Sentença de Julgado de Paz
Processo: 866/2017-JPLSB
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL /SINISTRO ESTRADAL
RESPONSABILIDADE E DANOS MATERIAIS.
Data da sentença: 07/26/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Processo n.º 866/2017-J.PLSB
RELATÓRIO:

A demandante, A., Lda., NIPC. ..., com sede na rua …, no concelho de Lisboa, representada por mandatário constituído.

Requerimento Inicial: Alega em uma que, a 10/06/2015 a demandante era proprietária do veículo ligeiro de passageiro com a matrícula PG, licenciado para o serviço de táxis na praça de Lisboa. Nessa mesma data o proprietário do veículo BI, transferira para a demandada a responsabilidade civil pelos danos causado a terceiros, pela apólice n.º 1.... A 10/06/2016 ocorreu um acidente de viação, no qual intervieram os veículos da demandante e o segurado na demandada. Cerca das 20h e 10m, o táxi da demandante circulava na Av. …, em frente á churrasqueira …., na faixa mais á direita, das várias que ali se encontram, atento o seu sentido de marcha. Sensivelmente em frente á dita churrasqueira, foi o táxi da demandante embatido pela carrinha de caixa aberta, que também circulava no mesmo sentido e direcção, e ao encetar a manobra de ultrapassagem acabou por embater-lhe. Invadindo a faixa de rodagem do táxi, embatendo em toda a parte lateral esquerda, após o que prosseguiu a sua marcha. O motorista do táxi seguiu em seu alcanço, abordando-o junto às bombas da B.P., sitas na Av… O sinistro ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo BI que violou várias normas estradais. Em consequência da colisão, o veículo da demandante sofreu danos, em toda a parte lateral esquerda, sendo o custo da reparação avaliado pelo perito da demandada no valor de 1.857,23€, quantia que a demandante despendeu com a reparação conforme fatura que junta. Para efetuar a reparação o veículo esteve parado 4 dias úteis, sendo 1 da realização da peritagem e os outros 3 da reparação. Em consequência dessa privação, no mesmo nesse período, a demandante sofreu prejuízo nunca inferior a 400€, pois fazia em média 100€/dia. Conclui pedindo que seja a demandada condenada a pagar a quantia de 2.257,23€, acrescida dos juros de mora, comerciais, desde a citação, até efetivo pagamento. Junta 5 documentos.

MATÉRIA: Ação de responsabilidade civil extra contratual, art.º 9, n.º 1, alínea H) da L.J.P.

OBJETO: Sinistro estradal, responsabilidade e danos materiais.

VALOR DA AÇÃO: 2.257,23€ (dois mil duzentos e cinquenta e sete euros e vinte e três cêntimos).

A demandada, Companhia de Seguros X, S.A., NIPC. ..., com sede na rua … em Lisboa, representada por mandatária constituída.

Contestação: Alega em suma que, segurava, ao tempo do acidente dos autos, a sociedade Y., Lda., pelos danos a terceiros emergentes da circulação do veículo BI, conforme apólice de seguro n.º 2..., que junta. A segurada não participou o acidente, do qual só teve conhecimento pela Antral. Assim, ignora se ocorreu o acidente, e se dele resultaram as consequências que no r.i. são relatadas, impugnando-se os factos e documentos juntos. Conclui pela improcedência a ação, com a devida absolvição. Junta 1 documento.

TRAMITAÇÃO:

Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa expressa da demandante.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da LJ.P., sem acordo das partes, seguindo-se para produção de prova com audição de testemunhas, e terminando com breves alegações, conforme ata de fls. 67 a 69.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS PROVADOS:

1) A 10/06/2015 a demandante era proprietária do veículo ligeiro de passageiro com a matrícula PG, licenciado para o serviço de táxis na praça de Lisboa.

2) Nessa mesma data o proprietário do veículo BI, transferira para a demandada a responsabilidade civil pelos danos causado a terceiros, pela apólice n.º 1....

3) A 10/06/2016 ocorreu um acidente de viação, no qual intervieram os veículos da demandante e o segurado na demandada.

4) Cerca das 20h e 10m, o táxi da demandante circulava, em frente á churrasqueira …, em Lisboa.

5)E fazia-o pela na faixa mais á direita, das várias que ali se encontram, atento o seu sentido de marcha.

6)Sensivelmente em frente á dita churrasqueira, foi o táxi da demandante embatido pelo veículo seguro na demandada.

7)O veículo seguro na demandada era uma carrinha de caixa aberta, que também circulava no mesmo sentido e direção.

8)Este ao encetar a manobra de ultrapassagem ao táxi foi-lhe embater.

9) Invadindo a faixa de rodagem por onde circulava o táxi, embatendo-lhe em toda a parte lateral esquerda.

10) Após causar o acidente, o condutor do veiculo BI prosseguiu a sua marcha.

11) Tendo o motorista do táxi seguido no seu alcanço.

12)Conseguindo aborda-lo, junto às bombas.

13)Os condutores dos veículos falaram entre si.

14) Em consequência da colisão, o veículo da demandante sofreu danos, em toda a parte lateral esquerda.

15) Sendo o custo da reparação avaliado pelo perito da demandada no valor de 1.857,23€.

16)Tendo a demandante despendido a quantia de 1.857,23€, a com a reparação, documento 5, a fls. 14.

17) Para efetuar a reparação o veículo esteve parado 4 dias úteis.

18) Sendo 3 dias úteis para reparação, documento 4, a fls. 13.

19) E, sendo 1 dia da realização da peritagem e orçamento.

20)O táxi fazia em média líquidos 100€/dia.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal fundamenta a decisão na análise critica dos documentos juntos pelo demandante, os quais foram conjugados com a prova testemunhal, regras de repartição do ónus da prova e da experiência comum.

A testemunha, NL, estava no local onde os factos ocorreram, tendo presenciado o sinistro, conforme relatou. O seu depoimento foi considerado esclarecedor, claro e totalmente isento. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14.

A testemunha, JM, é motorista profissional de táxi, e o seu conhecimento advém somente da sua experiência na área, já que não assistiu ao sinistro. Auxiliou na prova do facto 20.

Os factos 4, 12 e 13 foram apenas parcialmente provados, pois o condutor do BI após o acidente encaminhou-se para a segunda circular, em vez do local referido no r.i, e foi nas bombas de combustível que aí se encontram, mas que não são da B.P., que a testemunha viu os condutores dos veículos a trocarem palavras. Contudo, não conseguiu ouvir o que disseram. Foi no momento em que se aproximou deles, que o condutor do BI voltou a fugir, pelo que a testemunha que que assistiu aos factos se prontificou auxiliar, facultando ao condutor de táxi o seu número de telemóvel. Descrição esta que mereceu credibilidade.

O facto n.º 1 resulta dos documentos 1 e 2 juntos de fls. 7 a 10.

O facto n.º 2 resulta dos documentos 3, de fls. 11 e 12, conjugado com o documento junto com a contestação.

O facto n.º 3 resulta do documento 3, de fls. 11 e 12, conjugado com o depoimento da testemunha, NL.

II- DO DIREITO:

O caso em análise prende-se com a ocorrência de um sinistro, envolvendo dois veículos ligeiros, situação regulada pelo 483 e sgs do C.C. e pelo C. da Estrada.

Está em causa a responsabilidade pelo sinistro, e o pedido de privação do uso da viatura, propriedade da demandante.

O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o consignado no artigo 483° do C.C. segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no art.º 487, nº1, do C.C.

Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478.

De acordo com o art.º 14 n.º 1 e 2 do C.E., dentro das localidades, os condutores devem utilizar a via de trânsito mais conveniente ao seu destino, só lhes sendo permitido mudar para outra faixa de rodagem, depois de tomarem as devidas precauções, para ultrapassar, mudar de direção, parar ou estacionar.

Dispõe, ainda, o art.º 15 do C.E. que sempre que exista mais do que uma fila de trânsito no mesmo sentido, os veículos, devido á intensidade da circulação, ocupem toda a largura da faixa de rodagem, destinada a esse sentido, estando a velocidade de cada um dependente da marcha do precedente, os condutores não podem sair da respetiva fila para outra mais á direita, salvo para mudar de direção, parar ou estacionar.

Acrescenta-se no art.º 18 do C.E que o condutor de um veículo em marcha deve manter a distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitem na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto.

Por sua vez o art.º 35 do C.E estabelece um princípio geral que só se pode efetuar manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, em local e por forma a que, da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.

E, acrescenta o art.º 38, n.º2 do C.C. que o condutor não deve efetuar a manobra, sem se certificar que não põe em perigo os veículos que transitem no mesmo sentido ou em sentido contrário.

Conforme resulta dos factos provados, o sinistro ocorreu ao fim do dia, tendo em consideração a altura do ano em que ocorreu, cerca das 20 horas, em frente á churrasqueira, sita em Lisboa.

O local em causa possui várias hemifaixas de rodagem, encontrando-se o veículo da demandante, o qual é um táxi, na hemifaixa mais á direita da via, atento o sentido de trânsito em que seguia Campo Grande norte- Av. Padre Cruz.

Atrás deste seguia o veículo BI, o qual é um veículo comercial ligeiro, conforme resulta da apólice, a fls. 24, vulgarmente identificado como uma carrinha com caixa aberta, que estava na altura em que ocorreu o sinistro segurado na demandada.

Acrescenta-se que neste local existem sinais verticais luminosos, conforme a testemunha que presenciou os factos relatou, estando os veículos aí parados por força da luz vermelha, qual passou a verde e os veículos reiniciaram a respetiva marcha.

Entretanto, o veículo BI faz uma manobra para ultrapassar o táxi, mas encosta-se demais á esquerda deste, invadindo a hemifaixa de rodagem onde se encontrava o táxi a circular. Sucede que a referida carrinha possui um gancho metálico na zona da caixa, o qual no momento em que passa pelo taxi ficou preso ao espelho daquele táxi, puxando-o, o que faz com que embatesse em toda a zona lateral do lado esquerdo daquele, danificando-o em toda a extensão.

E terá sido da forma supra descrita que ocorreu o sinistro.

Na realidade, antes de efetuar qualquer manobra, o condutor do veículo BI devia primeiramente verificar se a podia fazer com segurança, e só depois deve executa-la no espaço visível e o mais rapidamente possível, para evitar constrangimentos á circulação da via.

Da forma supra descrita o condutor do BI violou as disposições dos art.º 14, 18, n.º 2, 35, 38, n.º 1 todas do C.E., sendo por isso o único responsável pelo sinistro, que ocorreu por sua exclusiva culpa.

Por este motivo constitui-se na obrigação de reparar os danos sofridos pela demandante, mas que por força do contrato de seguro tal obrigação foi transferida para a demandada.

Na sequência da denuncia do acidente, foi realizado pela demandada peritagem ao veículo da demandante, junta a fls.13, constatando que se encontrava danificado ao longo da zona lateral esquerda.

Danos que foram orçados no valor de 1.857,23€, no que se inclui mão de obra, pintura e peças.

Tendo em consideração que a demandada não assumiu a responsabilidade pelo sinistro, devido á falta de comunicação da ocorrência pelo seu segurado conforme admitiu, foi a demandante como que obrigada, ás suas expensas, a reparar o seu veículo, uma vez que o mesmo é um veículo de trabalho, e sem o qual perde receitas, o que decorre da experiência comum.

Assim, procedeu ao pagamento da reparação do respetivo veículo, conforme documento 5, que juntou a fls. 14, pelo que deve a demandada ressarci-la de tal despesa (art.º 562 do C.C.).

Requer, ainda, a demandante, o pagamento de 400€ a título de paralisação do veículo, táxi.

Um veículo automóvel é atualmente um bem essencial e utilitário para a deslocação do comum dos cidadãos, proporcionando a quem o utiliza evidentes vantagens de comodidade e rapidez nas viagens de trabalho ou de lazer, tendo assim frequentemente um elevado valor de uso.

Quanto ao pedido de indemnização, nos casos de imobilização de um veículo em consequência de um acidente de viação, podem decorrer dois tipos de danos, os danos emergentes, derivados da utilização, mais onerosa, de um meio de transporte alternativo, designadamente o aluguer de outro veículo; e os lucros cessantes, em consequência da perda de rendimento que o veículo acidentado propiciava, como no caso de um táxi ou outro veículo utilizado em transportes públicos ou de carga.

No caso concreto, estamos face a um caso de lucros cessantes, pois trata-se de veículo automóvel de uma empresa, a demandante, o qual é utilizado como instrumento de trabalho, desempenhando o exercício de uma atividade lucrativa. Assim, o prejuízo material decorre da simples privação do uso, independentemente da utilização que, em concreto, seria dada ao veículo no período de imobilização, mesmo que o veículo seja substituído por outro, de reserva.

Não obstante, foi provado que o mesmo esteve 4 dias imobilizado, sendo 3 para procederem á sua reparação, e outro dia para avaliação e procederem á elaboração do orçamento, sendo que estes dias de imobilização apenas sucederam devido ao acidente sofreu (art.º 563 do C.C.).

Foi, igualmente, provado que na época, ano de 2016, havia mais serviços de táxis, pois não havia tanta concorrência “desleal” de veículos que fazem o mesmo tipo de serviço-transporte de passageiros-, mas não tem as mesmas despesas fixas, pelo que em média, tirando já os gastos com gasóleo tirariam um lucro diário de 100€.

Assim, conclui-se que face aos dias de imobilização a demandante deixou de obter 400€, os quais são os lucros que deixou de obter em consequência do sinistro, e no qual a demandada também vai condenada.

Quanto aos juros peticionados, como decorrem de um acidente, constitui-se em mora desde a data da citação (art.º 805, n.º 3 do C.C.), sendo devido os juros comerciais, por força do art.º 806, n.º 2 do C.C., uma vez que a demandante é uma sociedade comercial, a calcular até efetivo cumprimento da obrigação.

DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se a ação procedente, por provada, condenando-se a demandada a proceder ao pagamento da quantia de 2.257,23€, acrescida dos juros comerciais, até efetivo cumprimento.

CUSTAS:

Tendo em consideração a decisão proferida, são da responsabilidade da demandada, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias, sob pena de aplicação da sobretaxa diária no valor de 10€ (dez euros).

Em relação ao demandante proceda-se conforme art.º 9 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12.

Proferida e notificada nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P.

Envie-se cópia á demandada.

Lisboa, 26 de julho de 2018

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º 5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)