das rendas em divida, não tendo obtido qualquer pagamento até à data, nomeadamente através do envio de cartas registadas com aviso de recepção expedidas em 25.02.2016 e 24.02.2016, respectivamente, por aqueles recebidas;
Com interesse para a apreciação da causa nada mais ficou provado, considerando-se não provados todos os factos alegados e que sejam de sentido contrário aos provados.

Motivação da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, tendo considerado os elementos documentais juntos pela Demandante de fls. 3 a 5 (contrato de arrendamento); de flªs 6 (declaração de divida subscrita pela arrendatária C.); de flªs 7 a 12 (missivas postais registadas enviadas pela Demandante, ao Demandado e à arrendatária, onde solicita o pagamento de rendas em divida, e respectivos AR assinados pelos mesmos), de flªs 13 (missiva da arrendatária à Demandante com proposta de pagamento das rendas em divida), de flªs 14 (acordo revogatório de contrato de arrendamento datado de 19 de Abril de 2016), conjugados com as declarações de parte da Demandante e com o depoimento da testemunha D.
Assim, em declarações de parte a Demandante reiterou o alegado no requerimento inicial, e o teor dos documentos que o instruem, mais referindo que o Demandado assinou o contrato de arrendamento, na qualidade de fiador, na sua presença, na da arrendatária C. e de D., testemunha nos autos. Que era D. quem, a seu pedido, elaborava os contratos de arrendamento, e que acompanhava os seus trâmites, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas; que o pagamento da renda dos autos, no valor de € 650,00, era efectuado no seu escritório, sito no largo ... em Cascais; que revogou o contrato com a arrendatária com efeitos a 31 de maio de 2016, mas que permitiu a estadia da mesma no locado no mês de junho de 2016; que no valor peticionado nos autos apenas incluiu as rendas vencidas desde agosto de 2015 até junho de 2016, sem qualquer penalização e juros, e que até à data não teve qualquer pagamento das mesmas, apesar de vários contactos efectuados com o Demandado e com a arrendatária C. nesse sentido.
Atendeu-se ainda ao depoimento espontâneo e credível da testemunha D. que demonstrou ter um conhecimento directo dos factos em análise, a qual declarou que, como jurista, a pedido da Demandante, tratava da elaboração e acompanhamento dos contratos de arrendamento daquela, nomeadamente o contrato de arrendamento do prédio da Demandante a que se refere os autos; que o pagamento das rendas, no valor de € 650,00 cada, era efectuado no seu escritório, sito no largo ...Cascais; que presenciou a outorga do contrato dos autos pelas partes, tendo o Demandado apresentado o seu Cartão de Cidadão e morada para o efeito, e assinado o mesmo na sua presença, na da Demandante e na da arrendatária C., mais referindo que já conhecia o Demandado de outros contratos de arrendamento com a mesma senhoria e arrendatária; que este ficou ciente que havendo “falhas” no arrendamento a responsabilidade seria dele, pois assumiu-se como “fiador e principal pagador”; que quando a arrendatária C. deixou de pagar as rendas dirigiu-se à residência do Demandado e deixou na sua caixa de correio carta com montante das rendas em débito; que, em sequência, este dirigiu-se ao escritório da testemunha tendo falado sobre o assunto, comprometendo-se a resolver a situação; que entretanto o Demandado deixou de aparecer e a partir daí apenas soube que vivia num quarto arrendado em Lisboa, pertença do ........ Mais referiu que redigiu as cartas juntas ao R.I. como doc.s 3, 4 e o acordo revogatório de contrato de arrendamento, tendo confirmado o seu teor, nomeadamente que o contrato de arrendamento foi revogado, com efeitos a 31 de maio de 2016, e que a pedido da arrendatária C. esta acabou por ficar no locado por mais um mês – o de Junho de 2016, com autorização da Demandante. Que até à data não ocorreu o pagamento à Demandante das rendas pedidas nos autos. Inquirida sobre quais as rendas em débito começou por referir que não tinha esse elemento consigo, o que é compreensível dado o tempo entretanto decorrido (2 anos), mas confrontada com os documentos juntos ao requerimento inicial, dos quais mostrou ter pleno conhecimento pelo facto de ter tratado dos assuntos relacionados com o contrato dos autos e dos mesmos lhe “terem passado pelas mãos”, confirmou que o débito corresponde às rendas dos meses de agosto de 2015 a junho de 2016.

IV. O Direito
Debrucemo-nos primeiramente pela questão suscitada pelo Demandado na contestação quanto à impugnação da letra e assinatura a si atribuídas no contrato dos autos.
Perante tal alegação, dispõe o artº 374º, nº 2 do C.C. que se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
A propósito, esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, I, 2.ª Edição, 307) que “ao contrário do que sucede com os documentos autênticos, os documentos particulares não provam, por si sós, a genuinidade da sua (aparente) proveniência (...) “, sendo que “a letra e assinatura, ou a assinatura, só se consideram, neste caso, como verdadeiras, se forem expressa ou tacitamente reconhecidas pela parte contra quem o documento é exibido ou se legal ou judicialmente forem havidas como tais”. E prosseguem nestes termos: “Havendo impugnação, é ao apresentante do documento que incumbe provar a autoria contestada; e terá de fazê-lo, mesmo que o impugnante tenha arguido a falsidade do texto e assinatura, ou só da assinatura”.
Compulsados os autos, constatamos que a Demandante logrou cumprir com o seu ónus probatório, pois dúvidas não restam quanto à outorga do contrato, como fiador, pelo Demandado, que é sua a assinatura aí aposta. Tanto assim é que a Demandante como a testemunha D. declararam ter presenciado a assinatura por aquele, na qualidade de fiador, do contrato em causa, tendo aquele fornecido para o efeito o seu Cartão de Cidadão e morada, e ainda por confronto da mesma com a que consta do AR junto aos autos a flªs 9 e no seu Cartão de Cidadão a flªs 17, mostrando-se semelhantes. Para além do mais, ficou patente que o Demandado já era conhecido daquelas, tanto no que se refere ao contrato dos autos como em relação a contratos de arrendamento anteriores. Mais asseguraram as mesmas que o Demandado ficou ciente que subscrevia o contrato dos autos na qualidade de fiador da arrendatária e principal pagador, bem como das consequências daí resultantes.
Posto isto,
Perante os factos dados como assentes, é inequívoco que entre a Demandante, como senhoria, e C., como arrendatária, foi celebrado um contrato de arrendamento, e que o Demandado declarou-se e subscreveu o mesmo na qualidade de fiador e principal pagador, com a arrendatária solidariamente se responsabilizando pelo pagamento das rendas e demais condições inerentes ao contrato.
É obrigação do locatário, como previsto na al. a) do artº 1038º do Código Civil (doravante C.C.), pagar a renda estipulada.
Essa obrigação provém da natureza onerosa e sinalagmática do contrato (artº 1022º do C.C.), e deve ser cumprida no tempo e lugar devidos (artº 1039º do C.C.), sob pena de constituir o locatário em mora (artº 1041º do C.C.).
Na falta de convenção, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito (artº 1075º, nº 2, do C.C.), como sucede no caso dos autos.
Por sua vez, a fiança é uma garantia pessoal das obrigações.
Conforme dispõe o artigo 627º nº 1 do C.C. “1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. 2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.”.
A fiança possui, portanto, duas características essenciais: a acessoriedade e subsidiariedade. A propósito da subsidiariedade importa fazer referência ao benefício de excussão que se traduz no direito que o fiador tem de recusar o cumprimento da obrigação enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal sem obter a satisfação do seu crédito, podendo ainda, o fiador continuar a recusar o seu cumprimento, mesmo para além dessa excussão, se provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor (artº 638º do C.C.), o que não acontece no caso dos autos pois o Demandado renunciou a esse direito ao declarar-se principal pagador das obrigações a que a arrendatária C. se obrigou (artº 640º, a) do C.C.).
No que concerne à acessoriedade prescreve o artº 628º nº 1 do C.C. que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal. Quanto à forma do contrato de arrendamento urbano, a Lei exige que deva ser celebrado por escrito (artº 1069º do C.C.), comando este que foi observado nos autos.
Por último, a Demandante enquanto credora pode demandar o fiador só ou conjuntamente com o devedor (artigo 641º, nº 1 do C.C.), sendo que quanto à obrigação do fiador, ora Demandado, a fiança que prestou tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais da mora ou culpa da devedora arrendatária (artº 634º do C.C.).
No caso vertente, atendendo à matéria de facto dada como provada, o contrato de arrendamento sob análise foi celebrado para habitação da arrendatária, pelo prazo de um ano, com inicio em 01 de outubro de 2014, renovável, e findou em 31 maio de 2016, por acordo celebrado entre a senhoria, ora Demandante, e arrendatária, sem que tenham sido pagas pela arrendatária as rendas referentes aos meses de agosto de 2015 a maio de 2016, encontrando-se, assim, em dívida o total de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros). É assim a Demandante credora do fiador Demandado de tal montante.
Embora a Demandante compute a divida em € 7.150,00 (sete mil cento e cinquenta euros), aí englobando o valor da “renda” referente a junho de 2016, o que é certo é que, após a extinção do contrato dos autos, permitiu que a arrendatária C. usufruísse do imóvel no mês de junho de 2016. Ora tal cedência e correspondente contrapartida pela fruição do locado, posteriores à extinção do contrato de arrendamento dos autos, que, por sua vez, fez extinguir a fiança, são alheias ao ora Demandado (artº 651º do C.C.) e a ele não podem ser imputados.
Atendendo ao exposto, vai o Demandado condenado no pagamento à Demandante da quantia de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros), relativa às rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de agosto de 2015 a maio de 2016.

Acresce que a Demandante peticiona o pagamento de juros que se vencerem.
Como decorre do artigo 634º do C.C., a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.
É consequência da mora a obrigação de indemnizar os danos ou prejuízos causados ao credor, nos termos do disposto no artigo 804º, nº 1 do C.C..
Nas obrigações pecuniárias, a indemnização por mora é, na falta de convenção em contrário, constituída pelos juros legais, sendo que no caso são juros civis nos termos do disposto no artigo 559º do C.C. e Portaria nº 291/2003, de 08.04, à taxa de 4% aí prevista.
Obrigando-se o Demandado no contrato de arrendamento como principal pagador, fica responsável pelo pagamento, para além das rendas em divida, dos juros de mora nos mesmos termos em que o arrendatário.
Pelo exposto, vai o Demandado condenado no pagamento dos juros que se vencerem sobre a referida quantia de € 6.500,00, calculados à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação do Demandado, na pessoa da sua I. Defensora Oficiosa, e até integral pagamento.

V. Decisão
Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno o Demandado a pagar à Demandante a quantia de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) a titulo de rendas vencidas e não pagas, relativas aos meses de agosto de 2015 a maio de 2016, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação do Demandado, na pessoa da sua I. Defensora Oficiosa, até integral pagamento, absolvendo o Demandado do demais peticionado.

Custas: por via do disposto no artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 63º da LJP, declaro ambas as partes vencidas, pelo que vão ambas condenadas em custas na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 10% para a Demandante e 90% para o Demandado (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro).
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Após trânsito, notifique a presente Sentença ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Cascais, nos termos do disposto no art.º 60º, nº 3 da LJP (considerando que o Demandado é ausente).
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A presente sentença foi notificada à Demandante, dela tendo ficado ciente.
Registe e notifique a I. Defensora Oficiosa do Demandado, por não se encontrar presente.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma à Demandante.
Cascais, Julgado de Paz, 29 de novembro de 2018.
A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz