Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1209/2016-JPLSB
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS RESULTANTES DE ACIDENTE AUTOMÓVEL / DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA / CONDUÇÃO SOB EFEITO DE ÁLCOOL.
Data da sentença: 01/31/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Valor da ação: €976,33 (novecentos e setenta e seis euros e trinta e três cêntimos).

Demandante: A, NIF 0000, com sede na Rua ZZZ, Lisboa.
Mandatário: Dr. B, advogado e Dr. C, advogado-estagiário ambos com escritório na Av.ª ZZZZZ, Lisboa.
Demandado: D, NIF 0000, residente na Rua X, Montijo.
Do requerimento inicial: de fls.1 a fls.5
Pedido: fls.4.
Junta: 4 documentos
Contestação: fls.34.

Tramitação
O demandado recusou a mediação.
Foi marcada audiência de julgamento para o dia 03 de agosto de 2017, pelas 11h e 30m, à qual o demandado faltou tendo justificado a falta, pelo que foi designada nova data para o dia 19 de outubro de 2017.
Nesta data compareceu o representante da demandante tendo faltado o demandado.
O demandado apresentou justificação de falta, a qual não foi considerada na medida em que, resulta do regime das faltas estipulado no artigo 58.º da LJP que a falta reiterada não admite justificação.
Foi designado o dia 31 de janeiro de 2018, pelas 16h, para a leitura de sentença, sendo as partes notificadas para o efeito.

Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 46 e 47 e fls. 59.
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Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 - A demandante é uma sociedade que se dedica à atividade seguradora;
2 – No exercício da sua atividade a demandante celebrou com o demandado
um contrato de seguro do ramo automóvel, que garantia, para além de outros riscos, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo automóvel com matrícula JJ, doravante JJ, titulado pela Apólice n.º 0000 (crf. Docs n.ºs 1 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
3 – No dia 25 de Setembro de 2014, o Demandado conduzia o veículo JJ na Av.ª ZZZZZ, em Lisboa, tendo colidido com a traseira do veículo de marca Z1, com matrícula MO, doravante MO, propriedade de E, que também circulava naquela via, conduzido por F, causando danos no MO (cfr. doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4 - O demandado conduzia o JJ com uma taxa de alcoolemia de 0,66g/l, já depois de conduzido à Divisão de trânsito;
5 – Da análise dos elementos recolhidos no âmbito da regularização do sinistro por parte da demandante, esta entendeu que a responsabilidade do mesmo cabia ao seu segurado, aqui demandado;
6 – A reparação dos danos e despesas com episódio de urgência médica tiveram um custo de €906,33, montante a demandante pagou ao lesado em 02 de março de 2015 (cfr. doc. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); ;
7 – A demandante despendeu a quantia de €70,00 que pagou à PSP (doc. 4).

Factos não provados.
Não se consideram não provados quaisquer factos.

Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos e nos depoimentos das testemunhas F e E, apresentadas pela demandante. Com efeito, depuseram como testemunhas a condutora e o dono do MO que seguia no mesmo como passageiro. Ambos foram unânimes em afirmar que o trânsito era muito e lento àquela hora (cerca das sete e meia da noite), e que a dada altura o trânsito abrandou até que parou sem problemas, e eles pararam também, e de seguida o demandado bateu-lhes na traseira. Disseram que o demandado tinha um comportamento estranho e que lhes disse “porque paraste?”; que insistia para assinarem os papéis rapidamente que acharam melhor chamar a polícia porque ele não estava bem; disseram que o demandado não queria soprar no balão e que nem se aperceberam se ele soprou ou não.

O Direito.
Os presentes autos fundam-se no direito de regresso da Demandante, nos termos previstos nas als. d) e i), do n.º 1, do art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Resulta dos factos provados que no dia no dia 25 de Setembro de 2014, o Demandado conduzia o veículo JJ na Av.ª ZZZZZ, nos ZZZ, em Lisboa, tendo colidido com a traseira do veículo de marca Z1, com matrícula MO, sendo que o trânsito fluía de modo intenso mas calmo e tranquilo, conforme resulta do depoimento das testemunhas supra referidas, sendo que, dúvidas não temos, só uma situação de falta de concentração justifica a colisão do JJ na traseira do MO, causando danos materiais no mesmo e danos, cujas despesas a demandante suportou integralmente, reclamando na presente ação o direito de regresso, nos termos previstos na alinea c), do n.º 1 do artigo 27.º, do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto. Vejamos:
É consabido, porque cientificamente estabelecido, que há uma relação entre o álcool e as capacidades de reacção na condução, que varia em função da quantidade de álcool no sangue e da pessoa em concreto e até na mesma pessoa conforme as circunstâncias. Tendo em devida conta a jurisprudência produzida sobre a matéria em apreço (nomeadamente, entre outros, acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência n.º 6/2002, de 28 de Maio de 2002; acórdão do Supremo de 07.07.2010; o acórdão do Supremo de 09-06.2009), é de concluir ser maioritária (não unânime) a jurisprudência que entende não ser suficiente a constatação de que um condutor etilizado deu causa a um acidente, para que a seguradora tenha sobre o mesmo direito de regresso, sendo necessário que esta causa tenha emergido da própria etilização. Está hoje firmado o entendimento de que a relação de causalidade entre a etilização e o evento é um pressuposto do direito de regresso por parte da seguradora que indemnizou o lesado dos prejuízos decorrentes do acidente, cabendo-lhe a alegação e prova do nexo de causalidade entre o estado de etilização e o acidente de que resultaram os danos de terceiro indemnizados por ela, isto é, que o álcool foi causa real, efectiva e adequada ao desencadear do acidente. No entanto, tal não significa que seja imperioso que esse nexo causal esteja manifestamente espelhado na matéria de facto tida como provada. Infere-se do decidido no acórdão do STJ de 07.07.2010, que tal nexo causal se possa fixar por via de presunções judiciais ou naturais, fundadas em circunstâncias que conduziram ao acidente, em regras ou máximas de experiência, completando, articulando e interligando o que diretamente decorre
da livre valoração das provas. Ocorre, nos presentes autos, face à ausência do demandado nas audiências para que foi notificado, o mesmo estava afectado pelo álcool, mau grado estar consciente do excesso desse excesso tanto que tentou evitar o teste, tal como as testemunhas presenciaram, as quais decidiram chamar a policia exactamente por constatarem um comportamento anormal, pelo que estamos convictos que a falta de concentração que não permitiu o demandado parar antes de colidir deve-se a esse excesso de álcool.
Estabelece o já referido artº 27º, nº 1, al. c) do Decreto-Lei nº 291/2007, “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso … contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”. Deste modo, consideramos preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, bem como os pressupostos do direito de regresso que assiste à demandante.

Decisão.
Em face do exposto, considero a presente acção procedente por provada e em consequência condeno o demandado a pagar à demandante a quantia de
€976,33 (novecentos e setenta e seis euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados da citação até integral pagamento.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero o demandado parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia
de €70,00, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação à demandante.

Julgado de Paz de Lisboa, em 31 de janeiro de 2018
A Juíza de Paz

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Maria Judite Matias