Sentença de Julgado de Paz
Processo: 891/2016-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESOLUÇÃO CONTRATUAL - AVARIA EM COMPUTADOR
Data da sentença: 08/03/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:
Sentença

Processo n.º 891/2016–JP
Matéria: Resolução contratual.
(alínea h) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).
Objeto: Avaria em computador.
Valor da ação: €239,90 (duzentos e tinta e nove euros, noventa cêntimos)

Demandante: A, residente na Av. x, n.º x-x, x xxxx-xxx Lisboa
Demandado: B Lda, sita na Rua x, n.º x, xxxx-xxx Lisboa
Mandatário: Dr. C, advogado, com domicílio profissional na Av.ª x, n.º x, Escritório n.º x, xxxx – xxx Leiria.

Do requerimento inicial: de fls.1 a fls.5.
Pedido: fls. 5.
Junta: 4 documentos.
Contestação: A fls. 15 e segs.
Tramitação:
Foi realizada mediação não tendo as partes logrado obtenção de acordo suscetível de pôr fim ao litígio.
Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme ata de fls. 55 a 58.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – Em 19 de novembro de 2015 a demandante adquiriu por compra à demandada, na sua loja sita na Rua x, n.º x, em Lisboa, um computador portátil da marca e modelo Asus Transformer Book 10.1 T100TAF-BING-DK024B, pelo preço de €239,90 (cfr. doc.1);
2 – Em dezembro de 2015 o computador revelou uma anomalia no funcionamento, tendo deixado de ligar (admitido);
3 – A demandante entregou o computador à demandada para reparação tendo o mesmo sido devolvido reparado cerca de três semanas após (doc. 2, fls. 7 dos autos); 4 – Em 12 de abril de 2016 a demandante deslocou-se à loja da demandada queixando-se que o computador não ligava, fizeram um despiste constando que o computador estava bloqueado e por isso não recebia carga, tendo a demandante levado o computador consigo;
5 – Em 14 de abril de 2016 a demandante voltou à loja, solicitou a resolução do contrato alegando que o computador tinha estado ligado dois dias e continuava sem ligar (cfr. doc. 3, fls. 8).
Factos não provados.
Consideram-se não provados os factos não consignados.
Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respetivos factos, no depoimento da demandante que se teve em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual, e fundamentalmente no admitido pelas partes não se verificando contradição no relato factual das ocorrências descritas pela demandante. Com efeito a demandada admite a primeira avaria e a reparação da mesma. Porém, não admite a demandada a alegada segunda avaria, argumentando que a demandante não permitiu que o computador fosse enviado para o reparador oficial a fim de constatar se havia ou não avaria, sustentando que até hoje não o pode fazer.

Questão prévia.
Da alegada incompetência territorial do julgado de paz.
Nos presentes autos pretende a demandante que se declare resolvido o contrato de compra e venda celebrado com a demandada, ao abrigo da lei do consumidor, com fundamento em defeito do objeto do contrato.
A demandada apresentou contestação, na qual, além do mais, suscita a exceção de incompetência territorial. Para tanto, alega que a demandada é uma pessoa coletiva, com sede no concelho de Leiria, e por isso fora da competência territorial do julgado de paz de Lisboa, a qual se circunscreve a este concelho.

Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o nº 1 do artigo 4º, nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante LJP, que “Os julgados de paz podem ser concelhios, de agrupamentos de concelhos contíguos, de freguesia ou de agrupamentos de freguesias contíguas do mesmo concelho”. O Julgado de Paz de Lisboa tem jurisdição em todas as freguesias deste concelho, mas apenas neste concelho, conforme DL. N.º 140/2003 de 02 de julho.
A competência territorial dos julgados de paz é igualmente determinada pela LJP. No caso das ações em que a parte demandada seja uma pessoa coletiva, estabelece o artigo 14.º da LJP, que o tribunal competente é o da “sede da administração principal ou a sede da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a ação seja dirigida contra aquela ou contra estas”. Ora, no litígio em apreço, estamos perante uma parte demandada que é uma pessoa coletiva, com sede no concelho de Leiria conforme atesta o RNPC (fls. 48 e segs.). Porém, além de não resultar da mesma que é esta “a sede da administração principal”, resulta do doc. 1, fatura relativa ao pagamento, que a demandada opera no mercado através de duas lojas, uma em Leiria na morada correspondente com a indicada sede, outra no concelho do Porto e outra no concelho de Lisboa. Ora, de acordo com as declarações da demandada em audiência, aquando da reclamação da avaria do computador constatada em dezembro de 2015, a reclamação foi apresentada na loja de Lisboa, local da compra, que a aceitou e enviou o computador para reparação, revelando autonomia bastante para o fazer, sem necessitar da intervenção da “administração principal”. Assim, a demandante intentou a ação contra a loja que a demandada tem em Lisboa, devendo esta ser considerada, ao menos analogicamente, a uma sucursal, agência, filial, delegação ou representação. Deste modo, considero improcedente a alegada exceção.

Do Direito.
Nos presentes autos vem a demandante pedir que a demandada seja condenada a restituir-lhe a quantia que pagou a título de preço no contrato de compra e venda do computador supra identificado o que juridicamente se reconduz à pretensão de resolução do contrato. Dos factos supra dados por provados resulta que entre demandante e demandada foi celebrado um contrato de compra e venda, previsto e regulado nos artigos 874º e seguintes, do Código Civil, nos termos do qual se transmite a propriedade de uma coisa para o comprador (no caso um computador), emergindo do mesmo direitos e obrigações recíprocas, a saber, a obrigação de entregar a coisa por parte do vendedor e a obrigação de pagar o preço por parte do comprador, conforme prevê o artigo 879.º, do Código Civil. O objeto da compra e venda foi entregue pela demandada à demandante e esta efetuou o pagamento do preço. Esta relação jurídica, atenta a sua natureza e qualidade das partes de consumidor por parte da demandante, tacitamente aceite, porquanto lhe é fornecido um bem destinado a uso pessoal e de vendedora por parte da demandada, que tem por objeto o comércio de bens desta espécie, exerce com caráter profissional uma atividade económica visando com ela a obtenção de benefícios, é enquadrável nos normativos sobre defesa do consumidor, designadamente a Lei nº 24/96, de 31 de Julho, (Lei de Defesa do Consumidor - LDC), alterada pela Lei 85/98, de 16 de Dezembro, Lei 10/2013, de 28 de Janeiro e nos seus artigos 4.º e 12.º, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que transpôs a Diretiva n.º 1999/44/CE, por sua vez alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio, cujos direitos básicos aqui relembramos, começando pelo disposto no art.º 4.º da LDC, na redação dada pelo art.º 13.º do Dec.-Lei n.º 67/2003: os bens destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor; os bens entregues pelo vendedor ao consumidor devem estar conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se que o não estão, designadamente, se não forem conformes com a descrição deles feita pelo vendedor, se não forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, ou se não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (art.º 2.º, n.ºs 1 e 2, als. a), c) e d) do Dec.-Lei 67/2003); qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem é entregue ao consumidor, o vendedor responde perante este, presumindo-se, em princípio, existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (prazo da garantia legal) a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea, como é o caso de um computador, salvo se provar que a mesma não existia no momento da entrega ou for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (cfr. artigo 3º do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril). Verificando-se falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem o direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição. Quer num caso quer noutro, dentro de um prazo razoável máximo de 30 dias, tratando-se de bens móveis (n.º 2 do atigo 4.º do DL 67/2003, na redação dada pelo DL n.º 84/2008). Tem ainda direito à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (arts. 3.º, 4.º e 5.º do DL 67/2003). É hoje unanimemente aceite que, compete ao consumidor, alegar e provar o defeito da coisa, atento o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, isto é, a desconformidade do bem com o contrato, na terminologia do referido D.L. Só a partir de então o consumidor beneficia da presunção de desconformidade estabelecida no artigo 2º, nº 2 do Decreto-Lei nº 67/2003, presunção que beneficia o consumidor na medida em que não tem de provar que a desconformidade era anterior ao ato da compra, mas ao mesmo tempo confere ao vendedor o direito de ilidir essa presunção. Posto é que lhe tenha sido concedida a possibilidade de o fazer. Ocorre que a demandante não logrou provar que o computador tem um defeito.
Com efeito, a demandante alega que o computador esteve dois dias ligado à corrente e ainda assim não carregou. Porém, não logrou provar que efectivamente assim foi, mau grado o relatório de fls. 44 a 47, que entregou já no decurso da audiência, uma vez que não foi confirmado em audiência pelo autor do mesmo. Mas, ainda que se considerasse provado que o computador esteve dois dias ligado e ainda assim não ligou, a verdade é que a demandante ao não disponibilizar o computador à demandada para averiguação da eventual avaria, impediu-a de ilidir a presunção supra referida. Assim, nestas circunstâncias, para além de não ter provado a existência de defeito, a sua pretensão de resolução contratual ao abrigo da lei do consumidor também não poderia deixar de ser considerada uma situação de abuso de direito, conforme previsto no n.º 5 do supra referido artigo 4.º, o qual remete para o abuso de direito nos termos gerais, ou seja nos termos em que a proibição do abuso de direito está consagrada no artigo 334º do Código Civil.

Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação improcedente por não provada e em consequência fica a demandada absolvida do pedido.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero custas pela demandante, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação à demandada.

Julgado de Paz de Lisboa, em 04 de maio de 2017
A Juíza de Paz
Maria Judite Matias
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Processo n.º 891/2016–JP
Matéria: Resolução contratual.
Objeto: Avaria em computador.
Valor da ação: €239,90 (duzentos e tinta e nove euros, noventa cêntimos)
Demandante: A, residente na Av. x, n.º x-x, x xxxx-xxx Lisboa
Demandado: B, Lda, sita na Rua x, n.º x, xxxx-xxx Lisboa
Mandatário: Dr. C, advogado, com domicílio profissional na Av.ª x, n.º x, Escritório n.º x, xxxx – xxx Leiria.
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Nos presentes autos foi proferida sentença em 04 de maio de 2017, a fls. 201 a 206, tendo a demandante, em 12 de junho de 2017, a fls. 211 a 215, requerido a sua reforma alegando nulidade da mesma. Foi notificada a parte demandada, que se pronunciou em 30 de junho de 2017, a fls. 219 a 221, pugnando pela manutenção do decidido.
Alega a requerente que a sentença é nula pelas seguintes razões:
1 - Por se verificar a situação prevista na alínea c), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, no qual se estabelece a nulidade da sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”;
2 – Porque se verifica na mesma as previsões das alíneas a) e b), do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, que estabelecem a nulidade da sentença caso tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; ou se constarem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Reapreciados os autos, adiantamos já, que não há qualquer oposição entre a decisão e os seus fundamentos, não há qualquer ambiguidade ou obscuridade sendo a mesma inteligível por qualquer homem médio, nem se constata qualquer das causas de nulidade previstas no n.º 2 do artigo 616.º do CPC.
Em primeiro lugar lamentamos que a demandante não tenha podido comparecer à sessão da audiência agendada para o dia 27 de abril de 2017, pelas 14h, para leitura de sentença, diligência que permite ao juiz explicar às partes todo o teor da sentença. Assim, ao arrepio do princípio da proximidade, cabe agora essa explicação, na forma de resposta à reclamação e pedido de reforma da sentença.
Vejamos.
Resultam dos factos provados dois episódios distintos.
O primeiro episódio, ponto 2 dos factos provados, que ocorreu em dezembro de 2015, relatado no ponto 3.º do requerimento inicial alude a uma “desconformidade”/”defeito”, que se manifestou no facto do computador não ligar e que a demandada reparou;
O segundo episódio ocorreu em abril de 2016, consta do ponto 4 dos factos provados. A demandante queixou-se que o computador não recebia carga, o funcionário fez o despiste, constatou que o computador não recebia carga porque estava bloqueado, e por isso após o despiste a demandante levou o computador. Episódio a que a demandante alude no ponto 8 do requerimento inicial, numa versão que não foi completamente confirmada pela testemunha D, visado no requerimento inicial e que depôs em audiência. O que este disse em audiência é que constataram que o computador não ligava porque não tinha bateria e não tinha bateria porque estava bloqueado, mas que saiu da loja desbloqueado e com a bateria a carregar. Ou seja, neste episódio não há defeito algum, decorre do mesmo que houve dificuldades do demandante em operar o equipamento mas saiu da loja, no dia 12 de abril de 2016, com o computador a carregar. A partir deste momento não há mais episódio algum. O que aconteceu foi que dois dias depois, em 14 de abril de 2016, a demandante foi à loja, sem o computador, alegando que o mesmo continuava sem ligar. Porém, não provou que o computador não ligava. É este o defeito, ou desconformidade que lhe cabia provar e não provou. Ou seja, entre o dia 12 e o dia 14 de abril de 2016 não se sabe o que ocorreu e se ocorreu o que quer que seja porque a demandante nada provou. Repete-se para que não restem dúvidas: Alega a demandante que no “dia 14 de abril de 2016 o computador não ligava”, mas não provou que assim era. Ou seja, não provou o defeito ou desconformidade. Quanto ao mais, reitera-se tudo quanto consta da sentença.

Julgado de paz de Lisboa, em 03 de agosto de 2017
A juíza de paz
Maria Judite Matias