Sentença de Julgado de Paz
Processo: 122/2018-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM/DIVISÃO DE PRÉDIO POR USUCAPIÃO
Data da sentença: 01/31/2019
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Processo n.º 122/2018-J.P.CBR

RELATÓRIO:

A demandante, M., NIF. …, residente na Rua…, São Silvestre; representada por mandatária constituída.

Requerimento Inicial: Alega em suma que o prédio rústico inscrito na matriz com o número 0000, sito no …, que proveio do artigo 0º, da extinta freguesia de …, foi pertença de J. Na caderneta predial, o referido prédio rústico configura uma terra de cultura com 26 oliveiras e vinha, com a área total de 0,931000 hectares, o referido prédio encontra-se registado, na 1.º Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob a descrição n.º 123, e embora, a área que consta da matriz seja de 9.310 m2, efetivamente, o terreno tem a área de 8.734,90 m2, conforme levantamento topográfico que se anexa, sendo a diferença dos 9.310 m2 para os 8.734,90 m2, se deve ao facto de ter sido necessário dar área do terreno, para o alargamento da estrada pública, por força de infraestruturas necessárias. O J. e a MC. tiveram 7 filhos, tendo 4 deles ficado com este prédio, a saber: V., I., MCC. e A. Os referidos J. e a MC., titulares originários do prédio rústico supra descrito, faleceram, em consequência, foi aquele prédio adjudicado aos quatro filhos referidos. Por sua vez, os herdeiros legitimários referidos, também tiveram os seus filhos, a saber: A V., teve a M.; MS. e VT. A I., (já falecida), casada com E., teve 3 filhos: o EC.; CC. e JC. A MCC., teve dois filhos, a MP. e um filho, já falecido. O A. faleceu solteiro, tendo realizado 3 testamentos: 15/07/1983, 06/06/1984 e 10/01/1997. No âmbito da sucessão hereditária de J. e MC., coube a V., a I., a MCC. e ao A., respetivamente, a quota parcelar de ¼, do prédio em causa. Desde a partilha efetuada pelos herdeiros de J. e MC., que o prédio em causa foi objeto de divisão em substância e passou a ser individualmente utilizado por aqueles nos termos definidos no levantamento topográfico que se junta. V., dispôs da sua quota de ¼ doando a mesma à sua filha M. Por sua vez, A. (já falecido), doou, verbalmente, a sua quota à MS., que por sua vez o doou à filha SA. Por morte da MCC., sucedeu-lhe a filha MP., que passou a legítima proprietária e possuidora da quota-parte que anteriormente cabia à sua mãe, a herdeira I., deixou a sua quota-parte, ao seu marido E. e aos filhos já referidos. Resumindo, da sucessão por morte de J. e MC., 1/4 do prédio mãe encontra-se hoje na esfera patrimonial de M.; o outro 1/4 do prédio encontra-se na esfera patrimonial de MP.; o 1/4 do prédio encontra-se na esfera patrimonial de IC. – Cabeça de Casal da Herança; e finalmente o último o 1/4 do prédio encontra-se na esfera patrimonial de SA. Desde a partilha e divisão em substância que o prédio rústico descrito encontra-se assim dividido em quatro parcelas individualizadas. A parcela A, pertencente a M., confronta a Nascente com Estrada Pública/limite da freguesia, a Poente com herdeiros de I., a Norte com R. e a Sul com H., com a área total de 2.548,00 m2; a parcela B, hoje pertencente aos herdeiros de I., confronta a Nascente com M., a Poente com SA., a Norte com Estrada Pública e a Sul com H., com a área total de 1.859,40 m2. A parcela C, atualmente pertencente a SA., confronta a Nascente com herdeiros de I., a Poente com MP., a Norte com Estrada Pública e a Sul com H., com a área total de 2.244 m2. A parcela D, hoje pertencente à demandada, MP., com a área total de 2.083,50 m2, confronta a Nascente com SA., a Poente com AR., a Norte com Estrada Pública e a Sul com H. Encontra-se o terreno descrito devidamente dividido. As partes tratam da respetiva parcela como sua, praticando sobre elas os actos de posse correspondentes ao direito de propriedade sobre as mesmas, o que fazem há mais de 20 anos, de forma pacífica, pública e de boa-fé, na convicção de que as parcelas lhes pertencem, tendo adotado todas as condutas e providências necessárias a fim de promover a sua limpeza e conservação. Assim, tanto a Demandante como os Demandados, passaram a comportar-se como verdadeiros donos das parcelas de terreno, sendo considerados por todos, nomeadamente os vizinhos, que aquele terreno lhes pertencia na sequência da partilha por morte de J. e MC., ficando as partes cientes de que exercem sobre esse terreno, com exclusão de outrem, um direito próprio, como seus proprietários. Cuidando-o e vigiando-o, bem como retirando todos os proveitos e utilidades que o mesmo proporciona, praticando todos os proveitos, praticando os atos normais e defesa e conservação da propriedade, respeitando as suas divisórias, tudo isto, vêm fazendo por si, sem oposição, na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo. Assumindo a concreta e efetiva divisão, as características necessárias para se afirmar que, nos termos do instituto da usucapião, é merecedora de tutela jurídica. Inexiste impedimento legal, que obste à divisão do prédio, na medida em que ocorreu nos tempos idos de 1989, encontrando-se os terrenos delimitados por marcos. A divisão substancial do prédio opera há mais de 20 anos, de forma pública, pacífica e de boa-fé, nos termos do disposto nos artigos 1259.º e seguintes do C.C., pelo que deve ser criado novo artigo matricial para a parcela A, ou seja, deve ser inscrito na matriz predial um artigo relativo ao prédio rústico correspondente à parcela A descrita, do qual conste como titular M., com a área total de 2.548 m2, confrontando a Nascente com Estrada Pública/limite da freguesia, a Poente com herdeiros de I., a Norte com R. e a Sul com H. Conclui pedindo que: A) reconhecer que o prédio rústico designado no levantamento topográfico como parcela A, sito no …, com a área total de 2.548 m2, que confronta a Nascente com Estrada Pública/limite da freguesia, a Poente com herdeiros de I., a Norte com R. e a Sul com H., é autónomo, cessando, por via disso, a compropriedade; B) Ser a demandante M., declarada exclusiva proprietária da parcela A.; C) Seja ordenado o registo da Parcela A, a favor da Demandante M. Junta 11 documentos.

MATÉRIA: Ação de divisão de coisa comum, enquadrada no art.º 9, n.º 1, alínea E) da L.J.P.

OBJETO: Divisão de prédio por usucapião.

VALOR DA AÇÃO: 5.001€ (cinco mil e um euro, fixada nos termos dos art.º305, n.º4 e 306, n.º1 do C.P.C.)

Os demandados, MP., NIF. …, casada no regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua …, em São Silvestre;

E., herdeiro de I., NIF. …, residente Rua …, São Silvestre;

EC., NIF. …, herdeiro de I., casado no regime de comunhão de adquiridos, residente no …, São Silvestre;

CC., NIF. …, herdeiro de I., casado no regime de comunhão de adquiridos, residente na …, Coimbra;

JC., NIF. …, herdeiro de I., casado no regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua …, São Silvestre;

E, SA., NIF. …, casada no regime de comunhão de adquiridos, residente na Rua …, em Castanheira do Campo.

Todos estão regularmente citados, conforme resulta dos registos de citação, juntos de fls. 107 a 117, não tendo apresentado contestação.

TRAMITAÇÃO:

Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa da demandante.

As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., seguindo-se para produção de prova, com declarações de parte nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P., sendo prescindido a audição das testemunhas, e as alegações finais, como se infere da ata de fls. 166 a 167.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS PROVADOS:

1) O prédio rústico inscrito na matriz com o n.º 0000, sito no …, que proveio do art.º 0 da extinta freguesia de …, foi pertença de J. e MC.

2) Na caderneta predial, o referido prédio configura uma terra de cultura com 26 oliveiras e vinha, com a área total de 0,931000 hectares.

3) O prédio encontra-se registado, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob a descrição n.º 123, com a área de 9.310 m2.

4)Todavia, o terreno tem atualmente área de 8.734,90 m2.

5) A diferença da área para os 8.734,90 m2, deve-se a ter sido necessário dar área do terreno, para o alargamento da estrada pública, por força de infraestruturas necessárias.

6) O J. e MC. tiveram 7 filhos, tendo 4 deles ficado com este prédio, a saber: V., I., MCC. e A.

7) Os referidos J. e MC., titulares originários do prédio descrito no facto 3, faleceram, pelo que, o prédio foi adjudicado aos quatro filhos referidos no facto 6.

8) Por sua vez, a herdeira V., teve os seguintes filhos: a ora demandante, e MS. e VT.

9) A herdeira I., atualmente já falecida, no estado de casada com E., ora demandado, teve os seguintes filhos: EC., CC. e JC.

10) A herdeira MCC. teve os seguintes filhos: MP., ora demandada, e um filho já falecido, A.

11) O A. faleceu no estado de solteiro, tendo realizado 3 testamentos: 15/07/1983, 06/06/1984 e 10/01/1997.

12) No âmbito da sucessão hereditária dos referidos J. e MC., coube a V., a I., a MCC. e ao A., respetivamente, a quota parcelar de 1/4 do prédio em causa.

13) Os herdeiros referidos no facto 6, partilharam o prédio, o qual foi objeto de divisão em substância e passou a ser individualmente utilizado por aqueles.

15) A herdeira, V., dispôs da sua quota de 1/4, doando-a à filha M., a ora demandante.

15) O herdeiro, A., doou, verbalmente, a sua quota à MS., que por sua vez a doou à filha SA.

16) Por morte da MCC., sucedeu-lhe a filha MP., que passou a legítima proprietária e possuidora da quota-parte que anteriormente cabia à sua mãe.

17) A herdeira, I., deixou a sua quota-parte do prédio em causa, ao marido e filhos, constantes do facto 9.

18) Desde a partilha e divisão em substância, o prédio rústico descrito no facto 3 e 4, encontra-se dividido em quatro parcelas individualizadas.

19) A parcela A, pertencente a M., confronta a Nascente com Estrada Pública/limite da freguesia, a Poente com herdeiros de I., a Norte com R. e a Sul com H., com a área total de 2.548 m2.

20) A parcela B, pertencente aos herdeiros de I., confronta a Nascente com M., a Poente com SA., a Norte com Estrada Pública e a Sul com H., com a área total de 1.859,40 m2.

21) A parcela C, pertencente a SA., confronta a Nascente com herdeiros de I., a Poente com M., a Norte com Estrada Pública e a Sul com H., com a área total de 2.244 m2.

22) A parcela D, pertencente a MP., confronta a Nascente com SA., a Poente com AR., a Norte com estrada pública e a sul com H., com a área total de 2.083,50m2.

23) A demandante e os demandados tratam das respetivas parcelas como sendo suas, praticando sobre elas os actos de posse correspondentes ao direito de propriedade sobre as mesmas.

24) Há mais de 20 anos que as partes atuam de forma pacífica, pública e de boa-fé, na convicção de que as parcelas lhes pertencem, tendo adotado todas as condutas e providências necessárias a fim de promover a sua limpeza e conservação.

25) Tanto a demandante, como os demandados, comportam-se como verdadeiros donos das suas parcelas de terreno, e assim são considerados por todos os vizinhos.

26) O que fazem cientes de que exercem sobre esses terrenos, com exclusão de outrem, um direito próprio, como seus proprietários.

27) A demandante e os demandados cuidam e vigiam os terrenos, bem como retiram deles todos os proveitos e utilidades que lhes proporcionam.

28) A demandante e os demandados praticam todos os proveitos, praticando os actos normais, a defesa e conservação da respetiva propriedade, respeitando as suas divisórias.

29) O que fazem por si, sem oposição e na convicção de que exercem um direito próprio e legítimo.

30) A divisão substancial do prédio em causa ocorreu nos tempos idos de 1989, encontrando-se os terrenos devidamente delimitados por marcos.

31) A divisão substancial do prédio existe há mais de 20 anos, de forma pública, pacífica e de boa-fé.

32) A parcela A não dispõe de artigo matricial.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a decisão com base na análise crítica dos documentos junto aos autos, conjugado com as declarações de parte dos demandados, proferidas nos termos do art.º 57, n.º 1 da L.J.P., e regras do ónus da prova.

Na realidade os demandados admitiram que o prédio mãe proveio de uma herança de todos, mas que cada um deles passou apenas a usar e a fruir de uma determinada parcela que entre eles foi identificada e individualizada por marcos, o que fazem com a concordância dos demais interessados, há mais de 20 anos, mas sem procederem formalmente à separação das respetivas parcelas. Referiram-se, ainda, aos primitivos titulares inscritos, já falecidos, que eram os avós comuns das partes. E, também aos herdeiros de I., os quais são demandados nos presentes autos.

Procederam ao respectivo levantamento topográfico do prédio mãe, documento 3 junto aos autos a fls. 15, de forma a individualizarem as parcelas como unidades individuais e independentes, entre si, do que resultou os factos provados com os n.º 19, 20, 21 e 22.

O facto com o n.º 2 resulta do documento 1, junto a fls. 10.

O facto com o n.º 3 resulta do documento 2, junto de fls. 12 a 14.

O facto com o n.º 5 resulta do documento 4, junto a fls. 19.

O facto com o n.º 7 resulta do documento 5, junto de fls. 20 a 43.

O facto com o n.º 11 resulta dos documentos 6, 7 e 8, juntos de fls. 49 a 53 verso.

O facto com o n.º 15, resulta do documento 9, junto de fls. 55 a 67.

O facto com o n.º 16, resulta do documento 10, junto de fls. 68 a 77 verso.

O facto com o n.º 17, resulta do documento 11, junto de fls. 79 a 82.

Não se provaram mais factos com interesse para a causa.

II- DO DIREITO:

O caso dos autos prende-se com a divisão de um prédio rústico em parcelas.

Existe compropriedade quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa (art.º 1403 do C.C.).

O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (art.º 1311 do C.C.).

Nos termos do previsto no art.º 1287 do C.C., “a posse do direito de propriedade (…), mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, o que se denomina por usucapião”.

A usucapião mais não é do que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, desde que se revista de determinadas características e durante certo período temporal – (art.º 1287 do C.C.).

Por seu turno, a posse, nos termos do art.º 1251 do C.C. é o poder que se manifesta (exercício de poderes de facto) sobre uma coisa, em termos equivalentes ao direito de propriedade ou de outro direito real, traduzindo-se no corpus: elemento material, que mais não é do que a assunção de poderes de facto sobre a coisa e no animus: o exercício de tais poderes de facto como titular do respetivo direito de propriedade ou de outro direito real.

A usucapião traduz-se numa forma originária de aquisição do direito, ou seja, reconhece-se que o seu titular recebe o direito, independentemente do direito do anterior titular, pelo que para a mesma poder ser eficaz, é necessário avaliar se existem actos de posse e se os mesmos foram exercidos em moldes conducentes à aquisição do direito, isto é, com a intenção de corresponder ao direito real invocado, in casu, ao direito de propriedade, durante um certo lapso de tempo e com determinadas características.

Em relação às características da posse, de acordo com o disposto nos art.º 1258 a 1262, todos do C.C., pode a mesma ser titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, o que tem relevância para a quantificação do prazo reputado como suficiente, para que se verifique a usucapião – (art.º 1294 a 1296 todos do C.C).

Para que se possa iniciar a contagem do prazo para a usucapião, é necessário que não ocorra situações de posse violenta ou tomada ocultamente (art.º 1297 C.C), as quais são legalmente excluídas de serem usucapíveis.

Para que a posse possa conduzir à usucapião, tem de revestir determinadas características (as descritas no art.º 1258 do C.C), nomeadamente ser uma posse pacífica, que tem de ser complementada com a prática reiterada dos actos de posse, de acordo com o estatuído no art.º 1263, alínea a), do C.C.

Para além de que, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista e Atualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a págs. 25 e 26, sem a prática reiterada e pública dos actos de posse, nos termos do artigo 1263.º, al. a), do CC, a posse não existe, nem se constitui, valendo esta alínea como um complemento ou uma confirmação do conceito de posse expresso no art.º 1251 do C. C.


No caso concreto está provado que as partes são comproprietárias de um prédio rústico composto de terra de cultura com 26 oliveiras e vinha, com a área total de 0,931000 hectares, sito no …. Este prédio encontra-se atualmente inscrito na matriz com o n.º 0000 da …, o qual proveio do art.º 0 da extinta freguesia de …. O prédio referido encontra-se registado, na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, sob a descrição n.º 123, com a área total de 9.310 m2.

Mais se provou que, J. e MC. faleceram, pelo que lhes sucederam os filhos, herdeiros legitimários.

Por sua vez, estes entre si, procederam à partilha do referido prédio, adjudicando a porção de 1/4 indiviso a cada um deles, a saber: V., I., MCC. e A.

Entretanto, foi necessário dar área do terreno, para o alargamento da estrada pública, por força de infraestruturas necessárias, ficando o prédio com a área menor, no total de 8.734,90 m2.

Posteriormente, também, os herdeiros legitimários dos falecidos faleceram, pelo que lhes sucedeu os respetivos herdeiros.

A demandante é, assim, a herdeira de V.

E, os demandados são os herdeiros legais dos falecidos, I., MCC. e A.

Mais se provou que, o referido prédio, foi pelos herdeiros de J. e MC., objeto de partilha, que de comum acordo, procederam entre si à individualização de quatro parcelas de terreno sobre o referido prédio rústico, encontrando-se os terrenos devidamente delimitados por marcos.

Provando-se, ainda, que a divisão substancial do prédio em causa ocorreu nos tempos idos de 1989.

Assim, a parcela A, que atualmente pertence à demandante, compõe-se de terra com a área total de 2.548 m2, que confronta a Nascente com Estrada Pública/limite da freguesia, a Poente com herdeiros de I., a Norte com R. e a Sul com H., referida no levantamento topográfico, junto a fls. 15.

Desde aí que vêm, cada um deles, tratando da respetiva parcela de terreno, cuidam e vigiam os terrenos, retiram deles todos os proveitos e utilidades que lhes proporcionam, praticando os atos normais de defesa e conservação da respetiva propriedade, com o devido respeito pelas suas divisórias.

O que fazem de forma continua, pública e sem oposição de quem quer que seja.

Os descritos actos materiais que a demandante tem exercido sobre a coisa, correspondem ao corpus da posse equivalente ao direito de propriedade sobre a parcela de terreno.

Também resulta provado que praticaram todos os actos com a convicção de exercerem um direito sobre coisa sua e, portanto, com a convicção de serem os donos/proprietários do prédio rústico em causa.
E, desde aí e de forma reiterada, praticam um conjunto de actos que são próprios do direito de propriedade e que foram praticados de modo a poderem serem conhecidos por todos, e especialmente pelos interessados, a ora demandados. Assim, pode-se dizer que, entre a coisa e a demandante estabeleceu-se uma relação permanente e duradoura, o que faz com a convicção de ser a única titular do direito, com o animus correspondente ao direito de propriedade.

Por outro lado, parece não haver dúvidas relativamente ao facto de a posse ser pública e pacífica. Sendo uma posse pública porque sempre foi exercida, de forma continuada e ao longo dos anos, à vista do público em geral e de modo a poder ser conhecida pelos interessados (art.º 1262 do C.C.), nomeadamente os demandados.

E é uma posse pacífica porque foi adquirida sem qualquer violência; nomeadamente, pela forma como adquiriram o prédio, negócio verbal, sem qualquer coação física ou moral, e sem qualquer outro tipo de violência (art.º 1261 do C.C.).

Está em causa, portanto, uma posse que, sendo pública e pacífica, é suscetível de facultar ao possuidor a aquisição do direito por usucapião (art.º 1287 do C.C.).

Quer isto dizer que há mais de 20 anos, anos que trata daquela parcela do prédio rústico, convicta que o faz por ter adquirido esse direito. Acresce que nada na lei permite negar ao possuidor de parcela inferior à unidade de cultura o direito potestativo de aquisição por usucapião, atenta a fórmula constante do art.º 1287.º do C.C., não autorizando interpretação nesse sentido o disposto no art.º 1376 do C.C.

Efetivamente, há que ter presente que a usucapião é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, tornando irrelevantes eventuais vícios, de natureza formal ou substancial precedentes, atinentes à alienação ou transferência da coisa para o seu novo titular. Assim o entende o Prof. A. Varela (vide nota 6. do comentário ao art.º 1379.º, no CC anotado), quando escreve “Se, através de um negócio jurídico nulo (por falta de forma) se realizar um fracionamento ou troca contrários ao disposto nos art.ºs 1376.º e 13768 do C.C. se, na sequência disso, se constituírem as situações possessórias correspondentes, aqueles preceitos não obviam a que estas situações se consolidem por usucapião, logo que se verifiquem todos os requisitos legais nesse sentido”, in neste sentido AC. do STJ de 6/4/2017, Proc. n.º 1578/11.9TBVNG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.

Face ao exposto, procede totalmente os pedidos da demandante.


DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se procedente a presente ação, declarando-se que: o prédio rústico que se compõe de terra com a área total de 2.548 m2, sito no …, que confronta a Nascente com Estrada Pública/limite da freguesia, a Poente com herdeiros de I., a Norte com R. e a Sul com H., constitui um prédio autónomo, individualizado e devidamente demarcado, por via da usucapião, cessando assim a compropriedade, até então existente.

Mais se reconhece que o prédio supra descrito é propriedade exclusiva de M., o qual correspondia a parte do prédio inscrito na matriz rústica sob o n.º 0000 da …, e também da descrição predial com n.º 123 constante da 1.º Conservatória do Registo Predial de Coimbra, dos quais deverá ser desanexado, criando-se um novo artigo matricial para o prédio, e uma nova descrição predial.

Mais ordeno a retificação da área total do prédio identificado no item 1 dos Factos Provados, o qual tem a área de 8.734,90 m2.

De acordo com o exposto, proceda-se ao cancelamento do registo da inscrição Ap. 3844, favor da Demandante, respeitante ao prédio referido noº 1 dos Factos Provados, nos termos dos artigos 8°, 13° e 85 n°1, alínea e) e n°2 do Código de Registo Predial.

CUSTAS:

São da responsabilidade da demandante, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de 35 (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária no valor de 10 (dez euros).

Notificada e proferido nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Coimbra, 31 janeiro de 2019

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)