Sentença de Julgado de Paz
Processo: 01/2017-JPBMT
Relator: JOSÉ JOÃO BRUM
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
Data da sentença: 12/12/2017
Julgado de Paz de : BELMONTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(arts. 26.º, n.º 1 e 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13/07 – LJP, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07)

Identificação das partes

Demandantes: A e B, casados, com os NIF n.º XX e XX, respetivamente, residentes no Sítio do XX, n.º 5, Malpique, acompanhados pelo C, Advogado, portador da cédula profissional n.º X, com escritório na Rua X, munido de Procuração com Poderes Especiais a fls. 21 dos autos.

Demandada: D, divorciada, com o NIF n.º XXX, com domicilio profissional no XX, Sitio do X, acompanhada pela Dra. E, Advogada, portadora da cédula profissional n.º X, com escritório na Rua X, munida de Procuração Forense a fls. 51 dos autos.

OBJETO DO LITÍGIO
Os Demandantes vieram intentar a presente ação pedindo a condenação da Demandada no pagamento de €1 000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos de natureza patrimonial, tempo perdido que poderia ser dedicado ao seu trabalho e lazer e não patrimonial, peticionaram também a condenação da Demandada a demolir um muro por ela construído com reposição da vala com as caraterísticas que tinha antes das obras realizadas e, por fim, nas custas do processo fundamentando tais pedidos no art. 9º, n.º 1 alínea h) da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07.
Alegaram os Demandantes serem os proprietários de prédio rústico, com a área de quatro mil setecentos e trinta e nove metros quadrados, sito X, na freguesia de Caria,
inscrito na matriz sob o art.º X, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o n.º X da freguesia de Caria, prédio que confina com o da Demandada. Alegam os Demandantes que a Demandada entendeu construir um muro divisório no leito de uma vala que tinha como finalidade servir de escoamento de águas que nascem no seu prédio e nele se encontra implantada.
Relatam os Demandantes que a construção do muro não cuidou de respeitar a linha divisória dos prédios tendo sido alertada a Demandada para essa situação. No mesmo contexto, também, a Demandada não respeitou a servidão de escoamento atendendo há existência da vala há mais de 20 ou 30 anos, nos termos do art.º 1563º do Código Civil.
Juntaram Procuração Forense a fls. 21 e sete (7) documentos, que se encontram a fls. 7 a 20 dos autos que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
Valor da ação: €5 000,00 (cinco mil euros).
A Demandada foi citada tendo apresentado Contestação a fls. 47, 47V, 48, 48V, 49, 49V, 50 e 50V dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Em síntese, admite ser proprietária desde 09/12/14, com base em contrato de compra e venda do prédio confinante com o dos Demandantes.
Admite a Demandada ter realizado a construção de um muro, no entanto, considera-o de vedação da sua propriedade, respeitando os marcos dispostos ao longo da divisória.
Impugnou os artigos 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 9º, 10º, 12º, 13º. 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 22º, 23º, 24º, 27º e 29º.
Impugna, especificamente, a existência de qualquer vala na confrontação dos prédios de Demandantes e Demandada qualificando o local onde foi construído o muro como um rego por onde esporadicamente corre alguma água da charca que existe a céu aberto no prédio dos Demandantes cuja largura não ultrapassa, em média, 20cm.
Considera o pedido de indemnização formulado pelos Demandantes infundado e injustificado, pois limitaram-se a peticionar um montante genérico não discriminando nem justificando o seu pedido, pugnando pela improcedência da ação.
Juntou Procuração Forense a fls. 51 e doze (12) documentos a fls. 52 a 57, 77, 79 a 83 dos autos os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos.
Foi agendada, no dia 02/06/17, tendo os Demandantes prescindido da sua realização conforme documento junto a fls. 30 dos autos.
Foram realizadas três Sessões de Julgamento nos dias 27/06/17, 25/07/17 e 22/11/17. Na segunda data ocorreu uma Inspeção ao Local, nos termos dos artigos 490º do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 63º da Lei dos Julgados de Paz.
Produzida a prova profere-se a seguinte sentença na data previamente agendada para o efeito.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

FUNDAMENTAÇÃO
Os Factos
Factos provados:
1 – Foi lavrada, no dia 26/03/13, Escritura de Justificação no Cartório Notarial da Guarda onde ficou a constar que os Demandantes são donos e legítimos proprietários de prédio rústico com a área de quatro mil setecentos e trinta e nove metros quadrados, sito em X, na freguesia de Caria, inscrito na matriz sob o art.º X, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o n.º X da freguesia de Caria.
2 –O prédio dos Demandantes confina com o da Demandada.
3 – Os Demandantes encontram-se na posse de tal prédio desde 1980, por partilha verbal, por óbito de seu pai e sogro F e, por divisão verbal, com G e marido H.
4 – O prédio dos Demandantes, até 09/12/14, confrontava do nascente com o prédio de I.
5 – No dia 09/12/14 a Demandada comprou a I e esposa, J o prédio que confronta com o dos Demandantes a Norte, de Sul e Poente com Herdeiros de F, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o n.º Xº.
6 – Na confrontação entre os dois prédios existia uma vala com 0,5m de profundidade e uma largura variável na sua extensão.
7 – A dita vala destina-se a escoamento, há mais de 30 anos, de uma charca a céu aberto existente no prédio dos Demandantes.
8 – Nas alturas do ano em que a água excede a capacidade de armazenamento da charca esta é escoada, sem qualquer tipo de canalização, pela vala até ao caminho.
9 – A Demandada construiu um muro, em blocos de cimento, com nove fiadas, ao redor do seu prédio, sendo que na estrema que confronta com os Demandantes o muro se encontra implantado no leito da vala.
10 – A Demandada e as pessoas que construíram o referido muro foram informadas de que não o podiam fazer nas condições em que o estavam a fazer.
11 – Existiam marcos a delimitar os prédios na parte de cima dos mesmos três marcos, na parte debaixo dois marcos, um de cada lado da vala.
12 – Os marcos do lado do prédio da Demandada foram arrancados.
13 – A Guarda Nacional Republicana foi chamada ao local.
14 – Durante a construção do muro o Demandante marido insistiu em perturbar a construção do mesmo.
15 – A Demandada comprou o seu terreno há cerca de três anos desconhecendo o que existia anteriormente.

Factos não provados

A vala existente na confrontação dos prédios de Demandantes e Demandada tinha um metro de profundidade e largura de cerca de dois metros.

A vala, ,… foi sempre mantida em boas condições pelos Demandantes.
Os Demandantes, desde que adquiriram o seu prédio, sempre limparam e fizeram,…, os demais trabalhos de manutenção da dita vala,… .
Os Demandantes não puderam reagir porque a construção do muro foi feita num fim de semana.
A Demandada, ao construir o muro, estava informada, …, pela pessoa que lhe mostrou o prédio antes da compra, de que a vala pertencia ao prédio dos Demandantes.
Os Demandantes chegaram a solicitar a intervenção da pessoa que mostrou o prédio à Demandada,… .
Existia, …, e ainda hoje existe entre o muro e o prédio dos Demandantes um rego, por onde esporadicamente passa alguma água,…, mas com dimensões reduzidas que não ultrapassam em média os 20cm.
O muro construído pela Demandada respeita as estremas dos prédios.
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse ou relevância para a boa decisão da causa.

Motivação dos Factos Provados
Para a convicção do Tribunal contribuíram:
- Os documentos juntos a fls. 7 a 20 pelos Demandantes e a fls. 52 a 57, 77, 79 a 83 pela Demandada, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos
- Os depoimentos sérios, isentos e credíveis das testemunhas, K, L, M e N da parte dos Demandantes e, O, P, Q e R apresentadas pela Demandada.
- A inspeção ao local nos termos dos artigos 490º e segs. do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art.º 63º da Lei dos Julgados de Paz, conforme Auto lavrado a fls. 73, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

O DIREITO

Na presente ação vieram os Demandantes peticionar a condenação da Demandada, com base na violação do seu Direito de Propriedade, a demolir um muro por ela construído não respeitando a linha divisória entre os prédios.
A Demandada lançou mão do Direito de Tapagem.
Dispõe o artigo 1356.º C.C.: “A todo o tempo o proprietário pode murar (…) o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo”. No entanto, o direito de tapagem não pode ser exercido de forma abusiva, violando o direito de propriedade dos donos do prédio confinante. É esta situação que os Demandantes alegam ter sucedido.
Resultou provado que na confrontação entre os dois prédios existia uma vala com 0,5m de profundidade e uma largura variável na sua extensão, sendo que a dita vala se destina a escoamento de uma charca a céu aberto existente no prédio dos Demandantes.
Estes factos resultaram provados com base no depoimento sério, isento e credível das testemunhas apresentadas pelos Demandantes.
A Demandada, convicta do seu Direito de Propriedade, mandou erigir um muro, em blocos de cimento com nove fiadas ao redor do seu prédio, sendo que na estrema que confronta com os Demandantes o muro foi implantado no leito da vala que serve para escoamento de águas pluviais acumuladas na charca existente no prédio dos Demandantes.
A tarefa deste Tribunal em averiguar a propriedade do terreno sobre o qual se encontra a vala foi dificultada porquanto muitos dos marcos não se encontravam implantados indicando que foram retirados do seu local, no entanto, dúvidas não restaram que a água pluvial acumulada na charca existente no prédio dos Demandantes é escoada a céu aberto através da vala onde foi implantado o muro construído pela Demandada.
Quanto a esta matéria a testemunha K revelando conhecer o local relatou que a vala para escoamento de águas pluviais existe há pelo menos 30 anos.
A Câmara Municipal de X, questionada sobre a edificação do muro, esclareceu que: “ nos termos da alínea b) do art.º 6º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) a edificação de muros de vedação até 1,80m de altura que não confinem com a via pública e de muros de suporte de terras até altura de 2m ou que não alterem significativamente a topografia dos terrenos existentes são enquadráveis em obras de escassa relevância urbanística;” acrescentando que, pelo disposto no art.º 6º do RJUE “as obras de escassa relevância urbanística estão isentas de controlo prévio.”
Desta forma a Demandada comprovou que não violou qualquer norma administrativa.
Em sede de Audiência prestou depoimento O, topógrafo responsável pelas marcações onde foi construído o muro da Demandada, este relatou ter conversado com o Demandante marido que lhe disse que de há dois anos para cá a vala objeto de discórdia não é limpa, indicando depois no local um marco na parte superior dos prédios onde na sua ótica se via que o muro foi construído no prédio da Demandada.
Na Contestação apresentada pela Demandada esta admite a existência de escoamento de águas da charca existente no prédio dos Demandantes feita através de um rego.
A testemunha O corroborou esta ideia ao afirmar: “Aquilo leva água!”
No Dicionário Jurídico da Autora Ana Prata, 3ª Edição Revista e Atualizada a propósito do escoamento de águas lê-se: “ Por força do art. 1351º do Código Civil, «os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores», não sendo lícito aos respetivos proprietários fazer obras que impeçam o escoamento, nem ao dono do prédio superior realizar obras que agravem esse escoamento.”
Dispõe o n.º 2 do supra citado artigo do Código Civil: “o dono do prédio inferior não pode fazer obras que estorvem o escoamento”.
No caso sub Júdice é inevitável concluir-se face à prova produzida pela existência de um escoamento de águas do prédio dos Demandantes através de uma vala sendo a implantação efetuada pela Demandada do muro divisório no leito da vala apta, por si só, a causar estorvo ao escoamento de águas, provocando, no caso da queda de chuva intensa, que o escoamento de águas não se faça com naturalidade.
A conduta da Demandada constituiu uma violação do previsto no art.º 1351º, n.º 2 do Código Civil e como tal incorrendo em responsabilidade civil extracontratual.
O Código Civil, no art. 483º, preceito chave da responsabilidade aquiliana estabelece os pressupostos que condicionam a obrigação de indemnizar, a saber: que haja um facto voluntário do agente, é necessário que tal facto seja ilícito, e que exista nexo de imputação do facto ao lesante que se verifique um dano e, por último, um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Sucede que os Demandantes peticionam que a Demandada seja condenada a demolir o muro divisório que construiu. A Jurisprudência tem entendido, como é exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo n.º 511/2002.C2, datado de 17/03/15, passível de consulta no site: www.dgsi.pt, que quanto à obrigação de reconstituição, se for anomalamente oneroso reconstituir o stato quo anterior, se satisfaz com a constituição duma situação imobiliária equivalente à que foi eliminada. Assim considerando a extensão do muro construído pela Demandada cuja demolição acarretará certamente enorme prejuízo entende-se que o direito dos Demandantes pode ser satisfeito através da colocação de tubagem junto ao muro divisório a expensas da Demandada que permita o escoamento da charca existente no prédio daqueles.
Relativamente à indemnização peticionada pelos Demandantes há que apreciar dois tipos de danos peticionados: patrimoniais e não patrimoniais.
Relativamente aos primeiros, os Demandantes, não cuidaram de juntar aos autos comprovativos da sua existência, como lhes competia, nos termos do art. 342, n.º 1 do Código Civil, o qual dispõe: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”. Já no que concerne aos segundos estes têm de ser justificados e a sua intensidade terá de ser obrigatoriamente relevante, i.e., traduzir-se-ão, com certeza, em situações de sofrimento ou desconforto real que afetem verdadeiramente a pessoa titular do direito à indemnização.
A este propósito citamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 1721/08.5TBAVR.C1, datado de 28/05/13, passível de consulta no site: www.dgsi.pt:Os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser selecionados com extremo rigor, devendo apenas atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.
Da situação relatada nos presentes autos poderão ter advindo para os Demandantes incómodos e aborrecimentos devido à conduta da Demandada no entanto, salvo melhor entendimento estes não são merecedores de tutela, pelo que não se justifica a atribuição de indemnização no âmbito do art.º 496º, n.º1 do Código Civil.

DECISÃO Face a quanto antecede, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, por consequência, condeno a Demandada a colocar tubagem que permita o escoamento adequado da água proveniente da charca dos Demandantes ao longo do muro que construiu. Absolvo a Demandada do demais peticionado.

Custas: Ficam a cargo da Demandada, nos termos do art. 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil, uma vez que deu causa à ação, devendo efetuar o pagamento da quantia de 35,00€ (trinta e cinco euros) a título de custas da respetiva responsabilidade, atento o pagamento de €35,00 (trinta e cinco euros já efetuado com a apresentação da sua Contestação. Este pagamento deverá ser efetuado num dos 3 dias úteis subsequentes à notificação da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento (art. 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, na redação dada pela Portaria n.º 209/2005 de 24/02).

Face ao atrás exposto proceda-se ao reembolso dos Demandantes.

Registe e notifique.

Após o trânsito em julgado arquivem-se os presentes autos.
Belmonte, Julgado de Paz, 12 de dezembro de 2017



O Juiz de Paz,

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(José João Brum)