Sentença de Julgado de Paz
Processo: PROC. N.º 165/2018-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO - PERDA TOTAL - PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO
Data da sentença: 08/23/2018
Julgado de Paz de : OESTE - BOMBARRAL
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 165/2018-JPBBR
SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 2, propôs, em 25 de Junho de 2018 contra B S.A. melhor identificada a fls. 1 e 22, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 5.979,01 € (Cinco mil, novecentos e setenta e nove euros e um cêntimo) a título de indemnização por danos patrimoniais, privação de uso e danos não patrimoniais decorrentes de acidente de viação .
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 2 a 4, que se dá por integralmente reproduzido.
Juntou 7 documentos (fls. 5 a 17) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada, veio a demandada apresentar contestação de fls. 22 a 34 defendendo-se por excepção e impugnação pela improcedência da acção.
Juntou 4 documentos ( fls. 37 a 59).
Tendo a Demandada afastado o recurso à Mediação, procedeu-se á marcação da Audiência de Discussão e Julgamento, para o dia 8 de Agosto de 2018.
Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respectiva acta melhor se alcança.
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Ao tribunal cabe decidir a) a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação; b) da obrigação da Seguradora indemnizar o Demandante pelos danos verificados c) Quantificação dos danos
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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa, porquanto as mesmas se encontram decididas por despachos de fls. 73 e 74, 91 e 92 e 116 a 118.
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FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. O demandante é proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matricula MB, Marca ----, (cfr. doc. fls. 5) (doravante designado por MB)
2. O veículo referido em 1 foi matriculado no ano de 1998 e apresentava, á data do acidente 78194 km percorridos - ( Doc fls 5 e 44).
3. No dia 31 de Julho de 2017, o demandante conduzindo o seu automóvel, encontrava-se parado um sinal luminoso de regulação de trânsito de veículos (semáforo) aguardando o sinal de permissão de marcha quando sofreu um acidente de viação. (por acordo art. 574 n.º 2 CPC)
4. O veículo ligeiro de matricula QR (doravante QR) conduzido por C embateu na traseira do veículo do demandante, projetando-o contra o veículo com matricula XZ, que se encontrava parado á sua frente. (por acordo art. 574 n.º 2 CPC)
5. Com o referido embate, o veículo do demandante ficou danificado, com estragos que impossibilitam a sua circulação. (por acordo art. 574 n.º 2 CPC)
6. Por contrato de seguro, titulado na apólice n.º 0004277199, o proprietário do veículo QR transferiu para a demandada a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação daquele veículo.( por acordo art. 574 n.º 2 CPC)
7. No momento do embate, eram ocupantes do veículo do demandante, com ele viajando D e E.
8. Na sequência do acidente, os três ocupantes do veículo do demandante foram transportados ao hospital.
9. Em resultado do acidente, o telemóvel F do demandante ficou danificado, bem como um telemóvel pertencente a D.
10. O demandante apresentou participação do acidente à companhia seguradora aqui demandada, em 1 de Agosto de 2017.(cfr. doc. fls 8)
11. Na sequência da participação do sinistro, a demandada procedeu á realização de uma peritagem ao veículo MB do aqui demandante. (doc. fls. 42)
12. O MB sofreu danos extensos na traseira e na frente, quer a nível mecânico, quer na sua estrutura, estimando-se o valor de 13.186,10 para a sua reparação. (cfr. doc. fls 42 a 58)
13. A demandada informou o demandante, por carta datada de 23 de Agosto de 2017 dos resultados da peritagem efectuada ao veículo. (cfr. doc. fls 12)
14. A demandada colocou á disposição do demandante a quantia de 874,00€ correspondente ao valor venal do veículo – que calculou em 1000,00€ - deduzida a quantia de 126,00 dos salvados - cfr. doc. fls. 12 e 59)
15. Para o apuramento do valor venal do veículo referido em 14, a demandada realizou pesquisas no mercado automóvel e para o valor do salvado realizou leilão junto de empresas do sector sucateiro.
16. Em 14 de Setembro de 2017, o demandante remeteu á demandada uma carta, na qual requer a reavaliação do valor indemnizatório proposto para 3000,00€.(cfr. doc. fls 108)
17. O veículo MB era utilizado diariamente pelo autor para as suas deslocações, nomeadamente para deslocações em trabalho e lazer.
18. O demandante adquiriu um veículo automóvel em Dezembro de 2017.(cfr. art. 352º CC).

Não provados:
1 – Na sequência do acidente, o demandante teve sequelas físicas nos dias subsequentes, que lhe provocaram dores nas costas e pescoço, mal-estar e insónias, tendo necessidade de adquirir analgésicos para atenuar as dores.
2 – O demandante ficou com duas malas e respectivo conteúdo danificadas, uma no valor de 80,00€ e outra no valor de 150,00€.
3 - O demandante deslocou-se em táxi nos dias 21 e 25 de Agosto de 2017.
4 - O demandante adquiriu o MB no dia 30 de Maio de 2017 pelo preço de 1600,00€.

MOTIVAÇÃO
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual se selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os factos que resultam por acordo nos termos do disposto no art. 574º CPC e dos documentos constantes de cada item dos factos provados.
Foi ouvido o demandante, nos termos do disposto no art. 26º da LJP tendo este referido que tinha ido buscar o irmão e o sobrinho ao aeroporto em Lisboa e que o acidente ocorreu no seu regresso. Confirma que tinha adquirido o veículo em causa há pouco tempo (cerca de 1 mês) pelo valor de 1.600,00€, tendo pago 600,00€ em dinheiro e o restante preço está a ser pago em prestações por débito directo, motivo pelo qual ainda não tem o recibo do vendedor. Exibiu o telemóvel partido que refere ter ficado danificado por ocasião do acidente.
Mais relatou ao tribunal que adquiriu uma nova viatura em Dezembro de 2017, em data que não concretizou.
Consideraram-se como não provados o facto sob o n.º 3 e 4 sob a epigrafe “Não provado” porquanto os documentos de fls. 11 e 14 junto ao requerimento inicial foram impugnados pela demandada, não tendo o demandante apresentado qualquer meio de prova – documental ou testemunhal - que infirmasse a veracidade daqueles, sendo certo que não se afiguram suficientes as declarações do próprio.
Ponderou-se, ainda, o depoimento da testemunha apresentada pelo Demandante, a qual foi interveniente no acidente, prestando depoimento de forma contida e comprometida. Na realidade, foi ponderado o seu depoimento de forma critica, atendendo-se á sua idade (16 anos) pelo que no essencial confirmou a dinâmica do acidente de viação e que os três ocupantes do veículo foram transportados para o hospital.
Mais refere que o seu telemóvel e o do seu tio ficaram partidos e que foi o demandante quem pagou a reparação do seu. No que diz respeito ás malas de viagem, referiu que eram as que ele e o seu pai traziam de S. Tomé de Príncipe com roupa e frutas e que teria sido o seu tio (demandante) quem lhas emprestou, o que nos parece de todo inverosímil. – pelo se considera não provado o facto sob o n.º 2 dos factos não provados.
Igualmente se tomaram em consideração as declarações da testemunha apresentada pela Demandada, que é supervisor de peritagens ao serviço daquela. Do seu depoimento resultou, de forma clara, o modo como a companhia seguradora apurou o valor venal do veículo MB e o valor do salvado, resultando provado o facto insito sob o n.º 15.

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
O Demandante ancora o seu pedido no facto de o condutor do veículo QR ser, no seu entender, o único culpado no acidente ocorrido. Por sua vez a demandada não contesta a responsabilidade pela ocorrência do acidente nem a sua dinâmica, aceitando pagar o valor dos danos sofridos pelo demandante. A divergência entre as partes radica tão somente, na determinação e quantificação daqueles danos.
Assim, cumpridos que se encontram os requisitos da responsabilidade civil (facto, dano, imputação do facto ao agente, ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade) dos quais depende a obrigação de indemnizar e perante o contrato de seguro celebrado validamente, cumpre apenas determinar a extensão dos danos decorrentes do acidente de viação e o quantum indemnizatório.
Para tanto havemos de nos reportar á matéria provada e não provada nos presentes autos. Assim,

- Dos danos no veículo MB
O art.º 41º do Decreto- Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, contém regras de definição da indemnização por perda total aplicáveis no âmbito do procedimento de proposta razoável previsto no Capítulo III do referido diploma legal.
Não tendo as partes chegado a acordo no aludido procedimento, recorrendo o demandante à via judicial, relevam apenas as regras gerais enunciadas nos art.ºs 562º e 566º do Código Civil.
Decorre destes preceitos que se deverá, em regra, proceder à restauração natural [colocando o lesado na situação anterior à ocorrência do dano] e só excepcionalmente haverá lugar à indemnização pecuniária - sucedâneo a que se recorre apenas quando aquela é materialmente impraticável, não cobre todos os danos ou é demasiado onerosa para o devedor.
A demandada logrou provar a excessiva onerosidade traduzida na flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural.(13.186,10€/1600,00 ou 1.000,00€)
De todo o modo, o demandante veio desistir do pedido de reparação do veículo, na audiência de julgamento, estando em causa apenas a discrepância quanto ao valor venal do veículo que este computa em 1600,00€ enquanto a demandada o avalia em 1000,00€.
O critério de avaliação do veículo seguido pela demandada, resulta de uma pesquisa de mercado realizada, enquanto o critério utilizado pelo demandante seria o preço pelo qual havia adquirido o veículo. No entanto, documento de fls. 107 junto pela demandada refere-se a um veículo de características idênticas com o valor de 950,00€, mas com mais do dobro dos quilómetros percorridos, sendo este um item de avaliação relevante e o demandante não logrou fazer prova do preço pelo qual havia adquirido o veiculo, com explanado supra.
Ora, valor venal do veículo, antes do sinistro, tem a acepção legal consagrada no n.º 2 do referido artigo 41º: “valor de substituição”, entendido pela jurisprudência como o valor que permitiria ao lesado adquirir, no mercado, um veículo de caraterísticas similares ao sinistrado.
Nesta conformidade, haverá o tribunal, nos termos do disposto no art. 566 n.º 3 do Código Civil, determinar equitativamente o referido valor, sendo que este haverá de se situar entre os 1.000,00€ e os 1600,00€.
Nos termos do disposto no art. 411º do CPC , o tribunal fazendo apelo aos valores de mercado, concluiu pela fixação do valor do veículo em 1300,00, ficando o salvado na posse do demandante.

- Da privação de uso do veículo
Quanto á privação de uso diga-se que hoje é, comum e maioritariamente aceite na nossa jurisprudência, que o simples uso, constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária.
Nesse sentido o Ac. RP. de 15.03.2005, in www.dgsi.pt, “o lesado durante o período de imobilização da viatura, ficou privado das utilidades que este poderia proporcionar-lhe; e isto constitui um prejuízo, uma realidade de reflexos negativos no património do lesado, mesmo se, como é o caso, não se provou em concreto um aumento das despesas em razão da privação do seu uso.
Como refere Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2001, pp. 39, “a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma "fatia" dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização.
Aliás, o simples uso do veículo constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano.”
Defende-se,” que a utilização dos bens, faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem, e que a simples possibilidade de utilização ou não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afectado, deve ser ressarcida”. (cfr. António Abrantes Geraldes, Indemnização do dano da privação do uso, pág. 26.
E nenhum motivo há para entender que a violação ilícita e culposa do direito de propriedade sobre o automóvel não se contém na previsão do art. 483.º, n.º 1, que estabelece um princípio geral (Ac. RL de 04-06-88: CJ, XXIII, T3, 124).
Com efeito, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período de privação (Ac. STJ de 09-05-2002, proc. 935/02: Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I vol., Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2.ª ed., 125-129).
A assunção da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro pela demandada acarreta-lhe a obrigação de reconstituir a situação que existiria não fora o evento danoso, ex vi do art. 562º do CC.
Ora, pese embora a demandada tenha colocado á disposição do demandante a quantia indemnizatória no âmbito do procedimento de proposta razoável, o que é certo é que com tal quantia o demandante não adquiriria um bem idêntico ao sinistrado.
Assim, a demandada só vem a cumprir a sua prestação –reparação do dano – quando satisfizer inteira e cabalmente aquele quantitativo financeiro.
O demandante ficou assim privado do uso do veículo até à altura em que adquiriu outro, fazendo cessar o dano.
Não havendo prova de danos concretos que tenham sido consequência da privação do uso (custos com transportes públicos, táxi ou aluguer de viatura) está apenas em causa o ressarcimento da privação de uso como dano autónomo.
Ponderados estes factos, e tendo como padrão de referência o custo de aluguer de viatura semelhante, face à ausência de elementos mais concretos e por recurso à equidade atribui-se o valor diário de 10,00€. (desde 31 de Julho de 2017 a 30 de Novembro de 2017- porquanto não resulta provado o dia concreto da aquisição da viatura no mês de Dezembro) no valor indemnizatório de 1230,00€. (10,00€x123 dias).
Dos objectos transportados
Resultando provado que, na sequência do acidente resultou danificado o telemóvel do demandante que se poderá adquirir (novo) pelo valor de 96,14€ tendo em consideração que tais produtos sofrem desvalorização pelo seu uso decide-se atribuir o valor equitativo de 50,00€ (considerando preços de mercado de usados) .
Mais resultou provado que ficou danificado o telemóvel de um dos ocupantes se e que o demandante se disponibilizou para pagar a sua reparação. Tal atitude é uma liberalidade a que a demandada é alheia (cfr. art. 504º n.3 do Código Civil) pelo que improcede o pedido a este título.

Decisão:
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada e em consequência condena-se a demandada a pagar ao demandante a quantia de 2.580,00 título de indemnização por danos decorrentes de acidente de viação incluindo a privação de uso do veículo.
As custas serão suportadas por ambas as partes, em razão do decaimento na proporção de 57% para o Demandante e 43% para a Demandada, declarando-se ambas partes vencidas (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro e n.º 3 do art.º 446.º, do C.P.C.), sem prejuízo do beneficio de apoio judiciário a que o demandante tem direito.


Registe.

Bombarral , 23 de Agosto de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
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(Cristina Eusébio)