Sentença de Julgado de Paz
Processo: 45/2018-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL / DIREITO DO CONSUMO/ DOCUMENTO DE GARANTIA/ ACORDO NEGOCIAL/ INCUMPRIMENTO/ DIREITO DE RETENÇÃO /VENDA COM DEFEITO.
Data da sentença: 03/12/2019
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Processo n.º 45/2018-J.P.CBR

RELATÓRIO:

A demandante, MF, NIF. …, residente na rua das …, em …, no concelho de Coimbra, representada por mandatário constituído.

Requerimento Inicial: Alega-se em suma que, a demandante desenvolve a atividade agrícola e agro-pecuária, necessitando, para tal, de maquinaria adequada, designadamente de um trator agrícola e acessórios, charruas, atrelado, etc. Em data que não pode precisar, mas no ano de 2015, adquiriu à demandada, nas suas instalações em …, pelo preço de 11.000€ um trator, usado, de marca Y, modelo XX, do ano de 1999/04, com a matrícula ND. Para pagamento do preço ajustado, entregou um trator usado e charrua, a que foi atribuído, o valor de 2.150€, a importância de 5.000€, pelo cheque nº … da Caixa …, balcão de …, ficando em débito a quantia de 3.850€, a ser paga em prestações mensais de acordo com as possibilidades da demandante. A título de garantia do valor remanescente, entregou ao legal representante da demandada o cheque nº … no referido valor de 3.850€. Nessa ocasião, a demandante entregou nas instalações da demandada, uma máquina de ceifar, de 2 rodas, para reparação. Na sequência da venda do trator, embora usado, a demandada não emitiu o competente documento de garantia. Sucede que, a 09/06/2017, após repetidas avarias, a demandante fez a entrega do trator Y à demandada, para reparação, que se comprometeu a reparar o trator e a devolvê-lo durante o mês seguinte, Julho/2017. Identificada a avaria e reconhecida a demora na reparação, a demandada prometeu disponibilizar um trator para que não ficasse sem trator para os serviços agrícolas e agro-pecuária, pese embora as insistências junto da demandada, tal nunca viria a acontecer. Conforme se referiu, a exerce a atividade profissional de agricultora, possuindo uma exploração agro-pecuária familiar (em conjunto com o marido AT) com assento no lugar de …, no concelho de … . A parte agrícola da exploração é composta por 9 parcelas com a área de 2,88 hectares, destinadas ao cultivo de pastagens permanentes, prados temporários e floresta. A parte de pecuária da exploração é composta por 270 animais de raça ovina e caprina. O veículo ND era o único trator da exploração, e faltando o trator agrícola, a demandante viu-se privada do seu uso e das mais-valias que o mesmo proporcionava, ficando a exploração de todo inoperacional, na medida em que ficou impossibilitada de trabalhar na lavoura e pecuária nos mesmos termos em que o fazia, por não dispor do trator. A demandante não pode proceder á sementeira, colheita e ao transporte das culturas de aveia e sorgo para pastagens e prados, ficando os terrenos a produzir espontaneamente erva e vegetação arbustiva. Estes fatores reduziram fortemente a produção de alimento para os animais, quer em quantidade, quer em qualidade. A perda da capacidade alimentar do efetivo pecuário, ditou que tivesse de adquirir bens ao exterior, como concentrado, palha e batatas, mas a aquisição de alimento adicional não evitou uma brutal baixa da produção leiteira, devido á falta de forragens primaveris, e mais grave ainda, a morte de 17 animais. Para evitar uma situação de dizimação de todo o efetivo pecuário, com vista a colmatar a falta do trator agrícola, a demandante socorreu-se do empréstimo de tratores de familiares, amigos, e conhecidos, e também ao serviço de terceiros ao nível de veículo, e tratorista para realização de trabalhos inadiáveis. Até que, em 11/2017, viu-se na necessidade de adquirir outro trator. Com toda esta situação, sofreu e continua a sofrer, de angústia, nervosismo e incómodos variados, transtornando a falta do trator a sua vida por completo. São, por isso, avultados os prejuízos que a falta de entrega do trator que comprou lhe estão a causar, cifrando-se os prejuízos no valor nunca inferior a 5.000€. Em vão, tem tentado uma informação sobre o estado do trator que entregou para reparação e que se recusam a entregar-lhe, mesmo por reparar. A demandada recusa-se a falar, o que a obrigou a solicitar os serviços de Advogado que viria a remeter a carta, a 4/09/2017, solicitando informação sobre o estado da viatura e data previsível para a sua entrega, porém não deu qualquer resposta, o que justifica o recurso aos meios judiciais. Conclui pedindo que: A) faça a entrega, nas instalações da demandante, do trator, usado, de marca Y, modelo XX, do ano de 1999/04, com a matrícula ND, devidamente reparado; B) entregue o devido documento de garantia, datado do dia mês e ano desta entrega; C) Que entregue nas instalações da demandante, a ceifeira de duas rodas, entregue para reparação; D) Que devolva o cheque que retêm, em seu poder, do valor de 3 850€; E) requer a condenação da demandada no pagamento a título de compensação dos prejuízos sofridos com a falta dos referidos equipamentos, da quantia de 5 000€. Juntou documentos.

MATÉRIA: Ação de responsabilidade contratual, enquadrada no art.º 9, n.º1, alíneas I) e H) da L.J.P

OBJETO: Compra e venda de tractor, usado e com defeitos, direitos do consumidor, indemnização danos patrimoniais.

VALOR DA AÇÃO:12.500€ (doze mil e quinhentos euros, fixada nos termos dos art.º 305, n.º4 e 306, n.º1 ambos do C.P.C.).

A demandada, T… Lda., NIPC. …., com sede na …, no concelho de Coimbra, representada por mandatário constituído.

Contestação: É verdade que, a 19/09/2015, a demandante adquiriu o tractor agrícola, no estado de usado, de marca Y, modelo W, pelo preço de 11.000€, tendo sido acordado que o pagamento desta importância seria efectuado da seguinte forma: pela entrega e retoma do trator agrícola usado e charrua, propriedade da demandante, avaliado em 2.250€; pela entrega da quantia de 5.000€, através do cheque nº …, sacado pela demandante sobre a sua (e do marido) conta nº …. na Caixa …, balcão de …, pós-datado para 13-10-2015. A importância remanescente de 3.850€, seria paga em 15 prestações mensais sucessivas de 250€, cada uma, e uma última prestação de 100€, com início em Janeiro de 2016. Como garantia do pagamento do valor remanescente, entregou o cheque nº …, por si subscrito, sacado sobre a referida conta da C…, no valor de 3.850€, com o local de emissão, a data, o nome do beneficiário e a quantia em extenso, em branco. O cheque nº …., sacado pela demandante sobre a sua (e do marido) conta nº … da C…, balcão de …, no montante de 5.000€ foi pago. Porém, não entregou à demandada naquela data, nem posteriormente, o seu tractor agrícola com charrua, no estado de usados, no valor de 2.250€. A demandante não pagou qualquer das prestações estipuladas, nem entregou até hoje qualquer outra importância, pelo que deve a importância de 6.100€ do preço de venda do tractor. A matrícula do tractor adquirido à demandada é efetivamente de HU, de 07/01/1997, como consta do requerimento de Registo Automóvel assinado pelo então titular do registo e pela demandada. À indicação da matrícula ND na declaração emitida, a 19/09/2015, para efeitos de circulação do referido tractor, deveu-se a mera troca de chapas de matrícula. Com efeito, aquando da entrega do tractor à demandante, por lapso foram aplicadas as chapas de matrícula de um outro tractor agrícola da mesma marca e modelo em reparação nas instalações da demandada, de matrícula ND, tendo, por engano, sido afixadas naquele as chapas de matrícula deste e vice-versa. Aceita-se os factos alegados nos art.º 1, 2 (até “modelo xx” inclusive), 3 (excepto a palavra “entregou”, 4 (a expressão “de acordo com as possibilidades da demandante”), 5º da pi. Impugna-se o restante alegado. É verdade que, em Junho de 2017, a demandante entregou à demandada, para reparação, o referido tractor agrícola marca Y, verificada a avaria no motor de arranque e na bomba injectora, o tractor veio para a oficina da demandada para aí se proceder à sua reparação, à qual consistia na substituição do motor de arranque (o original não tem reparação) e na reparação da bomba injectora. Tais avarias deveram-se ao facto do desgaste das peças pelo seu uso, pois tinha cerca de 18 anos. A reparação do referido tractor agrícola importou em 1.872,45€, incluindo IVA, apresentada a conta da reparação à demandante, esta recusou-se a pagá-la com o argumento que, aquando da avaria, o mesmo estava na garantia, o que é falso. Com efeito, conforme alega no r.i. a demandante desenvolve à actividade agrícola, numa exploração composto por 9 parcelas, com a área de 2,88 hectares (28.800 m2), e agro-pecuária com um efectivo de 270 animais de raça ovina e caprina, dedicando-se, assim, à indústria agro-pecuária e de produção de leite, tendo adquirido o referido tractor para essa actividade. A venda não se pode considerar uma venda a consumidor, não estando sujeita ao regime Jurídico da venda e garantia de bens de consumo. À venda é aplicável o C. C. na parte da venda de coisas defeituosas, sendo o prazo de garantia de 6 meses após a entrega, e de 30 dias o prazo de denúncia do defeito após conhecimento deste. Mesmo que se tratasse de defeito do motor de arranque e da bomba injectora do tractor vendido, o prazo de garantia era apenas de 6 meses após a entrega, que ocorreu a 19/09/2015. Ora a avaria ocorreu em Junho de 2017. Nunca, até 19 de Abril de 2016, denunciou qualquer defeito no dito tractor. Não é verdade que, tenha entregado uma máquina de ceifar de 2 rodas, para reparação, a máquina foi entregue nas oficinas da demandada, para reparação, cerca de 10 anos antes da venda do referido tractor. Feita a reparação da máquina de ceifar pela demandada, mandou entregá-la à demandante contra o pagamento do preço da reparação no montante de 600€. Chegados a casa da demandante para fazer a entrega da máquina, informaram-na do preço da reparação, tendo recusado o pagamento e dito que, por esse preço ficasse com ela, por isso, voltou a trazer a máquina para à sua oficina. A demandada recusa-se a entregar o tractor e a máquina de ceifar à demandante, após reparação, no exercício do direito de retenção. Não tem de entregar qualquer documento de garantia do tractor, pois não foi acordado qualquer garantia, resultando esta apenas da Lei. Não tem de devolver-lhe o cheque no valor de 3.850€, entregue para garantia do pagamento de parte do preço de venda do tractor, porque o respectivo valor nunca lhe foi pago. Nestes termos deve a acção ser julgada totalmente improcedente, sendo absolvida dos pedidos formulados.

Resposta às excepções: No art.º 4 da contestação diz-se que que não entregou o trator agrícola com charrua, no estado de usado, no valor de 2.250€, mas quem ficou de vir buscar tal veículo foi própria demandada, aliás, a demandante telefonou várias vezes ao Sr. J para o vir buscar, que respondia que tinha de tirar um bocadinho para ir, mas nunca veio. Mais tarde, o dito senhor acabou por dizer que não ia buscar o veículo porque já não o queria. No art.º 14 e sgs, alega que a avaria do trator se quedava no motor de arranque e na bomba injetora, e que tais avarias se deveram ao desgaste das peças pelo uso, cuja reparação importou 1.872,45€, mais alegou que a demandante é responsável pelo pagamento da reparação, pois considera que o defeito do veículo não foi comunicado no prazo de garantia, estando fora do prazo de garantia, de seis meses. O ónus de prova desta alegação incumbe à demandada, porquanto se presume a sua culpa. Cabe ao comprador, não só alegar e provar a desconformidade da coisa vendida em relação à sua função normal, mas também a alegação e prova de que o denunciado defeito existia à data do cumprimento do contrato. Conforme alegou o trator foi entregue para reparação, após repetidas avarias. Quando o veículo foi vendido, o cabo que ia direto ao motor de arranque já estava danificado, as luzes sinalizadoras do painel ao pé do volante nunca apagavam, tendo aceitado o veículo em tais condições, pois quem foi buscar o trator, aquando da entrega, foi o seu filho, HJ. Quando se apercebeu de tal situação ralhou com o filho, porque não devia ter vindo assim, tendo-lhe o filho dito que trouxe o trator, pois o Sr. J. mandou-o trazer, dizendo que depois passava em casa dela para o arranjar, metendo um cabo novo e solucionando o problema das luzes. Mais tarde, o Sr. J. veio a casa, mas não substituiu o cabo, apenas desligou a tração do trator para as luzes se apagarem, dizendo que posteriormente reparava o cabo, mas como o senhor não voltou a aparecer, a demandante e por vezes o filho, a seu mando, começaram a telefonar insistentemente para virem reparar o que faltava, infrutiferamente porque ninguém veio. Assim, os defeitos/avarias do trator foram denunciados em tempo, mas como não foram reparados, conforme estava obrigada, com o uso do trator os mesmos agravaram-se para a situação já conhecida dos autos, pelo que não assiste direito que lhe permita eximir-se às suas responsabilidades. O prazo de denúncia dos defeitos/avarias é irrelevante, pois sabia que o trator padecia do defeito, os cabos que iam ao motor de arranque estavam danificados e as luzes sinalizadoras do painel ao pé do volante nunca apagavam, pelo que face á alegação reconhecendo que a avaria ocorreu em junho/2017, acionou o Julgado de Paz de Coimbra em fevereiro de 2018, o que fez no exercício do seu direito, em tempo e de acordo com o regime legal. Face á atitude daquela, cativando o veículo, invocando o direito de retenção, quer ainda em face á circunstância da demandante em 11/2017 se ter visto na necessidade imperiosa de adquirir outro veículo, aos pedidos inicialmente efetuados, a acrescenta ainda a dedução de mais dois pedidos alternativos aos inicialmente efetuados: a) anulabilidade do negócio realizado e a restituição do valor de 5.000€ à demandante; b) a redução do preço do veículo ao valor já liquidado (5.000€). Concluindo pede que: deve a ação ser julgada procedente e os pedidos formulados no r.i. declarados procedentes ou em alternativa ao 1º e 2º pedidos deduzidos no r.i., seja decretada: a) a anulabilidade do negócio realizado entre demandante e demandada, com a consequentemente a restituição do valor de 5.000€; b) ou ainda em alternativa a redução do preço do veículo adquirido pela demandante, ao valor já liquidado de cinco mil euros, com a consequente entrega do mesmo à demandada, devidamente reparado e livre de qualquer ónus ou encargo.

TRAMITAÇÃO:

Realizou sessão de mediação sem consenso das partes.

As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da LJP, sem obtenção de consenso das partes. Seguindo-se para produção de prova, com a pronúncia da demandada sobre a alteração deduzida ao pedido inicial, e a audição de algumas testemunhas. Na 2ª sessão continuou-se com a audição das testemunhas da demandada, terminando com alegações finais dos mandatários das partes, como das atas se infere, de fls. 102 a 104 e 113 a 115.

FUNDAMENTAÇÃO

I- DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo):

A) A demandante desenvolve a atividade agrícola e agro-pecuária, necessitando, para tal, de maquinaria adequada, designada e imprescindivelmente, de um trator agrícola e acessórios, charruas, atrelado, etc.

B) No ano de 2015, a demandante adquiriu à demandada, nas suas instalações em …, pelo preço de 11.000€ um trator, usado, de marca Y, modelo XX.

C) Para pagamento do preço ajustado, a demandante entregou á demandada um trator usado e charrua, a que foi atribuído o valor de 2.150€, e a importância de 5.000€, pelo cheque nº …, da C…, balcão de …, datado de 13/10/2015, sacado pela demandante sobre a sua (e do marido) conta nº …, conforme documento 2, junto a fls. 5.

D) Ficando em débito a quantia de 3.850€, a ser paga em prestações mensais.

F) A título de garantia deste valor remanescente, a demandante entregou ao legal representante da demandada o cheque nº … no referido valor de 3.850€.

G) A 9/06/2017 a demandante entregou á demandada, o trator Y, para reparação.

II- DOS FACTOS PROVADOS:

1)O cheque nº … está na posse da demandada.

2) A demandada comprometeu-se a reparar o trator.

3) A demandada comprometeu-se a disponibilizar um trator para que não ficasse sem trator para os serviços agrícolas e agro-pecuários.

4) Mas tal nunca viria a suceder.

5) A demandante exerce a atividade profissional de agricultora, possuindo uma exploração agro-pecuária familiar (em conjunto com o marido) no lugar …., concelho de ….

6) A parte agrícola da exploração é composta por 9 parcelas de terreno com a área de 2,88 ha, que se destina ao cultivo de pastagens permanentes, prados temporários e floresta.

7) A parte pecuária é composta por 270 animais de raça bovina e caprina.

8) Sem o trator a demandante não pode proceder á colheita e transporte das culturas de aveia e sorgo para pastagens e prados.

9) O que reduziu fortemente a produção de alimentos para os animais, quer em quantidade, quer em qualidade.

10) E, provocou uma baixa na produção leiteira.

11) A demandante socorreu-se do empréstimo de tratores familiares, de amigos e conhecidos, e recorreu ao serviço de tratoristas para realizar trabalhos.

12) A demandante adquiriu em 2017 outro trator.

13) A demandante sofreu incómodos, angústia e nervosismos por falta do trator.

14) A demandante tentou saber do estado do trator que entregou para reparação.

15) A demandada recusa-se a entregar o trator.

16) A demandante solicitou os serviços de advogado, que remeteu carta á demandada, conforme documento 4, junto a fls. 7, cujo teor dou por reproduzido.

17) O cheque nº …, datado de 13/10/2015, foi sacado pela demandante sobre a sua (e do marido) conta nº …, conforme documento 2, junto a fls. 5, foi pago.

18)O valor remanescente de 3.850€ seria pago em prestações mensais e sucessivas no valor de 250€.

19)O trator usado e a charrua ficaram na posse da demandante, ficando a demandada de os ir buscar.

20) A demandante não pagou as prestações estipuladas, nem entregou, qualquer outra importância, á demandada.

21) A demandante deve a quantia de 6.000€ do preço de venda do trator.

22) A matrícula do trator adquirido pela demandante á demandada é HU, conforme documentos 1, 2 e 3, juntos de fls. 86 a 87 verso.

23) A indicação da matrícula ND na declaração emitida pela demandada em Setembro/2015 deve-se a mera troca de chapas de matrículas.

24) Na altura a demandada tinha um trator que estava a ser reparado nas suas instalações e por engano trocou as matriculas.

25) Em Junho/2017 a demandante entregou á demandada o trator da marca Y, para reparação.

26) Foi verificado que tinha avaria no motor de arranque e na bomba injetora.

27) O veículo foi para a oficina da demandada para proceder á sua reparação

28) E, foram substituídas as peças, o que importou a quantia de 1.872,45€.

29) A conta do serviço foi apresentada á demandante.

30) No entanto, recusou-se a paga-la, argumentando estar na garantia.

31) E, a demandada recusou-se a entregar-lhe o trator.

32) Na altura em que entregou o trator para ser reparado, a demandante, não entregou qualquer máquina de ceifar.

33) Tal facto sucedera anteriormente.

34) A demandante telefonou ao gerente da demandada para ir buscar o veículo (trator velho).

35)Mas nunca foi.

36)Posteriormente, o gerente da demandada disse que já não queria o veículo.

37)Quando o trator Y foi vendido as luzes junto ao painel ao pé do volante não apagavam.

38) A demandante aceitou o veículo, pois quem foi buscar o referido trator foi o seu filho, HJ.

39) A demandante ralhou com o filho pois o trator não devia ter vindo assim.

40)O filho explicou que, mais tarde o Sr. J. passava em casa deles para o arranjar.

41) O que efetivamente sucedeu, as luzes apagaram-se.

42) A demandante e o filho telefonavam, varias vezes, á demandada.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a decisão na analise critica de toda a documentação junta nos autos, conjugada com a prova testemunhal, regras de repartição do ónus da prova e regras da experiência comum.

A testemunha, HJ, é filho da demandante. Não obstante quis depor nos autos por ter presenciado a maioria dos factos. Esclareceu quem estava presente, como foi realizado o negócio, os valores e o prazo de garantia. Referiu que foi ele que foi buscar o tractor, na altura verificou o defeito que de imediato reportou ao então gerente da demandada, a luz do painel que acendia e não apagavam. Sabe que posteriormente foi a casa deles, mas não estava lá. Referiu que, o trator que deram à troca era dele, na altura não assinou a declaração para transferir o registo de propriedade, tendo ficado na propriedade deles. Posteriormente, o gerente foi lá com um senhor para ver o veículo, e mais tarde telefonou-lhe a dizer que já não estava interessado no veículo, por isso quando voltaram a adquirir outro veículo voltaram a dar este para retoma. Explicou que foi às instalações da demandada com a irmã devido á falta do trator, que tinha ido para reparação, o que lhe foi negado por falta de pagamento. O seu depoimento não foi totalmente isento, pois tem interesse pessoal na resolução do assunto, pois como o próprio referiu sentiu-se responsável pelo negócio que a mãe fez. Não obstante, foi relevante nos factos em que coincidiu com a restante prova realizada nos autos, auxiliando na prova dos factos n.º1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19, 20, 25, 27, 29, 30, 31, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41 e 42.

A testemunha, BG, foi a pessoa que esteve interessada no trator que a demandante negociou como retoma á demandada, esclarecendo que o viu 2 vezes, na propriedade do …. Na 1ª vez, ainda, estava intacto, mas na 2ª vez, verificou faltavam peças essenciais, ficando por esse motivo totalmente desinteressado do negócio. O seu depoimento foi apenas referente a este facto. Teve um depoimento coerente e totalmente isento, sendo relevante para prova do motivo que levou o gerente da demandada a telefonar ao filho da demandante para lhe dizer que no estado em que se encontrava o trator velho já não estava interessado no mesmo.

A testemunha, J, era na altura da realização do negócio gerente da demandada, daí o seu conhecimento dos factos. O seu depoimento foi esclarecedor sobre a concretizador do negócio, as denuncias, que aceitou serem verbais, o que fez na altura, e quando foi buscar o trator. Explicou, também, que o trator que ia receber de retoma estava sem peças, pelo que o comprador ficou desinteressado, motivo pelo qual telefonou á demandante informando-a do facto. Esclareceu as vezes que procedeu a reparações no trator. Auxiliando na prova dos factos n.º 16, 17,18, 19, 20, 21,22, 23, 24, 25, 26,27, 28, 29,30, 31, 32, 35 e 36, 37, 39 e 40.

A testemunha, LQ, foi o mecânico que realizou a reparação do trator, daí o seu conhecimento destes factos. Não obstante ser funcionário da demandada depôs com a devida isenção, uma vez que não extravasou os limites dos seus conhecimentos, esclarecendo o que foi reparado e as devidas explicações mecânicas. Auxiliando na prova dos factos n.º15, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 41.

Os factos não provados resultam da ausência de prova. Nomeadamente quanto á garantia e prazo, foi admitido pelo filho da demandante que acordaram verbalmente ser de 1 ano, por ser um veiculo usado. Para além disso, reconheceu que acordaram o pagamento mensal de uma quantia embora não esclarecesse o montante, por este motivo não posso considerar que a demandante pagaria o remanescente da divida, os 3.850€, quando pudesse, especialmente por ter em consideração que se trata de uma sociedade comercial, que visa obter lucro na sua atividade. Caso uma sociedade permitisse que um cliente pagasse quando pudesse, a situação económica da empresa não seria certamente a melhor, além de que não é essa a prática corrente na gestão corrente e normal das sociedades comerciais e não será a demandante um cliente excepcional que motive tratamento especial, motivos pelos quais não são plausíveis com aquela alegação.

Quanto ao facto do trator Y ser o único da exploração, foi admitido pelo filho da demandante que tinha outro, já velho, aquele que deu de retoma á demandada, e que foi por ela avaliado. Este ficou na propriedade deles, para a demandada posteriormente o ir buscar, pelo que não era o único trator, embora pudesse não estar operacional, o que é diferente do que foi alegado.

Não se apurou em que datas concretas, ocorreram os defeitos, nem em que momentos foram denunciados e reparados pela demandada, pois nenhuma das partes conseguiu contextualizar em que tal sucedeu, pese embora o filho do demandante se referisse às denúncias, e admitisse que efetivamente a demandada foi lá proceder às reparações, um pouco mais tarde, o que esta também assumiu.

Também não foi feita prova de existir, ou ter existido algum cabo do trator que estivesse descarnado, ou que tivesse uma ficha partida, como foi dito pelo filho da demandante na audiência. Na realidade, foi feita prova que não existe qualquer ficha no painel, mas sim as luzes referentes ao óleo, bateria e travões, e que todas têm de acender quando se liga o veículo. Quanto a cabos o único que é exterior, e como tal visível, é o cabo negativo, que faz a ligação entre a bateria e

o chassi, o qual tem cerca de 16 a 20 mm, sendo responsável por levar a energia ao motor de arranque, o que foi explicado pelas testemunhas J e LQ.

Quanto á questão da máquina de ceifar não foi feita prova que fosse entregue para reparação na mesma ocasião do trator, pois a única testemunha da demandante, o filho, nada referiu em relação a esta máquina, nem em relação a valores.

Quanto aos danos patrimoniais nomeadamente a morte de algumas cabeças de gado, o filho da demandante não clarificou o número concreto. Não obstante, admitiu que o gado foi sempre comendo embora não tivessem cultivado sogro, o qual é essencial para a produção de leite. Por outro lado, acrescentou que foi um ano de muito calor, o que também resulta do senso comum, e que lhes emprestaram tratores para os auxiliarem. Da conjugação destes factos extraí a conclusão que, a morte de algumas cabeças de gado não podem ser imputadas á falta do trator, pois embora tal ocorresse há outros fatores a ter em consideração nomeadamente o calor excessivo, o qual é prejudicial para as culturas, e contribui para a falta de água nas nascentes e rios, dificultando que o gado tenha água, o que resulta do senso comum. Para além disso, o facto de terem arranjado solução para colmatar não terem cultivado sogro, o qual é a principal fonte de alimentação do gado, com outros alimentos, como é o caso de batatas e forragens, como afirmou o filho da demandante, leva-me a concluir que a morte de alguns animais sucedeu porque eram os mais débeis e não suportaram um conjunto de fatores adversos.

Por fim, a altura do ano em que provaram que o trator se estragou, em junho/2017, a maioria das culturas já deviam estar efetuadas, o que costuma suceder na primavera, como resulta da experiência comum. Isto não é congruente com a alegação de falta de forragens primaveris, e se tal assim sucedeu não foi por falta do trator, pois na primavera ainda tinham o trator.

Provou-se que, a divida da demandante resultante deste negócio é de 6.000€, e não de 6.100€, pois se aquela apenas pagou 5.000€, e o negócio era de 11.000€, a divida é de 6.000€, o que resulta de simples cálculo aritmético.

Por outro lado, a demandada aceitou o art.º 3 do r.i, com as correcções que efetuou, veja-se o que alega nos art.º 10 e 11 da contestação. Todavia, nas ressalvas e correcções não fez qualquer referência ao valor de retoma do trator e charrua no montante de 2.150€, o que significa que o aceitou. Acresce dizer que se valor do negócio foi de 11.000€, e aquela pagou 5.000€, dando um cheque de caução no valor de 3.850€, fica a faltar os 2.150€ e não o valor de 2.250€, como refere no art.º 4 da contestação, o que resulta de simples cálculo aritmético.

III- DO DIREITO:

A)Questão prévia: No decurso dos autos a demandante apresentou uma alteração ao pedido, de fls. 94 a 95.

A demandada opôs-se á mesma, nos termos em que foi deduzida, pedidos alternativos, a fls. 103.

A questão é regulada pela conjugação do art.º 44 da L.J.P. com o disposto no art.º 265, n.º 2 do C.P.C., que apenas permite ampliar o pedido se for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

Efetivamente no r.i. foi deduzido inicialmente a cumulação de pedidos, tendo subjacente o negocio realizado pelas partes, compra e venda de tractor, usado, os quais, face á luz da L.J.P., norma especial que regula a tramitação dos processos que os Julgados de Paz podem ser apreciados. Já a cumulação sucessiva de pedidos, apenas, pode ocorrer nos termos enunciados do art.º 265, n.º2 do C.P.C., uma vez que as partes não estão de acordo.

Na realidade a ampliação do pedido consiste, partindo da mesma causa de pedir, uma modificação do pedido que se traduz num mais, ou seja, no seu aumento ou alargamento, implicando normalmente o aumento de valores, o que significa que já se encontra virtualmente inserida no pedido primitivo.

No caso concreto, não configura a presente situação qualquer aumento ou mesmo uma expansão do pedido inicial, mas uma verdadeira alternativa face ao pedido inicialmente deduzido, se bem que os pedidos que formula, também, não são entre si alternativos, mas sim, como já se referiu, são faculdades concedidas pela lei á parte que se considera lesada no seu direito, competindo-lhe a ela escolher. Assim, face ao exposto entendo não admitir tais pedidos pois não se coadunam com o espírito legal do art.º 265, n.º2 do C.P.C.

B) Questões: é ou não a demandante consumidora, documento da garantia, acordo negocial, incumprimento, retenção, indemnização.

Da resolução da 1ª questão dependerá o regime legal adotado ao caso concreto, se bem que o regime da defesa do consumidor, dispõe de prazos mais dilatados, sendo por isso a mais benéfica.

O art.º1-B, alínea a) do Dec. Lei n.º 67/2003 de 8/04, com as alterações do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05 define consumidor como aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional atividade económica, nos termos do n.º1 do art.º 2 da L. n.º 24/96 de 31/07. Este conceito tem vindo a causar alguma celeuma na doutrina e na jurisprudência.

A tónica para a solução recai sobre o como entender a expressão “destinados ao não uso profissional”. No presente caso a demandante não escondeu que se dedica á atividade agro-pecuária, e o veículo em questão, o trator, destinava-se e foi, utilizado na atividade que exerce, a qual é efetivamente a sua profissão.

Por outras palavras pode ou não ser considerado como consumidor, pessoa, singular ou coletiva, que exerça habitualmente uma atividade económica.

De facto, a proteção legal é conferida pelo desequilíbrio que se estabelece numa relação contratual, o profissional, entendido como pessoa que domina as legis artis, dentro da atividade que desenvolve e como tal deve obedecer a padrões, critérios, mais elevados que não são os exigidos a quem não possui esses conhecimentos, por isso foi consagrada a proteção do mais fraco, no mesmo sentido Fernando Batista de Oliveira in, O conceito de Consumidor, Perspectivas Nacionais e Comunitárias, Ed. Almedina, 2009.

Pelas análise das palavras utilizadas neste conceito, trata-se de uma noção ampla, capaz de abranger um leque variado de pessoas, por isso é necessário ponderar caso a caso, de forma a verificar se, o caso concreto é suscetível de se enquadrar nesta noção legal.
Assim, da utilização da expressão: todo aquele, sugere que se inclui toda e qualquer pessoa, seja singular, ou coletiva, o que significa que a lei não visou qualquer descriminação, ou melhor, não restringiu o termo consumidor apenas a pessoas físicas, pelo que, também, se incluirá outras entidades, coletivas ou equiparadas.

No entanto, a lei procurou restringir este conceito ao uso dado ao objeto da relação, não profissional, o que dependerá sempre do uso efetivo que cada um confere ao bem adquirido. Assim, é necessário que atue fora da sua área de competência habitual de atividade, daí a necessidade de ponderar as situações, em concreto, precisamente para evitar proteger o profissional, no que se inclui as empresas, que possam ser desprotegidas quando atuam fora da respetiva atividade profissional, apresentando-se nestes casos como sendo um consumidor normal.

No caso concreto, a demandante, embora exerça uma atividade com intuito lucrativo, este bem não faz parte da atividade que desenvolve habitualmente, estando fora do seu objeto profissional, mesmo que o ponha ao seu serviço, como é a situação concreta.

Por comparação, a demandante estará precisamente na mesma situação que se encontra um advogado, solicitador ou outro profissional, que adquira a um vendedor da especialidade, por exemplo uma máquina de impressão e digitalização, a qual se destina a ser usada na sua profissão, mas que por qualquer razão avariou. Se, pelo facto de usar a dita maquina na sua profissão, não pudesse reclamar da avaria, junto de quem lha vendeu, mesmo que tal ocorresse pouco tempo depois de a adquirir, estaria sempre numa posição de inferioridade, pois mesmo que conheça os mecanismos legais, não percebe de maquinismos, não sendo esta a área da respetiva atuação. Nestes casos, o profissional, fora do âmbito da sua especialidade é, também ele, um profano, e também tem necessidade de protecção quando confrontado com o profissional de outra especialidade, in: D. Ferrier, Traté de droit de la consummation, PUF, Paris, 1986, pág. 9.

Face ao exposto, tenho vindo a defender um conceito amplo de consumidor, o qual no caso sub judice é plenamente aplicável, uma vez que a demandante não tem conhecimentos suficientes de mecânica, pois a atividade que exerce é bem distinta, agro-pecuária, e se todos recordam as palavras do filho da mesma, a testemunha HJ, que passo a citar. “sentiu-se moralmente responsável pelo negócio, pois foi ele que influenciou a mãe naquela aquisição, uma vez que ela nada percebe de veículos, pois a marca, Y, é uma das melhores nos tratores”.

Atendendo ao exposto, considero aplicável ao caso concreto o regime legal da venda dos bens de consumo, e garantias a ele relativos, nomeadamente os supra citados Dec. Lei n.º 67/2003 de 8/04, com as alterações do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05.

Quanto ao documento de garantia peticionado nos autos, resulta do art.º 1-B alíneas f) e g), que pode existir em simultâneo dois tipos de garantias, a legal que resulta da própria lei e a garantia voluntária, prevista no art.º 9 do citado Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05, a qual funciona como um mais face á garantia legal, e é esta que deve ser entregue ao consumidor, por escrito, ou noutro suporte duradouro a que tenha acesso, a qual deve, entre outros elementos, conter os benefícios atribuídos, as condições do seu exercício, e o prazo de duração.

Quer isto dizer que, se do contrato que as partes firmaram nada mais foi acordado, a demandante apenas tem direito á garantia legal, ou seja, aos direitos previstos no regime legal. E, para os poder exercer, face ao vendedor ou se fosse o caso, ao prestador do serviço, não existe a obrigação de entregar qualquer documento com a menção expressa que era a garantia, pois tal não deriva da lei, bastando, assim como fez, recorrer á justiça, demonstrando que o objeto está no prazo de garantia, que denunciou o(s) defeito (s), no prazo legal (arts.º 5, n.º1 e 5-A, n.º2 do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05), e que a ação foi intentada no prazo legal.

No que respeita ao contrato, resulta provado que foi realizado verbalmente entre as partes em Setembro de 2015. Resulta, também, que tinha como objeto um trator agrícola usado da marca Y, e que as partes acordaram o preço global da transacção no valor de 11.000€.

Mais está provado que, ocorreu um erro, da parte da demandada, na entrega do documento de circulação, pois identificou incorretamente a matrícula do trator.

De facto, este documento, declaração de venda elaborado pela demandada, destina-se somente a fazer fé perante as autoridades caso lhe fosse exigido a apresentação da documentação enquanto o registo de propriedade estivesse a ser tratado junto do registo automóvel. Porém, apesar do erro, que admitiu ter sucedido e explicado os motivos, falha na identificação pois tinha outro veiculo nas suas instalações idêntico ao que vendeu mas para reparar, tal não invalidava o acordo que firmaram por dois motivos, primeiro porque a demandante já estava na posse do veiculo correto (art.º 879, alínea b) do C.C.), depois porque o veiculo em causa foi devidamente averbado no registo, tal como resulta dos documentos 1 a 3, que a demandante assinou, juntos de fls. 86 a 87 verso. Do exposto resulta que, o erro que sucedeu em nada invalidou o negócio que as partes celebraram.

Quanto á forma de pagamento da transacção, está, também, assente que a demandante entregou um cheque da C…. no valor de 5.000€. Quanto á restante quantia, a demandada deu de retoma outro trator e uma charrua, os quais foram avaliados no valor conjunto de 2.150€, a restante quantia no valor de 3.850€, devia ser paga em prestações mensais, tendo a demandada entregue um cheque, o qual servia apenas de garantia de pagamento do remanescente.

Tendo em consideração o objeto do negócio supra enunciado, trator agrícola usado, resulta do art.º 875 do C.C., á contrário, que apenas é necessário ser formalizado por escrito as compras e vendas que tenham por objeto imóveis, pelo que, para todos os outros bens que se transaccionem bastará o mero acordo convergente de vontades, em todos os aspectos, para considerar como valido e eficaz, entre as partes, o negócio que celebraram (art.º 405 do C.C.).

Do exposto resulta que, o negócio deve ser pontualmente cumprido (art.º 406 do C.C.), sob pena de ocorrer o seu incumprimento, e qualquer alteração posterior ao negócio, só pode ocorrer por acordo das partes.

No caso concreto, em relação aos objetos que foram retomados pela demandada, foi apurado que ficaram na propriedade da demandante, ficando o gerente de, posteriormente os ir buscar. Sucede que a 1ª vez que foi á propriedade, ia acompanhado de alguém que estava interessado na aquisição do trator, a testemunha B.. Na altura, o trator estava intacto, mas não o levou. Posteriormente, após alguma insistência da demandada, a testemunha B., dispôs-se a adquiri-lo, pelo que foram novamente á propriedade da demandante para acertarem os valores e realizarem a transação. Porém, o veículo já não estava intacto, faltavam peças, nomeadamente o 3º ponto e as bases junto ao mesmo, a bateria e o farol, por esse motivo desinteressou-se do veículo, conforme relatou em audiência. Foi, também, por este motivo que o gerente da demandada telefonou ao filho da demandante, para o informar que já não estava interessado no veículo, uma vez que não estava de acordo com o acordo que tinham firmado inicialmente, nem estava apto a satisfazer o fim a que se destinava.

Em audiência, o filho da demandante reconheceu que o gerente não tinha levado logo o veículo de retoma pois, não tinha assinado o documento para efetuar o registo automóvel, o que faria quando ele tivesse gente interessada no trator velho. Reconheceu, também, que fora ele que tinha retirado as peças que faltavam no trator de retoma, embora só o fizesse mais tarde, sem clarificar quando isso sucedeu.

Do exposto resulta que, ocorreu o incumprimento do contrato de compra e venda da parte da demandante, pois não devia ter retirado qualquer peça do veículo de retoma (art.º 798 e 799 do C.C.), uma vez que aquele já não era da sua propriedade. Na verdade, tal como se referiu, as partes ficaram vinculadas ao cumprimento do contrato pelo acordo que firmaram verbalmente, sendo o preenchimento do documento de transferência de propriedade um mero procedimento para efeitos de registo automóvel.

Para além disso, a demandante, também, nunca procedeu ao pagamento de qualquer prestação, conforme a demandada provou, pelo que não há dúvida que incumpriu com o negócio que as partes acordaram.

No que diz respeito, ao defeito que alegou ter no veículo, foi provado que o filho da demandante quando foi buscar o trator Y, aquele que adquiriu á demandada, verificou que apareceu no painel uma luz vermelha acesa. Não obstante, acabou por o levar, pois o gerente da demandada disse que ia lá repara-lo. E, assim sucedeu, tendo na ocasião a luz cessado, e a demandada nada cobrou por isso, procedendo á correção do defeito às suas expensas.

Apurou-se, ainda, que a luz que acendeu refere-se ao travão de mão, o que foi explicado pelo mecânico, que por vezes esta continua a acender caso não leve totalmente abaixo a alavanca, e tal não obsta a que o trator circule. Mais explicou que neste trator, as luzes que aparecem no painel são a do óleo, bateria e travões, e todas têm de acender ao ligar, depois de iniciar o trabalho devem apagar. Foi ele que, antes de entregarem o trator á demandada, que efetuou as reparações que era necessário fazer e pintou-o, ficando como novo.

Quer isto dizer que a demandada procedeu devidamente, corrigindo o problema, sem custos para o cliente, o que significa que cumpriu com o acordo e agiu de acordo com a lei (art.º4 do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05).

Foi, também, apurado que posteriormente, em data não apurada, denunciaram verbalmente um novo problema: a tração não desligava. Na realidade ao colocarem a tração às 4 rodas, forçaram o dispositivo de tração integral, pois têm de puxar a alavanca totalmente e ao fazê-lo partiram a cavilha, circulando o trator sempre com a tração ligada, conforme explicou o mecânico. Nessa ocasião, a demandada prontificou-se a ir corrigi-lo, assim como fez, colocando uma nova cavilha, e sem cobrar nada, pelo que, também, procedeu corretamente. Acrescente-se que, embora a demandada tenha substituído a peça, assumindo os seus custos, não significa que estivesse obrigada, pois a peça fora partida por ter sido forçada, não por motivos de desgaste normal do material, conforme explicou a testemunha LQ.

Mais se acrescenta que, como este não era o problema inicial, sempre que ocorra um novo defeito, a demandante tem a obrigação de o denunciar, no prazo de 2 meses (art.º 5-A, n.º 2, e n.º 3 do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05), sob pena de ocorrer a caducidade do direito.

Apurou-se, ainda, que nessa altura, o gerente da demandada chamou á atenção da pessoa que circulava com o trator Y, explicando que deviam substituir a válvula por uma nova para o óleo do motor, pois o uso do gasóleo agrícola contém impurezas que podem prejudicar o uso normal do veículo.

Não obstante, não o fizeram, continuando a utilizar o trator nas respetivas atividades, o que culminou com a nova denúncia em junho/2017, em que o trator parou e não o conseguiam por a circular.

Na ocasião, a demandada foi ao local, e ao verificar que não conseguia solucionar o problema no local onde se encontrava o trator, sem ir á oficina, referiu que tinha de o levar para reparar, o que assim sucedeu. Aí foi verificado que o problema era na bomba injetora, devido às impurezas que o gasóleo agrícola tem, o que culminou na reparação de bomba injetora em casa da especialidade, para além disso, também, tiveram de colocar um novo motor de arranque, pois devido às insistências que fizeram, dando á chave, insistentemente para tentarem ligar o trator, acabaram por o danificar.

Todavia, em 2017 a garantia legal do trator Y já tinha terminado, o que se conclui tendo por referência a data de aquisição do veículo, setembro/2015, algo que o filho da demandante sempre soube, pois afirmou em audiência que acordaram verbalmente a garantia de 1 ano, por ser um veículo usado.

Pelo que, após a garantia ter expirado, qualquer problema que o trator venha a padecer tem sempre que ser custeada pela demandante, a ora compradora.

Do supra exposto resulta, que o que estava em causa é um prazo de caducidade e não de prescrição legal, uma vez que este problema não é nenhum daqueles que a demandada procedeu á sua reparação, no âmbito do prazo da garantia.

Ora foi perante esta situação que a demandada, embora se tenha prontificado a repara-lo, como assim sucedeu, o que foi explicado pelo mecânico que procedeu á reparação, a testemunha LO, apresentou-lhe a fatura do serviço que realizou, conforme resulta do documento 4 a fls. 88, no valor de 1.872,45€.

Como a demandante não queria pagar o serviço realizado, a demandada alegou, corretamente o direito de retenção, não restituindo o veículo enquanto aquela não pagasse pelo serviço que realizou, uma vez que a referida reparação já não tinha de ser suportada pelo vendedor (art.º 4, n.º1 do Dec. Lei 67/2003 de 8/04).

Na realidade, tal consiste na faculdade de reter a coisa, quando se detenha um crédito resultante de despesas feitas por causa dela e exista a obrigação de entregar a coisa (art.º 754 do C.C.), como era o caso vertente.

Para além disso, é preciso não esquecer que quando isto sucedeu, em Abril/Maio de meados de 2017, data não concretamente apurada, já a demandante tinha incumprido com o contrato de compra e venda, uma vez que já estava em divida a quantia de 6.000€, pelo que o exercício do direito de retenção não pode ser considerado abusivo.

Quanto aos danos que alega ter tido por falta do trator, devem-se sobretudo ao facto de não ter querido pagar o serviço de reparação, pois se o tivesse feito ter-lhe-ia sido restituído o veículo.

Acresce que, inicialmente, a demandada até se prontificou a emprestar-lhes outro trator, todavia não o fez, pois como a reparação estava a demorar, os filhos da demandante, nomeadamente a testemunha, HJ e a irmã, foram á oficina da demandada reclamar, o que fizeram de forma pouco educada, por este motivo a demandada entendeu não emprestar qualquer veiculo, pois nem estava obrigado a fazê-lo, e de facto nada a obrigava legalmente a proceder dessa forma.

Para além disso, foi igualmente provado que, a demandada embora não tivesse o trator, teve o auxilio de vizinhos, familiares e até chegou a contratar o serviço de terceiros para a auxiliarem nas atividades da sua exploração, conforme foi referido pelo seu filho, a testemunha HJ.

Contudo, foi, ainda, apurado que o ano de 2017, foi em termos climatéricos adversos, o que teve consequências nefastas para a atividade agrícola e agro-pecuária por falta de água, o que resulta do senso comum, por isso a morte dos animais não pode ser imputada á falta do trator, mas sim a um conjunto de causas que culminaram nesse resultado (art.º 563 do C.C.).

DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se a ação improcedente, absolvendo-se a demandada dos pedidos.

CUSTAS:

São da responsabilidade da demandante, devendo no prazo de 3 dias úteis de proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), sob pena da aplicação da sobretaxa no valor de 10 (dez euros) por dia de atraso no cumprimento desta obrigação legal.

Proceda-se ao reembolso da demandada.

Proferida e notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Envie-se cópia aos ausentes.

Coimbra, 12 de Março de 2019

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)

(Margarida Simplício)