Sentença de Julgado de Paz
Processo: 181/2016-JP
Relator: IRIA PINTO)
Descritores: CONTRATO COMPRA E VENDA COMERCIAL
Data da sentença: 12/13/2016
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: Sentença

Relatório
A demandante X, melhor identificado a fls. 2 e 5 e seguintes dos autos, intentou em 11/10/2016, contra a demandada X, também designada X melhor identificada a fls. 2 e 34 e seguintes, ação declarativa com vista a obter o ressarcimento de prejuízos, formulando os seguintes pedidos:
- Ser a demandada condenada a ressarcir a demandante na quantia de €1.754,58, a título de reparação e imobilização do veículo, além do valor de €8.250,00 relativo a valor de substituição do veículo durante a pendência da ação, acrescido do valor que se apurar em execução de sentença, bem como dos juros devidos à taxa legal.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 4 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 10 (dez) documentos. Em audiência juntou 3 (três) documentos.
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A demandante prescindiu da sessão de pré-mediação (fls. 22 dos autos).
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Regularmente citada (fls. 71), a demandada apresentou a contestação de folhas 74 a 81 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, impugnando, em suma, os factos relatados no requerimento inicial, peticionando a absolvição da demandada. Juntou 4 (quatro) documentos. Em audiência juntou 1 (um) documento.
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Procedeu-se a realização de audiência de julgamento em 29 de novembro de 2016, com a observância das formalidades legais, com da respetiva Ata se infere.

Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €10.004,58 (dez mil e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos).
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A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 54/2013 (Lei dos Julgados de Paz) estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar (entre outros) uma “sucinta fundamentação”.

Fundamentação da Matéria de Facto
Com interesse para a decisão da causa, estão provados os factos, a seguir, enumerados.
Factos Provados:
1 – A demandante é uma sociedade por quotas devidamente constituída.
2 – A demandante adquiriu a viatura Fiat Dobló Multijet 90 cv SX, com a matrícula xx-xx-xx, em 19/6/2015, ao concessionário da Fiat, xxx, S.A., venda essa sujeita ao certificado de garantia respetivo.
3 – A demandante procedeu a manutenção do veículo acima identificado no concessionário da Fiat, xxx. – Guimarães, em 12/11/2015, aos cerca de 32.000Kms e em 12/4/2016, aos cerca de 66.000 Kms do veículo.
4 – Acontece que em 9/8/2016, o referido veículo da demandante foi rebocado para reparação para a empresa xxx – Guimarães, tendo aí permanecido.
5 – Feita a análise e diagnóstico da rede Oficinal e concessionária xxx, foi verificado que a mudança de óleo da referida viatura ocorreu após a circulação de mais de cerca de 1.300 Kms depois do aviso feito através da luz indicadora da necessidade de substituição de óleo.
6 – O sistema com luz avisadora admite uma margem para segurança da viatura, no máximo até 500 Kms, devendo dirigir-se o veículo em causa à oficina da rede assistencial mais próxima.
7 – Uma vez que a viatura circulou cerca de mais de 1.300 Kms, sem a inerente mudança de óleo do motor, tal ocasionou o excesso de rotações, provocando uma folga do tensor da corrente de distribuição provocando ruído e desgaste de peças.
8 – De modo a tornar menos onerosa a reparação do veículo, por gentileza comercial, a demandada decidiu assumir a totalidade do custo das peças, ficando o restante, nomeadamente a mão-de-obra, óleo e filtro de óleo a cargo da demandada.
9 – O veículo em causa foi posto à disposição da demandante em 7/10/2016.
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A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, da prova testemunhal apresentada por demandante e demandada, sendo que o depoimento da testemunha da demandante não ofereceu credibilidade, porquanto demonstrou imprecisão e inexatidão no relato dos factos, ao contrário, o depoimento das testemunhas da demandada, um deles funcionário da demandada e outro do concessionário da xxx -Guimarães, revelaram credibilidade, convicção, além de conhecimentos técnicos e específicos que levaram a concluir pela veracidade da tese da demandada, de que o desrespeito pela mudança de óleo do motor foi a causa da avaria, que é imputável à demandante, não padecendo a viatura Fiat de defeito.
Tais meios de prova, coadjuvados com os documentos de fls. 8, 14 a 20, 84 a 88 e 110 a 113, além de regras de experiência comum e critérios de razoabilidade e normalidade alicerçaram a convicção do Tribunal.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido, nomeadamente a demandante não logrou provar a existência de defeito na viatura objeto dos autos.

O Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada no pagamento da quantia global de €10.004,58, alegando em sustentação desse pedido a celebração com a demandada, através de concessionário, de um contrato de compra e venda de um veículo automóvel Fiat Dobló, melhor identificado a fls. 8, que a demandada alegadamente incumpriu.
Estamos, assim, perante um contrato de compra e venda, com previsão no artigo 874º do Código Civil, segundo o qual se dá a transmissão de propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. Tal tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da coisa, a obrigação de a entregar e a de pagar o preço respetivo (artigo 879º do Código Civil).
No caso dos autos, dos factos provados resulta que a demandante e um concessionário de venda da demandada Fiat, designado xxx, celebraram, em 19/6/2015, um contrato de compra e venda de uma viatura Fiat Dobló Multijet 90 cv SX, com a matrícula xx-xx-xx, emitindo o concessionário da venda o certificado de garantia correspondente, reclamando porém a demandante, após algum tempo, de defeito do veículo.
À situação objeto dos autos, não poderá aplicar-se o preceituado no Decreto-Lei 84/2008, de 21.05 (DL 67/2003 atualizado). Na verdade, no referido Decreto-Lei é dada ao consumidor a possibilidade de denunciar junto do vendedor a falta de conformidade do bem adquirido, coberto pela garantia, comprovando a respetiva compra, acontece porém que, para tal ocorrer, terá que estar subjacente uma relação de consumo, entre um vendedor profissional e um consumidor, não é este o caso da demandante, na medida em que se trata de uma empresa, destinando-se o bem adquirido a um uso profissional.
Também não se considera ser aplicável o Código Civil relativamente a denúncia de defeitos objeto dos autos, dado que tal aplicabilidade se relaciona com relações privadas entre as partes, o que não é o caso dos autos, tendo aplicação subsidiária noutras matérias, como se verá adiante.
Ora, nestes autos, tanto a compradora, como a vendedora, são comerciantes, dedicando-se assim ao comércio. Segundo o artigo 13º do código Comercial é comerciante aquele que tendo capacidade para praticar atos de comércio faz deste profissão. Por outro lado, se o comprador dedica o bem comprado à sua atividade comercial, considera-se que estamos perante um ato de comércio, tendo aplicação o Código Comercial e supletivamente o Código Civil. É pois aplicável à compra e venda comercial um regime de prazo mais curto, para as reclamações do comprador, segundo a diligência de um bom pai de família, face à necessidade de segurança no comércio, indispensável ao exercício dessa atividade comercial.
No presente caso, não estão postos em causa quer o prazo para reclamação de defeitos, quer para a denúncia dos mesmos.
No caso dos autos é aceite a existência da garantia contratual de 24 meses relativamente ao veículo objeto do diferendo, desde que tenham sido observadas as prescrições do Plano de Manutenção Programada e nomeadamente constantes do Livro de Uso e Manutenção do veículo. E quanto a este livro existiram dúvidas acerca da edição aplicável à viatura dos autos. Não obstante, resultou provado que é aplicável á presente situação que o óleo do motor e o filtro de óleo, devem ser substituídos em função da sua degradação, visualizada através da luz avisadora, devendo o óleo do motor degradado ser substituído logo que possível e nunca 500 Kms. após o primeiro acendimento da luz avisadora.
Ora, no âmbito da responsabilidade contratual, a culpa do devedor, neste caso, da demandada presume-se, incumbindo-lhe nessa medida provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua (artigos 798º e 799º do Código Civil).
Pelo que, incumbia à demandada fazer prova que o veículo Fiat Dobló em causa não padecia de defeitos ou de falta de conformidade e que a avaria se deveu à conduta da demandante, prova que a demandada fez.
Resultou assim da prova produzida em audiência, nomeadamente através de testemunhos e de documento interno de “Teste Unidades Centrais”, emitido por equipamento fidedigno, realizado à viatura objeto dos autos e junto a fls. 113, que a viatura tinha à data da análise 97.224 Kms, concluindo-se que o veículo após a sinalização da luz avisadora para substituição do óleo terá percorrido cerca de mais de 1.300 Kms, pecando por defeito essa alegação da demandada relativa a quilometragem percorrida após sinalização, considerando os testemunhos e a análise do citado documento, não sendo de todo aceitável a tese da demandante que, através da sua funcionária, expôs ter percorrido cerca de 30 Kms após o acendimento da luz avisadora, nem tal tese é coincidente com os danos constatados na viatura.
Assim sendo, considera-se que existiu desrespeito das regras de manutenção do veículo que é imputável à demandante, considerando o uso do veículo e a sua falta de diligência por ausência de manutenção atempada do veículo.
Ficou então inequivocamente provado pela demandada, que foi o desrespeito pela mudança de óleo do motor do veículo, a qual incumbia à demandante, que deu causa à avaria, na medida em que violou as prescrições relativas a manutenção e uso da viatura, sendo que, a titulo de gentileza comercial na reparação, a demandada aceitou custear as peças, não obstante não lhe poder ser assacada responsabilidade pelas despesas tidas com o veículo da demandante, em consequência dos danos que nele se verificaram.
Tal desrespeito de regras de manutenção e uso levou a cessação da garantia do veículo, pois apesar da sinalização de perigo relativa ao óleo, o veículo continuou a circular fora dos limites de quilometragem previstos como adequados, pondo em causa todas as regras de segurança e causando graves danos no veículo, nomeadamente ao nível do motor, imputáveis à demandante, como ficou demonstrado.
Assim, inexistindo responsabilidade da demandada, inexiste obrigação de indemnizar, pelo que, quanto ao 1º pedido de ressarcimento no valor global de €1.754,58, sendo de €1.004,58 de reparação, além de €750,00 a título de imobilização da viatura, vai o mesmo indeferido, porque considera-se que a avaria foi originada pelo desrespeito das regras de manutenção do veículo, que é imputável à demandante.
Quanto ao 2º pedido relativo ao valor apurado de €8.250,00 de viatura de substituição, bem como de valor a apurar, não tem o mesmo qualquer fundamento, uma vez que não está previsto para a situação em causa, além de que tendo a demandante dado causa à avaria, como se expôs, nunca poderia tal pedido proceder.
Improcedem em igual medida os juros peticionados.
Pelo exposto, improcede na totalidade o peticionado pela demandante.

Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo a demandada X do peticionado.

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno a demandante X (NIF xxx) no pagamento das custas totais do processo no valor de €70,00 (setenta euros), pelo que tendo pago a taxa inicial de €35,00 (trinta e cinco euros) deve ainda proceder ao pagamento de €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, comprovando o pagamento no Julgado de Paz.
Devolva à demandada o valor de €35,00 (trinta e cinco euros).
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A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 54/2013.
Na data e hora agendada para leitura de sentença – 13/12/2016, pelas 16H30 - não foi possível disponibilizar a sentença, por razões de atraso no serviço, pelo que se procede a notificação postal.
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Notifique e Registe.
Julgado de Paz da Trofa, em 13 de dezembro de 2016
A Juíza de Paz (em acumulação),
(Iria Pinto)
Depósito em 15/12/2016.