Sentença de Julgado de Paz
Processo: 14/2014-JP
Relator: SANDRA MARQUES
Descritores: GARANTIA - CONSUMO - RESOLUÇÃO - INDEMNIZAÇÃO EM DOBRO
Data da sentença: 10/06/2014
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(n.º 1, do artigo 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho,
na redação que lhe foi dada pela Lei N.º 54/2013, de 31 de Julho,
doravante designada abreviadamente LJP)


Processo n.º 14/2014-JPSXL
I- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES E OBJECTO DO LITÍGIO
Matéria: Incumprimento contratual, enquadrada na alínea i), do n.º 1, do artigo 9.º, da LJP.
Objeto do litígio: devolução do prestado em dobro face a livre resolução de contrato equiparado ao contrato a domicílio.
Demandante: A, casado, titular do BI n.º -----, emitido em ---, natural de -----, Maia, residente na Rua -----.
Demandada: B com sede em Elvas, representada pelo seu sócio e gerente C.
Mandatária: D, advogada, com domicílio fiscal na Rua ---- Elvas.
Valor da ação: €2199 (dois mil cento e noventa e nove euros).
Relatório:
A presente ação vem proposta por A, aqui Demandante, contra B, Unipessoal, Limitada, ora Demandada, e tem por objeto questão que diz respeito a incumprimento contratual, enquadrando-se, quanto à matéria, na alínea i), do nº 1, do artigo 9.º da LJP.
Alega, em resumo, o Demandante, que no dia 29 de Junho de 2013, se deslocou a Santiago de Compostela, em virtude de campanha da Demandada direcionada para a aquisição de artigos de baixo custo, através de venda agressiva. Mais diz que de imediato assinou o contrato de compra e venda no próprio local, e pagou €200 (duzentos euros), que lhe foram exigidos a título de sinal. Acrescenta que os artigos encomendados só foram entregues em 20 de Julho de 2013, tendo, nessa data, sido entregues três cheques ao colaborador da empresa, o primeiro no montante de €666,50 (seiscentos e sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos), e os outros dois pré-datados, tal como fora acordado na nota de encomenda. Alega ainda que foram entregues nove artigos, dos quais quatro estavam em mau estado e/ou avariados, pelo que em 24 de Julho de 2013, enviou para a Demandada carta registada com aviso de receção, requerendo a rescisão do contrato, cumprindo com o prazo legal de 14 dias posteriores à entrega dos produtos. Face ao silêncio da Demandada, em 12 de Agosto de 2013 enviou nova carta registada com aviso de receção, informando do cancelamento dos cheques pré-datados. Disse ainda que, até Dezembro de 2013 nada lhe fora restituído, nem os bens foram levantados, pelo que propôs uma resolução amigável, requerendo a devolução em dobro do prestado. Afirmou que só através da DECO obteve resposta da Demandada, passados cerca de cinco meses, a qual considerou inaceitável, tendo em conta que resolveu em tempo o contrato celebrado com a Demandada.
Pede o Demandante a condenação da Demandada a restituir-lhe o valor de €1733 (mil setecentos e trinta e três euros), acrescido das custas do processo, num total de €1768 (mil setecentos e sessenta e oito euros).
Foi a Demandada inicialmente citada na sua sede por via postal em 16 de Janeiro de 2014 (cfr. fls. 31), tendo sido notificada que dispunha de prazo de 10 dias, acrescido de dilação de trinta dias, para apresentar contestação, nos termos do disposto no artigo 246.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr. fls. 29 e 30). Constatado o erro na citação, foi proferido despacho em 23 de Janeiro de 2014 (cfr. fls. 33), ordenando a expedição de nova citação à Demandada, nos termos do disposto no artigo 191.º, n.º 3, 2.ª parte do Código de Processo Civil.
Regularmente citada na sua sede por via postal em 27 de Janeiro de 2014 (cfr. fls. 38), a Demandada apresentou contestação em 4 de Fevereiro de 2014, onde se defendeu por exceção e por impugnação (cfr. fls. 43 a 46).
Por exceção, invocou a incompetência territorial deste Julgado de Paz, em virtude da Demandada ser pessoa coletiva, com sede em Elvas.
Por impugnação, confirma o contrato celebrado, no valor global de €2199 (dois mil cento e noventa e nove euros), com pagamentos faseados, a primeira liquidada em “dinheiro” em 29 de Junho de 2013, uma vez que do contrato constavam bens encomendados especificamente de acordo com as indicações do Demandante. Alegou ainda que, posteriormente, o Demandante entrou em contacto com a Demandada, para que procedesse à alteração/substituição de alguns dos bens adquiridos, ao que a Demandada acedeu, sem qualquer objeção, mas que, apesar disso, foi recebida na sede da Demandada uma carta do Demandante na qual este declara pretender a “anulação” da compra de imediato. Mais diz que, quando contactada pela DECO, de imediato a Demandada se prontificou a proceder à troca do equipamento, ao que não teve resposta por parte do Demandante. Acrescentou ainda que o Demandante procedeu à revogação dos dois últimos cheques.
Requereu que fosse julgada procedente a exceção invocada de incompetência territorial, com a absolvição da Demandada da instância. Ou, quando assim nãos e considere, ser a ação julgada improcedente, por não provada, condenando-se o Demandante nas custas do processo.
O Demandante acedeu à fase de mediação, pelo que foi a referida sessão agendada para o dia 30 de Janeiro de 2014, a qual não se realizou, por falta da Demandada, que a não justificou, pelo que se marcou audiência de julgamento para o dia 17 de Fevereiro de 2014, posteriormente adiada por doença da Juíza de Paz titular do processo para o dia 25 de Setembro de 2014 (cfr. fls. 42, 60 e 62).
Em 25 de Setembro de 2014, compareceu à audiência de julgamento o Demandante e a ilustre mandatária da Demandada, tendo sido realizada tentativa de conciliação, a qual se frustrou, ouvidas as partes e produzida prova testemunhal, bem como apresentadas breves alegações finais, após as quais, face ao adiantado da hora, e necessidade de ponderação da prova produzida, com redação de sentença que a refletisse, foi suspensa a audiência até à presente data – cfr. ata de fls. 73 e 74. Nesta data, realizou-se a audiência, à qual apenas compareceu o Demandante, tendo sido proferida a presente sentença – cfr. ata de fls. anteriores.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Ponderada a prova consubstanciada nos documentos juntos, nas declarações das partes, e ainda a prova testemunhal produzida, há que considerar provada a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:

1 – No dia 29 de Junho de 2013, o Demandante deslocou-se a Santiago de Compostela, numa viagem organizada pela Demandada,
2 – no âmbito de uma campanha direcionada para a aquisição de um conjunto de nove artigos,
3 – através de exposição dos mesmos em “montra” no local pelo funcionário da Demandada;
4 – Nesse mesmo dia 29 de Junho de 2013, após a observação dos artigos expostos, entre Demandante e Demandada foi celebrado contrato de compra e venda,
5 - nos termos do qual o Demandante se obrigava a adquirir e a Demandada a fornecer-lhe:
6 - um estrado de casal de 160 x 200,
7 – um colchão de casal de 160 x 200,
8 – duas almofadas,
9 – uma placa de indução,
10 – um conjunto de oito panelas em cerâmica,
11 – um biofilo circulatório,
12 – um faqueiro ouro,
13 – um serviço de porcelana de trinta e duas peças, flor;
14 – e um forno turbo,
15 – pelo valor total de €2199 (dois mil cento e noventa e nove euros),
16 – dos quais €200 (duzentos euros) a título de sinal,
17 – e o restante valor em três prestações,
18 – a primeira, no valor de €666,50 (seiscentos e sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos) a entregar “ao próprio”,
19 – a segunda, no valor de €666 (seiscentos e sessenta e seis euros), a “30 dias”,
20 – e a terceira no valor de €666 (seiscentos e sessenta e seis euros), a “60 dias”;
21 – O Demandante liquidou de imediato e em espécie €200 (duzentos euros);
22 – No contrato celebrado foi indicada como morada do Demandante a Rua A,
23 – e que a Demandada tem a sua sede na Avenida E Amadora;
24 – A Demandada só teve a sua sede nessa morada entre 7 de Março de 2012 e 29 de Março de 2012, num total de 22 dias;
25 – Aquando da celebração do contrato entre Demandante e Demandada, esta última já tinha a sua sede no Sítio da F Elvas, desde 11 de Outubro de 2012;
26 – No verso do contrato, estão inscritas condições gerais, das quais constam, entre outras:
27 – na cláusula 4., que “Os bens serão entregues na morada constante do contrato ou em local devidamente indicado para esse efeito pelo adquirente, considerando-se esse domicílio convencionado, ao abrigo do artigo 2.º do Decreto-Lei 383/99 de 23 de Setembro”;
28 – E, na cláusula 6., que “O adquirente poderá resolver a presente proposta contratual, no prazo previsto no Art.º 18º n.º 1 do DL 82/2008, de 20 de Maio, ou seja, através de carta registada com aviso de receção enviada para a sede da empresa”;
29 – Não sendo indicada qualquer outra morada;
30 – Os artigos encomendados pelo Demandante foram entregues no seu domicílio no Seixal em 20 de Julho de 2013,
31 – por funcionário da Demandada,
32 – ao qual foram entregues três cheques, nos termos do contratado, um no valor de €666,50 (seiscentos e sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos), e dois no valor de €666 (seiscentos e sessenta e seis euros), cada um,
33 - estes dois últimos pré-datados;
34 – O cheque no valor de €666,50 (seiscentos e sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos) foi descontado;
35 – Em 24 de Julho de 2013, o Demandante remeteu carta registada com aviso de receção à Demandada para o Sítio da F Elvas,
36 – Na qual escreveu “venho por este meio, a dia 24 de Julho de 2013 rescindir todas as cláusulas e anular a compra previamente acordada com a vossa empresa “B, Lda.”, por incumprimento e insuficiências dos vossos serviços”,
37 – e ainda que “como cliente e com base nos direitos que me assistem, venho anular todo o processo que foi estabelecido, solicitando a devolução de todo o montante entregue assim como todos os cheques passados, ficando da vossa responsabilidade virem levantar os produtos entregues”;
38 – A Demandada recebeu essa carta em 25 de Julho de 2013;
39 – Em 12 de Agosto de 2013, o Demandante remeteu nova carta registada com aviso de receção à Demandada para a sua sede, onde, face ao silêncio da Demandada, informava ver-se obrigado a cancelar os cheques passados;
40 – A Demandada recebeu essa carta em 13 de Agosto de 2013;
41 – Em 24 de Novembro de 2013, o Demandante expediu nova missiva registada com aviso de receção à Demandada para a sua sede, solicitando a devolução em dobro do liquidado;
42 – Carta que a Demandada recebeu em 26 de Novembro de 2013;
43 – A Demandada só respondeu ao Demandante através da DECO em carta datada de 12 de Dezembro de 2013,
44 – onde informa encontrar-se na disposição de proceder à reparação dos bens, através da substituição dos defeituosos por outros da mesma espécie, nos termos dos artigos 913.º e seguintes do Código Civil.

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Para a matéria dada como provada e não provada, atendendo ao princípio da livre apreciação das provas que vigora no nosso direito, consagrado no artigo 607.º do Código de Processo Civil atual, foram relevantes as declarações das partes corroboradas pelos documentos juntos ao processo, de acordo com as regras do ónus da prova.
Relativamente à prova testemunhal, apenas o Demandante apresentou uma testemunha, a sua esposa, que foi ouvida tendo em consideração essa sua especial qualidade, apesar da qual testemunhou de forma clara, credível e convicta, criando no Tribunal a convicção que falava verdade, ao ter assistido à demonstração do funcionário da Demandada ao Demandante antes do contrato ser celebrado, bem como ter sido quem rececionou os artigos quando estes foram entregues no domicílio do Demandante, por este se encontrar a trabalhar.
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III - Questões prévias:
A) Da Exceção de Incompetência Territorial deste Julgado de Paz
Alegou a Demandada que este Julgado de Paz não seria competente, em sede de contestação, face à sede da Demandada, nos termos do disposto no artigo 14.º da LJP.
Sucede que, apesar das regras do Código de Processo Civil serem aplicáveis nos Julgados de Paz, apenas o são supletivamente, e no que não seja incompatível com as regras consagradas na Lei dos Julgados de Paz, nos termos do artigo 63.º desta última. Ora, sendo a Lei N.º 78/2001 de 13 de Julho Lei especial, prevalecendo sobre a Lei Geral do Código de Processo Civil, são as regras consagradas no primeiro diploma citado que prevalecem e valem para efeitos de aferição da competência do Julgado. Essas regras encontram-se fixadas nos artigos 10.º a 14.º da mesma Lei, a qual, apesar de ter uma regra geral, supletiva, para as citações (nos artigos 13.º e 14.º, quando não se trate de caso previsto nos artigos anteriores), tem uma regra específica para as ações destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento, pelo cumprimento defeituoso, ou para resolução por falta de pagamento: o artigo 12.º, n.º 1 da LJP, o qual prevê que o credor pode optar por colocar a ação onde a obrigação devia ser cumprida, ou no Julgado de Paz do domicílio do devedor, o que o Demandante fez, optando por colocar a ação no concelho onde a obrigação deveria ser cumprida.
Assim, improcede a exceção de incompetência territorial deste Julgado de Paz invocada pela Demandada, pois que verifica-se a competência em razão do valor do Julgado de Paz para apreciar a presente ação tendo em conta que o respectivo valor fixado pelo Tribunal é inferior a €15000 (quinze mil euros); que está em discussão matéria atinente a incumprimento contratual e, bem assim, como supra exposto, que se trata de contrato celebrado e que deveria ser cumprido no concelho do Seixal, concelho este que corresponde à área de jurisdição territorial do Julgado de Paz (artigos 7º, 8º, 9º,nº 1 alínea i), e artigo 12º, nºs 1 e 2, todos da LJP).
B) Da citação da Demandada com prazo superior ao estipulado para apresentação de contestação
Constatou este Tribunal que a Demandada fora citada, como se o fosse por depósito, com dilação de trinta dias para apresentação de contestação.
De imediato, foi proferido despacho, ordenando a regular citação da Demandada, com prazo de dez dias para apresentação de contestação, nos termos do prazo fixado no artigo 47.º, n.º 1 da LJP, e por aplicação do disposto no artigo 191.º, n.º 3, 2.ª parte do CPC, o que foi cumprido, tendo a Demandada sido regularmente citada, e tendo apresentado contestação, pelo que a questão foi sanada.
Deste modo, cumpre apreciar e decidir de mérito.
É questão a decidir nos presentes autos: se há ou não lugar à devolução ao Demandante do valor em dobro por este liquidado à Demandada.
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Apreciação de facto e de direito:
Em primeiro lugar, importa delimitar qual a Lei aplicável a este contrato, quanto à sua substância, forma e efeitos.
Passando revista pelos diplomas legais que têm vindo a ser aprovados nestas matérias, verifica-se que em 14 de Fevereiro de 2014 foi publicada nova legislação sobre a matéria, concretamente, o Decreto-Lei N.º 24/2014, importando pois estabelecer qual o critério a seguir quando se pretende responder à questão de saber qual a Lei aplicável a um determinado contrato ao domicílio ou equiparado.
Sobre o problema da sucessão de leis no tempo, dispõe o artigo 12.º do Código Civil que: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.” Os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma nova lei podem, pelo menos em parte, ser diretamente resolvidos por essa mesma Lei, mediante as denominadas disposições transitórias. Mas, quando nada se diz na lei nova sobre qual a lei aplicável às situações em que se suscita um problema de conflito de leis no tempo, somos remetidos para o artigo 12.º citado, que estabelece o princípio da não retroatividade da lei nova, distinguindo, essencialmente, dois tipos de normas: as que dispõem sobre requisitos de validade, substancial ou formal, de quaisquer factos ou sobre efeitos de quaisquer factos (estas normas só se aplicam a factos novos); e as que dispõem sobre o conteúdo de determinadas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (estas normas aplicam-se a relações jurídicas constituídas antes da lei nova, mas subsistentes ou em curso à data do seu início de vigência). Assim, para o que ora nos ocupa, estabelece-se como regra geral aquela segundo a qual a Lei que deve ser convocada para saber as regras de validade e resolução deve obedecer determinado contrato de consumo é a lei em vigor à data da celebração e resolução do contrato.
Deste modo, a esta questão aplica-se, quanto à sua substância, forma e efeitos, a Lei N.º 24/96 de 31 de Julho, o Decreto-Lei N.º 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei N.º 84/2008 de 21 de Maio, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, e o Decreto-Lei N.º 143/2001 de 26 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei N.º 82/2008 de 20 de Maio, que estabelece o regime legal relativo aos contratos ao domicílio e outros equiparados.
Assim, revelam os factos alinhados que, em 29 de Junho de 2013, o Demandante celebrou contrato com a Demandada durante uma deslocação por esta organizada a Santiago de Compostela, mediante o pagamento de quatro prestações, uma primeira no valor de €200 (duzentos euros), uma segunda no valor de €666,50 (seiscentos e sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos), e outras duas no valor de €666 (seiscentos e sessenta e seis euros) cada uma, tendo de imediato liquidado €200 (duzentos euros).
O Demandante funda a sua pretensão de ser reembolsado em dobro dos montantes liquidados, por ter anulado em prazo o contrato celebrado, e não lhe terem sido restituídas as quantias liquidadas no prazo de 30 (trinta) dias.
Cumpre apreciar e decidir.
Assim sendo, é verdade que o Demandante celebrou, apondo assinatura, um contrato de aquisição de bens móveis. Considera-se também verdade que o Demandante celebrou o contrato durante uma deslocação organizada pela Demandada.
Decorre ainda do que antecede que a situação contratual dos autos se reconduz à figura dos contratos equiparados aos contratos ao domicílio, regulados pelo Decreto-Lei 143/2001, de 26 de Abril na sua redação resultante do Decreto-Lei N.º 82/2008 de 20 de Maio. No artigo 13.º, n.º 1, deste diploma dispõe-se que “entende-se por contrato ao domicílio aquele que, tendo por objeto o fornecimento de bens ou de serviços, é proposto ou concluído no domicílio do consumidor, pelo fornecedor ou seu representante, sem que tenha havido prévio pedido expresso por parte do consumidor.” O n.º 2 desse mesmo artigo 13.º, na sua línea c), estabelece que “São equiparados aos contratos ao domicílio, nos termos previstos no número anterior, os contratos: (…); c) Celebrados durante uma deslocação organizada pelo fornecedor ou seu representante, fora do respectivo estabelecimento comercial;”. No caso em análise, o Demandante deslocou-se a Santiago de Compostela, em deslocação organizada pela Demandada, tendo em vista a venda de produtos comercializados por esta última, mediante adesão a contrato que o Demandante veio a assinar, pelo que se trata efetivamente de situação regulada pelo Diploma citado. Assim, nos termos do artigo 18.º, n.ºs 1 e 5 do mesmo, o consumidor pode resolver o contrato no prazo de 14 dias a contar da data da sua assinatura, ou da entrega dos bens, caso esta seja posterior à assinatura do contrato, por meio de carta registada com aviso de receção comunicando a sua vontade ao outro contraente ou à pessoa para tal designada no contrato. Ora, consta provado nos autos que os bens só foram entregues no domicílio do Demandante em 20 de Julho de 2013, pelo que é a partir dessa data que se contabiliza o prazo de livre resolução. Quanto aos €200 (duzentos euros) entregues a título de sinal, dispõe o artigo 20.º do diploma supra citado, que, não pode ser exigido ao consumidor qualquer pagamento antes da receção dos bens, e que qualquer quantia entregue antes de findos os prazos estipulados no artigo 18.º se tem como entregue por conta do preço.
Resulta ainda provado que o Demandante expediu tal carta à Demandada, para a morada correta da sede desta (apesar da Demandada não ter, como lhe competia, indicado no contrato a morada atual e correta da sua sede), tendo-o feito logo em 24 de Julho de 2013, ou seja, passados 4 (quatro) dias da entrega dos bens, dentro do prazo de 14 dias de que dispunha para resolver livremente o contrato. Mais resulta provado que a Demandada recebeu a carta em 25 de Julho de 2013.
Conclui-se do que supra se explana, que o contrato foi resolvido em 24 de Julho de 2013, o que aqui cabe declarar, com efeitos retroativos à data da sua celebração, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (conforme a previsão legal dos artigos 433.º e 289.º, n.º 1, ambos do Código Civil).
Assim, tendo o Demandante pago à Demandada €866,50 (oitocentos e sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos), em virtude de contrato já resolvido, deve a Demandada restituir ao Demandante o valor que deste recebeu com base nesse contrato, nos termos supra expostos.
Mas, não se limitou o Demandante a peticionar da Demandada o reembolso da quantia entregue, mas sim esse valor em dobro.
Dispõe o artigo 19.º, n.º 1 do Decreto-Lei citado que, quando o direito de livre resolução tiver sido exercido pelo consumidor, nos termos do artigo 18.º, o fornecedor fica obrigado a reembolsar no prazo máximo de 30 dias os montantes pagos pelo consumidor, sem quaisquer despesas para este. E o n.º 2 desse mesmo artigo 19.º estipula que decorrido esse prazo de 30 dias, sem que o consumidor tenha sido reembolsado, o fornecedor fica obrigado a devolver em dobro, no prazo de 15 dias úteis, os montantes pagos pelo consumidor.
Assim, com base nos preceitos citados, assiste razão ao Demandante, pelo que além do valor por este despendido, deve ainda ser reembolsado dessa quantia em dobro, num total de €1733 (mil setecentos e trinta e três euros).
IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, julgo a ação procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Demandada a devolver em dobro ao Demandante o valor de €866,50 (oitocentos e sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos), num total de €1733 (mil setecentos e trinta e três euros).
V – CUSTAS
Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, a Demandada é declarada parte vencida, pelo que fica condenada no pagamento das custas finais do processo.
Custas do processo: €70 (setenta euros), nos termos do disposto no artigo 1.º da Portaria N.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
A Demandada, aquando da apresentação de contestação, já liquidou €35 (trinta e cinco euros), pelo que deverá efetuar o pagamento do restantes €35 (trinta e cinco euros) das custas de sua responsabilidade, num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão (conforme artigo 8.º da Portaria supra citada).
No caso de falta de pagamento, incorrerá a Demandada numa penalização de €10 (dez euros), por cada dia de atraso até um máximo de €140 (cento e quarenta euros) – cfr. art.º 10.º da Portaria N.º 1456/2001, de 28 de Dezembro. Decorridos catorze dias sobre o termo do prazo supra referido para pagamento sem que este se mostre efetuado, será extraída certidão a enviar aos Serviços do Ministério Púbico junto do Tribunal do Seixal, pelo valor então em dívida, que será de €175 (cento e setenta e cinco euros), para efeitos de eventual execução por custas.
Reembolse-se ao Demandante a quantia de €35 (trinta e cinco euros).
Esta sentença foi proferida e notificada ao presente nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da LJP, o qual declarou ficar ciente do seu conteúdo.
Notifique a Demandada e sua ilustre mandatária, juntamente com a notificação para pagamento das custas.
Registe.
Julgado de Paz do Seixal, em 6 de Outubro de 2014
(processado informaticamente pela signatária)
A Juíza de Paz

Sandra Marques