Sentença de Julgado de Paz
Processo: 48/2015-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO - CONDOMÍNIO
Data da sentença: 05/29/2015
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Relatório
Os demandantes X, X, X E X, proprietários das frações designadas pelas letras “CJ”, “”CF”, “CA” e “CN”, respetivamente, do edifício dos autos, melhor identificados a fls. 5, intentaram, em 20/03/2015, contra a demandada ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO X, melhor identificada a fls. 5, ação declarativa relativa a direitos e deveres de condóminos, formulando o seguinte pedido:
- Ser declarada a anulação das deliberações da assembleia de 19/1/2015, nomeadamente por insuficiência do nº de convocatórias, bem como no que respeita ao ponto 4. relativo a reparação de fachada.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 5 e 6 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 2 (dois) documentos. Em audiência juntou 2 (dois) documentos.
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Procedeu-se à citação da demandada (fls. 33), que apresentou a contestação de fls. 137 e 38 dos autos, arguindo a incompetência em razão do valor do Julgado de Paz, impugnando os factos alegados no requerimento inicial e concluindo pela improcedência da ação. Em audiência juntou 3 (três) documentos.
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A demandada Administração de condomínio prescindiu da Pré-Mediação (fls. 46).
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QUESTÃO PRÉVIA
DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR
Por Despacho de fls. 55 e 56, cujo teor se reproduz integralmente, o Julgado de Paz foi considerado competente em razão do valor da causa, porquanto o respetivo valor de €11.619,17, relativo à soma de quotas partes de responsabilidades dos condóminos demandantes na obra objeto da deliberação, não excede o da alçada do Julgado de Paz, fixado atualmente em €15.000,00.
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Procedeu-se a marcação da audiência de julgamento para o dia 16/4/2015, como da respetiva ata se infere (fls. 147 e 148), tendo sido oficiada informação à Câmara Municipal da Trofa.
No dia 19/5/2015, houve continuação de audiência de julgamento, como consta da Ata de fls. 189 e 190.
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O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, não se verificando quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à ação o valor de €11.619,17 (onze mil seiscentos e dezanove euros e dezassete cêntimos).
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Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença, sendo que a alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/07 estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar, entre outros, uma “sucinta fundamentação”.

Fundamentação da Matéria de Facto
Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - Os demandantes são proprietários das frações sitas na Rua xxx, Edifício xxx, na Trofa, designadas pelas letras “CJ”, “”CF”, “CA” e “CN”, do edifício.
2 - A demandada é a Administração de condomínio do referido edifício, nomeada em Assembleia de Condóminos.
3 - Sucede que, no dia 19 de janeiro de 2015 teve lugar uma assembleia de condóminos em que no ponto 4 da ordem de trabalhos consta Apresentação e votação de Orçamento para a reparação da fachada e formas de pagamento.
4 – Nessa Assembleia estiveram presentes 76,17% do capital do prédio, nomeadamente do Bloco F.
5 – Tendo aprovado a deliberação para colocação de capoto no edifício por maioria, constituído pelas frações CR, AG, CG, CP, CB, CC, CO, O, AF, CI.
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A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, da prova testemunhal que a seguir se mencionará, dos documentos de fls. 7 a 22, 64 a 97, 109 a 146, 157 a 161, 163 a 165 e 188 juntos aos autos, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum e critérios de razoabilidade alicerçaram a convicção do Tribunal.
Os depoimentos testemunhais de demandante e demandada, todos condóminos do edifício em causa, consideram-se isentos e credíveis, não obstante a testemunha da demandante e as da demandada terem diferentes pontos de vista relativamente ao revestimento da fachada do edifício, tendo todas queixas de infiltrações, concluindo que têm mais incidência e gravidade as frações habitadas pelas testemunhas apresentadas pela demandada e têm origem no terraço já intervencionado e na fachada do edifício devido à existência de infiltrações de água no interior de algumas habitações, que põe em causa, nalguns casos, as condições de habitabilidade dos condóminos do referido edifício e que exige a impermeabilização da fachada do mesmo, decidida realizar em capoto, por ter sido considerada a solução mais adequada e fiável considerando o edifício, em termos de maior estanquicidade e de menor custo.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, nomeadamente não ficou provado que as convocatórias padecessem de ilegalidade ou que as obras na fachada constituam inovação.

Fundamentação da Matéria de Direito
A relação material controvertida nos presentes autos circunscreve-se às relações entre condóminos, em concreto à impugnação judicial pelos demandantes de deliberação constante da ata de assembleia de condóminos de 19/1/2015, por insuficiência do nº de convocatórias e por no ponto 4 deliberar acerca da apresentação e votação de orçamento para a reparação da fachada e formas de pagamento.
No instituto da propriedade horizontal, como prevê o artigo 1433º do Código Civil (CC), é facultado ao condómino um meio próprio para reagir contra deliberações da Assembleia-geral de Condóminos.
Com efeito, nos termos do artigo 1433º, nº 1 do mesmo código, as deliberações contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados, são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Por outro lado, o administrador pode ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício (artigo 1437º, nº 2 CC).
Para os demandantes teriam que ser convocados todos os condóminos da propriedade horizontal e não somente os do bloco F a que pertencem.
Na verdade, a propriedade horizontal em causa é composta por blocos, cada um com uma administração própria, como é admissível nos termos do disposto no artigo 1418º-A do CC. A Assembleia, cuja deliberação foi posta em crise totaliza 76,17% do capital total do prédio, de acordo com a listagem anexa à mesma e documentos referentes ao Bloco F, onde constam discriminadas as despesas do bloco F e as despesas comuns relativas a todos os blocos da mesma propriedade horizontal.
Considera-se assim ser admissível a existência de administrações autónomas de blocos distintos, ainda que com uma única propriedade horizontal. Pelo que, neste caso, só os condóminos do Bloco F teriam que ser convocados, como foram. No mesmo sentido, foi junto parecer jurídico de fls. 137 a 146.
Não se analisa a questão da regularidade relativamente ao teor da própria convocatória para a Assembleia de Condóminos, uma vez que tal não é posto em causa.
No caso em apreço, constata-se que na Ata nº xxx da assembleia existem 5 pontos na ordem de trabalhos, sendo o ponto 4 relativo a apresentação e votação de orçamento para a reparação da fachada e formas de pagamento, que os demandantes pretendem pôr em crise.
Presume-se que o ponto 4 da ordem de trabalhos, assim como os restantes, estariam incluídos na convocatória para a Assembleia de Condóminos. Sobre isto dispõe expressamente o nº 2 do artigo 1432º do CC que na convocatória deve indicar-se o dia, hora e local e a ordem de trabalhos da reunião. Trata-se de uma norma de natureza imperativa estando relacionada com a necessidade de assegurar o conhecimento prévio dos condóminos sobre os assuntos sujeitos a deliberação, com vista à sua preparação para os assuntos em discussão, sendo caso disso.
No caso dos autos, verifica-se que a assembleia deliberou sobre um assunto, que se presume estivesse incluído nos assuntos em discussão naquela assembleia, como é exigência legal.
Ainda segundo os demandantes a alteração da fachada para capoto constitui uma inovação, pois segundo estes as obras realizadas no edifício não constituem benfeitorias necessárias, as quais têm por fim evitar a perda e a deterioração da coisa, mas uma obra de cariz estético e inovador.
A esse respeito preceitua o artigo 216º do Código Civil: “1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. 2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias. 3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.
De acordo com a prova produzida, as obras na fachada do edifício objeto dos autos decorreram em virtude de infiltrações de água no interior das habitações do referido edifício, e estando já em causa questões de habitabilidade, as mesmas são consideradas benfeitorias necessárias, já que, visam evitar a deterioração da coisa/edifício. Nessa sequência, a alteração da fachada para capoto não pode assim ser considerada inovação, mas obra de impermeabilização necessária, por estar em causa a habitabilidade dos condóminos do prédio dos autos (vejam-se as fotografias de fls. 157 a 161 de uma fração do edifício).
Entende-se, assim, que as deliberações em causa são tomadas por maioria dos votos representativos do capital investido (artigo 1432º do CC), como é este o caso.
Ainda relativamente a necessidade de alteração da fachada para capoto, existe o documento junto aos autos denominado Projeto de Reabilitação do edifício Oceano que estuda detalhadamente as patologias do mesmo e o modo de intervenção considerado como adequado e vantajoso, em termos de eficácia e durabilidade (vide fls. 114 a 132).
A propósito do exposto, a Divisão de Fiscalização da Câmara Municipal da Trofa, atualmente designada Setor de Polícia Municipal, Fiscalização e Metrologia, considerou que o acabamento em capoto da fachada do edifício objeto dos autos promove a eficiência energética (fls. 135 e 136) e conclui que a eliminação de pedra (granito) e a substituição por capoto, desde que confira acabamento exterior idêntico não constitui uma alteração de fachada, nomeadamente para efeitos de pedido de licenciamento ou autorização administrativa.
Termos em que resulta verificada a legalidade e validade da convocatória da Assembleia-geral de Condóminos de 19/1/2015, bem como da deliberação tomada no seu ponto quatro relativa a apresentação e votação de orçamento para a reparação da fachada e formas de pagamento que se considera legal, válida e eficaz.

DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a demandada ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO X, BLOCO X do peticionado.

Custas
Para efeitos do disposto na Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, os demandantes são condenados no pagamento das custas no valor de €70,00 (setenta euros), pelo que tendo os demandantes pago a taxa de justiça inicial de €35,00 (trinta e cinco euros) devem ainda proceder ao pagamento do valor restante de €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso.
Devolva à demandada Administração o valor de €35,00 (trinta e cinco euros).
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A Sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida, nos termos do artigo 60º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei nº 54/2013, 31/7.
Notifique e Registe.
Julgado de Paz da Trofa, em 29 de maio de 2015
A Juíza de Paz,
(Iria Pinto)