Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 16/2018 – JPTBR |
Relator: | MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES |
Descritores: | AÇÃO DE CONDENAÇÃO - PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA |
Data da sentença: | 11/23/2018 |
Julgado de Paz de : | TERRAS DE BOURO |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Proc. n.º 16/2018 – JPTBR
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A., residente no Lugar … Chamoim, Terras de Bouro Demandado: B., residente na Rua … Vila Verde. * OBJECTO DO LITÍGIO A Demandante intentou contra o Demandado a presente acção enquadrável nas alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, peticionando a condenação do Demandado i. no pagamento de uma indemnização no valor de € 2.000,00 (dois mil euros) pelos prejuízos patrimoniais sofridos, ii. no pagamento de juros legais vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento e iii. nas custas devidas pela propositura da acção. * O Demandado apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 21 a 29, tendo i. deduzido excepção de não cumprimento do contrato e ii. impugnado parte da factualidade alegada pela Demandante, mais tendo concluído, a final, pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta da acta. * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 1, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 2.000,00 (cfr. artigos 297.º, n.º 1 e 306.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, doravante CPC, ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho Na falta de indicação em contrário, os artigos do CPC que sejam mencionados na presente sentença são aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. * FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA A. Em 5 de Dezembro de 2017, foi celebrado um contrato entre a Demandante e o Demandado, por via do qual este se obrigou a executar a colheita da framboesa na morada daquela, obrigando-se, por sua vez, a Demandante a retribuir o Demandado por tal execução. B. As partes estipularam que o contrato referido no precedente facto teria início em Maio de 2018 ou por data a definir e duraria até ao termo da colheita do fruto, salvo se fosse denunciado por qualquer das partes. C. Mais estipularam as partes que no final de quinze dias de colheita, apresentariam os valores de fecho para facturar o serviço até à data. D. O Demandado procedeu à colheita da framboesa nos dias 20, 21 e 22 de Junho de 2018. E. Em 22 de Junho de 2018, o Demandado deu conhecimento à Demandante que C. é que ficaria responsável pela coordenação da equipa que iria proceder à colheita da framboesa. F. Após o indicado dia 22 de Junho, o Demandado não mais procedeu à colheita de framboesa na exploração da Demandante, seja por si, seja por intermédio de outrem. G. A falta de colheita da framboesa determinou a perda de cerca de duas toneladas de framboesa, que se deterioraram. H. A Demandante enviou, em 06.07.2018, carta registada ao Demandado a informar da rescisão do contrato, a qual não foi levantada, no posto dos correios, pelo Demandado. * FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA 1. A Demandante não deixou o Demandado efectuar o serviço acordado. * FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICAAo pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez. Os factos A, B e C resultaram provados por via do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, não impugnado pelo Demandado, sendo que os factos B e C foram tomados em consideração à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC. O facto H resultou provado por via dos documentos nºs 2, 3 e 4 juntos com o requerimento inicial, igualmente não impugnados pelo Demandado, tendo a data de envio da carta sido tomada em consideração nos termos do disposto no indicado artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC. Os factos D e F resultaram provados em face da admissão do Demandado (cfr. artigo 10.º da contestação, no que se reporta ao facto D, e artigos 11.º e 12.º da contestação, no que se reporta ao facto F). O facto E resultou provado em face do depoimento de parte da Demandante, conjugado com a prova testemunhal produzida, especificamente, por via do depoimento de C. Finalmente, o facto G resultou provado em face do depoimento de parte do Demandado, que até referiu que, se a framboesa fosse apanhada logo pela manhã, vingariam cerca de 3 a 4 toneladas dessa mesma fruta. Já os factos não provados ficaram a dever-se à inexistência de prova produzida no sentido da sua demonstração. Assim, quanto aos factos 1, 2, 3 e 4, não logrou o Demandado efectuar qualquer prova de tal factualidade, como lhe competia (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, doravante CC), sendo certo que a testemunha C., que acabou por ser convocada para prestar depoimento em Tribunal por se entender que poderia ter conhecimento directo de factualidade importante para a boa decisão da causa (cfr. despacho de fls. 95), mas que havia sido indicada pelo Demandado na contestação, deu como justificação, para o facto de o Demandado apenas ter prestado serviço para a Demandante durante poucos dias, o facto de o Demandado ter “muito para fazer”… Acresce que, em sede de depoimento (de parte) prestado pelo Demandado, este afirmou que a Demandante “não queria que apanhassem a framboesa com orvalho”, porém, a verdade é o próprio Demandado afirmou, igualmente, que a framboesa “não podia ser apanhada com água”, o que foi corroborado pela indicada testemunha C., que disse ao Tribunal que o Demandado lhe havia dito que “nunca se apanha a fruta molhada”, sendo ainda certo que, quando confrontada com a esta questão em sede de depoimento de parte, a Demandante foi peremptória em afirmar que as pessoas que estavam ao serviço do Demandado estavam a queixar-se de estar a ficar molhadas por causa do orvalho, ao que a Demandante lhes terá dito para pararem caso não quisessem ficar molhadas. Portanto, do próprio depoimento de parte do Demandado, da indicada prova testemunhal e, ainda, do depoimento de parte da Demandante, resulta não provada a indicada factualidade constante dos pontos 1, 2 e 3. Já relativamente ao facto 4, resultou, convincentemente, do depoimento de parte da Demandante – atenta a forma escorreita e fluída com que a Demandante depôs – que, no dia 23 de Junho de 2018 de manhã, ninguém se apresentou na exploração, ao que a Demandante telefonou ao Demandado, tendo este lhe dito que só se apresentariam na exploração às 12h e que, quanto ao dia 24 de Junho de 2018, o Demandado disse à Demandante para não contar com a prestação de serviço nesse dia por ser dia de S. João. Quanto aos factos 5, 6 e 7, também não logrou o Demandado efectuar qualquer prova dos mesmos, como lhe competia (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC), tendo, ao invés, o Demandado reconhecido, em sede de depoimento de parte, não ter abdicado de qualquer valor dos dias em que fez a colheita, assim como reconheceu não ter ficado acordado perante as partes que nada mais deviam uma à outra (cfr. fls. 94 e 95), pelo que, não se provou, assim, qualquer cessação por acordo do contrato em apreço nos autos. * DIREITOOs presentes autos respeitam à responsabilidade civil contratual por alegado não cumprimento de obrigação por parte do Demandado (cfr. artigos 798.º e seguintes do CC), enquadrando-se a situação em apreço no âmbito de um contrato de prestação de serviços (cfr. artigos 1154.º do CC). Com efeito, entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços, isto é, um contrato por via do qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Com efeito, deu-se como provado que em 5 de Dezembro de 2017, foi celebrado um contrato entre a Demandante e o Demandado, por via do qual este se obrigou a executar a colheita da framboesa na morada daquela, obrigando-se, por sua vez, a Demandante a retribuir o Demandado por tal execução. Também foi dado como provado que, Demandante e Demandado estipularam que o contrato teria início em Maio de 2018 ou por data a definir e duraria até ao termo da colheita do fruto (salvo denúncia por qualquer das partes) e que, no final de quinze dias de colheita, apresentariam os valores de fecho para facturar o serviço até à data. De acordo com o disposto no artigo 1156.º do CC, as disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviços que a lei não regule especialmente, o que é o caso do presente contrato. Temos, assim, que, de acordo com o disposto no artigo 1161.º, alínea a), do CC, o mandatário – no caso, o prestador de serviços – é obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante. Portanto, no caso, o Demandado estava obrigado, por via do contrato que celebrou com a Demandante, a proceder à colheita da framboesa, na exploração da Demandante, com início em Maio de 2018 ou em data a definir, e com duração até ao termo da colheita do fruto, sendo que, no final de quinze dias de colheita, seriam apresentados os valores de fecho para facturar o serviço até à data. Provou-se que o Demandado apenas procedeu à colheita da framboesa nos dias 20, 21 e 22 de Junho de 2018, mais se tendo provado que deu conhecimento à Demandante que C. é que ficaria responsável pela coordenação da equipa que iria proceder à colheita da framboesa. Constata-se, assim, que o Demandado não cumpriu a obrigação a que se vinculou para com a Demandante, no âmbito do contrato em apreço, sendo certo que o facto de C. ficar responsável pela coordenação da equipa que iria proceder à colheita da framboesa não desobriga o Demandado: com efeito, nos termos do disposto no artigo 1165.º do CC, o mandatário/prestador de serviços pode, na execução do/a mandato/prestação de serviços, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer. Acresce que, a tese avançada pelo Demandado de que a Demandante lhe impôs regras e horários, pretendendo tornar a prestação de serviço num contrato de trabalho, não se provou, sendo certo que, mesmo que porventura tal tivesse sido provado, nunca tal acarretaria a excepção de não cumprimento do contrato, desde logo porque, no caso, foram estipulados prazos diferentes para o cumprimento das obrigações emergentes do contrato, pois, no termo de 15 dias de colheita, seriam apresentados os valores de fecho para a facturação do serviço (cfr. artigo 428.º, n.º 1, do CC, bem como facto provado C). Pelo que, improcede, assim, a excepção de não cumprimento invocada pelo Demandado. Nos termos do disposto no artigo 798.º do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Já nos termos do disposto no artigo 799.º do CC, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, portanto, nos termos do disposto no artigo 487.º, n.º 2, isto é, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Mais dispõe o artigo 800.º, n.º 1, do CC que o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor. Ora, no caso, provou-se que o Demandado não cumpriu a obrigação de colheita da framboesa na exploração da Demandante, conforme se havia comprometido com esta, seja por si próprio, seja por via do seu auxiliar, o Sr. C., sendo certo que não logrou o Demandado ilidir a presunção de culpa constante do disposto no indicado artigo 799.º do CC, pelo que, é o mesmo culpado por tal incumprimento. Acresce que se provou, igualmente, que tal incumprimento contratual por parte do Demandado, portanto, a falta de colheita da framboesa, acarretou um prejuízo para a Demandante, pois determinou a perda de cerca de duas toneladas de framboesa, que se deterioraram. Ora, no que ao dano se reporta, dispõe o artigo 562.º do CC que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, mais preceituando o artigo 563.º do mesmo diploma legal que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Já o artigo 566.º, n.º 1, do mesmo diploma, prevê que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, mais prevendo o n.º 3 que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. No que ao valor dos danos se reporta, não foi possível determinar, em face da prova produzida, qual o seu valor exacto. Porém, tendo em conta que, nos termos da cláusula terceira do contrato celebrado entre as partes (cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial), a Demandante pagaria ao Demandado, pela colheita da fruta, € 2,5/kg pela “qualidade extra” e € 0,5/kg pelas restantes qualidades, e não tendo sido feita prova sobre a específica “qualidade” da framboesa que se deteriorou, poder-se-á considerar, equitativamente, que a Demandante teve um prejuízo de € 900,00, pois, se as duas toneladas de framboesa que se deterioraram fossem colhidas pelo Demandado e, por conseguinte, pagas a € 0,5/kg, o Demandado teria direito a receber, pela colheita, € 1.000,00; porém, tendo em consideração que seria expectável, face ao acordo das partes, que alguma da framboesa a ser colhida corresponderia à “qualidade extra” e, portanto, essa parte da colheita seria paga a € 2,5/kg, considera-se razoável o indicado montante de € 900,00. Assim, considera o Tribunal ajustado fixar o valor dos danos patrimoniais sofridos pela Demandante, com recurso à equidade, e à luz do disposto no indicado artigo 566.º, n.º 3, do CC, em € 900,00 (novecentos euros). Relativamente ao pedido de pagamento de juros legais vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, dispõe o artigo 804.º do CC que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e que o devedor se considera constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido. Mais dispõe o artigo 805.º, n.º 3, do CC que se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido (salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor). Ora, no caso, o crédito em causa nos autos apenas se tornou líquido por via da presente sentença, pelo que só existirá mora do Demandado se o mesmo não cumprir a presente sentença após o seu trânsito em julgado. Improcede, por conseguinte, o pedido de pagamento de juros legais vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento. * DECISÃOEm face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência: a) Condena-se o Demandado a pagar à Demandante o valor de € 900,00 (novecentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, e, b) Absolve-se o Demandado do pedido de pagamento de juros legais vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento. Custas a cargo da Demandante e do Demandado, na proporção de 20% e de 80%, respectivamente – cfr. artigos 8.º e 9.º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro. Registe e notifique ambas as partes, atenta a falta de comparência na presente data e hora (14.30h), agendadas para leitura de sentença. Terras de Bouro, 23 de Novembro de 2018 A Juíza de Paz, (Marta M. G. Mesquita Guimarães) Processado por computador (Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Revisto pela signatária. Julgado de Paz de Terras de Bouro |