Sentença de Julgado de Paz
Processo: 80/2015-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Data da sentença: 12/02/2015
Julgado de Paz de : MIRANDA DO CORVO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

1-IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: JE, casado, portador do cartão de cidadão nº X, válido até 2018, emitido pela República Portuguesa, contribuinte fiscal nº Y, residente em Rua do A.C.M.
Demandado: AR, contribuinte fiscal nº XX, residente em Miranda do Corvo.

2-OBJETO DO LITIGIO
O Demandante intentou a presente ação declarativa, pedindo a condenação do Demandado ao pagamento da quantia de € 1.442,08, correspondente às despesas ocasionadas com o veículo automóvel de matrícula JL, que vendeu ao demandado, sem que este tenha procedido ao registo do mesmo.
Pedindo ainda, a quantia de € 500,00, a título de danos não patrimoniais, juros vencidos e custas do processo.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 5, cujo teor se dá por reproduzido, e juntou 31 documentos.

O Demandado foi regularmente citado e não contestou.

TRAMITAÇÃO:
O Demandante aderiu à fase de mediação, à qual não compareceu o demandado, nem justificou a falta.
Foi designado dia e hora para a realização da audiência de julgamento, de que ambas as partes foram devidamente notificadas, à qual compareceu o Demandante, tendo faltado o Demandado.

Em conformidade, a audiência foi suspensa, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo para a justificação de falta, por parte daquela, nos termos do n.º 2, do art. 58º da LJP, alterada pela Lei 54/2013, de 31 de julho, o que não sucedeu.

Factos provados:
Atenta a cominação legal do art. 58.º, n.º 2 da Lei n.º 78/2001, de 13-07 (LJP), alterada pela Lei 54/2013, de 31/07, julgo confessados os factos alegados pelo Demandante, a saber:
1-Em 2013, o demandante vendeu ao demandado a viatura automóvel de marca F modelo B, matrícula JL, tendo entregue ao demandado a competente declaração de venda para que este promovesse o respetivo registo de propriedade, bem como foi entregue de imediato a referida viatura, passando o demandado a utilizá-la.
2-No 2013, o demandado providenciou pela realização de contrato de seguro para a referia viatura, junto da Companhia de Seguros Fidelidade, cfr. doc. junto a fls. 7 e 8.
3-O registo do veículo de propriedade a favor do demandado, ocorreu em 2014, cfr. doc. junto a fls. 9.
4-No período que decorreu a data da venda e a data do registo de propriedade, o demandado passou, várias vezes, em vias sujeitas a pagamento de portagens sem que tenha efetuado o seu pagamento.
5-Como a viatura em causa se mantinha em nome do demandante, este recebeu inúmeras notificações, quer da Ascendi, quer das Finanças, para pagamento das portagens em falta e respetivas coimas.
6-O demandante deslocou-se inúmeras vezes junto do demandado para que pagasse as quantias em dívida, bem como, registasse a propriedade a seu favor.
7-O demandado sempre prometia ao demandante que iria pagar e registar o veículo em seu nome.
8-O demandado não procedeu ao pagamento das inúmeras portagens, e só em XX de C de 2014, e após muita insistência do demandado, é que registou a viatura a seu favor.
9-A falta de pagamento do demandado, originou a instauração de várias contra- ordenações contra o demandante, por falta de pagamento das portagens.
10-O demandante pagou o valor em divida para evitar a penhora dos seus bens, na quantia global de € 1.442,08 cfr. doc. junto a fls. 10 a 45.
11-Esta situação causou no demandante grande nervosismo, inquietação e ansiedade, pois temia que, a qualquer momento e por uma dívida que não era sua, fossem penhorados os seus bens.
12-Por outro lado, ao ter que pagar as dívidas do demandado, viu o rendimento do seu agregado familiar depauperado, passando a ter dificuldades para fazer face às despesas normais naqueles meses.

A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se ao incumprimento por parte do Demandado, pelo não pagamento do valor correspondente às despesas inerentes ao veículo que adquiriu ao Demandante e suas consequências.

3- DIREITO
No caso em apreço, Demandante e Demandado celebraram um contrato de compra e venda, constando a sua noção legal do art.º 876.º do CC, que refere “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”.
Neste tipo de contrato, como é regra geral, vale o princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do CC), pelo que as partes são livres de celebrar o negócio jurídico, assim como estabelecer o conteúdo que entenderem.
São efeitos essenciais do contrato de compra e venda:
a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) a obrigação de entregar a coisa e
c) a obrigação de pagar o preço (cfr. Art.º 879.º do Código Civil).
Este é um contrato oneroso, tendo em conta que a transmissão da coisa implica o pagamento de um preço, na medida em que dele advêm vantagens económicas para ambas as partes.
Como contrato que é, esse negócio jurídico, livremente celebrado, deve ser pontualmente cumprido, ou seja, o cumprimento deve coincidir ponto por ponto com a prestação a que o devedor se encontra adstrito o que significa não apenas um cumprimento de prazo devido como também quanto às concretas circunstancias e fins contratualizado pelas partes (art.406.º, n.º1, do C. Civil), o que aconteceu da parte do Demandante, que vendeu e entregou o veículo ao Demandado, sendo que este não cumpriu com a sua obrigação, ou seja, proceder ao registo do veículo em seu nome, conforme acordado.
O demandante, entregou todos os documentos necessários para o demandado proceder ao registo do veículo, tal como prevê o nº 2, do art. 882º, do C.C., que prescreve “… a obrigação de entrega abrange, salvo estipulação em contrário, as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.”

Ora, face ao incumprimento do demandado quanto ao dever supra referido, violadora do contrato outorgado, nos termos do disposto no art., 762 do C. C. originou despesas para o demandante no valor peticionado conforme resulta do teor dos documentos juntos, cujo responsável é o demandado como o próprio reconhece face á sua revelia do mesmo nos presentes autos.
Assim, operada a cominação relativamente à revelia total do Demandado, resta-nos a sua condenação ao pagamento da divida reclamada, no total de €1.442,08.

Quanto ao peticionado a título de danos morais
É ao demandante lesado, que cumpre provar (art. 342.º, n.º 1 do CC) a efectiva verificação de danos desta natureza que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1 do CC), para além designadamente do nexo de causalidade (art. 563.º do CC) entre o facto e o dano.
Ora, da factualidade assente quanto a este pedido, provado ficou que o demandante face ao incumprimento do demandado, e ao ser confrontado com os processos de contra-ordenação lhe causou nervosismo, inquietação e ansiedade.
Tais factos ao serem apreciados e julgados pelo tribunal, através de padrões objectivos em face das circunstâncias do caso concreto, não revestem gravidade suficiente para merecerem a tutela do Direito (art. 496.º, n.º 1 do CC) e resultam dos riscos inerentes ao negócio, evitados, se tivesse acompanhado o demandado à C.R.C. aquando da concretização do negócio, ou, após o aparecimento da primeira contra-ordenação, solicitasse a apreensão do veículo.
Assim, e perante a ausência probatória dessa gravidade, os naturais e comuns incómodos são decorrentes das vicissitudes da sociedade em que vivemos, e tal constitui um “prejuízo insignificante ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna” (R. Capelo de Sousa, “O Direito Geral de Personalidade”, 1995, pp. 555-557).
Nesta conformidade, não pode proceder o pedido de indemnização formulado pelos demandantes, a título de danos não patrimoniais.
Adicionalmente, o Demandante pede a condenação do Demandado no pagamento de juros vencidos e vincendos, contados desde a data da realização de cada pagamento, que contabiliza em € 18,91.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art.º 798.º do Código Civil).
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, considerando-se o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efetuada no tempo devido (art.º 804.º do Código Civil).
O Demandado foi citado a 09-09-2015 conforme resulta dos autos, sendo essa a data a ter em conta para a contagem dos juros de mora vencidos, à taxa legal de 4%, (Portaria nº 291/2003, de 08.04), ao que acresce os vincendos até integral pagamento, isto porque, não foi alegada e feita prova da data de interpelação pelo demandante, para o demandado proceder ao pagamento do valor em divida com a fixação de prazo para o efeito, nº 1, do art. 805º, do C.C.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência, condena-se o Demandado a pagar ao Demandante a quantia de € 1.442,08 acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, desde a citação.

Custas:
Na proporção do decaimento que se fixa 26% para o demandante e 74% para o demandado.

Em relação ao Demandante, cumpra-se o disposto no n.º 9 da mesma Portaria, com restituição da quantia de € 35,00, na respetiva proporção.

Notifique, e o Demandado também para pagamento das custas.

Registe.

Miranda do Corvo, em 2 de Dezembro de 2015.

A Juíza de Paz

(Filomena Matos