Sentença de Julgado de Paz
Processo: 40/2017-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATOS À DISTÂNCIA
Data da sentença: 12/14/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, residente na Travessa X, São Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia.
Demandada: B”, com sede na Avenida X, Lisboa.

II – OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra a Demandada, a presente acção declarativa enquadrada na alínea i) do nº 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a restituir-lhe o valor de €244,77 pago no âmbito da contratação de prestação de serviços de segurança, cujo contrato foi resolvido nos termos do art.º 10º do DL 24/2014; e ainda a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €250,00; bem como em custas judiciais, tudo com as legais consequências.
Alegou, para tanto e em síntese, que, a Demandada é uma empresa que se dedica comercialmente à instalação e aluguer de alarmes e prestação de serviços de segurança em residências e outros; no desenvolvimento da sua actividade, a Demandada propôs à Demandante a contratação de serviços de segurança na sua residência através de um alarme a instalar no local, tendo sido outorgado entre Demandada e Demandante, em 15.11.2016, na residência desta, um contrato de prestação de serviços de segurança que previa a instalação de um equipamento e prestação de serviços de segurança com fidelização de trinta e seis meses, conforme melhor discriminado no contrato n.º 1135186; com a outorga do dito contrato, a Demandante entregou à Demandada a quantia de €244,77, como comprova pelo recibo provisório que lhe foi entregue no acto, sendo a factura enviada posteriormente; aquando da contratação, a Demandada garantiu à Demandante que o equipamento cumpria os requisitos de segurança necessários para garantir a inviolabilidade da sua residência, para além de ter garantido a existência de um seguro contra roubos para o local; todavia, desde o primeiro dia que o equipamento não funcionava de acordo com o previsto, permitindo a entrada de pessoas na residência sem que o alarme disparasse; tendo a Demandante dado conhecimento à Demandada de imediato da anomalia que verificava, solicitando telefonicamente a sua conformidade; o certo é que a Demandada nada fez para rectificar as anomalias denunciadas; assim, o equipamento instalado pela Demandada não apresentava as qualidades que esta dizia ter, não cumprindo o fim para que foi contratado, para além de o contrato não especificar o seguro de roubo que garantia estar associado à prestação de serviços de segurança; pelo que, estando em tempo, a Demandante exerceu o seu direito de resolução, ao abrigo do disposto no D.L. 24/2014, tendo notificado a Demandada da resolução do contrato através de carta registada com aviso de recepção, sendo a mesma recebida pela Demandada em 25.11.2016; tendo aí solicitado o levantamento do equipamento e a devolução do valor pago - €244,77; apesar de devida e formalmente notificada, a Demandada não devolveu à Demandante o valor por esta despendido, como era sua obrigação, já que devia fazê-lo no prazo de 14 dias após a notificação da resolução; não tendo cumprido o solicitado pela Demandante, de novo foi reiterado à Demandada, através do seu mandatário, por carta registada, datada de 23.12.2016, o pedido para que procedesse ao levantamento do equipamento e à devolução da quantia inicialmente recebida; a Demandada, só no dia 04.01.2017 procedeu ao levantamento do equipamento, mas, até esta data, não procedeu à devolução do valor recebido e referido supra; durante todo o período decorrente entre a notificação da resolução do contrato até ao presente, a Demandada tem pressionado constantemente a Demandante para proceder ao pagamento de mensalidades de uma prestação de serviços que nunca foi prestada, tendo-lhe enviado facturas para pagar, sabendo que tal contrato estava já resolvido e que, como tal, não o podia fazer, não tendo, até esta data, procedido à anulação das mesmas como se impunha; situação que motivou esta acção judicial de modo a pôr termo ao constante assédio telefónico para que a Demandante cumpra uma obrigação inexistente e, por outro lado, para que lhe seja devolvida a quantia que entregou à Demandada como é de direito; tal situação provocou à Demandante forte ansiedade e instabilidade emocional, motivada pelos constantes telefonemas, quase diários, a exigir um pagamento que esta não devia, que lhe causaram fortes dores de cabeça e perturbação do sono e que a obrigaram a tomar ansiolíticos; apesar de logo nos primeiros telefonemas a Demandante ter chamado a atenção dos funcionários da Demandada de que nada devia, dado que havia resolvido o contrato, o certo é que tem sido perturbada contínua e reiteradamente com os telefonemas da Demandada, pelo que deve ser a Demandada condenada a pagar à Demandante uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de, pelo menos, €250,00.
Juntou documentos.

A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação onde impugna toda a matéria de facto constante do Requerimento Inicial e alega que é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços de segurança; no exercício da sua actividade comercial, a Demandada celebrou com a Demandante um contrato de prestação de serviços de segurança relativo à locação de um sistema de alarme que foi instalado na morada constante do contrato; o contrato tinha por objecto a locação de um sistema de alarme e ligação do mesmo à Central de Segurança da Demandada (doravante “X”); aos contratos de prestação de serviços celebrados entre Demandante e Demandada aplica-se o regime jurídico dos contratos celebrados à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial; o regime jurídico de tais contratos encontrava-se estabelecido no Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14.02, que entrou em vigor em 13 de Junho de 2014; posteriormente, a Demandante procedeu à livre resolução do contrato que havia celebrado, dentro do prazo de 14 dias, pretendendo que lhe seja restituído o valor que havia pago; de acordo com as facturas emitidas, a Demandante pagou à Demandada os seguintes serviços e valores: factura 000 emitida em 16.11.2016 – valor de €244,77 (com IVA) que corresponde à taxa de instalação do serviço; a Demandante não procedeu à devolução do valor da taxa de instalação uma vez que tais serviços foram efectivamente prestados; nos termos da legislação em vigor se, após a celebração de um contrato à distância ou fora do estabelecimento comercial, o consumidor exercer o direito de livre resolução tendo feito o pedido de instalação do serviço, fica obrigado a pagar ao operador um montante proporcional ao que foi efectivamente prestado até ao momento da comunicação da resolução, em relação ao conjunto das prestações previstas no contrato; ou seja, o exercício do direito legal de resolução do contrato não desobriga o cliente/consumidor do pagamento do valor proporcional ao serviço prestado, nos casos em que a prestação tenha tido início durante o prazo legal de livre resolução (art.º 15º do D.L. n.º 24/2014, de 14.02); ora, no caso concreto, a Demandante, aquando da celebração do contrato, agendou com o comercial, a data para que o técnico procedesse à instalação do equipamento; na data aprazada, com o consentimento da cliente, o técnico procedeu à instalação do sistema de segurança e à sua ligação à Central de Segurança da Demandada, por forma a dar início à prestação de serviços; assim, encontrando-se à data do pedido de livre resolução o equipamento instalado e a ligação à X efectuada é devido à Demandada o montante proporcional ao que foi efectivamente prestado, ou seja, ao valor da instalação; entende assim a Demandada que a Demandante não tem direito à restituição do valor de €244,77 (com IVA) que corresponde aos serviços de instalação do equipamento de segurança no imóvel da cliente; em relação aos danos não patrimoniais a Demandante não alega quaisquer factos de onde se possa reconhecer que os mesmos são suficientemente graves de modo a justificarem a tutela do direito; isto porque a nossa lei não prevê a indemnização por todo e qualquer dano não patrimonial, exigindo para tanto que o mesmo seja grave; daí que em face da facticidade descrita pela Demandante, é de concluir que não têm relevância bastante os danos não patrimoniais alegadamente por si sofridos, com vista a fundamentar uma condenação da Demandada em indemnização a favor da Demandante; não se verifica assim a obrigação de indemnizar a Demandante a título de danos não patrimoniais nem a obrigação de proceder à devolução de quaisquer valores; nesta conformidade entende a Demandada que não existe fundamento que determine a devolução do valor pago a título de taxa de instalação, sendo que os valores pagos correspondem à contrapartida dos serviços que foram efectivamente prestados.

Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.

Cumpre apreciar e decidir.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) A Demandada é uma empresa que se dedica comercialmente à instalação e aluguer de alarmes e prestação de serviços de segurança em residências e outros;
B) No desenvolvimento da sua actividade, a Demandada propôs à Demandante a contratação de serviços de segurança na sua residência através de um alarme a instalar no local, tendo sido outorgado entre Demandada e Demandante, em 15.11.2016, na residência desta um contrato de prestação de serviços de segurança (contrato n.º 0000) que previa a instalação de um equipamento e prestação de serviços de segurança com fidelização de trinta e seis meses;
C) Com a outorga do dito contrato, a Demandante entregou à Demandada a quantia de €244,77 (factura n.º FT 00000);
D) Aquando da contratação, a Demandada garantiu à Demandante a existência de um seguro contra roubos para o local mas o contrato não especifica qualquer seguro de roubo associado à prestação de serviços de segurança;
E) A Demandante notificou a Demandada da resolução do contrato através de carta registada com aviso de recepção, sendo a mesma recebida pela Demandada em 25.11.2016;
F) Nessa carta a Demandante solicitou o levantamento do equipamento e a devolução do valor pago - €244,77;
G) A Demandada não devolveu à Demandante o valor por esta despendido;
H) A Demandante, através do seu mandatário, enviou à Demandada carta registada, datada de 23.12.2016, reiterando que esta procedesse ao levantamento do equipamento e à devolução da quantia inicialmente recebida;
I) No dia 04.01.2017, a Demandada procedeu ao levantamento do equipamento mas não procedeu à devolução do valor recebido e referido supra;
J) Durante o período decorrente desde a notificação da resolução do contrato e pelo menos até Maio de 2017, a Demandada enviou à Demandante facturas para pagar e cartas interpelatórias para o efeito;
K) Tais facturas vieram a ser anuladas pela Demandada já após a propositura da presente acção;
L) O contrato em apreço tinha por objecto a locação de um sistema de alarme e ligação do mesmo à Central de Segurança da Demandada (doravante “X”);
M) O valor de €244,77 (com IVA) pago pela Demandante corresponde à taxa de instalação do serviço;
N) Aquando da celebração do contrato, a Demandante agendou com o comercial a data para que o técnico procedesse à instalação do equipamento;
O) Na data aprazada, com o consentimento da cliente, o técnico procedeu à instalação do sistema de segurança e à sua ligação à Central de Segurança da Demandada, por forma a dar início à prestação de serviços;
P) À data do pedido de livre resolução, o equipamento encontrava-se instalado e a ligação à X efectuada.

Motivação da matéria de facto provada:
Atendeu-se aos documentos de fls. 7 a 17 (cópia de contrato; Condições Gerais; facturas; missivas enviadas pela Demandante à Demandada e respectivos comprovativos de expedição; Certificado de Assistência Técnica da Demandada); 48 a 57 (missivas interpelatórias para pagamento enviadas à Demandante e respectiva resposta por mandatário; notas de crédito), conjugados com as declarações das testemunhas como segue:
- C, irmão da Demandante, por ter estado presente quando esta contratou a instalação e assistiu à colocação do alarme, o qual declarou que a Demandante se queixava que o alarme não funcionava; foi prometido um seguro de roubo no valor de €5.000,00 por um funcionário da Demandada mas tal não consta do contrato; a Demandante queixava-se que andavam sempre a ligar para ela e a mandar-lhe cartas, as quais a testemunha chegou a ver; a Demandante até chorava com a situação; houve várias insistências para a Demandante pagar mesmo depois de o contrato estar resolvido; o sistema foi alugado, desconhece a que título a Demandante pagou €244,00 mas tem a ver com a instalação do alarme; a Demandante contou-lhe que entrava e saía e o alarme não disparava mas a testemunha não foi lá ver e não sabe sequer se tal ocorria com o alarme armado.
- D, sobrinho da Demandante, o qual declarou que passado uns dias de ter sido instalado o alarme em casa da tia, esta ligou-lhe a dizer que o alarme não funcionava; no dia seguinte a testemunha foi a casa da Demandante e constatou que o alarme não tocava mas não foi confirmar se o mesmo se encontrava devidamente armado, tendo ligado para o vendedor mas ninguém apareceu para ver o que se passava até que foi com a tia a uma sucursal da Demandada em São Félix da Marinha; os técnicos da Demandada disseram que não havia registo de qualquer anomalia e que o alarme estava activo na hora em que a testemunha entrou lá em casa; ficaram de ir lá a casa mas não foram e estava a terminar o prazo para resolução do contrato; a Demandante continuou a receber facturas já com juros; contou à testemunha que recebia telefonemas e cartas para pagar valores que não devia; andava preocupada, em baixo.

Não foi provado que:
I. Desde o primeiro dia que o equipamento não funcionava de acordo com o previsto, permitindo a entrada de pessoas na residência sem que o alarme disparasse;
II. Tendo a Demandante, de imediato, dado conhecimento à Demandada da anomalia que verificava, solicitando telefonicamente a sua conformidade;
III. A situação supra descrita em J) provocou à Demandante forte ansiedade e instabilidade emocional, motivada pelos constantes telefonemas, quase diários, a exigir um pagamento, que lhe causaram fortes dores de cabeça e perturbação do sono e que a obrigaram a tomar ansiolíticos.

Motivação dos factos não provados:
Por ausência de mobilização probatória credível que atestasse a veracidade dos mesmos. Refira-se que o depoimento das testemunhas supra transcrito não se revelou bastante para convencer o Tribunal de que o equipamento, efectivamente, não funcionava.

IV – DOS FACTOS E DO DIREITO
No caso vertente, Demandante e Demandada celebraram em 15.11.2016 um contrato de prestação de serviços de segurança (contrato n.º 1135186) que previa a instalação de um equipamento (alarme) na residência da primeira e prestação de serviços de segurança com fidelização de trinta e seis meses.
Estamos pois perante um contrato de prestação de serviços definido pelo art.º 1.154º do Código Civil como sendo “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, contrato esse que é atípico uma vez que o art.º 1155º apenas considera modalidades de contrato típico o mandato, o depósito e a empreitada, e que se rege pela vontade das partes na medida em que não viole eventuais normas imperativas.
Os contratos celebrados à distância (por telefone, Internet, etc.) ou fora do estabelecimento comercial (por ex. através de um vendedor porta-a-porta, no domicílio ou no local de trabalho do consumidor) regem-se pelo Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14.02, o qual dispõe no seu artigo 10º e seguintes que os consumidores dispõem de um prazo de 14 dias, no caso dos contratos de prestação de serviços contado a partir da data da celebração do contrato, durante o qual podem resolvê-lo sem penalização e sem necessidade de indicar um motivo – o que vem reflectido na Condição 22 das Condições Gerais que regem o Contrato de Prestação de Serviços de Segurança em apreço - devendo para tal enviar carta registada com aviso de recepção comunicando a vontade de resolver o contrato.
Mas se o serviço já tiver sido instalado, terá que pagar ao prestador de serviços um montante proporcional ao que foi efectivamente prestado (art.º 15º do citado Diploma) até ao momento em que pediu o cancelamento. Não está, contudo, obrigado a pagar esse valor se não tiver pedido, por escrito ou através de outro suporte duradouro, a instalação do serviço durante o prazo de 14 dias ou ainda se o operador não o tiver informado, antes da celebração do contrato, sobre as condições de exercício do direito de livre resolução do contrato e sobre os custos associados ao exercício desse direito depois da instalação do serviço, sendo certo que a Demandante não alegou terem-se verificado alguma(s) destas excepções, pelo que se subentende que os procedimentos legais estarão em conformidade.
Ora, o serviço prestado engloba a instalação, a activação e a utilização.
Uma vez que a Demandante havia pago à Demandada a quantia de €244,77 para instalação e activação do serviço, e tendo em conta que o contrato foi celebrado por um período de trinta e seis meses, que a mensalidade contratada era de €39,36 (IVA incluído) e que o serviço esteve activo durante dez dias - não foi provado que o mesmo não funcionasse devidamente como alega a Demandante - entendemos por bem que a Demandante deverá suportar como valor proporcional ao serviço prestado o montante de €15,00, a que se chegou com recurso a uma regra de três simples. Assim, uma vez que a Demandante pagou €244,77, deverá ser reembolsada do montante de €230,00.Quanto aos danos não patrimoniais invocados pela Demandante, há que atender que na fixação da indemnização deve atender-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art.º 496º, n.º 1 do C. Civil - quer isto dizer que não são quaisquer incómodos, disposições e arrelias comuns que conferem direito a uma indemnização por danos morais. Ora, no caso vertente, parece-nos que o facto de a Demandada ter tentado cobrar junto da Demandante, através do envio de cartas, o pagamento de facturas que posteriormente veio a anular, seja suficientemente gravoso para que mereça a tutela do direito.
Por conseguinte, improcede nesta parte o pedido.

V – DECISÃO

Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção, e, em consequência, condeno a Demandada “B”, a pagar à Demandante A a quantia de €230,00 (duzentos e trinta euros).

Custas por ambas as partes na proporção de 47% pela Demandada e 53% pela Demandante, devendo esta ser notificada para pagar a quantia de €2,00 e aquela ser reembolsada deste mesmo valor.
Cumpra-se o disposto nos art.ºs 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 14 de Dezembro de 2017
A Juiz de Paz

(Paula Portugal)