Sentença de Julgado de Paz
Processo: 74/2018-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO REFERENTE A RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL/SINISTRO AUTOMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS
Data da sentença: 01/04/2019
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º74 /2018-J.P.CBR

RELATÓRIO:

O demandante, FRHV, NIF. n.º …, residente na Rua …, no concelho de Coimbra, representado por mandatário constituído.

Requerimento Inicial: Alega em suma que, no dia 09/06/2017, por volta das 13h40, na Rua … em Coimbra, o veículo com a matrícula XX-XX-XX, marca A, modelo A despistou-se e embateu no veículo estacionado propriedade do demandante além de ter embatido, também, em outros veículos. Foi o veículo YY abalroado pelo veículo XX-XX-XX conduzido por LO., e com apólice de seguro automóvel junto da companhia de seguros E. O condutor do veículo XX-XX-XX assumiu a responsabilidade, tendo o demandante e o proprietário do referido veículo preenchido a declaração amigável de seguro. O Demandante participou do sinistro à sua Companhia Seguradora (T). O veículo propriedade do Demandante sofreu diversos danos, como demonstra o próprio documento que a Demandada remeteu ao Mandatário do demandante em 28/11/2017.O carro do demandante ficou impedido de circular, sendo rebocado para oficina da sua confiança onde se encontra até ao presente momento, uma vez que não pode circular. Posteriormente, após peritagem foi declarada a perda total do veículo pela Demandada, nessa missiva foi comunicada a assunção por parte da Demandada da total responsabilidade no sinistro em discussão. O Demandante, apesar de a Demandada no email de 28/11/2017, remetido ao mandatário do Demandante referir que o contactou diversas vezes jamais recebeu qualquer contacto por parte das Demandadas, sendo o único contacto recebido, o efectuado por carta registada com aviso de recepção enviado em 14/11/2017. A Demandada dá o veículo do Demandante como “perda total” oferecendo como indemnização pela referida perda do veículo a quantia de 500€, quando na realidade, no seu boletim de perda total, consta como valor de mercado a quantia de 650€. O Demandante só tomou conhecimento destas comunicações juntas através do email remetido ao seu mandatário. Não consegue aceitar tais quantias, pois entende que não consegue adquirir um veículo com as mesmas características do seu, por menos de 1.250€, quantia se peticiona a título de indemnização pela perda do seu veículo. Está privado da sua viatura desde o dia do acidente, ou seja desde 09.06.2017, o que até à presente data (27.03.2018) perfaz 292 dias. O Demandante continua a incomodar amigos, familiares, andar de transportes públicos e táxis, e utilizando muitas vezes o veículo de seus pais para poder ir trabalhar. Obviamente que deu conhecimento de tais factos à Demandada. Esta, em 14.02.2018, veio propor-lhe o pagamento da quantia de dez euros diários pela privação do uso no período entre 16.06.2017 e 26.06.2017. Como facilmente se conclui, o Demandante não teve qualquer intervenção, influência ou responsabilidade no sinistro ocorrido. A Demandada assumiu a totalidade da responsabilidade com o sinistro, e apesar de ser manifesta, a ausência de responsabilidade do Demandante, que se vê privado do uso do seu veículo. Após aturadas tentativas e exposições, deslocações às companhias de seguros, e longos minutos em telefonemas para os centros de atendimentos ao cliente, e troca de emails, lá conseguiu proceder-se à assunção de responsabilidades por parte da Demandada. É facilmente constatável que ficou privado do uso do seu automóvel desde a data do acidente até ao presente dia, o que perfaz o total de 292 dias. E uma vez que é reconhecida a perda total é óbvio que o veículo não pode circular. O Demandante necessita de um automóvel para as suas deslocações diárias familiares e laborais, com vista a deslocar-se de e para o trabalho, uma vez que reside na Av. …, em Coimbra e trabalha no … de Eiras, em Coimbra. Além de necessitar da viatura para ir buscar a esposa, passear, fazer compras, etc. O Demandante usa o seu automóvel diariamente, mais do que uma vez por dia, para fazer compras para a casa, para se encontrar com pessoas amigas e demais tarefas do seu dia-a-dia, bem como para se deslocar dentro da cidade, nomeadamente para ir ao médico, ao café, às compras, entre outros. Todas estas deslocações, actividades, e viagens foram prejudicadas e afectadas porquanto foi obrigado a solicitar o carro emprestado aos seus familiares e amigos, ou a deslocar-se em transportes públicos, o que causou transtorno e profundo desgosto, vendo-se inclusivamente dependente de terceiros para lhe resolverem as questões do seu dia – a – dia, deslocar-se, perdendo autonomia e mobilidade. O Demandante usava e mantinha o seu automóvel com estima e cuidado. Desta forma, denote-se que com todos os impasses verificados, e com as negociações que continuaram até ao mês passado, decorreram 292 dias entre a data do acidente e o momento presente, sem que o veículo tenha sido reparado, ou proposta indemnização satisfatória do ponto de vista de ressarcimento dos prejuízos sofridos até mesmo porque o não possui meios económicos para mandar reparar o veículo. Com efeito, viu-se impossibilitado do uso do seu único veículo, o que perfaz até ao dia de hoje, 292 dias, e aceita calcular a indemnização na quantia parcimoniosa de 25€/dia, num total de 7.300€, este valor diário é calculado atendendo ao direito e legítima expectativa do uso do seu automóvel, associado à qualidade e características do automóvel em causa. Na prática, no âmbito dos acidentes de viação, o reconhecimento da ressarcibilidade desse dano, sem exigências de comprovação de que utilização era dada ao veículo acidentado, tem-se demonstrado no facto das seguradoras facultarem um veículo de substituição com características semelhantes às do inutilizado. Dúvidas não restam que tem de ser indemnizado desde o dia em que deixou de poder usufruir do seu automóvel, ou seja desde o dia em que se viu privado do seu uso, o dia 09/06/2017, uma vez que não pode, nem deve ser penalizado se a peritagem não foi marcada por motivos que lhe são alheios, Se não tiveram conhecimento imediato do sinistro. O Demandante cumpriu a sua única obrigação que era participar o sinistro e aguardar o contacto da responsável pelo ressarcimento dos danos para informar de que forma haveria de proceder. Somente quando contactadas pelo Demandante é que as Demandadas envidaram esforços para marcar a peritagem e instruir o Demandante da forma como esta haveria de proceder. Todo este processo causou grande desgaste ao Demandante, ademais a não assunção inicial da responsabilidade por parte das Demandadas obrigou-o a envidar esforços para tentar provar o sucedido, o que causou desgaste pessoal, bem como perda de tempo e inquietações várias que chegaram mesmo a privar de sono, pelo que peticiona, assim, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 250€. Por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º …, válido à data do acidente, o proprietário do veículo com a matrícula YY, havia transferido para a aqui Demandada a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo seu veículo. Aparentemente, a Demandada E. transferiu a responsabilidade de pagamentos para a Demandada V. e será esta que tem obrigação de proceder ao pagamento dos valores devidos a título de privação de uso, face à legitimidade processual e contratual que assumiu. Conclui pedindo que deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, devem as Demandadas serem condenadas a pagar a quantia de 1.250€ pela perda total do veículo, acrescida da quantia de 7.300€ a título de indemnização pela privação de uso o valor de correspondente aos 292 dias já vencidos à taxa de 25€/dia; sem prejuízo dos dias vincendos até integral pagamento; e ainda na quantia de 250€ a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros moratórios, desde a data de citação até integral pagamento.

MATERIA: Ação referente a responsabilidade extracontratual, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea H) da L.J.P.

OBJETO: Sinistro automóvel, indemnização por danos patrimoniais.

VALOR DA AÇÃO: 8.800€ (oito mil e oitocentos euros, fixado nos termos dos art.º 305, n.º4 e 306, ambos do C.P.C.).

As demandadas, V., S.A. e E., representadas por mandatário constituído.

Contestação: Em suma, as demandadas confirmam a existência do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente de circulação rodoviária, titulado pela apólice n.º …, celebrado entre a E. e a LPP., Lda., relativo ao veículo com a matrícula XX-XX-XX. A V., S.A., confirma ser a representante da E. no que diz respeito a litígios relacionados com acidentes de viação ocorridos em Portugal, cuja responsabilidade se encontre transferida para esta seguradora através, de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente de circulação rodoviária. Encontrando-se cobertos ao abrigo de tal contrato de seguro os riscos inerentes à circulação do veículo XX-XX-XX perante terceiros. Não põem em causa a responsabilidade do condutor do veículo seguro pela produção do acidente dos autos, aceitam a factualidade constante dos artigos 1.º, 2.º e 3º do r.i.. No que respeita às circunstâncias em que o acidente ocorreu, vão as mesmas impugnadas nos termos gerais, nomeadamente a matéria vertida nos artigos 4.º, 5.º, 7.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º da douta pi, por não se tratarem de factos do conhecimento directo e pessoal da Rés. Pese embora a assunção da responsabilidade pela ocorrência do acidente em apreço nos autos, não aceita os montantes peticionados. No seguimento da reclamação, através do seu gabinete de peritagem, efectuou uma vistoria ao veículo de matrícula YY-YY-YY, pelo que tem conhecimento dos danos verificados no mesmo. Sucede que o valor da reparação do veículo YY foi estimado em 5.912,91€, o qual é superior ao valor venal atribuído ao veículo YY, no montante de 600€, que foi igualmente apurado na sequência da peritagem realizada. Sendo que a proposta mais elevada recebida pelo salvado do veículo foi apresentada por MCF, Lda., pelo valor de 100€. Destes valores resulta que o valor estimado de reparação 5.912,91€ adicionado do valor do salvado 100€ perfaz o valor de 6.012,91€, ultrapassando em muito, os 100% do valor venal do veículo. Ora, quando o valor estimado de reparação do veículo se mostra superior à diferença entre o valor venal do veículo e o valor do salvado, esta torna-se manifestamente anti-económica e incontornavelmente onerosa para o responsável da obrigação de reparar, é o caso do valor de reparação do veículo YY. Nestes casos, em que se constata que o valor a reparação dos danos sofridos por um veículo com mais de dois anos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % do valor venal do mesmo, dispõe o nº 1 do artigo 41.º do DL. nº 291/2007, de 21 de Agosto, que a viatura se considera em situação de perda total, sendo a obrigação de indemnização cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo. Conforme dispõe o n.º 3 do supra referenciado art.º 41 do DL n.º 291/2007, o valor de indemnização por perda total é determinado com base no valor venal do veículo, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário. Concluídas as diligências de peritagem e atentos os valores apurados, a indemnização corresponderia ao valor de 500€. Em 22.06.2017, assumiu a responsabilidade do segurado e apresentou a proposta indemnizatória a título de perda total. Proposta que não obteve resposta, razão pela qual expediu nova comunicação a 13/11/2017. Com o intuito de solucionar o processo em sede extrajudicial, a 14/02/2018, propôs uma indemnização global e definitiva no valor de 700€ ficando o salvado na posse do proprietário, à qual não obteve resposta. Vem agora peticionar uma proposta de perda total superior sem demonstrar de que modo alcançou esse valor. Aquando das diligências de peritagem e tendo em conta todas as características do veículo como sejam o ano de matrícula, o combustível, o registo do número de quilómetros já percorridos, a cilindrada do motor, o estado de conservação, entre outros factores, foi atribuído ao veículo YY, pelos peritos designados, o valor venal de 600€. Nesses termos, e ao abrigo do nº 3 do artigo 41.º do DL nº 291/2007, será com base neste valor que deverá de ser calculada a indemnização pela perda total do veículo YY, e será apenas nessa medida que as ora 2.ª Ré poderá ser responsabilizada. No que concerne à privação do uso do veículo, no caso de perda total, a obrigação da seguradora de suportar as despesas com o aluguer de um veículo de substituição ou compensar o proprietário a título de privação do seu uso cessa no momento em que a seguradora comunique a sua posição final ao lesado. Quanto ao demais, não podem ser responsabilizadas pelos alegados prejuízos que advieram desde a data do acidente, tanto mais que, se trata de um veículo em perda total. Ainda assim, manifestou a sua disponibilidade no sentido de proceder ao pagamento de dez dias de privação do veículo, tendo por referência o período de tempo de 16/06/2017 (data em que teve conhecimento do acidente) até 26/06/2017 (data em que colocou à disposição a indemnização pela perda total), ao valor diário de € 10,00/dia, perfazendo, deste modo, o valor de 100€. Os danos alegadamente sofridos com a privação do uso do veículo desde aquela data (26/06/2017) até à presente não poderão nunca ser imputados, uma vez que por esta foram levadas a cabo todas as diligências necessárias à imediata regularização do sinistro em causa nos autos. Não obstante, cumpre referir que a privação do uso de uma viatura não basta, para fundar a obrigação de indemnizar. Não fundamenta a sua pretensão quando reclama, na sua petição inicial, uma indemnização por privação do uso do veículo YY à razão de 25€ diários. Sendo certo que desconhecem quais as utilidades do veículo YY, e se o mesmo não dispõe de outro veículo que possa suprir a alegada falta que o veículo, alegadamente, lhe faz. Não faz prova dos efectivos prejuízos advenientes da alegada privação do uso do veículo YY, não deverá o mesmo ser indemnizado a título de privação do uso do seu veículo. O valor diário peticionado não poderá deixar de ser considerado excessivo e, nessa medida, impugnado face aos preços médios do mercado da especialidade. Quanto aos alegados danos não patrimoniais, o montante peticionado a título de danos não patrimoniais é manifestamente desadequado, por excessivo, face aos factos alegados. No que respeita aos danos não patrimoniais, por alegado desgaste e privação do sono, carece o mesmo de fundamento fáctico. Desconhece o estado do Autor, nem tão pouco se o mesmo está directamente relacionado com o sinistro em discussão nos presentes autos, pelo que segue expressamente impugnado o nexo causal alegado. No que respeita aos danos não patrimoniais é de referir que, apenas é de atender aos danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, certo é também que os critérios a utilizar para a determinação do dano não devem ser abstractas ou mecânicos, devendo antes atender ao caso concreto e sempre temperados por juízos de equidade. Tendo em conta o exposto, o montante peticionado a título de danos não patrimoniais, é desadequado e excessivo. Por não corresponder à verdade ou por não ser do conhecimento direto e pessoal vai expressamente impugnada nos termos do disposto no art. 574º, nº 3 do CPC toda a matéria de facto constante dos artigos 57.º a 61.º do r. i. Conclui pedindo que, deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada, sendo absolvida do pedido com as legais consequências. Junta 5 documentos.

TRAMITAÇÃO:

Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa das demandadas.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem obtenção de consenso. Seguiu-se para produção de prova com a junção de documentos pelo demandante, e prova testemunhal, terminando com alegações finais dos mandatários, conforme se infere da ata de fls. 112 a 115.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I-DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo):

A) O demandante é proprietário do veículo com a matrícula YY-YY-YY, marca X, modeloX , com seguro automóvel na companhia de seguros V.

B) No dia 9/06/2017 por volta das 13h e 40m, na rua …, em Coimbra, o veículo com a matrícula XX-XX-XX, marca A, modelo A, despistou-se e embateu no veículo estacionado propriedade do demandante, além de ter embatido, também, noutros veículos.

C) Foi o veículo do demandante abalroado pelo veículo XX-XX-XX, conduzido por LO., com a apólice de seguro automóvel junto da companhia de seguros E.

II- DOS FACTOS PROVADOS:

1) O condutor do veículo XX-XX-XX e o demandante preencheram a declaração amigável de seguro, conforme documento 1 junto de fls. 18 a 19.

2) O demandante participou do sinistro à sua companhia de seguros.

3) O veículo propriedade do demandante sofreu diversos danos, como demonstra o documento que a demandada remeteu ao mandatário do demandante a 28/11/2017, documento 2 junto de fls. 20 a 25, verso.

4) O veículo do demandante ficou impedido de circular, sendo rebocado para oficina de sua confiança.

5) Após realizada peritagem foi declarada a perda total do veículo pela demandada, conforme documento 3, junto de fls. 28.

6) Nessa missiva foi comunicada a assunção, pela demandada, da total responsabilidade do sinistro, conforme documento 3, junto de fls. 28.

7) O demandante, apesar da demandada no email de 28/11/2017, referir que contactou diversas vezes com este, não recebeu qualquer contacto da demandada.

8) O único contacto que recebeu foi o efetuado por carta registada com aviso de receção enviado a 14/11/2017, conforme documento 4, junto de fls. 29 a 30

9) A demandada dá o veículo do demandante como perda total oferecendo como indemnização da perda do veículo a quantia de 500€, conforme documento 5, junto de fls. 31 e 31 verso.

10) O demandante só tomou conhecimento das comunicações no email remetido ao seu mandatário, conforme documento 2, a fls. 26.

11) O demandante não aceita tais quantias pois não consegue adquirir um veículo com as mesmas caraterísticas por menos de 1.250€.

12) O demandante esteve privado da viatura desde o dia do acidente.

13) O demandante teve que incomodar amigos e familiares.

14) O demandante utilizou muitas vezes o veículo dos pais para ir trabalhar.

15) A demandada a 14/02/2018 propôs-lhe o pagamento de 10€/diários pela privação do uso no período entre 16/06/2017 a 26/06/2017, conforme documento 7, junto de fls.

16) O demandante não teve qualquer intervenção, influência ou responsabilidade pelo sinistro ocorrido, conforme documento 8, junto de fls. 34.

17) A demandada assumiu a totalidade da responsabilidade pelo sinistro, conforme documento 3, junto de fls.28.

18) Apesar disso, o demandante esteve privado do uso do seu veículo.

19) O demandante necessita do automóvel para as deslocações diárias familiares e laborais.

20) O demandante reside na Av. …, em Coimbra, e trabalha no … de Eiras, no concelho de Coimbra.

21) O demandante necessita da viatura para ir buscar a esposa, para passear e fazer compras.

22) O demandante usa o automóvel diariamente, mais do que uma vez por dia, para as tarefas do dia-a-dia.

23) E, para se deslocar dentro da cidade, nomeadamente para ir ao médico, ao café e encontrar-se com pessoas amigas.

24) Todas estas atividades foram prejudicadas e afetadas.

25) O demandante ficou dependente de terceiros para resolver questões diárias, perdendo autonomia e mobilidade.

26) O veículo YY estava estimado e cuidado.

27) Todo este processo causou desgaste pessoal ao demandante.

28)E, inquietações.

29) A demandada V., S.A., é a representante da E. no que diz respeito a litígios relacionados com acidentes de viação ocorridos em Portugal, cuja responsabilidade se encontre transferida para esta seguradora através, de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente de circulação rodoviária.

30) No seguimento da reclamação, através do seu gabinete de peritagem, efetuou uma vistoria ao veículo de matrícula YY-YY-YY.

31) A demandada teve uma proposta pelos salvados do veículo YY, apresentada por MCF., Lda., no valor de 100€, conforme documento junto a fls.

32) A demandada expediu comunicação a 13/11/2017, conforme documento 5 junto a fls.

33) A demandada a 14/02/2018 fez proposta para solucionar extrajudicialmente o processo, no valor de 700€, conforme documento 7, a fls. 33.

MOTIVAÇÃO:

O tribunal baseia a decisão na análise critica dos documentos juntos pelas partes, os quais conjugou com a prova testemunhal, ónus da prova e regras da experiência comum.

A testemunha, JV., é pai do demandante. Não obstante teve um depoimento claro, explicativo, e isento, sendo por isso idóneo. Referiu-se ao estado do veículo antes e depois do sinistro, explicando que realmente não podia ser reparado devido ao que ficou torcido, facto que tem conhecimento pois foi engenheiro mecânico. Referiu ainda a falta de comunicação da demandada em relação ao sinistro, o que deixou o filho bastante preocupado, daí o ter aconselhado a constituir advogado. Por fim, explicou as necessidades da família do demandante, devido à ausência de veículo, às alterações que tiveram de fazer, às ajudas que lhes deu, inclusive ao empréstimo para adquirir outro, usado. Auxiliando na prova dos factos com os n.º 4, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28.

A testemunha, BC, é colega de trabalho do demandante. Referiu-se às vezes que o auxiliou nas deslocações para o trabalho, pois residem a cerca de 3 km de distância do mesmo, não existindo transportes públicos que lhe permitam deslocar-se. Referiu-se, também, aos problemas que a falta do veículo causou ao demandante e família, pois não tinham outro veículo, e embora aquele não fosse novo estava estimado e servia para o uso diário e normal. Auxiliando na prova dos factos com os n.º 4, 12, 13, 14, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28.

A testemunha, AA., é coordenador de auditoria e controlo. Não teve contacto direto com o sinistro, referiu-se aos procedimentos normais que fazem para apuramento das responsabilidades, e à atribuição de indemnização em caso de perda total de veículos.

O facto provado com o n.º 29 resulta da própria admissão das demandadas.

Os factos provados com os n.º 30 a 32 resultam do facto de não estarem em contradição com a demais prova realizada, tendo em consideração os documentos juntos pelas partes.

Os factos não provados resultam sobretudo da ausência de prova.

Não obstante apurou-se em audiência que o demandante adquiriu outro veículo, conforme documento -fatura- que juntou em audiência.

Em relação à falta de comunicação da assunção do sinistro pela demandada, resulta da conjugação do email junto como documento n.º 2 de fls. 26 a 27, e ausência de prova nesse sentido, tendo em consideração que o documento 4, junto a fls. 73 não é o original, não tendo apresentado a forma como foi enviado, nem testemunha que corroborasse a sua versão.

II-DO DIREITO:

O caso em análise prende-se com a atribuição de uma indemnização na sequência de um sinistro automóvel, no qual a demandada assumiu a responsabilidade pela ocorrência.

Questões: indemnização por perda total e pelo não uso.

O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o consignado no artigo 483° do C.C. segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no art.º 487, nº1, do C.C.

Decorre dos art.º 562 e 563 do C.C. que quem estiver obrigado a reparar o dano deve reconstituir a situação que existiria senão se tivesse verificado o evento que obriga a reparação, mas inclui apenas os danos que o lesado não teria sofrido, se não fosse a lesão.

Tratando-se de um veículo automóvel deverá pois fazer-se em princípio a reconstituição natural pela reposição em substância da utilidade perdida pelo lesado através do conserto da viatura, cfr. Dário Martins de Almeida, in obra citada, págs. 399, em comentário ao art.º 566 do C.C. in Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, págs. 874 sgs.

Todavia, o princípio da restauração ou reposição natural sofre de algumas limitações ou excepções que se encontram previstas no citado n.º 1, do art.º 561.º do C.C., onde a obrigação de restauração natural é substituída pela obrigação de indemnizar em dinheiro, equivalente ao prejuízo causado.

Quanto ao sinistro provou-se que o veiculo YY sofreu vários danos materiais, nomeadamente na zona frontal direita e lateral esquerda.

Na sequência deste o veículo ficou impedido de circular, sendo rebocado para uma oficina onde foi objeto de uma peritagem, realizada pelo sistema de cálculo Eurotax Repair, conforme documento 2, junto de fls. 20 a 30.

De acordo com o mesmo a reparação do veículo do demandante, no que se inclui a substituição de peças, mão-de-obra e pintura, perfaz a quantia de 5.912,91€, conforme documentos juntos de fls. 20 a 30, e 61 a 71.

Porém, como o veículo YY é antigo, nomeadamente é um veículo ligeiro de passageiros, da marca X, modelo X, do ano de 1996, foi considerado em situação de perda total.

Devido a isto a demandada atribuiu ao demandante uma indemnização no valor de 500€, documento junto a fls. 37.

Esta foi a tomada de posição da demandada, a qual foi transmitida ao demandante, conforme carta junta a fls. 34, e com a qual o demandante não se conforma, no que respeita ao seu valor.

Na realidade a sua reparação é inviável, pois conforme foi apurado o veículo tinha o eixo totalmente torcido. A reparação equivaleria à restauração natural, todavia no caso concreto é muito difícil, como a testemunha, JV., engenheiro mecânico de profissão assim explicou.

De facto à data do sinistro o veículo YY era o único meio de transporte do demandante e sua família.

O veículo, como já se referiu não era novo, mas satisfazia as necessidades básicas e diárias do demandante e família, estando em bom estado de conservação, conforme assim o atestaram as testemunhas JV. e BC., pessoas que habitualmente viam o veículo YY.

Decorre da experiência comum que todos os veículos sofrem depreciações ao longo dos anos, basta pensar que um veículo novo no seu primeiro de vida perde cerca de 500€ a 800€ de valor no mercado, e na realidade é novo. Na realidade é o estado de conservação de cada um que determina o seu valor real.

O valor venal do veículo é o valor que o mesmo teria no mercado se o seu proprietário pretendesse transacioná-lo à data da ocorrência do sinistro.

Existe no mercado automóvel uma tabela que calcula o valor dos veículos, e esta é a bitola para as seguradoras, num caso de atribuição de indemnizações. Para o efeito regulam-se pelo ano de matrícula, a marca do veículo, modelo e versão, são estes os factores que têm em consideração para atribuir uma indemnização.

Contudo, estes elementos ficam muito aquém do valor real, para o efeito é importante saber o número de quilómetros percorridos pelo veículo, o estado da carroçaria, os interiores, o nível do equipamento, o tipo de utilização, as revisões realizadas, sobretudo na marca e também as avaliações efetuadas nas inspeções obrigatórias, todos estes elementos são importantes para melhorar a cotação de um veículo no mercado, sobretudo se for o próprio que o pretender transacionar.

No caso concreto a demandada limitou-se a seguir as tabelas existentes na internet, o que resulta da experiência comum, para atribuir o quantum indemnizatório, ao qual acrescentou o valor dos salvados, ou seja, o preço estimado do que resta do veículo, dado através da matrícula do veículo, idade.

Ora como será evidente o valor atribuído não satisfaz as necessidades de ninguém e nem sequer dá para adquirir outro equivalente no mercado, o que resulta da experiência comum.

Entretanto, como o demandante não podia continuar sem qualquer meio de locomoção, pois estava continuamente a incomodar terceiros, acabou em 22/12/2017 por adquirir um veículo, em segunda mão, conforme fatura que juntou em audiência, a fls. 117, no valor de 2.350€.

De facto não é fácil adquirir um veículo igual àquele que tinha, pois já nem se fabricam, o que resulta da experiência comum, daí ter adquirido outro de gama similar, o que resulta da análise da fatura junta, um veículo usado, ligeiro de passageiros, da marca B, modelo O 1.2., e a gasolina.

Ora pelo preço que pagou verifica-se que, de facto, a quantia que a demandada estava a oferecer era insuficiente, note-se que a demandada nem sequer teve em consideração que o demandante em nada contribuiu para o sinistro, apenas estava estacionado no dia errado e há hora errada.

Efetivamente esta deve ser a quantia que a demandada deve atribuir ao demandante para o indemnizar pela perda total do veículo, a qual equivale assim à restauração natural.

Um veículo automóvel é actualmente um bem essencial e utilitário para a deslocação do comum dos cidadãos, proporcionando a quem o utiliza evidentes vantagens de comodidade e rapidez nas viagens de trabalho ou de lazer, tendo assim frequentemente um elevado valor de uso.

Em relação ao pedido de indemnização por privação do uso do veículo, é sabido que nos casos de imobilização de um veículo em consequência de um acidente de viação não será difícil constatar que daí podem decorrer dois tipos de danos, os danos emergentes, derivados da utilização, mais onerosa, de um meio de transporte alternativo, designadamente o aluguer de outro veículo; e os lucros cessantes, em consequência da perda de rendimento que o veículo acidentado propiciava, como no caso de um táxi ou outro veículo utilizado em transporte de público ou de carga.

Mas pode considerar-se que resulta outro dano, que consiste na própria privação do uso do veículo. Defende Abrantes Geraldes, in “Temas da Responsabilidade Civil, I Vol., Indemnização do Dano da Privação do Uso”, desenvolvido estudo sobre a questão, concluindo que a simples privação do uso, designadamente, “tratando-se de veículo automóvel de pessoa singular ou de empresa utilizado como instrumento de trabalho ou no exercício de actividade lucrativa, a existência de um prejuízo material decorre normalmente da simples privação do uso, independentemente da utilização que, em concreto, seria dada ao veículo no período de imobilização, ainda que o veículo seja substituído por outro de reserva. Mesmo quando se trate de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade dos danos, tendo em conta a mera indisponibilidade do bem.”

No mesmo sentido, Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 297, sublinha que “entre os danos patrimoniais se inclui naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu ou ser impedido de realizar uma viagem turística que tinha contratado.

Efectivamente, o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano. De facto, o que está em causa é a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo do bem, que já integrava o património do lesado, o qual é avaliável em dinheiro, constituindo naturalmente um dano patrimonial.

A nível da Jurisprudência mais recente, podemos distinguir duas teses extremadas. Para uns, o dano da mera privação do uso não é indemnizável, e para que a privação seja ressarcível, terá de fazer-se prova do dano concreto e efectivo, isto é, da existência de prejuízos decorrentes directamente da não utilização do bem. Para outros, a simples privação do uso, só por si, constitui um dano indemnizável, mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou destino que seria dado ao bem.

Mais recentemente, surgiu uma tese diferente, que pode considerar-se de intermédia: se, por um lado, afirma que não basta a simples privação do uso do bem, também não exige a prova de danos concretos e efectivos; será essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, in. AC. do STJ de 12/11/2009, de 05/07/2007, de 09/12/2008, de 05/02/2009, de 26/05/2009 e de 02/06/2009, todos na www.dgsi.pt.

No caso em apreço foi provado que o veículo YY era o único veiculo do demandante e sua família até à data do sinistro.

Devido ao sinistro acabou por ficar sem o único meio de locomoção que tinham, até que a 22/12/2017 acabou por adquirir outro.

Desde a data do sinistro a 9/06/2017 até à data de aquisição do outro decorreram cerca de 6 meses, o que resulta da fatura junta em audiência.

Neste período de tempo o demandante e sua família tiveram que alterar os hábitos diários por falta de um veículo.

Assim, o demandante acabou por andar à boleia com os colegas de trabalho para ir trabalhar, o que significa que teve de incomodar terceiros, uma vez que o local onde reside é afastado do local de trabalho e não existindo transportes públicos que lhe permitissem fazer este trajeto, conforme explicou a testemunha, BC.

Também o seu pai acabou por ir pôr e buscar a neta à escola, uma vez que o demandante não tinha veículo para o fazer, assim como pediu o veículo emprestado ao pai para ir ao médico com a filha.

Também foi afetado nas tarefas domésticas, nomeadamente para fazer compras, por falta de veículo, pedindo diversas vezes o carro do pai emprestado para esse efeito.

Como é evidente se não dispõe de veículo esteve privado de se deslocar em lazer, ir ao café e conviver com amigos, o que resulta do senso comum, assim como também do testemunho de JV.

Do exposto resulta que, o demandante e sua família, ficaram afetados na sua vida quotidiana por falta de um veículo que satisfizesse as necessidades normais da família, o sucedeu durante cerca de 6 meses, até que adquiriu outro veículo.

Por outro lado, a demandada acabou por assumir esse prejuízo, mas apenas durante 10 dias, ao que atribuiu o valor de 10€ diários, ou seja, entre a data em que ocorreu o sinistro e o dia 26/06/2017, o qual terá sido o dia em que supostamente terá colocado à disposição do demandante a indemnização pela perda do mesmo, conforme alegou.

Sucede que a demandada só deu conhecimento da sua posição ao mandatário do demandante, conforme email datado de 28/11/2017, a fls. 26. Aliás, antes daquela data o demandante nem sabia qual a posição da demandada em relação ao sinistro, facto que o aborrecia bastante, conforme as testemunhas JV. e BC., explicaram.

Pese embora a demandada tivesse nesse email enviado alguns anexos, conforme é visível pela análise do documento referido, a verdade é que não se apurou o seu real conteúdo e se realmente foram enviados ao demandante, uma vez que não há prova do seu envio e receção por este. Assim, entendo que só a 28/11/2017 o demandante teve conhecimento da posição da demandada.

Pergunta-se como foi que a demandada atribuiu a esse valor, já que não explicou porque são 10€ e não 15€ ou 20€, o qual seria um valor mais justo e equitativo (art.º 566, n.º 3 do C.C.), tendo em consideração todos os danos que o demandante suportou, e ainda os favores de ordem moral que nunca conseguirá pagar às pessoas que o auxiliaram durante cerca de 6 meses, e que o fizeram por estima e consideração, bem como o tempo que aguardou pela resposta da demandada face ao sinistro.

Como é evidente todas estas alterações resultaram diretamente do sinistro, e para o qual, o demandante, em nada contribuiu ou influenciou.

Não sendo justo ver a sua vida completamente alterada por motivos totalmente alheios, à sua pessoa ou família, pelo que entendo ser justo atribuir a quantia de 15€/diários por 160 dias, tendo em consideração que, entretanto, adquiriu às suas expensas um veículo usado, o que equivale ao valor de 2.400€.

Quanto aos demais danos não patrimoniais que sofreu, segundo o disposto no art.º 496, n.º 1 do C.C., não merecem a tutela do direito, pois não são graves e como tal não justificam a atribuição de qualquer indemnização.

DECISÃO:

Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, em consequência condena-se a demandada no pagamento da quantia global de 4.750€, referente à perda do veículo e indemnização pela privação do uso.

CUSTAS:

São a suportar pelas partes em partes iguais, já que cada uma decaiu no respetivo pedido ação. Assim, encontram-se totalmente satisfeitas.

A sentença foi notificada pessoalmente às partes (art.º 60, n.º2 L.J.P.).


Coimbra, 4 de janeiro de 2019

A Juíza de Paz

(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)