Sentença de Julgado de Paz
Processo: 361/2018-JPOBD
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
Data da sentença: 03/14/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 361/2018-JPOBD

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandante: A., com NIF: 000, residente na Rua XX, Marinha Grande.

Demandado: B., residente na Rua XX, Gaeiras.


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OBJECTO DO LITÍGIO:
O Demandante intentou contra o Demandado a presente acção enquadrável na alínea g) do n.º 2, do art.º 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação deste na rectificação do registo da Conservatória do Registo Predial das áreas do prédio adquirido, para as áreas originais ou negociação para aquisição da área registada em excesso pelo valor da diferença entre a aquisição e o registo nas finanças (€15.000,00), nos termos plasmados no requerimento Inicial de fls 1 a 3.
Alegou, para tanto e em síntese, que é titular do direito, adquirido por venda judicial, sobre o prédio rústico C. – cultura arvense, solo subjacente a olival, olival, eucaliptal e pinhal – 8600 m2 que deu origem ao n.º 000 da freguesia de Gaeiras X. Que no mesmo foi edificada uma moradia e foi autorizada a habitação de D. Norte e por morte deste ficou como herdeira sua mãe E. Norte que registou a seu favor como prédio urbano – F. – casa de habitação de rés-do-chão, 1º andar e logradouro, área coberta de 00 m2 e descoberta de 00 m2. Esta fez doação a favor de G. que o vendeu a H., que por sua vez vendeu ao Demandado. Mais alega que o Demandado procedeu ao registo do referido terreno com uma área de 00 m2 pelo que pede a rectificação do registo para a área de 192 m2.
Juntou com o Requerimento Inicial, os documentos de fls. 4 a 33, que se dão igualmente por reproduzidos.
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Regularmente citado, o Demandado, não apresentou contestação.
Realizou-se a sessão de pré-mediação e mediação, não tendo as partes logrado chegar a acordo. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na qual se procedeu à realização de inspeção judicial ao local, com a observância das legais formalidades como resulta da Acta, de fls 73 a 75 e auto de inspecção de fls. 76/77.
O Demandado juntou os documentos de fls. 62 a 69 a) e o Demandante os documentos de fls. 70 e 71, que se dão por reproduzidos.
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O Julgado de Paz é competente em razão do objecto, da matéria, do território e do valor que se fixa em € 15.000,00 (quinze mil euros). – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do Código de Processo Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
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DOS FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1. Por Partilha realizada em 07 de junho de 2002, por óbito de I. e J., o Demandante e mulher K. adquiriram por arrematação judicial de E.; L., D. e M. o prédio rústico, inscrito na matriz em 1972, C. – cultura arvense, solo subjacente a olival, olival, eucaliptal e pinhal – 000 m2 - confrontações a norte com N., sul O., nascente estrada nacional e poente P.– artigo 00 da secção X da Freguesia de S. Pedro, Óbidos, que deu origem ao n.º 000 da freguesia de Gaeiras .- cfr. Escritura de Partilha – fls. 4 a 18 e Caderneta Predial Rústica - fls 67/68.
2. A favor do ora Demandado, encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Gaeiras, Concelho de Óbidos sob o n.º 00, um prédio urbano sito na Rua da XX, Gaeiras, com a área total de 00 m2, sendo a área de implementação do edifício de 00 m2; a área bruta de construção de 00 m2; área bruta dependente 00 m2 e área bruta privativa de 00 m2.
3. O referido prédio foi inscrito na matriz em 000. Cfr caderneta predial urbana, de 04-02-2019, que se dá por reproduzida (Fls 62).
4. Tal prédio, constituído por casa de habitação de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos com o n.º 00/000 e averbado em nome do aqui Demandado, por aquisição, em 2017, a H. e Q.
5. O prédio confronta de Norte com R.; Sul e Nascente com estrada pública e poente com I.
6. O referido prédio estava descrito como tendo a área coberta de 42 m2 e descoberta de 150 m2, confrontando a Norte com R.; Sul e Nascente com estrada pública e poente com I.
7. O referido prédio foi adquirido em 1999, por E., por sucessão hereditária de D. e adquirido por G., por doação daquela, em 1999. ( fls 19/20);
8. Por contrato de compra e venda de 28 de janeiro de 2017 G. e marido venderam o prédio a H., casada com Q. ( fls. 23 e 26);
9. H., casada com Q. por sua vez venderam o prédio ao Demandado (Doc. de fls 28).
10. O Demandado rectificou as áreas do imóvel, mediante a apresentação de levantamento topográfico, declarando que aquando da participação à matriz por lapso não foram declaradas todas as construções nele existentes e também por lapso apenas foi declarada parte do logradouro. (Cfr. doc. de fls. 29 e 69).
11. O levantamento topográfico – doc. de fls. 69 que se dá por reproduzido, foi realizado por S. e inclui casa de habitação, casa de banho exterior e casa de forno (anexos) situados na parte traseira da habitação, a Sudoeste.
12. O prédio é e sempre foi constituído por casa de habitação, casa de banho exterior e casa de forno situados na parte traseira da habitação, a Sudoeste, sendo delimitado por um muro com portão, do qual actualmente restam vestígios visíveis pois foi destruído pela queda de terra sobre o mesmo.
13. Os limites físicos do prédio mantiveram-se inalterados desde pelo menos 1969, data que nela residiu M., irmã de D. e E.
14. Pelo menos desde 1999, sucessivamente, E., G., H. e o Demandado, utilizaram o prédio publicamente e à vista de todos, com os mesmos limites físicos, sem oposição do ora Demandante.
15. O Demandado fez obras de reabilitação da casa lá existente, mantendo as dimensões da mesma.

DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido

FUNDAMENTAÇÃO FACTICA:
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, essencialmente nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual. Ponderou-se, ainda, o depoimento das testemunhas apresentadas pelo Demandado, que mostraram ter conhecimento directo dos factos, foram isentas e credíveis.
Assim:
1.º - T., filho de I. afirmou que ajudou a construir a casa com o pai. D. sobrinho de U. foi a quem o pai deixou fazer a casa. Conhece o prédio desde 1952 sendo que havia marcas que foram tapadas com terra. Fizeram a casa e o sobrinho D. registou a casa que incluía o terreno das marcas. Atrás foi feito um muro e tinha um poço. Incluía anexos – uma casa de banho exterior e a casa do forno, que existiam logo desde a construção da casa. Confrontado com a fotografia de fls. 64 – doc.2 junto pelo Demandado, confirmou que existia ali um muro de tijolos e a terra caiu por cima. Existia há mais de 30 anos.
2.ª M, irmã de D., afirmou que nasceu em 1954 e viveu na casa desde os seus 14 anos até aos 22, sendo que posteriormente continuou a lá ir regularmente. Viu a casa actual (remodelada pelo Demandado) e disse que não tem “acrescentos”, que foi remodelada mas continua igual, mantém-se. No prédio existia uma habitação com garagem ao lado, atrás um forno e uma casa de banho. Confrontada com a fotografia de fls. 64 – doc.2 junto pelo Demandado, confirmou que existia ali um muro de tijolos, onde se vêem restos de tijolo. Era um muro alto e tinham serventia até a um poço. Confirmou o conteúdo do doc. 3 de fls 65, como sendo a configuração do prédio à data. O muro tinha um portão para aceder à casa. Confirmou ainda que foi feito um levantamento, pelos herdeiros de U. e que corresponde à planta constante do documento 4, fls. 66.
Mais referiu que não tem dúvidas que não mexeram em nada e continua tudo igual. Quando lá viveu o prédio pertencia a D., seu irmão, tendo este construído a casa. A compra por parte do Demandante corresponde ao prédio rústico.
3.ª S., fez o levantamento topográfico, junto a fls.69, que deu lugar á rectificação das áreas do prédio. Explicou como foram feitas as medições e a orientação do terreno. Fez as medições, atrás, pelos restos de muro que lá se encontram, sendo o muro o canto do terreno como se depreende do doc. 2 fls. 64. Confrontado com o doc. 3 e 4 afirmou que não encontra diferenças da planta actual e da elaborada na altura. A única diferença possível seria atrás, sendo que pela planta antiga a área seria ainda maior, pois a sua medição foi ao longo do muro. Não tinha conhecimento dos levantamentos anteriores e confirma a planta de fls 69 e as áreas nela contantes.
Foi ainda importante a inspecção ao local.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova ou prova convincente.

O DIREITO:
O Demandante vem pedir a condenação do Demandado na rectificação do registo da Conservatória do Registo Predial ou negociação para aquisição da área registada em excesso pelo valor da diferença entre a aquisição e o registo nas finanças (€15.000,00), sustentando que este apenas adquiriu a casa e que as áreas adquiridas são as previamente constantes no Registo Predial de área coberta de 42 m2 e descoberta de 150 m2, área total de 192 m2, sendo que tal rectificação é lesiva da sua propriedade.
Para a procedência da acção teria necessariamente, o Demandante, que provar o direito de propriedade de que se arroga e as delimitações físicas de tal propriedade para o tribunal pudesse apurar se houve usurpação de terreno daquele.
O registo da propriedade respeita a factos jurídicos causais dos direitos reais, mas já não à materialidade física dos prédios, razão porque, como vem sendo entendido quase com uniformidade pela jurisprudência, a presunção que decorre da previsão do art. 7º do Código do Registo Predial não abrange os seus elementos descritivos, tais como áreas, limites e confrontações dos prédios, cujo ónus de alegação e prova impende sobre o proprietário que pretende exercer o direito neste caso à prova da usurpação de terreno (demarcação).
Como se referiu no As. STJ de 14-10-2003, “o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, estando sujeitos a registo "os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade (...)" - art. 2.º-1-a). O registo apresenta-se, assim, com natureza e função essencialmente declarativa, que não constitutiva, donde que o conteúdo da preceituado no art. 7.º se esgote na dupla presunção já acima enunciada (o direito registado existe e pertence ao titular inscrito, nos termos definidos pelo registo).
Com efeito, como decorre em geral, dos princípios que enformam o sistema de registo, sendo a finalidade essencial deste a publicitação da «situação jurídica dos prédios» definida pela verificação de certos "factos jurídicos» referidos no art. 2.º, tem de entender-se a presunção em causa como delimitada pelos contornos descritos, ou seja, deixando de fora, por razões decorrentes do próprio sistema de identificação predial acolhido pela lei, a possibilidade de "abranger a totalidade dos elementos de identificação dos prédios, que continuam sujeitos a uma eventual rectificação ou actualização (…).
Ora, se o registo não pode, nem se destina a garantir os elementos de identificação dos prédios, bem se compreende que tais elementos não possam aceitar-se como factos presumidos.
Releva que, nem na inspecção judicial realizada, o Demandante conseguiu precisar os limites da sua alegada propriedade, apenas afirmando e reafirmando que o Demandado só comprou a casa que se resume a 00m2 de área coberta e 00m2 de área descoberta, num total de 00 m2.
Nos termos do disposto no art. 342º n.º 1 do CC “ Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, ou seja o ónus da prova pertencia ao Demandante, que não logrou provar o que lhe competia. Ao invés, resultou provado que o prédio adquirido pelo Demandado sempre teve as mesmas características e limitação física e de facto, mantendo-se inalterado até à presente data. O Demandado procedeu a nova medição e cálculo das áreas do prédio e solicitou a sua rectificação o que veio a acontecer, passando a constar a área total de 00 m2, sendo a área de implementação do edifício de 103 m2; a área bruta de construção de 00 m2; área bruta dependente 00 m2 e área bruta privativa de 00 m2. Quanto à alteração de 00m2 para 000 m2, entende-se que, se o elemento descritivo a alterar for apenas a área do prédio, a simples invocação do erro de medição e a junção dos documentos previstos no artigo 28.º-C, n.º 2, quando for o caso, demandam o averbamento de «actualização» ou de «correcção» sem que ao conservador seja autorizado qualquer juízo de valor sobre a verosimilhança do erro e das suas causas; o legislador diz quais são os documentos que comprovam o erro de medição, e, como tal, seja a divergência «grosseira» ou não, o acerto deve fazer-se. Parece-nos, assim, que a lei não se compromete com um conceito acabado de «erro de medição», antes manda o interessado esclarecê-lo e indica os documentos indispensáveis à procedência do pedido quando a diferença de área exceda as percentagens previstas. Estes documentos não comprovam o erro no acto de medir, antes se destinam a precisar com rigor os limites actuais do prédio (quando exista planta elaborada por técnico habilitado) e a responsabilizar o interessado quanto à identidade do prédio.
O que é certo, é que com a transmissão do direito de propriedade, transmitiu- se também para o Demandado a posse exercida durante cerca de 30 anos pelos anteriores proprietários. (art. 1263º al b) C.C.) Ora in casu, H. transmitiu o prédio cuja constituição física integrava a referida casa de habitação e logradouro ( casa de banho e forno) e dos ante possuidores, exercendo actos de posse de forma pública e pacifica. Pelo exposto, a rectificação das áreas do prédio em nada contendem com qualquer direito de propriedade que o Demandado tenha logrado provar.
DECISÃO:
Face ao exposto e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação totalmente improcedente, porque não provada e em consequência absolvo o Demandado do pedido.

Custas: serão a suportar pelo Demandante que declaro parte vencida, (artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro).
Devolva € 35,00 ao Demandado.
O Demandante deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder € 140,00, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Registe e notifique.
Após trânsito arquivem-se os autos.

Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 14 de março de 2019

A Juíza de Paz

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(Luísa Ferreira Saraiva)

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.

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