Sentença de Julgado de Paz
Processo: 368/2017 – JPPRT
Relator: MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO
Data da sentença: 11/27/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc. n.º 368/2017 – JPPRT

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: A., NIF …., residente na Rua ….., Porto

Demandados: B, sito na Rua ….. Porto, representado pelo seu Administrador, C., residente na Rua …. Porto, D ., residente na Rua......, Porto, E., residente na Rua ….., Porto, F. residente na Rua …., Porto, G., residente na Rua …, Porto, H., residente na Rua …, Porto, I., residente na Rua ….., Porto, C. residente na Rua …,Porto, J. residente na Rua…, Porto e K., residente na Rua …., Porto


*

OBJECTO DO LITÍGIO

O Demandante intentou contra os Demandados a presente acção enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, peticionando i. a anulação das deliberações da assembleia geral extraordinária de condóminos realizada em 11.07.2017, assembleia, essa, que foi por si pedida para revogação das deliberações, que entende ser inválidas, tomadas na assembleia de condóminos de 19.05.2017, e ii. a exoneração do administrador do condomínio, nos termos do artigo 1435.º, n.º 3, do Código Civil (CC).
Alegou, em suma, que é proprietário, juntamente com a sua esposa, da fracção I do prédio sito na Rua …. Porto e que o regulamento de condomínio aprovado por via de deliberação tomada em assembleia de condóminos realizada em 19.05.2017, e contra a qual votou, padece de várias invalidades, especificamente, nos artigos i. 2.º, n.º 2, alínea d), ii. 2.º, n.º 2, alínea h), iii. 2.º, n.º 2, alínea i), iv. 5.º, nºs 1, 2, 3 e 8 e v. 6.º, alínea g) – cfr. fls. 2 a 18.

*

Os Demandados apresentaram contestação nos termos plasmados a fls. 59 a 106, tendo, em suma, i. alegado a ineptidão da petição e sua consequente nulidade no que se reporta ao pedido de exoneração do administrador e ii. impugnado a existência das invalidades que o Demandante aponta aos supra indicados artigos do regulamento de condomínio, mais tendo pugnado, a final, pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dos Demandados do pedido, mantendo-se, na íntegra, o regulamento de condomínio aprovado na assembleia de condóminos do dia 19.05.2017.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta das respectivas actas (cfr. fls. 140 a 142, 151 e 152 dos autos).
*

QUESTÃO PRÉVIA
DA INVOCADA INEPTIDÃO DA PETIÇÃO E SUA CONSEQUENTE NULIDADE NO QUE SE REPORTA AO PEDIDO DE EXONERAÇÃO DO ADMINISTRADOR
Conforme exposto supra, os Demandados invocaram a ineptidão da petição e sua consequente nulidade no que se reporta ao pedido de exoneração do administrador, por considerarem que não existe compatibilidade entre a acção de anulação, prevista no artigo 1433.º do CC e o processo de jurisdição voluntária de exoneração judicial do administrador, nos termos do disposto no artigo 1057.º do Código de Processo Civil (CPC), pelo que, consideram que o objecto da acção se cinge à apreciação da validade das normas do regulamento do condomínio indicadas pelo Demandante.
Ora, dispõe a alínea c), do n.º 2, do artigo 186.º, do CPC, ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho Na falta de indicação em contrário, os artigos do CPC que sejam mencionados na presente sentença são aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho., que a petição é inepta quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Já o artigo 555.º, n.º 1, do CPC prevê que o autor pode deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação. As circunstâncias que impedem a coligação são as que se encontram previstas no artigo 37.º, n.º 1, do CPC: a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.
Ora, no presente caso, aos pedidos formulados pelo Demandante correspondem, efectivamente, formas de processo diferentes, pois o pedido de exoneração judicial do administrador é regulado por processo especial, previsto no artigo 1056.º do CPC, o qual remete para o artigo 1055.º do mesmo diploma legal, integrando-se tais artigos nos “Processos de jurisdição voluntária” previstos no CPC, os quais, por sua vez, se inserem nos “Processos Especiais”.
Temos, assim, que, em face do disposto nas indicadas disposições legais (artigos 555.º, n.º 1, e 37.º, n.º 1, do CPC), não é, efectivamente, possível a dedução cumulativa dos pedidos formulados pelo Demandante.
Acresce que, apesar de o artigo 37.º, n.º 2, do CPC, conter uma ressalva ao disposto no n.º 1, permitindo ao juiz autorizar a cumulação quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, nos casos aí expressamente previstos, considera o presente Tribunal que nenhum desses casos ocorre, na presente situação, pelo que, e em face de todo o exposto, assiste razão aos Demandados quando consideram que o objecto da acção se cinge à apreciação da validade das normas do regulamento do condomínio indicadas pelo Demandante, atenta a incompatibilidade entre a acção de anulação prevista no artigo 1433.º do CC e o processo de jurisdição voluntária de exoneração judicial do administrador.
*

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 2, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 5.001,00 (cfr. artigos 297.º, n.º 1 e 306.º, nºs 1 e 2, do CPC).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (o 1.º Demandado por representação – cfr. artigo 26.º do CPC) e são legítimas.
*

FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. O Demandante é proprietário, juntamente com a sua esposa, L., da fracção autónoma designada pela letra I, do prédio sito na Rua …. Porto, constituído em propriedade horizontal, a qual se situa o andar e último piso do edifício.
B. Em 19.05.2017, realizou-se a assembleia de condóminos do prédio identificado no precedente ponto, para apreciação e deliberação de diversos pontos da ordem de trabalhos, nomeadamente, para discussão e aprovação do projecto de regulamento interno do condomínio.
C. Nessa mesma assembleia aludida no precedente facto, estiveram presentes ou representados os condóminos representantes das fracções A, B, C, D, E, F, G, H e J, perfazendo um total de 80% do capital investido.
D. Por via de deliberação aprovada na assembleia de condóminos aludida no precedente facto, foi aprovado, por unanimidade, o regulamento do condomínio.
E. Do regulamento do condomínio aludido no precedente facto, constam os seguintes artigos:
“Artigo 2.º
Propriedade exclusiva dos condóminos e partes comuns
(…)
2 – São comuns as partes integrantes do imóvel objeto deste Regulamento que correspondem às enumeradas no artigo 1421.º, n.º 1, do Código Civil, bem como:
(…)
d) Caixa de escadas, patamares de pisos e clarabóia;
(…)
h) Recreio para crianças;
i) Cobertura e terraços de cobertura, incluindo chaminés de desenfumagem e ventilação e outros equipamentos que venham a ser incorporados de uso comum;
(…)
Artigo 5.º
Limitações e condicionantes no exercício dos direitos dos condóminos
1 – Tendo em consideração que o edifício possui características arquitetónicas próprias, indissociáveis da sua identidade e valoração, ficam vedadas todas as obras que constituam ofensa à sua integridade estética e arquitetónica, designadamente quando se traduzam em alterações dos alçados, cobertura, espaços interiores comuns, materiais de construção, elementos arquitetónicos relevantes, cores originais e demais aspetos da estética interna e externa do edifício, salvo quando tais obras sejam previamente autorizadas por deliberação dos condóminos, tomada por unanimidade dos condóminos presentes, nos termos da lei e do artigo 15.º n.º 4 deste Regulamento.
2 – Ficam assim proibidas quaisquer obras que impliquem alterações nas varandas e em todas as demais áreas referias no ponto 2 do Art.º 2.º, nomeadamente para construção de recintos fechados, independentemente da finalidade da sua utilização.
3 – Qualquer condómino que deseje efetuar obras interiores na sua fração autónoma, deverá comunicar previamente por escrito ao administrador, as datas de início e conclusão da obra, juntando informação sobre a sua natureza, características e finalidade.
(…)
8 – Sendo todas as frações autónomas constituídas destinadas exclusivamente a habitação com garagens, a utilização das frações autónomas e suas dependências para fins diversos, só poderá ser consentida pela Assembleia de Condóminos mediante deliberação tomada por unanimidade dos condóminos.
Fica, contudo, absolutamente proibido:
(…)
b. Destinar as frações, total ou parcialmente, a qualquer atividade, aberta ou não ao público, que, pela sua natureza e intensidade, seja suscetível de provocar ruídos, cheiros, fumo, fuligem, vapores, calor, trepidações ou quaisquer outros fatores semelhantes, que possam prejudicar o sossego, bem-estar, segurança e privacidade dos moradores;
(…)
Artigo 6.º
Deveres dos condóminos
São ainda deveres dos condóminos, extensivos, quando aplicável, aos moradores autorizados e demais utentes das frações:
(…)
g. Não estacionar ou permitir o estacionamento de viaturas na zona exterior autorizada para o efeito pela Assembleia de Condóminos com mais de um único veículo e utilizar esse espaço apenas por períodos de curta duração, assim se potenciando esse benefício de forma equitativa pelo maior número de condóminos.”
F. Em 11.07.2017, a assembleia de condóminos do prédio identificado no precedente ponto A, reuniu, novamente, em assembleia extraordinária, convocada a requerimento do Demandante, por sua carta registada, dirigida ao administrador do condomínio, datada de 20.06.2017, tendo por ordem de trabalhos o seguinte ponto único:
“Análise dos fundamentos alegados pelo condómino requerente para sustentar a invalidade e ineficácia das deliberações tomadas na assembleia de condóminos no passado dia dezanove de maio e deliberar pela revogação ou confirmação dessas deliberações ou confirmações.”
G. Nessa mesma assembleia aludida no precedente facto, estiveram presentes ou representados os condóminos representantes das fracções A, B, C, D, E, F, G, H e I, perfazendo um total de 96% do capital investido.

H. Já no decorrer da assembleia aludida nos precedentes factos F e G, compareceu o condómino representante da fracção J.
I. Nessa mesma assembleia de condóminos, propôs o condómino e administrador em exercício C. que “a assembleia delibere pela confirmação das deliberações antes tomadas em dezanove de maio de dois mil e dezassete e assim rejeite o pedido formulado no sentido da sua revogação.”
J. Nessa mesma assembleia de condóminos de 11.07.2017, proposta à votação a proposta aludida no precedente ponto, “foi ela aprovada por maioria, tendo votado favoravelmente os condóminos, presentes ou representados, das frações A, B, C, D, E, F, G, H, J, totalizando 80% do capital investido e votado contra o condómino A., proprietário da fração I.”
K. A fracção autónoma pertencente ao Demandante corresponde a um apartamento recuado e é servida por terraço de cobertura das fracções autónomas situadas nos pisos imediatamente inferiores.
L. O único acesso possível à cobertura do edifício faz-se pela fracção do Demandante.
M. No título constitutivo da propriedade horizontal, a fracção autónoma do Demandante é composta, designadamente, por garagem na zona do logradouro.

*

FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.
*

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, o facto A resultou provado por via de admissão pelos Demandados, conjugada com a prova documental junta por ambas as partes (documento n.º 1 junto com o requerimento inicial e documentos nºs 2, 3, 4 e 5 juntos com a contestação).
Os factos B, C e D resultaram provados por via do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial (correspondente ao documento n.º 1 junto com a contestação).
O facto E resultou provado por via do documento n.º 3 junto com o requerimento inicial, não impugnado pelos Demandados.
Os factos F, G, H, I e J resultaram provados em face do teor do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial (correspondente ao documento n.º 3 junto com a contestação).
Os factos K, L e M resultaram provados por via do documento n.º 4 junto pelos Demandados com a contestação, e que corporiza cópia da sentença proferida no processo n.º 256/2016, transitada em julgado, que correu termos neste Julgado de Paz, processo, esse, que é igualmente referido pelo Demandante no requerimento inicial, e para cuja documentação o mesmo remete, sendo certo que o facto M resulta igualmente provado por via do documento n.º 5 junto com a contestação.
Cumpre, ainda, referir que não se tomou em consideração o documento junto aos autos, pelo Demandante, em sede de audiência de julgamento (cfr. fls. 143), desde logo porque o mesmo consubstancia uma cópia de uma parte de uma alegada acta de assembleia de condóminos, de 1984, o qual foi impugnado pelos Demandados conforme requerimento de fls. 147 (cfr. ainda, despacho de fls. 151 e requerimento de fls. 154 e 155), não tendo o Demandante, nesse seguimento, provado a veracidade do documento (cfr. artigo 374.º, n.º 2, do CC).


*

DIREITO

Por via dos presentes autos, pretende o Demandante que sejam anuladas as normas constantes do regulamento de condomínio aprovado por via da deliberação da assembleia de condóminos de 19.05.2017, confirmada pela deliberação da assembleia extraordinária de condóminos de 11.07.2017, normas, essas, que se deixaram elencadas no facto provado E.
Dispõe o artigo 1433.º, n.º 1, do CC que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Foi dado como provado que o Demandante não aprovou as indicadas deliberações (cfr. factos provados C a J), pelo que, pode, o mesmo, requerer a anulação de tais deliberações.
Resta, assim, aferir se assiste razão ao Demandante, e por conseguinte, analisar se as normas que invoca, constantes do regulamento de condomínio, são ou não, inválidas.
Ora, conforme disposto no indicado artigo 1433.º, n.º 1, do CC, o fundamento legal para requerer a anulabilidade de uma deliberação da assembleia de condóminos é a sua contrariedade face à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados.
Começando pela norma constante no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do regulamento do condomínio, considera o Demandante que a mesma viola o disposto no artigo 1421.º, n.º 1, alínea c) do CC.

Dispõe tal norma do regulamento do condomínio que “2 – São comuns as partes integrantes do imóvel objeto deste Regulamento que correspondem às enumeradas no artigo 1421.º, n.º 1, do Código Civil, bem como: (…) d) Caixa de escadas, patamares de pisos e clarabóia”
Prevê o artigo 1421.º, n.º 1, alínea c) do CC, que são comuns as entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos.
Defende o Demandante, numa interpretação a contrario do normativo do CC referido, que as escadas que apenas servem a sua fracção, não são parte comum.
Ora, conforme resultou provado, a fracção propriedade do Demandante situa-se no último piso do edifício, é servida por terraço de cobertura das fracções autónomas situadas nos pisos imediatamente inferiores, sendo certo que o único acesso possível à cobertura do edifício faz-se pela fracção do Demandante.
Assim, torna-se evidente que as escadas de acesso à fracção do Demandante não servem, naturalmente, apenas esta mesma fracção, pois as mesmas são imprescindíveis para o acesso ao terraço de cobertura das fracções autónomas situadas nos pisos imediatamente inferiores (parte comum do edifício, conforme imperativamente disposto no artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CC) e, por conseguinte, à própria cobertura do edifício (igualmente, como não podia deixar de ser, parte imperativamente comum nos termos do mesmo artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CC), razão pela qual tais escadas têm que ser consideradas de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos, nos termos do disposto no artigo 1421.º, n.º 1, alínea c), do CC, não padecendo, por conseguinte, o artigo 2.º, n.º 2, alínea d), do regulamento do condomínio de qualquer invalidade.
Relativamente ao artigo 2.º, n.º 2, alínea h) do regulamento do condomínio, considera o Demandante que o mesmo viola o Decreto-Lei n.º 379/97, de 27 de Dezembro.
Dispõe tal norma do regulamento do condomínio que “2 – São comuns as partes integrantes do imóvel objeto deste Regulamento que correspondem às enumeradas no artigo 1421.º, n.º 1, do Código Civil, bem como: (…) h) Recreio para crianças.”
Ora, antes de mais o decreto-lei mencionado pelo Demandante foi já revogado pelo Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17 de Setembro, sendo certo que, não existindo, de momento, recreio de crianças no prédio, tal como o Demandante reconhece no requerimento inicial, nunca tal recreio poderia violar as normas constantes do Decreto-Lei n.º 203/2015, de 17 de Setembro. Acresce que, um recreio de crianças localizado num determinado prédio constituído em propriedade horizontal, que sirva as crianças residentes nesse edifício, é, seja de acordo com o disposto no artigo 1421.º, n.º 2, alínea a) do CC, seja de acordo com o disposto na alínea e) do mesmo n.º 2, parte presuntivamente comum do edifício, pelo que, também o artigo 2.º, n.º 2, alínea h), do regulamento do condomínio não padece de invalidade.
Considera também o Demandante que o artigo 2.º, n.º 2, alínea i), do regulamento de condomínio viola o disposto no artigo 1421.º, n.º 3, do CC.
Dispõe tal norma do regulamento do condomínio que “2 – São comuns as partes integrantes do imóvel objeto deste Regulamento que correspondem às enumeradas no artigo 1421.º, n.º 1, do Código Civil, bem como: (…) i) Cobertura e terraços de cobertura, incluindo chaminés de desenfumagem e ventilação e outros equipamentos que venham a ser incorporados de uso comum”

Preceitua o artigo 1421.º, n.º 3, do CC que o título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns.
Defende o Demandante que uma vez que a sua fracção é servida por um terraço de cobertura, tal terraço não consubstancia parte comum do edifício.
Ora, não assiste qualquer razão ao Demandante, pois, conforme dispõe o artigo 1421.º, n.º 1, alínea b) do CC, são imperativamente comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção – aliás, como decidido na sentença proferida no indicado processo n.º 256/2016. Pelo que, também o artigo 2.º, n.º 2, alínea i), do regulamento do condomínio não padece de invalidade.
Considera, ainda, o Demandante que o artigo 5.º, nºs 1 e 2, do regulamento de condomínio viola o disposto no artigo 1422.º, n.º 3, do CC.
Dispõe tal norma o seguinte:
“Artigo 5.º
Limitações e condicionantes no exercício dos direitos dos condóminos
1 – Tendo em consideração que o edifício possui características arquitectónicas próprias, indissociáveis da sua identidade e valoração, ficam vedadas todas as obras que constituam ofensa à sua integridade estética e arquitectónica, designadamente quando se traduzam em alterações dos alçados, cobertura, espaços interiores comuns, materiais de construção, elementos arquitectónicos relevantes, cores originais e demais aspectos da estética interna e externa do edifício, salvo quando tais obras sejam previamente autorizadas por deliberação dos condóminos, tomada por unanimidade dos condóminos presentes, nos termos da lei e do artigo 15.º n.º 4 deste Regulamento.
2 – Ficam assim proibidas quaisquer obras que impliquem alterações nas varandas e em todas as demais áreas referias no ponto 2 do Art.º 2.º, nomeadamente para construção de recintos fechados, independentemente da finalidade da sua utilização.”
Já o artigo 1422.º, n.º 3, do CC preceitua que as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
Ora, o n.º 1 do artigo 5.º do regulamento do condomínio remete para o artigo 15.º, n.º 4, do mesmo regulamento, o qual prevê que as deliberações que, nos termos da lei ou do presente regulamento, careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos, podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes, desde que estes representem pelo menos dois terços do capital investido.
Facilmente se conclui, assim, que os nºs 1 e 2 do artigo 5.º do regulamento do condomínio não violam o disposto no artigo 1422.º, n.º 3, do CC, antes se conformando inteiramente com o mesmo, pelo que, não padecem tais normas de invalidade.
Considera o Demandante que também o n.º 3 do artigo 5.º do regulamento do condomínio é inválido.
Dispõe tal n.º 3 o seguinte:
“3 – Qualquer condómino que deseje efectuar obras interiores na sua fracção autónoma, deverá comunicar previamente por escrito ao administrador, as datas de início e conclusão da obra, juntando informação sobre a sua natureza, características e finalidade.”
Defende o Demandante que o condómino que pretenda realizar obras no interior da sua fracção apenas tem que comunicar ao administrador do condomínio as datas e duração dos trabalhos; mais considera que o responsável pela execução das obras deve afixar, em local acessível aos utilizadores do prédio, a duração prevista das obras e o período horário em que ocorra a maior intensidade de ruído. No que se reporta a estes deveres (de comunicação das datas e duração dos trabalhos e, ainda, do período horário em que ocorra maior intensidade de ruído) está o Demandante a referir-se ao disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, denominado “Regulamento Geral de Ruído”.
Nos termos do disposto no indicado artigo 16.º, n.º 1, as obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços, que constituam fonte de ruído, apenas podem ser realizadas em dias úteis, entre as 8 e as 20 horas, não se encontrando sujeitas à emissão de licença especial de ruído, mais prevendo o n.º 2 do mesmo artigo que o responsável pela execução das obras afixa, em local acessível aos utilizadores do edifício, a duração prevista das obras e, quando possível, o período horário no qual se prevê que ocorra a maior intensidade de ruído.
Em face do disposto neste mesmo artigo 16.º do Regulamento Geral do Ruído, conjugado com o disposto no artigo 1422.º do CC, considera o presente Tribunal que esta norma constante do n.º 3 do artigo 5.º do regulamento do condomínio impõe, efectivamente, um dever aos condóminos que não se coaduna com as limitações que lhes são impostas por via do disposto no referido artigo 1422.º do CC, no que especificamente se reporta ao dever de junção de “informação sobre a natureza, características e finalidade” da(s) obra(s) que pretendem realizar no interior das suas fracções. Na verdade, não se descortina qual o interesse legítimo, para o condomínio, de saber tais informações, sendo certo que os Demandados também não aludiram, na contestação que apresentaram, qual possa ser tal interesse. Na verdade, se é certo que o condómino não pode infringir o disposto no artigo 1422.º, nºs 1 e 2 do CC, e deverá dar cumprimento ao disposto no indicado artigo 16.º do Regulamento Geral do Ruído, também nos parece certo que a imposição, sem mais, de junção de informação sobre a natureza, características e finalidade das obras que pretende realizar na sua fracção é excessiva e não encontra fundamento legal, desde logo no indicado artigo 1422.º, nºs 1 e 2 do CC, para além de colocar em causa, ainda, o disposto no artigo 1420.º, n.º 1, primeira parte do CC.
Em face do exposto, considera-se inválida a norma constante do n.º 3 do artigo 5.º do regulamento do condomínio, na parte em que a mesma refere “juntando informação sobre a natureza, características e finalidade”, por violação do disposto no artigo 1422.º, nºs 1 e 2 do CC, a contrario e artigo 1420.º, n.º 1, primeira parte do CC.
Mais considera o Demandante que a norma constante da alínea b) do n.º 8 do artigo 5.º do regulamento do condomínio é inválida porque a mesma imporia a proibição de alojamento de hóspedes ou turistas nas fracções autónomas.
Dispõe tal norma:
“8 – Sendo todas as fracções autónomas constituídas destinadas exclusivamente a habitação com garagens, a utilização das fracções autónomas e suas dependências para fins diversos, só poderá ser consentida pela Assembleia de Condóminos mediante deliberação tomada por unanimidade dos condóminos.
Fica, contudo, absolutamente proibido:
(…)
b. Destinar as fracções, total ou parcialmente, a qualquer actividade, aberta ou não ao público, que, pela sua natureza e intensidade, seja suscetível de provocar ruídos, cheiros, fumo, fuligem, vapores, calor, trepidações ou quaisquer outros factores semelhantes, que possam prejudicar o sossego, bem-estar, segurança e privacidade dos moradores.”
Ora, a actividade de alojamento local não pode ser considerada como actividade incluída na aludida norma, pois a mesma não é, pela sua natureza e intensidade, suscetível de provocar os factores aí referidos, tal como os próprios Demandados reconhecem. Assim, a alínea b) do n.º 8 do artigo 5.º do regulamento do condomínio não padece de invalidade.
Finalmente, imputa, ainda, o Demandante, invalidade à norma constante do artigo 6.º, alínea g), do regulamento do condomínio, nos termos da qual: “São ainda deveres dos condóminos, extensivos, quando aplicável, aos moradores autorizados e demais utentes das frações: (…) g. Não estacionar ou permitir o estacionamento de viaturas na zona exterior autorizada para o efeito pela Assembleia de Condóminos com mais de um único veículo e utilizar esse espaço apenas por períodos de curta duração, assim se potenciando esse benefício de forma equitativa pelo maior número de condóminos.”, por entender o Demandante que tal norma é contrária à constituição da propriedade horizontal e por considerar que tem, “por uma questão equitativa”, direito a dois lugares de estacionamento, além do da sua garagem.
Ora, o espaço de estacionamento em causa e aludido na indicada alínea g) do artigo 6.º, localiza-se, conforme aí se refere, “na zona exterior”. Nos termos do disposto no artigo 1421.º, n.º 2, alínea d) do CC, presumem-se comuns as garagens e outros lugares de estacionamento. Deu-se como provado que a fracção do Demandante é composta, designadamente, por garagem na zona do logradouro, não sendo a mesma composta por quaisquer lugares de estacionamento na zona exterior do edifício.
Não tem, assim, o Demandante direito a dois lugares de estacionamento, como invoca, pelo que, a norma constante do artigo 6.º, alínea g), destina-se a regular o uso de uma parte comum do edifício, não violando qualquer imperativo legal ou regulamentar previamente aprovado.

*

DECISÃO

Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência, anula-se a norma constante do n.º 3 do artigo 5.º do regulamento do condomínio aprovado por deliberação da assembleia de condóminos realizada em 19.05.2017, confirmado por deliberação da assembleia de condóminos de 11.07.2017, na parte em que tal norma refere “juntando informação sobre a natureza, características e finalidade”.
Custas a cargo do Demandante e dos Demandados na proporção de 80% e de 20%, respectivamente – cfr. artigos 8.º e 9.º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique os faltosos.
Porto, 27 de Novembro de 2018
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)

Processado por computador

(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)

Revisto pela signatária.

Julgado de Paz do Porto