Sentença de Julgado de Paz
Processo: 323/2018-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS
Data da sentença: 11/30/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo nº 323/2018 JPLSB

Objeto: Responsabilidade civil contratual – indemnização por danos.

Demandantes: A., B. e C.

Demandada: D., S.A.


Relatório:
Os demandantes, devidamente identificados nos autos, intentaram contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 1.200 (mil e duzentos euros). Para tanto, alegaram os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que, no verão de 2016 compraram, através de agência de viagens E., uma viagem de sete dias de férias em …., no âmbito da qual compraram seis viagens de avião, realizadas pela demandada, três de Lisboa com destino a … para as 12:15 horas do dia 26 de julho de 2016 e outras três, de … com destino a Lisboa, para o dia 2 de agosto de 2016. Alegam que o voo …, com partida programada para as 12:15 horas teve um atraso de 28 (vinte e oito) horas, ou seja, partiu às 16:30 horas do dia 27 de julho de 2016, tendo chegado ao seu destino somente às 20:30 horas do dia 27 de de julho de 2016, e não às previstas 16:25 horas do dia 26 de julho, tendo os demandantes perdido cerca de dois dias do seu período de férias. Alegam que em 12 de Setembro de 2016 reclamaram à demandada o pagamento da indemnização prevista no Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004 , tendo a demandada lhes respondido (Doc a fls. 23 e 24) informando-os que iria proceder ao pagamento de indemnização de € 400 (quatrocentos euros) a cada um, o que, apesar das várias insistências dos demandantes, nunca fez. Juntaram 15 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada não contestou.
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Os demandantes afastaram a mediação, pelo que foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes sido devidamente notificadas. Nessa data a demandada faltou, não tendo justificado a sua falta. Foi marcada nova data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes foram, mais uma vez, devidamente notificadas. A demandada reiterou a falta.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 1.200 (mil e duzentos euros). O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Em julho de 2016, os demandantes compraram, através de agência de viagens …, uma viagem de sete dias de férias em …, no âmbito da qual compraram as seguintes passagens áreas de avião, operadas pela demandada: três viagens de Lisboa com destino a …, para as 12:15 horas do dia 26 de julho de 2016, com chegada ao destino às 16:25 horas desse dia; e
a) três viagens de … com destino a Lisboa, para as 17:25 horas do dia 2 de agosto de 2016, com chegada ao destino às 19:35 horas desse dia.
2 – A demandada informou os passageiros para um hotel em Lisboa e informaram-nos que o voo de substituição seria às 13:30 horas do dia 27 de julho de 2016.
3 – O voo …, com partida programada para as 12:15 horas do dia 26 de julho de 2016, teve um atraso de 28 (vinte e oito) horas, ou seja, partiu às 16:30 horas do dia 27 de julho de 2016, tendo chegado ao seu destino às 20:30 horas do dia 27 de julho.
4 – Em 26 de julho de 2016, os demandantes apresentaram no livro de reclamação da demandada a reclamação a fls. 10 dos autos.
5 – Em 12 de setembro de 2016, os demandantes remeteram à demandada a comunicação electrónica a fls. 20 dos autos, solicitando o pagamento da indemnização prevista no Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004.
6 – Em 30 de novembro de 2016, a demandada remeteu aos demandantes a comunicação electrónica a fls. 23 e 24 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, comunicando-lhes que iria proceder ao pagamento de uma indemnização de € 400 (quatrocentos euros) por passageiro.
7 – O que a demandada nunca pagou, apesar das várias solicitações dos demandantes (Docs. fls. 21, 22 e 25 a 32).
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram a cominação legal prevista no n.º 2, do artigo 58.º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (“Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”) e o teor dos documentos juntos dos autos, que aqui se dão por reproduzidos.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução amigável dos conflitos. No caso era essa a via indicada para que a justiça fosse feita. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Vêm os demandantes peticionar a condenação da demandada no pagamento de indemnização no montante de € 1.200 (mil e duzentos euros) por atraso de um voo operado pela demandada durante 28 (vinte e oito) horas.
O contrato celebrado entre as partes reconduz-se a um contrato de transporte aéreo, ao qual se aplica as normas sobre os negócios jurídicos em geral, constantes do Código Civil, sendo aplicável aos direitos dos passageiros, fundamentalmente, a disciplina constante do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 261/2004 . Nos termos do artigo 406.º do Código Civil O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por leie, no âmbito da responsabilidade contratual, provada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso de uma obrigação contratual que “o devedor (...) torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. (artigo 798º, do Código Civil), estabelecendo a lei uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá de provar que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil).
Por seu turno, os considerandos 14 e 15 do Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 11 de Fevereiro de 2004, (publicado em 17/02/2004 no Jornal Oficial da União Europeia) referem que “(…)as obrigações a que estão sujeitas as transportadores aéreas operadoras deverão ser limitadas ou eliminadas nos casos em que a ocorrência tenha sido causada por circunstâncias extraordinárias que não poderiam ser evitadas mesmo que tivessem sido tomadas todas as medidas razoáveis”, especialmente casos de “instabilidade política, condições meteorológicas incompatíveis com a realização do voo em causa, riscos de segurança, falhas inesperadas para a segurança do voo em causa e greves que afectem o funcionamento da transportadora aérea.” Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, e do art.º 7.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 11 de Fevereiro de 2004, (publicado em 17/02/2004 no Jornal Oficial da União Europeia) em caso de cancelamento de um voo, sem a devida informação nos termos da alínea c) do citado artigo 5.º, os passageiros de, têm direito a uma indemnização no valor de € 400 (quatrocentos euros) para voos intracomunitários com mais de 1500 quilómetros.
E, apesar de ser certo de que o legislador da União Europeia não previu indemnização no caso de atrasos de voos, a questão está em saber se no contexto do regulamento acima mencionado, além dos cancelamentos também abrange as situações de atrasos de voos. Estamos perante uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, seria susceptível de dar lugar à apresentação de uma questão prejudicial ao Tribunal da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, no entanto, o Julgado de Paz de Lisboa tem conhecimento do Acordão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede reenvio prejudicial nos processos C-402/2007 e C-432/2007, onde respondeu à questão de interpretação em discussão nos presentes autos, nos seguintes termos: “os artigos 5.º, 6.º e 7.º do Regulamento n.º 261/2004, devem ser interpretados no sentido que os passageiros de voos atrasados podem ser equiparados aos passageiros de voos cancelados, para efeitos de aplicação do direito e a indemnização, e de que esses passageiros, podem, assim, invocar o direito a indemnização previsto no artigo 7.º desse regulamento quando o tempo que perderam por causa de um voo atrasado seja igual ou superior a três horas, isto é, quando cheguem ao seu destino final três horas ou mais após a hora de chegada inicialmente prevista pela transportadora aérea…” (J.O.U.E. C24/4, de 30 de Janeiro de 2010). Ora, quer o Tribunal de Justiça, quer a doutrina, têm admitido que a sujeição do juiz nacional quanto à obrigação de suscitar a questão prejudicial é susceptível de situações excecionais e uma delas verifica-se quando o Tribunal de Justiça já se tiver debruçado, e pronunciado, sobre uma questão semelhante (não necessariamente igual), em processo anterior cujo reenvio tenha sido suscitado, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, com na versão dada pelo Tratado de Lisboa, o que se verifica no caso em apreço.
Assim sendo, como é, assiste o direito aos demandantes a serem indemnizados com o fundamento no atraso do voo, ao abrigo do Regulamento acima mencionado, na interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia que, no presente caso, será de € 400 (quatrocentos euros) para cada um dos demandantes, no total € 1.200 (mil e duzentos euros), nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea a) do Regulamente atrás citado, dado que estamos perante um voo intercomunitário com mais de 1.500 quilómetros.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar aos demandantes a quantia de € 1.200 (mil e duzentos euros).
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CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, declaro a demandada parte vencida, indo condenada no pagamento das custas processuais, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao seu pagamento, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso. Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação aos demandantes.
Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, com a redação que lhe foi atribuída pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da LJP) foi proferida e notificada aos demandantes, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Remeta-se cópia à demandada.
Registe.
Após trânsito, encontrando-se as custas processuais integralmente pagas, arquivem-se os autos.
Julgado de Paz de Lisboa, 30 de novembro de 2018
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)