Sentença de Julgado de Paz
Processo: 235/2016-JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
CONFISSÃO TÁCITA
DIREITO DE CRÉDITO
Data da sentença: 05/30/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

II - OBJETO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra o Demandado a presente ação declarativa, enquadrada na al. i) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 228,05 (duzentos e vinte e nove euros e cinco cêntimos), pelos serviços prestados e não pagos.

Na impossibilidade de citar o Demandado e dada a inexistência de representante do Ministério Público, foi nomeada, de acordo com o disposto no Art. 21º do Código de Processo Civil (CPC), a Ilustre Advogada “C” para exercer a função de Defensora Oficiosa, tendo contestado os factos alegados no RI e arguido a prescrição do direito, a fls. 53 a 55, além de ter estado presente na audiência de julgamento, conforme consta na respetiva ata.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer, para além da que infra se analisará.

Valor da ação: € 228,05 (duzentos e vinte e nove euros e cinco cêntimos)

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
FACTOS PROVADOS:
A. A Demandante dedica-se à manutenção e reparação de veículos automóveis;
B. O Demandado solicitou serviços à Demandante, pelo valor de € 278,05, conforme fatura de fls. 3, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido e provado;
C. A 26.11.2007, o Demandado procedeu ao abatimento parcial da fatura (no valor de € 50,00);
D. Ficando por liquidar o valor de € 228,05 (duzentos e vinte e nove euros e cinco cêntimos).

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
Os factos provados resultaram da confissão tácita da dívida do Demandado porquanto praticou, em juízo, atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, de acordo com o Art. 314º do CC.
Na verdade, ao ter invocado que o direito de crédito da Demandante já prescreveu pelo decurso de dois anos sobre a data de realização do contrato, à luz do Art. 317º do CC, sem ter alegado que pagou, é irrefutável que revelou um comportamento juridicamente incoerente e que terá como consequência a confissão tácita da dívida.

IV - O DIREITO
Questão Prévia: da prescrição do direito de crédito
Veio a Demandada invocar, em sede de contestação, que o direito de crédito da Demandante, relativamente ao contrato de prestação de serviços identificado nos itens B e C dos Factos Provados, já prescreveu de acordo com o Art. 317º do Código Civil (CC). Cumpre apreciar e decidir:
Importa aferir se a invocada exceção perentória, que exorbita o conhecimento oficioso do Tribunal, é procedente ou não.
A prescrição prevista na al. b) do Art. 317º do CC dispõe que prescrevem no prazo de dois anos “Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor” (sublinhado nosso).
Tal prescrição funda-se na presunção de cumprimento, referindo-se a dívidas, geralmente, pagas em prazo curto e de que, normalmente, se não exige ou guarda recibo – tal como estabelece o Art.º 312º do CC.
Decorrido o prazo legal, neste caso, dois anos, presume-se que o pagamento foi efetuado e daí que o devedor fique dispensado da sua prova, dado que, em virtude das razões expostas, isso poderia tornar-se-lhe difícil, desenhando-se, assim, uma situação de grave risco para o mesmo, que poderia ver-se obrigado a pagar duas vezes.
Referem, neste contexto, Antunes Varela e Pires de Lima, in anotação ao Art.º 314º, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, p. 283 que “é incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado, por exemplo, a existência da dívida, ter discutido o seu montante, ter invocado uma compensação, ter invocado a gratuitidade dos serviços, etc.”
Por outro lado, ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, ou seja, a prescrição extintiva, a lei admite em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante prova da dívida. Na verdade, tal presunção pode ser ilidida por confissão expressa ou tácita do não pagamento – cfr. Art.ºs 312º e 314º do já referido diploma legal - não ficando senão lugar para a prescrição ordinária, decorrido o prazo desta, podendo o devedor valer-se da exceção da prescrição, sem que releve o reconhecimento produzido de acordo com os preceitos anteriores (Neste sentido, Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição, p. 1052.).

Ao demais, se a prescrição é extintiva, o devedor não necessita de alegar que nunca deveu ou que já pagou, bastando-lhe invocar o decurso do prazo. Pode até confessar que não pagou e, simultaneamente, opor a prescrição. Mas, isto é assim, porque a prescrição ordinária tem fundamento na negligência do titular do direito em exercer este durante o tempo indicado na lei.
Se a prescrição é apenas presuntiva, tal como sucede nos autos, o devedor só pode beneficiar dela desde que alegue que pagou (Ac. Relação de Coimbra, de 17.11.1998, in CJ, Ano XXIII, 1998, Tomo V, p. 16 e segs.), ou que, por outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo (sublinhado nosso).
Porém, a invocação de prescrição presuntiva supõe o reconhecimento de que a dívida existiu na medida em que, para poder beneficiar de prescrição presuntiva, o Demandado não deve negar os factos constitutivos do direito de crédito contra ela arguidos. Caso contrário, tal como preceitua a parte final do Art.º 314º, do C. C., o Demandado entraria em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento – cfr. Ac. STJ de 22.04.2004, in www.dgsi.pt.)

O que é sinónimo de dizer que, para poder invocar coerentemente a prescrição presuntiva, o Demandado devia ter alegado que efetivamente deve a quantia que lhe é peticionada, mas que já pagou, o que não o fez.
Logo, não será de aplicar a prescrição presuntiva atrás mencionada, porquanto da defesa do Demandado resultou uma confissão tácita na medida em que, apesar de ter arguido a prescrição do direito da Demandante, não alegou que pagou, motivo pelo qual praticou, em juízo, atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, de acordo com o Art. 314º do CC.
Pelo exposto, considera-se confessada a dívida pelo Demandado, devendo o mesmo efetuar o pagamento da quantia em dívida, dando-se, assim, cobertura legal ao peticionado pela Demandante.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo totalmente procedente a presente ação e, por consequência, condeno o Demandado a pagar à Demandante a quantia de € 228,05 (duzentos e vinte e nove euros e cinco cêntimos).

Custas pela parte vencida, a ora Demandada, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro, sem prejuízo de ser beneficiária do direito de isenção de custas à luz do Art. 4º, al. l) do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) conjugado com o Art. 10º, n.º 1 do CC.

Quanto ao Demandante, proceda-se ao reembolso de €35,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
Registe e notifique.

Mais notifique o Ministério Publico, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, do teor da sentença, de acordo com o n.º 3 do Art. 60º da LJP.

Coimbra, 30 de Maio de 2018


A Juíza de Paz,

_________________
Daniela Santos Costa