Sentença de Julgado de Paz
Processo: 775/2014-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS POR EMBATE NA PORTA DE VIDRO
Data da sentença: 11/13/2014
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença
(n.º 1, do art. 26º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).

Processo n.º 775/2014-JP

Matéria: Responsabilidade Civil.
(alínea h) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).
Objecto: Pedido de indemnização pelos danos causados por embate na porta de vidro de estabelecimento comercial, aquando da saída do mesmo.
Valor da acção: € 5.000 (cinco mil euros).

Demandante: A, NIF ---------------, residente na Rua -------------- São João Lampas.
Mandatário: Dr B, com domicílio profissional na Av.ª ------------------------Lisboa.

Demandado: C, Lda, NIPC -----------, com sede na Av.ª --------------------- Lisboa.
Mandatário: Dra. D, com domicílio profissional na Av.ª ------------------------ Lisboa.

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 10.
Pedido: Fls. 9.
Junta: 5 documentos e 5 fotografias.
Contestação: Fls. 40 a 48.
Tramitação:
As partes recusaram a mediação pelo que foi marcada audiência de julgamento 14 de outubro de 2014, pelas 14h, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito. Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 67 a 70.
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Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – A demandada C, Ld.ª é um estabelecimento de atendimento público que se dedica à atividade de pastelaria, snack – bar e restauração, sito na Av.ª E, n.º 12 (admitido);
2 – A demandante frequenta este estabelecimento diariamente, de manhã e à hora do almoço, há cerca de quatro anos (afirmado pela testemunha F);
3 – Á saída do estabelecimento existe uma porta de vidro, encaixado numa estrutura de madeira escura, antes da porta que dá acesso à Rua, que serve de corta – vento e preserva a temperatura do interior do ar condicionado, quente ou fria consoante a época do ano (afirmado pelo representante da demandada em audiência e confirmado pelas testemunhas apresentadas pela demandada;
4 – A porta foi lá colocada no final de junho princípio de julho, tem um puxador metálico prateado com cerca de 30cm, colocado mais ou menos a meio da porta (a testemunha F indicou a altura do seu ombro estando sentado);
5 – No dia 07 de novembro de 2013, a demandante tomou o pequeno - almoço ao balcão, disse ao funcionário que estava com pressa porque tinha o carro mal estacionado (afirmado pela testemunha G, funcionário da demandada que a atendeu ao balcão);
6 – Alguém alertou dentro da pastelaria que a EMEL estava lá fora a multar os carros;
7 – Ao ouvir esta afirmação a demandante saiu disparada em direcção à rua;
8 – Ao mesmo tempo ouviu-se o estrondo feito pela pancada que a demandante deu na porta (afirmado pelas testemunhas apresentadas pela demandada) ;
9 – O funcionário F ainda foi lá fora para falar aos fiscais mas “os fiscais da EMEL já tinham posto as sapatas amarelas” (afirmado pelo próprio);
10 - Os fiscais retiraram os bloqueadores, mas o veículo da demandada foi multado (multa confirmada pela testemunha H);
11 – Da pancada que a demandante deu com a cara na porta resultou a “fratura de ossos próprios do nariz” (cfr. doc 1, fls. 11, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
12 – A demandante foi socorrida no local por uma cliente e um funcionário; -
13 – A demandante pediu ajuda a uma colega de trabalho e à chefe de ambas;
14 – A perda de sangue e as dores revelaram necessidade de ir ao hospital, tendo sido transportada por uma colega ao Hospital Cuf Infante Santo, onde foi sujeita a cirurgia e a tratamentos (doc. 1, fls. 11, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido);
15 – Após a cirurgia foi colocada uma tala externa (cfr. doc de fls. 16, fotos da demandante pós cirurgia);
16 – A demandante sofreu dores e dificuldades de respirar devido aos tampões de gaze colocados no nariz (cfr. doc de fls. 16);
17 – A demandante durante a convalescença ficou limitada nas suas tarefas diárias e apoio às filhas, à época com 12 e 7 anos (afirmado pela testemunha I, irmã da demandante);
18 – Em 29 de Setembro de 2014 a demandante foi submetida a segunda cirurgia para corrigir uma deformidade resultante da primeira (cfr. fls. 62);
19 – Até àquela data não tinha ocorrido nenhum acidente com a porta, sendo esta comandada pelos clientes que a abrem e fecham.
20 – A porta em causa é uma porta comum, igual à porta de entrada neste julgado de paz (afirmado em audiência pelo representante legal da demandada, descrição não negada ou contraditada pela demandante ).
Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual e nos depoimentos das testemunhas apresentadas, conforme referido nos respectivos factos.
Do Direito.
Na presente acção está em causa saber se a demandada Pastelaria Snack Bar Baloiço 2, Lda, pode ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização peticionada pela demandante, pelos danos que esta sofreu em consequência de ter batido com a cara na porta de vidro colocada à saída do estabelecimento para o proteger do frio ou calor com o abrir e fechar da porta da Rua. Para tanto, a primeira questão a analisar é se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da demandada, nos termos do artigo 483.º nº1 do C.C.. O direito substantivo consagra o princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos, estatuindo no referido preceito legal que aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Como se sabe, nesta matéria, os pressupostos que habilitam a essa responsabilização cifram-se na violação de um direito ou de interesses alheios, na ilicitude, na imputação do facto ao agente, na existência do dano e no nexo de causalidade entre o facto e o dano. Assim, para que o fundamento da responsabilidade possa ser invocado, é preciso que a norma em causa vise directamente a protecção do interesse do lesado e, além disso, que o dano se produza no bem jurídico que aquela norma pretendia justamente proteger. Alega a demandante que a demandada violou normas decorrentes do DL n.º 441/91, de 14 de novembro, normativo que não tem aplicação ao caso concreto, pelas razões explanadas na contestação, nos pontos 9.º e 10.º, a que aderimos e consideramos aqui integralmente reproduzidos. Em concreto, sustenta a demandante que a porta não estava devidamente sinalizada e que foi a falta de sinalização que causou acidente, residindo aqui o nexo de causalidade. Quanto à sinalização, verifica-se que a porta vidro em causa (de acordo com a descrição feita pelo representante da demandada em audiência é igual à porta de entrada neste julgado de paz, e a demandante não negou), é uma porta comum, usada em inúmeros estabelecimentos, centros comerciais, dependências bancárias, na grande maioria dos casos apenas com um puxador, porta que a demandante há meses transpunha quase todos os dias, senão mesmo todos os dias, quer para entrar quer para sair do estabelecimento. Assim, dado que até então nenhum acidente ocorreu, é de concluir que a porta era perfeitamente detetável, sem necessidade de colocação de quaisquer elementos sinalizadores, não podendo concluir-se pela violação de dever algum por parte da demandada em colocar qualquer elemento sinalizador da porta e que porventura não tivesse sido cumprida. Por outro lado, de quando em vez há quem ande mais distraído e dê uma cabeçada nessas portas de vidro. Contudo, as consequências não passam do típico “galo”. Até porque, nestas circunstâncias, quando se caminha em direcção a uma porta, de vidro ou de qualquer outro material, sem atentar na existência da mesma, quase sempre é a ponta do pé que “chega” primeiro. Ora, a apreciação do nexo de imputação, e nexo de causalidade, exprime-se através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito. Essa apreciação da culpa, na falta de outro critério legal, afere-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, por força do princípio consagrado no art.º 487º, nº 2, do CCivil. Não consideramos provados quaisquer factos que permitam concluir por qualquer juízo de censura relativamente à demandada. O que resulta dos factos provados, e da descrição feita pelas testemunhas que estavam no local, é que a demandante saiu disparada em direção à rua, projetando-se sobre a porta com uma violência absolutamente anormal; tão anormal que teve as consequências também absolutamente anormais: fratura dos ossos do nariz. Ora, o nexo de causalidade está no desnorte com que a demandante saiu do estabelecimento, de forma absolutamente anormal. Aqui sim, há uma conduta pessoal negligente mas da demandante, que não saiu do estabelecimento da forma esperada por uma pessoa de normal diligência, não podendo proceder a sua pretensão.
O Julgado de Paz é competente, não foram suscitadas quaisquer excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação improcedente por não provada e em consequência fica a demandada absolvida do pedido.
Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, custas pela demandante, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação à demandada.
Julgado de Paz de Lisboa, em 13 de novembro de 2014
A Juíza de Paz
Maria Judite Matias