Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1296/2017-JPLSB
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: COMPRA E VENDA - DIREITOS DO CONSUMIDOR
Data da sentença: 06/20/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA

Processo n.º 1296/2017-J.P.

RELATÓRIO:

O demandante, J P E R P, NIF. xxxxxx, residente na rua M. M., n.º4, 3º esq., no concelho de Lisboa.

Requerimento Inicial: Em suma alega-se que, o demandante no dia 18/01/2016, á noite, deslocou-se á loja da demandada, onde adquiriu um telemóvel da marca X1 64GB, pelo valor de 759€. Em Fevereiro/2017 o dito aparelho, sem qualquer motivo, avariou o sistema wi-fi. Assim, no dia 4/032017 entregou o dito aparelho á demandada para o arranjar, ao abrigo da garantia, a qual é valida até 18/03/2018. Sucede que aquela a 25/03/2017 veio informar que a não podia arranjá-lo ao abrigo da garantia, pois os danos no aparelho foram provocado por acidente, porém como não aceita tal justificação apresentou reclamação, que junta. Porém, aquela até ao momento não respondeu á reclamação. Conclui pedindo que: a demandada seja condenada a proceder á reparação do telemóvel ou á entrega de um novo ou á restituição do seu valor. Juntou 4 documentos.

MATÉRIA: Ação de responsabilidade civil contratual, enquadrada no art.º 9, n.º1 alínea H) da L.J.P.

OBJETO: Compra e venda de aparelho, com defeitos supervenientes.

VALOR DA AÇÃO: 759€ (setecentos e cinquenta e nove euros).

A demandada, E C I, S.A., NIPC. xxxx, com sede na Av. A. A. de A., n.º 31, no concelho de Lisboa, representada por mandatário constituído.

Contestação: Em suma alega-se que, impugna os factos 2, 3 e 6 do r.i. Com efeito desconhece se o telemóvel efectivamente avariou o sistema wi-fi. O aparelho foi-lhe entregue, sendo submetido a análise técnica do responsável da marca. Na sequência do mesmo, foi-lhes apresentado o relatório, que se disponibilizou ao demandante, e que juntou como doc. 3 no r.i. Este referiu que tinha dificuldade em captar o wi-fi, e desligava-se sozinho, no entanto no diagnostico resulta que não tem avaria, mas que o aparelho “passou-se”, tendo sido encontradas marcas de irregularidades, nomeadamente danos provocados por acidente, evidenciando que houve forte queda do equipamento, por mau manuseamento ou negligencia do utilizador, pois a caixa estava amolgada. A existir uma eventual anomalia, a mesma terá tido origem no embate provocado com a queda do aparelho, pelo que não foi apurada qualquer desconformidade com o contrato, nem foram apuradas irregularidades técnicas que impeçam a normal utilização do equipamento, o que impossibilita a concretização de qualquer pedido do demandante. Por outro lado, verificando-se que há um forte embate na caixa que está amolgada a reparação ou substituição solicitada evidencia abuso de direito. A demandada informou o demandante que o fabricante X, a marca, declinou o pedido, por mau manuseamento e não por defeitos, por isso não pode dar seguimento á reclamação. Conclui pela improcedência da ação, com a devida absolvição do pedido. Junta 1 documento.

TRAMITAÇÃO:

Realizou-se a pré-mediação, mas recusaram o seguimento da mediação.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da LJ.P., sem que as partes tenham chegado a consenso. Seguiu-se para produção de prova com declarações do demandante, a junção de documentos, a exibição do aparelho em causa o qual foi testado, com audição da testemunha, terminando com breves alegações, conforme ata de fls. 23 a 25.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DO FACTO ASSENTE (Por Acordo):

A) O demandante no dia 18/01/2016, á noite, deslocou-se á loja da demandada, onde comprou um telemóvel da marca X1 64GB, pelo valor de 759€.

II- DOS FACTOS PROVADOS:

1)Em fevereiro/2017 o sistema de wi-fi do aparelho avariou.

2)A 4/03/2017 o demandante entregou o aparelho na loja da demandada para reparar, documento 2, a fls. 3.

3) O aparelho estava no prazo da garantia legal.

4)A 25/03/2017 a demandada informou o demandante que o aparelho fora danificado, documento 3, a fls. 4.

5)Declinando a sua reparação ao abrigo da garantia, documento 3, a fls. 4.

6) O demandante não aceitou a posição da demandada e apresentou reclamação, documento 4, de fls. 5 e 6.

7) A demandada até ao momento não respondeu á reclamação.

8) O aparelho do demandante, entregue para analise no estabelecimento da demandada, foi submetido a analise técnica do representante legal da marca do modelo X1.

9)A conclusão da análise foi disponibilizada ao demandante, documento 3, a fls. 4.

10) O demandante apontava como anomalia: dificuldade em captar wi-fi, desliga-se sozinho.

11)Foi feito diagnóstico ao equipamento.

12) A demandada informou o demandante que quanto ao pedido a X declinou devido a danos.

13) O aparelho tem riscos e uma mossa na caixa.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a decisão com base na analise critica da documentação apresentada pelas partes, o que foi conjugado com a prova testemunhal, em geral digna de credibilidade, regras da experiência comum e regras do ónus da prova.

O demandante prestou declarações nos termos do art.º 57, n.º 1 da L.J.P., esclarecendo o que realmente pretendia, o que ficou registado em ata, bem como o que se passa com o aparelho, o qual foi exibido e verificado em audiência. Este foi relevante em conjugação com os documentos juntos aos autos.

A testemunha, C M A da S, é funcionário da demandada. O depoimento deste, embora isento limitou-se a esclarecer os procedimentos que fizeram e a interpretar a documentação que foi junta aos autos. Apurando-se que não teve qualquer contacto direto com os factos em questão, pelo que foi quase que irrelevante.

O facto n.º 13 resulta da verificação in loco do aparelho na audiência de julgamento.

Quanto aos factos não provados resultam da ausência de prova condigna, nomeadamente que ocorreu um acidente com o aparelho que tenho provocado falhas no sistema de wi-fi.

III- DO DIREITO:

O caso em litígio prende-se com a aquisição de um X1 á demandada, no qual surgiram danos.

Este negócio jurídico - a compra e venda (art.º 874 do C.C.) - revela especial interesse pelo facto de ter sido realizado entre um particular, o demandante, e uma sociedade comercial, a demandada, pelo que o regime aplicável ao caso será o da Lei n.º 24/96 de 31/07, que tutela os direitos do consumidor, enquanto parte mais fraca do negócio, bem como o Dec. Lei n.º 67/2003 de 08/04 com as alterações constantes do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05.

Resulta da conjugação destas leis que deve ser entregue ao consumidor bens que tenham qualidade, sendo esta uma imposição resultante do cumprimento da obrigação.

A conformidade resulta, antes de mais, de uma relação entre o objeto do negócio e a descrição que, é feita do mesmo.

Nos termos do n.º1, do art.º 2 do referido Dec. Lei n.º 67/2003 de 08/04 compete ao vendedor o ónus da prova que o objeto que vendeu está segundo os termos prestados pela garantia, uma vez que o legislador nacional optou por estabelecer, um conjunto de situações em que considera não existir conformidade (n.º2, do art.º 2 do Dec. Lei 67/2003) por falta dos requisitos, destacando-se com interesse para a causa a alínea d), na qual inclui os bens que não apresentem as qualidades e o desempenho habitual em bens do mesmo tipo e que o consumidor poderia esperar, atendendo á natureza do bem.

Com relevância para a causa, estabelece o n.º2 do art.3 do Dec. Lei 67/2003 de 08/04 uma presunção legal de que a falta de conformidade já existia no momento da entrega do bem, desde que se manifeste num prazo de 2 anos a contar desta, isto porque está em causa um bem móvel, o que institui a responsabilidade do vendedor por cumprimento defeituoso. Assim, de acordo com a legislação em vigor compete ao vendedor elidir a presunção legal que sobre ele recai.

Inicia-se a apreciação do caso pela parte processual, de acordo com o disposto no art.º 608, n.º1 do C.P.C., pois verificou-se que o demandante deduziu pedido alternativos (art.º 553 do C.P.C.). Quanto aos pedidos que fez, não estão em causa direitos alternativos ou que possam resolve-se em alternativa, mas uma faculdade cujo respetivo exercício é atribuído ao consumidor pela própria lei, (n. º1 do art.º 4 do Dec. Lei 67/2003 de 08/04), pelo que em audiência foi convidado a suprir a deficiência, procedendo á escolha do pedido que deve, em concreto, ser apreciado pelo tribunal. Esclareceu que atendendo ao valor de custo do objeto em questão, o qual não reúne as qualidades pretendidas, bem como ao decurso do tempo, sem que a demandada se prontificasse a resolver o problema, pelo que pretende que lhe seja restituído o valor que pagou pela aquisição, o que no fundo consiste na resolução do negócio (art.º 432 e 433 do C.C.).

Ora embora a demandada se tenha oposto a este, a verdade é que no caso concreto não ocorreu qualquer alteração (art.º 265 do C.P.C.), uma vez que o demandante, inicialmente, já o tinha deduzido, conforme consta do r.i, e a demandada no exercício do contraditório, já se tinha pronunciado em sede de contestação, o que considerou abusivo. No fundo, tratou-se de um convite dirigido ao demandante, feito no âmbito dos poderes de gestão processual (art.º 43, n.º 5 da L. J.P. e art.º 6, n.º 2 do C.P.C.), para optar por um só dos pedidos, regularizando assim a presente instância, tendo em consideração que o demandante, enquanto leigo, não tem de dominar os conceitos de direito, pelo que a simples opção por um, traduz-se penas no exercício da faculdade que a lei lhe confere.

Quanto á matéria em questão, no âmbito do direito do consumo, conforme já se referiu, compete á demandada elidir a presunção legal (art.º 350, n.º2 do C.C.), de que objeto do negócio possui as qualidades necessária e exigíveis ao uso que normalmente é feito do mesmo, o que no fundo é provar a sua conformidade.

No caso dos autos alega-se existir uma avaria no sistema de wi-fi, isto é, é o sistema que permite o aceso às redes sem fio, sendo através dele que o utilizador tem acesso á internet. Em sede de audiência foi verificado que o aparelho, no estado de ligado, não apanha as redes móveis, ou seja, não capta as redes mesmo existindo, o que significa que tem um problema no sistema operativo, o que resulta do senso comum.

Todos os aparelhos servem para serem usados, o normal para este tipo de aparelhos além de permitir o aceso ao telefone é também o aceso á internet, para os mais variados fins, o que no caso em apreço não se verifica, pelo que há realmente uma desconformidade, o que consubstancia o cumprimento defeituoso.

Ao proceder á denúncia do defeito, o demandante esclareceu que devido ao uso, pois já estava á cerca de 1 ano na sua pose, o objeto tinha alguns riscos e mossa no lado de fora, conforme consta do documento 2, a fls. 3, os quais foram verificados in loco na audiência.

Ora foi por este motivo que o reparador oficial autorizado pela marca declinou a reparação, alegando ter existido algum acidente, conforme consta do documento 3, a fls. 4.

De facto as marcas exteriores são devido ao uso, o que não significa que tenha havido algum acidente, facto que a demandada não prova ter existido, tal como lhe competia, limitando-se a constatar o que o demandante já tinha de boa-fé declarado, e com esse argumento declinou a reparação do aparelho.

Este tipo de aparelhos são, normalmente transportados nas malas ou nos bolsos, e colocados em mesas, cadeiras, etc.., sendo as tampas de plástico, as quais em contacto com outros objectos, leva a que por vezes ocorram riscos de raspagem, e tal não significa ter existido algum acidente com o mesmo, o que resulta do senso comum, e mesmo que tal tivesse sucedido devia provar o nexo de causalidade entre o suposto acidente e o dano, de forma de afastar a sua responsabilidade, o que não fez.

Assim, o argumento da demandada não pode proceder, sobretudo porque não explicou que internamente exista algum problema que possa ter sido ocasionado por um acidente, tal como por exemplo uma queda do mesmo, ou a entrada de líquidos.

Face á recusa clara da demandada em proceder á reparação do objeto, entende-se a indignação do consumidor ao requerer a resolução do negócio. Por outro lado, é a própria lei que lhe faculta as opções, sem que tenha procedido ao seu escalonamento, pelo que não se pode considerar que se trata de um exercício do direito em termos abusivos, nos termos do art.º 334 do C.C.

Assim, reconhece-se que o demandante tem direito á resolução do negócio, a qual é equiparada á nulidade ou anulabilidade (art.º 433 e 289, n.º 1, ambos do C.C.), devendo entregar o aparelho á demandada e aquela restituir-lhe o que pagou pelo mesmo, ou seja, a quantia de 759€.

DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se a acção procedente, por provada, reconhece-se a resolução do negócio de compra e venda do X1, com a consequente condenação da demandada na devolução da quantia de 759€ (setecentos e cinquenta e nove euros) paga pelo demandante.

CUSTAS:

São da responsabilidade da demandada, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trina e cinco eros) no prazo de 3 dias úteis, sob ena da aplicação da sobretaxa no valor diário de 10€ (dez euros).

Em relação ao demandante cumpra-se o disposto no art.º 9 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12.

Notificada e proferida nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P.

Lisboa, 20 de junho de 2018

A Juíza de Paz

(Margarida Simplicio)

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º 5 do C.P.C.)