Sentença de Julgado de Paz
Processo: 14/2006-JP
Relator: DIONÍSIO CAMPOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - CONDOMÍNIO
Data da sentença: 09/19/2006
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: RESPONSABILIDADE CIVIL - CONDOMÍNIO


SENTENÇA

1. - Identificação das partes

Demandante: A

Demandados: 1 - B e 2 - C

2. - Objecto do litígio
A presente acção foi intentada com base em “responsabilidade civil extracontratual” (alínea h) do n.º 1 do art. 9.º da LJP), tendo a Demandante pedido que os Demandados sejam condenados ao pagamento da quantia de € 2.958,73, conforme orçamento junto aos autos.
A Demandante alegou, em síntese, que:
No dia 17/02/2006, o filho da Demandante, condutor habitual da viatura propriedade da mesma, marca Mercedes, com a matrícula KA, estacionou o veículo no parque de estacionamento reservado aos condóminos do prédio urbano sito em Coimbra, junto a um muro de suporte e protecção a uma rampa de acesso ao referido parque.
Entre as 19:45 e as 20:00 horas, já o condutor não se encontrava na viatura, o muro referido cedeu, tendo o automóvel ficado extremamente danificado na parte lateral direita e capôt, tendo partido o pára-brisas.
O parque de estacionamento em causa é parte comum de dois prédios vizinhos, tendo o filho da Demandante contactado o administrador do seu prédio (n.º x), ora 1.º Demandado, que declinou desde logo a responsabilidade pelos prejuízos causados, e interpelado depois por diversas vezes, nunca se predispôs a resolver a situação.
A Demandante desconhece o administrador do prédio vizinho (n.º x).
Em 19/02/2006, o filho da Demandante participou à Polícia de Segurança Pública o ocorrido, processo este com o registo n.º x, NPP: x, elaborado pelo Agente Principal n.º x - D, que se deslocou ao local.
A Demandante contactou a seguradora do seu carro (E), tendo esta enviado uma carta ao administrador do 1.º Demandado a solicitar a indicação da Apólice do Seguro do Condomínio do prédio n.º x, carta que foi devolvida, por não ter sido levantada nos serviços dos CTT.
Em 4/04/2006, a Demandante solicitou um orçamento à empresa F.
Os Demandados contestaram por excepção concluindo pela absolvição da instância, e por impugnação concluindo pela improcedência da acção por não provada com a sua absolvição do pedido, dizendo, em síntese, o seguinte:
Por Excepção: I - Da legitimidade:
Os contestantes confirmam a ocorrência do acidente no dia 17/02/2006, mas não concordam com os factos descritos no requerimento inicial.
No dia 17/02/2006, o referido muro de suporte cedeu em virtude de um terceiro ter embatido contra o mesmo, segundo informação do filho da Demandante, condutor do veículo com matrícula KA, tendo mesmo fornecido a matrícula do carro a um condómino do prédio.
G, condutor do veículo ligeiro, marca Renault, com a matrícula GG, sob o registo de propriedade n.º x, de 27.04.2001 em nome de H, terá embatido no muro, provocando a sua queda.
O condutor do veículo GG é funcionário da Agência de Viagens “I”, situada em Coimbra, um dos prédios ora Demandados.
Tal embate provocou a queda do muro, tendo causado danos em dois veículos: o veículo da Demandante e o veículo de uma visitante de um dos condóminos que na altura ali se encontrava estacionado.
Entretanto, o condutor do veículo GG contactou a sua seguradora, que reparou os danos sofridos na viatura da visitante do condómino, facto este confirmado pelo próprio ao administrador do Condomínio do Prédio sito em Coimbra, 2.º Demandado.
Verifica-se que os danos ocorreram em consequência de um embate e não devido a quaisquer falhas na construção ou falta de conservação a cargo dos condomínios, não sendo de alguma forma os contestantes responsáveis pelos danos causados pelo derrube do muro.
Por Impugnação:
São verdadeiros os factos descritos em 1.º, 2.º, 4.º, 5.º e 6.º
Os aparcamentos estão devidamente identificados como privados dos respectivos condóminos.
O condutor do veículo KA estacionou abusivamente no aparcamento “T” quando o aparcamento que constitui sua propriedade é o “P”.
Quanto aos factos alegados em 6.º e 7.º (do r.i.) na parte “(…) o Demandado nunca se predispôs a resolver a situação”, impugna-se expressamente por não corresponderem à verdade, factos esses que ocorreram antes pela forma como seguidamente se indica: - Contactado pelo condutor do veículo, no dia do acidente, J, administrador do 1.º Demandado, deslocou-se ao local, por sua iniciativa e, tendo sido interpelado por diversas vezes, sempre se disponibilizou para resolver a situação, tendo cedido os seus contactos telefónicos, inclusive os particulares, assim como a morada da sua residência.
Por iniciativa dos administradores dos Demandados, estes procederam à marcação de uma reunião, num sábado à tarde, na qual o filho da Demandante esteve ausente por indisponibilidade.
Por contacto telefónico, nesse mesmo sábado para que foi agendada a reunião, o filho da Demandante informou os Demandados de que teria identificado o condutor do veículo que embateu contra o muro, que sabia “quem eram as pessoas envolvidas e que eram pessoas sérias”.
Ficou estabelecido que os Demandados aguardariam novas informações por parte do filho da Demandante, até para procederem à reivindicação da reparação do muro.
Por contacto telefónico com o administrador do 1.º Demandado, o filho da Demandante afirmou “que havia contactado as outras pessoas, que estas não assumiam a responsabilidade e, assim sendo, alguém teria que o fazer e que não seria ele”
Por não terem conhecimento directo nem terem obrigação de os conhecer, impugna-se nos termos do artigo 490.º, n.º 3 do CPC os factos descritos nos arts. 3.º (na parte “(…) já o condutor não se encontrava na viatura (…)”, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º.
Tramitação
A Demandante aderiu à fase de mediação, tendo sido marcada sessão de pré-mediação, a que o 1.º Demandado faltou, tendo apresentado justificação, pelo que foi feita nova marcação, a que as partes compareceram, sem contudo terem logrado obter acordo.
Constatou-se, por informação do 1.º Demandado, que o logradouro em causa na presente acção é comum e pertença também do contíguo “Condomínio do Prédio sito em Coimbra, n.º x, ”, pelo que o 1.º Demandado solicitou o aperfeiçoamento do r.i. no sentido de ser acompanhado nessa qualidade de Demandado pelo administrador do Condomínio do n.º x, o que, após audição da Demandante que nada objectou, foi deferido por despacho de fls. 28.
Os Demandados, regularmente citados, apresentaram contestação constante de fls. 15,78 ha 43.
No dia e hora designados, procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, de que ambas as partes foram devidamente notificadas, encontrando-se presentes a Demandante acompanhada pela sua Mandatária, K, advogada, com escritório na Figueira da Foz, e os Demandados, acompanhados pelo seu Mandatário, L, advogado, com escritório em Coimbra.
O Julgado de Paz é competente.
O processo encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam outras excepções (para além da deduzida, que será apreciada adiante), nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.

3. - Fundamentação
3.1 - Os Factos
Factos provados
Com base nos autos, nos documentos apresentados, que se tiveram em atenção, e nos depoimentos das testemunhas, consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes os factos:
A) A Demandante é proprietária do veículo ligeiro de passageiros, marca Mercedes com a matrícula KA, sendo seu condutor habitual o filho da Demandante.
B) A Demandante é condómina do prédio urbano sito em Coimbra.
C) Em 17/02/2006, o filho da Demandante, estacionou o veículo KA no parque de estacionamento reservado aos condóminos do seu prédio sito em Coimbra, no aparcamento “T”, junto a um muro de suporte e protecção a uma rampa de acesso ao referido parque.
D) O parque de estacionamento localizado no logradouro é considerado pelos condóminos como parte comum dos condomínios Demandados e zona privativa de estacionamento dos condóminos.
E) Nas rampas de acesso ao logradouro encontram-se afixadas placas de sinalização contendo a letra “P” (de Parque) seguida, na parte inferior, da inscrição “Privado Condóminos” (na rampa do prédio n.º x) e “Reservado a Condóminos” (na rampa do prédio n.º x)
F) Os lugares de aparcamento dos condóminos estão identificados no cimento do chão com letras.
G) O lugar destinado ao veículo da Demandante é o “P”, e não o “T” onde o seu filho estacionou.
H) Entre as 19:45 e as 20:00 horas desse dia, já o condutor não se encontrava no veículo KA, o referido muro desmoronou-se parcialmente, tendo caído em cima do veículo KA.
I) A queda do muro causou danos no veículo KA, na parte lateral direita e capôt, tendo também partido o pára-brisas.
J) O filho da Demandante contactou o administrador do condomínio do seu prédio n.º x, 1.º Demandado, que na altura declinou a responsabilidade pelos prejuízos causados.
K) Em 19/02/2006, o filho da Demandante participou o ocorrido à Polícia de Segurança Pública, que ficou com o registo n.º x, NPP: x.
L) Em 4/04/2006, a Demandante solicitou um orçamento à oficina de reparações de automóveis “F” para avaliação dos danos provocados pela queda do muro no veículo KA, tendo os danos sido avaliados em € 2.958,73 (IVA incluído).
M) Em 6/07/2006, a pedido da Demandante, a empresa “M” procedeu à análise técnica do murete de protecção em causa, tendo constatado que o mesmo “apresenta-se com fissuração generalizada, quer vertical quer horizontal, necessitando de reabilitação urgente”, e que no respeitante “à parte com 70 cm de altura e que parcialmente ruiu, constata-se que não foi executado com as mínimas regras técnicas de boa construção”, “e que não apresenta qualquer confinamento com uma estrutura de betão armado (pilares e vigas de base e/ou coroamento)”, concluindo que “não se encontra portanto garantida a estabilidade do pano de alvenaria de tijolo, verificando-se não estarem cumpridas as condições desejáveis de segurança, o que permite dizer que o muro não cumpre correctamente e em segurança, as funções a que se destina.”
N) A construção do muro em causa não obedeceu às condições de segurança exigíveis, não cumprindo, correctamente e em segurança, as funções a que se destina.
O) O muro apresenta fissuração generalizada, vertical e horizontal, necessitando de cuidados urgentes de conservação a cargo dos condomínios.
P) O muro foi arranjado há cerca de cinco anos por ordem e a expensas dos Demandados.
Factos não provados
Não ficou provado que:
Q) O veículo ligeiro, marca Renault com a matrícula GG, conduzido por G, funcionário da Agência de Viagens “I”, situada em Coimbra, aqui não Demandado, embateu naquele dia e hora no muro em causa.
R) Tal (eventual) embate do veículo GG no muro provocou a queda deste.
S) A queda do muro, provocada pelo embate nele do veículo GG, causou danos em dois veículos.
T) Os danos no veículo KA da Demandante, provocados pela queda do muro, ocorreram em consequência de um embate do veículo GG no muro.
U) A seguradora do veículo GG reparou os danos sofridos por um outro veículo de uma visitante de um dos condóminos que na altura ali se encontrava também estacionado.
Não se provaram outros factos não consignados.

Motivação
A convicção do tribunal formou-se com base nos autos, nos documentos apresentados, e que aqui se dão por reproduzidos, de fls. 4 a 6 (participação à PSP, que se deslocou ao local), fls. 7 (orçamento apresentado pela Demandante), fls. 8 a 14 (fotografias do local e do veículo KA), fls. 61 e 62 (acta n.º 27 da assembleia de condóminos), fls. 63 (acta nº 35 da assembleia de condóminos), fls. 64 (alvará de construção), fls. 65 a 74 (escritura de constituição de propriedade horizontal), fls. 77 a 83 (nota técnica), fls. 86 e 87 (acta n.º 28 da assembleia de condóminos); e no depoimento das testemunhas apresentadas pelas partes, que mereceram credibilidade na medida do adequado, sendo testemunhas da Demandante: N (amigo do filho da Demandante), O (amiga do filho da Demandante e residente na casa desta), e P (filho da Demandante, interveniente nos factos), e as testemunhas das Demandadas: Q e R, condóminos, e S, empreiteiro que elaborou o orçamento para reparação do muro.
Realizada uma deslocação ao local, verificou-se que existem desenhadas no cimento do chão do logradouro marcas delimitando os lugares de aparcamento e letras identificando cada lugar, e que nas rampas de acesso ao logradouro encontram-se afixadas placas de sinalização contendo a letra “P” (de Parque) seguida, na parte inferior, da inscrição “Privado Condóminos” (na rampa do prédio n.º x) e “Reservado a Condóminos” (na rampa do prédio n.º x). Constatou-se também o estado de degradação do muro e, na parte que ruiu, é visível que este, feito tijolo e alvenaria, foi assente na base de suporte sem qualquer tipo de estrutura de suporte, fixação ou coroamento (pilares, vigas ou outras).

3.2.- O Direito
Na presente acção, vem a Demandante pedir a condenação dos Demandados no pagamento da quantia de € 2.958,73, conforme orçamento junto a fls. 7 dos autos, a título de indemnização por danos patrimoniais pelos danos causados no seu veículo KA pela queda, em cima dele de um muro de suporte existente no logradouro dos condomínios Demandados.
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Excepção de ilegitimidade
Contestaram os Demandados excepcionando a sua ilegitimidade passiva, dizendo que a queda do muro de deveu ao embate nele de um veículo marca Renault, com a matrícula GG, registado em nome de H e conduzido por G, sendo assim este condutor, o responsável pelos danos provocados no veículo KA da Demandante, e não os Demandados.
Acontece que era aos Demandados que cabia o ónus de provar (art. 342.º, n.º 2 do Cód. Civil) que a queda do muro tinha sido causada pelo embate nele do referenciado veículo GG, e que assim a responsabilidade pelos danos caberia ao condutor desse veículo GG, aqui não Demandado, e não aos condomínios Demandados, o que estes não lograram provar.
Ficou provado que os condomínios Demandados, se não têm a propriedade, têm pelo menos a posse com “animus” do exercício do direito de propriedade relativamente ao logradouro, onde se localizam os lugares de estacionamento e o muro que se desmoronou, não tendo os Demandados, tanto na contestação como em audiência de julgamento refutado tal facto, reivindicando até tal logradouro como área privativa dos dois condomínios, como se confirma também pela placa afixada na rampa de acesso, que indica que tal área de parque é reservada aos condóminos.
Ora, para efeitos de fazer responder pelos danos causados, a lei estabelece uma presunção de culpa do proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação (art. 492.º, n.º 1 do Cód. Civil).
Assim, e tal como a relação material controvertida foi configurada pela Demandante, a legitimidade passiva dos Demandados tem de ser aferida pelo seu interesse directo em contradizer, atento o prejuízo que lhes pode advir da procedência da acção (art. 26.º do CPC).
Consequentemente, não pode proceder a deduzida excepção de ilegitimidade dos Demandados.
Da matéria dada como provada resulta que no dia 17/02/2006, cerca das 19,45 horas, o filho da Demandante, condutor habitual do veículo KA, propriedade da Demandante, estacionou o referido veículo no aparcamento “T” do parque de estacionamento reservado aos condóminos dos condomínios Demandados. Entre as 19,45 e as 20,00 horas, já o condutor não se encontrava no interior do veículo, o muro ruíu, caindo sobre o veículo KA causando danos neste na parte lateral direita e capôt, tendo partido também o pára-brisas.
Dispõe o referido art. 492.º, n.º 1 do CC que “o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos”, o que se traduz numa presunção legal de culpa.
Ora, nos termos do art. 487.º, n.º 1 do Cód. Civil, “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”, caso da estabelecida no referido n.º 1 do art. 492.º; todavia, em caso de presunção legal de culpa, esta pode, em regra, ser ilidida mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2 do Cód. Civil).
Cabia assim aos Demandados provar que a queda do muro se deveu a uma causa (colisão nele do veículo GG) estranha à construção e conservação do referido muro, afastando assim e nos termos do referido art. 492.º, a presunção aí estabelecida, o que contudo não lograram fazer (cfr. Ac. STJ, de 19/09/2002, in CJ-STJ, 2002, 3.º-51).
Por seu turno, tratando-se de um facto constitutivo do seu direito de indemnização, a Demandante logrou provar que a ruína do muro se deveu a um vício de construção e à falta de cumprimento por parte dos Demandados dos seus deveres de diligência na conservação do mesmo, conforme se constata da nota técnica (relatório de engenharia) junto a fls. 78 a 81 dos autos. (cfr. Ac. STJ, 17/03/1977, in BMJ, 265.º-223, Ac. STJ de 24/04/1977, in BMJ, 266.º-161, e Ac. RL de 06/06/1983, in CJ, 1983, 3.º-143).
Com efeito, o referido relatório técnico, realizado por uma empresa de engenharia após análise ao muro em causa, refere que “todo o muro (…) apresenta-se com fissuração generalizada, quer vertical quer horizontal, necessitando de reabilitação urgente. (…) Já relativamente à parte superior do muro de suporte e, no que diz respeito à parte com 70 cm de altura e que parcialmente ruiu, constata-se que não foi executado de acordo com as mínimas regras técnicas da boa construção. Trata-se dum murete com funções de protecção sujeito a eventuais embates, dado localizar-se numa zona de circulação de viaturas, e que não apresenta qualquer confinamento com uma estrutura de betão armado (pilares e vigas de base e/ou coroamento). Não se encontra portanto garantida a estabilidade do pano de alvenaria de tijolo, verificando-se não estarem cumpridas as condições desejáveis de segurança, o que permite dizer que o muro não cumpre correctamente e em segurança, as funções a que se destina.”
Embora a escritura pública de constituição de propriedade horizontal, datada de .../.../..., apresentada em audiência de julgamento, se encontre rasurada pela notária que a exarou na parte que refere que o mesmo é constituído “por um logradouro na parte posterior do prédio, onde se situam dezasseis locais para estacionamento de viaturas”, o certo é que tanto com base nos articulados de ambas as partes e nas suas declarações em audiência de julgamento, como nos depoimento de testemunhas apresentadas pelos Demandados, ficou provado que os Demandados condomínios dos prédios n.º x e n.º x têm a posse do referido logradouro, onde existem desenhados no chão de cimento marcações delimitando os lugares para aparcamento de veículos, identificados por letras inscritas também no chão. Acresce ainda que, nas rampas de acesso ao logradouro, se encontram afixadas placas de sinalização contendo a letra “P” (de Parque) seguida, na parte inferior, da inscrição “Privado Condóminos” (na rampa do prédio n.º x) e “Reservado a Condóminos” (na rampa do prédio n.º x), com o significado evidente de que a utilização do referido logradouro apenas aos condóminos é permitida a que seguramente as administrações dos condomínios respectivos não serão alheias (pode contudo acontecer estacionarem ali ocasionalmente outros veículos de empregados de lojas do prédio, que não de condóminos, ou veículos em descarga para os armazéns do logradouro, mas tal só sucede por consentimento ou mera tolerância dos condóminos). Tal permite inferir que os condóminos têm não apenas o poder de facto que se traduz na posse (corpus) do referido logradouro mas ainda que o utilizam com uma intenção (animus) por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Assim sendo, cabe aos condomínios possuidores do logradouro o dever construção e de conservação do muro em condições de segurança por forma a evitar que se produzam danos, nos termos do art. 492.º do Cód. Civil, cabendo ainda a eles o ónus da prova de que não houve culpa da sua parte. Porém, não se provou que a queda do muro se devesse a outra razão que não às falhas técnicas da sua construção e conservação, pelo que recai sobre os condomínios Demandados a obrigação de indemnizar os danos causados com a sua queda (embora futuramente lhes possa assistir o direito de regresso caso se venha a apurar a culpa de um terceiro).
Com efeito, se os condomínios se arrogam da utilização exclusiva daquele espaço nos termos expostos, é seguro que não poderão desresponsabilizar-se pelos danos provocados por construção ou outra obra ali existente, como na situação em causa.
Deu-se também como provado que o filho da Demandante, condutor habitual do veículo, estacionou, pelo menos naquela ocasião, o veículo KA no aparcamento “T”, tendo os Demandados alegado na contestação que este foi um estacionamento abusivo, porquanto «o aparcamento que constitui sua propriedade é o “P”». No entanto, atenta a escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio, verifica-se que não existe qualquer justo título de aquisição por parte da condómina nem de distribuição de lugares de aparcamento.
Dispõe o art. 570.º, n.º 1 do Cód. Civil que, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Mas in casu estaremos perante culpa do lesado? O facto de o veículo KA se encontrar no momento do acidente num lugar de aparcamento diferente do que lhe foi destinado (“estava no local errado no momento errado”) poderá, eventualmente, constituir a violação de uma regra de condomínio, mas não foi seguramente tal facto que concorreu para a produção dos danos; ou seja, tal facto foi condição mas não causa dos danos, não se verificando aqui o nexo causal (adequado) entre um estacionamento porventura em local errado e a queda do muro.
Pelo contrário, deu-se como provado que não fora a queda do muro, os danos verificados no veículo KA da Demandante não se teriam produzido, já que aquela queda foi causa directa desses danos, pelo que a causa entre aquela e estes é adequada.
Tem assim a Demandante direito a ser ressarcida pelos referidos danos patrimoniais causados no seu veículo KA com a queda do muro pertença dos condomínios Demandados, danos esses que, como se provou, são no valor de € 2.958,73.

4. - Decisão
Face ao que antecede, e de acordo com as disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência, condeno ambos os Demandados: “Condomínio do prédio nº x, em Coimbra”, e “Condomínio do prédio n.º x em Coimbra”, a pagarem solidariamente à Demandante A a quantia de € 2.958,73 (dois mil, novecentos e cinquenta e oito euros e setenta e três cêntimos), a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais causados no seu veículo KA pela queda em cima dele de parte do muro existente no logradouro desses dois condomínios.

Custas: a cargo dos Demandados, que declaro parte vencida (n.os 8 e 10 da Port. n.º 1456 /2001, de 28-12; o n.º 10 com a redacção dada pelo art. único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).
As custas devem ser pagas no Julgado de Paz no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação.
Em relação à Demandante, cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida Portaria n.º 1456/2001, com a restituição da quantia de € 35,00 anteriormente paga.
Registe e notifique. No que respeita aos Demandados notifique-os também para pagamento das custas.
Coimbra, 19 de Setembro de 2006 (7 a 21/08, férias).
Revisto pelo signatário. Verso em branco.
O Juiz de Paz,
(Dionísio Campos)