Sentença de Julgado de Paz
Processo: 23/2018-JPCSC
Relator: SÓNIA PINHEIRO
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 12/05/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I. Identificação das partes
Demandante: A. , NIF ...., residente na Travessa...., Lisboa.
Demandada: B....., Lda, NIPC ....., com sede na Avenida .....Cascais.

II. Objeto do litígio
O Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na al. i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (doravante LJP) pedindo: a resolução do contrato de compra e venda celebrado com a Demandada de um veículo automóvel, com a devolução pela Demandada do preço de € 9.500,00 e pela Demandante do veículo no estado em que se encontra; a declaração de nulidade da garantia prestada; e a condenação da Demandada no pagamento dos encargos suportados no valor de € 350,00, e a título de danos morais de valor não inferior a € 2.500,00.
Alegou, para tanto e em síntese, que em 16 de março de 2017 foi ao stand da Demandada onde adquiriu o veículo .... por € 9.500,00. Deu um sinal de € 250,00, deu à troca o veículo, avaliado em 3.250,00, e o restante de € 6.000,00 pagou por transferência bancária. No dia seguinte registou o veículo em seu nome na Conservatória. Retirou o veículo do stand e regressou a Lisboa. Na auto-estrada, em maior velocidade, o veículo começou a apresentar uma trepidação anormal, que comunicou à Demandada. Em 18 de março de 2017, em andamento, ouviu um alerta no painel sobre a falta de líquido de arrefecimento e parou o mesmo. Segundo instruções da Demandada, foi accionado o seguro e a viatura foi rebocada até à oficina E. , para se averiguar o defeito. Que teve de aguardar até muito tarde pela liberação de uma viatura reserva da seguradora. Em 20 de março de 2017, por volta do meio-dia, vai ao encontro da Demandada e Sr. F. da Oficina, e aquela resolve pagar o custo da troca do reservatório do líquido de arrefecimento da viatura. Após, levam a viatura para trocar os amortecedores com vista a reduzir a vibração da viatura em alta velocidade. Em 23 de março de 2017 a viatura apresenta uma luz no painel que indica anomalia no airbag. O Demandante contacta a Demandada (na pessoa do Sr. G ) e acordam em o Sr. F. da Oficina levar o veículo a um mecânico para efectuar a reparação. Em 24 de março de 2017, no fim de um dia de chuva, ao chegar à viatura, o Demandante depara-se com ela completamente molhada e pela primeira vez vê que há uma grande infiltração de água pela capota, que comunicou à Demandada. Após estes defeitos o Demandante solicita o cancelamento do contrato por e-mail. A Demandada não aceita a devolução, diz que o carro dado pelo Demandante já havia sido vendido e que queria exercer o seu direito de fazer os reparos necessários na viatura. O Demandante teve de cancelar uma viagem com esposa no fim-de-semana do aniversário desta. Em 28 de março de 2017, a viatura apresenta um outro defeito, agora na abertura da capota e o Demandante notifica a Demandada. Esta encontra-se com o Demandante e leva a viatura para “capoteiro” para fazer uma impermeabilização, com vista a evitar que entre água no seu interior e com vista a verificar o motivo que impedia a sua abertura, só entregando a viatura no dia seguinte. No dia 07 de abril de 2017, ao voltar para o seu carro, cerca das 22h, o Demandante verifica que a viatura apresenta pela segunda vez o alerta em relação à ausência de líquido de arrefecimento e imobiliza-o no meio da Avenida.... Tenta contactar a Demandada sem sucesso e consegue o líquido, que repõe para conseguir chegar a casa. De seguida, envia e-mail à Demandada (Sr. G. No dia seguinte fala com Sr. F. e combinam em mandar reboque para levar o veículo ao mecânico da Demandada. Em 09 de Abril o Demandante não consegue contactar mais com o Sr. G , que alega estar em viagem. Por esse motivo envia e-mail novamente solicitando o cancelamento do contrato por inúmeros defeitos apresentados em tão pouco tempo. A Demandada não aceita e insiste em reparar a viatura. O Demandante insiste que não quer mais o carro e a única alternativa que Demandada oferece é assinar um contrato de consignação para venda do veículo no seu stand. O Demandante insiste que a viatura deveria ser completamente consertada sobretudo a capota, para que seja vendida em perfeitas condições. Em 12 de abril de 2017 o reboque leva a viatura para a oficina parceira da Demandada. De 12 de abril a 09 de maio a viatura fica na posse da Demandada e o Demandante vai a Cascais para assinar o termo de consignação, para poder expor a viatura no stand. Ao longo do período o Demandante liga diversas vezes para saber como corre a venda mas sente haver pouco empenho já que não se iria facturar nada com aquele negócio. Como não vê resultado na venda e não confiando no mecânico da Demandada levanta a viatura no dia 09 de maio e leva-a a uma oficina autorizada para diagnóstico quanto ao problema do líquido de arrefecimento. Ainda nesse dia o Demandante e Demandada tentam resolver a situação mediante a compra pelo Demandante de um ... à troca do veículo .... Faz-se diagnóstico à viatura que não foi positivo e o Demandante na viagem vê que a viatura estava a “esquentar”. O Demandante não aceita a nova viatura e fica totalmente desconfiado das viaturas da Demandada. No dia 10 de maio de 2017 o Demandante vai de ... a Cascais, levanta a viatura e vai realizar diagnóstico na marca. Aí após diversos testes os mecânicos da marca diagnosticam que a fuga de líquido se dá por conta do tubo de admissão que não estava bem apertado. A marca aperta o tubo. A marca liga ao Demandante e diz que entrou água pela capota enquanto o carro esteve lá. O Demandante liga para a Demandada e iniciam-se as negociações para reparar a capota. Em 12 de maio chove novamente e a água infiltra-se pela capota. O Demandante notifica a Demandada e pede reparação urgente, uma vez que o estofo do carro começava a ressentir-se. Em 25 de maio o Demandante leva a viatura ao Seixal para Sr. H., “capoteiro” indicado pela Demandada, fazer diagnóstico. Ele diz ao Demandante que a capota tem vincos, que deveria ser trocada, e que a Demandada sabia desta situação aquando da primeira reparação por infiltração. O preço pela troca da capota ascende a € 700,00. A Demandada oferece-se para pagar metade do custo. O Demandante com receio de nova infiltração de água aceita pagar metade do custo. No dia 03 de Junho o Demandante leva a viatura para troca da capota, o que demoraria cerca de 3-4 dias. Após esse prazo o Sr. H. não atende as ligações do Demandante. Desloca-se ao Seixal ao menos 1 vez por semana para saber notícias. Mais de um mês depois, em 23 de julho de 2017, o Demandante consegue retirar o veículo do capoteiro. Ainda assim era preciso deslocar-se novamente lá para trocar uma borracha que não estava em bom estado. Em 23 de julho de 2017 o Demandante leva o carro para lavar no .... e verifica que a capota ainda infiltra água, agora em menos quantidade. Comunica tal facto à Demandada e pede soluções mas fica sem resposta. Em 30 de julho de 2017 o Demandante leva novamente o carro ao “capoteiro” para terminar de colocar a borracha, comunica que ainda entra água e a solução que oferece é aplicar um spray impermeabilizante. Em 29 de setembro notifica extrajudicialmente a Demandada, com AR, a tentar a resolução contratual. Em 20 de outubro de 2017 recebe resposta da advogada da Demandada dizendo que a garantia só cobre o motor, negando existir direito do consumidor, atribuindo a ligação do caso presente a uma mera relação civil e não de consumo. Que a Demandada é recorrente em prestar maus serviços e vender viaturas com defeito. Que suportou meses de aborrecimento, perda do aniversário da esposa e todas as férias frustradas e perdidas. Que a garantia é nula por limitar os seus direitos de consumidor. Juntou 71 documentos.
Citada a Demandada, apresentou contestação onde, em síntese, alega que Demandante e Demandada celebraram entre si em 16 de março de 2017 um contrato de compra e venda do veículo automóvel da marca..., tendo o Demandado dado como sinal € 250,00, permuta de um veículo automóvel da marca...., avaliado na retoma em € 3.250,00, bem como o pagamento de € 6.000,00 por transferência bancária. Em 17 de março de 2017 o Demandante registou-o a seu favor e retirou-o do stand. Todas as situações de avaria participadas pelo Demandante à Demandada foram resolvidas, através do seu funcionário C, ao abrigo do contrato de garantia celebrado entre as partes por um ano – troca do reservatório de arrefecimento da viatura, troca dos amortecedores, arranjo da anomalia do airbag, tendo para o efeito a viatura sido levada a mecânico da confiança da Demandada para arranjo da capota devido ao problema de infiltração de águas através da mesma. O Demandante não solicitou o cancelamento do contrato, optando pela reparação das pequenas varias detectadas, que foram resolvidas. O pedido de cancelamento do contrato por e-mail carece absolutamente de fundamento legal. A Demandada não aceitou nem poderia aceitar a rescisão do contrato na medida em que todas as avarias foram atempadamente solucionadas apesar de não estarem sequer a coberto do tipo de garantias abrangidas pelo contrato (entre as quais se inclui a avaria no sistema eléctrico e lona da capota), o qual prevê, especificamente, a cobertura de avarias de motor e caixa de velocidades. Pugna pela sua absolvição do pedido. Juntou certidão permanente da empresa e oito documentos.
A Demandada afastou a fase da mediação.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com obediência às formalidades legais como da ata se infere.
Fixo à ação o valor de € 12.350,00 (doze mil trezentos e cinquenta euros) - cfr. artºs 306º nº 1, 297º nº 1 e 2, 299º nº 1, todos do CPC, ex vi artº 63º da LJP.
O Tribunal é competente (artigo 7º da LJP).
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam excepções, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.

III. Fundamentação
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1. Em 16 de março de 2017, a Demandada, que se dedica ao comércio de veículos automóveis, vendeu, no seu stand, ao Demandante o veículo automóvel, marca ..., matrícula 00-00-XC, no estado de usado, pelo preço de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), sendo € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) entregues a título de sinal, € 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros) correspondente a valor do veículo automóvel da marca ...permutado, e € 6.000,00 (seis mil euros) por transferência bancária;
2. Em 17 de março de 2017 o Demandante registou o veículo a seu favor, junto da Conservatória do Registo Automóvel;
3. Em 17 de março de 2017, o Demandante retirou o veículo do stand da Demandada;
4. Nesse dia, durante a viagem, o veículo apresentou trepidação anormal, que o Demandante comunicou à Demandada;
5. Em 18 de março de 2017, em andamento, o painel do veículo mostrou alerta por falta de líquido de arrefecimento, provocando o sobreaquecimento do motor, tendo o Demandante imobilizado o mesmo e comunicado o sucedido à Demandada;
6. O veículo foi rebocado até à oficina E. para averiguar o referido no item anterior, com atribuição de carro reserva ao Demandante;
7. A Demandada trocou, a suas expensas, o reservatório do líquido de arrefecimento da viatura;
8. A Demandada trocou a suas expensas os amortecedores do veículo;
9. Em 23 de março de 2017 a viatura apresentou uma luz no painel indicativa de anomalia no airbag, o que foi comunicado à Demandada.
10. A Demandada reparou a anomalia do airbag;
11. Em 24 de março de 2017, após ter chovido, ocorreu infiltração de água no interior do veículo pela capota, o que foi comunicado à Demandada;
12. Após, em 25 de março de 2017, o Demandante enviou e-mail à Demandada onde comunicou não pretender ficar com a viatura, pedindo a anulação do contrato;
13. Em 28 de março de 2017, a capota do veículo não abria, tendo o Demandante comunicado tal facto à Demandada;
14. Seguindo instruções da Demandada, o Demandante levou a viatura a Oficina para impermeabilização da capota e verificação do sistema de abertura, o que a Demandada assumiu;
15. No dia 07 de abril de 2017, em andamento, o painel do veículo apresentou alerta por falta de líquido de arrefecimento, tendo o Demandante imobilizado o mesmo na via;
16. Na impossibilidade de contacto com a Demandada, o Demandante adquiriu o líquido, que repôs, e conseguiu chegar a casa;
17. Em 08 de Abril de 2017 envia e-mail à Demandada a relatar o sucedido;
18. Em 09 de Abril de 2017 envia novo e-mail à Demandada propondo a devolução do veículo, o que não foi aceite pela Demandada, referindo ter vendido o veículo ... da retoma, e pretender reparar;
19. Em 12 de Abril de 2017 o veículo é rebocado para oficina da Demandada, para reparação da anomalia do sobreaquecimento do motor;
20. Após, o veículo ficou no stand da Demandada para venda até 09 de maio de 2017,
21. com outorga, para o efeito, entre Demandante e Demandada de “Contrato de Consignação”.
22. Em 09 de maio de 2017, o Demandante retirou o veículo do stand da Demandada e levou-o à oficina autorizada da marca, para diagnóstico do sobreaquecimento do motor, com fuga do líquido de arrefecimento;
23. Na marca informaram que a fuga do líquido de arrefecimento se devia ao tubo de admissão não se encontrar bem apertado;
24. A Oficina da marca apertou o tubo;
25. Enquanto o veículo permaneceu na Oficina da marca entrou água no seu interior pela capota;
26. O Demandante comunicou esse facto à Demandada, que se comprometeu a reparar a capota;
27. Em 12 de maio de 2017 verificou-se nova infiltração de água no interior do veículo pela capota.
28. O Demandante comunicou tal facto à Demandada e pediu reparação urgente, uma vez que o estofo do carro começava a ressentir-se;
29. Em 25 de maio de 2017 o Demandante levou a viatura à oficina indicada pela Demandada (no Seixal), para fazer diagnóstico da capota, concluindo-se pela existência de vincos e que a mesma deveria ser trocada;
30. O custo da troca da capota ascendeu a € 700,00 (setecentos euros);
31. A Demandada ofereceu-se para pagar metade desse custo;
32. O Demandante pagou metade do custo da substituição da capota, no valor de € 350,00;
33. No dia 03 de junho de 2017 o Demandante levou a viatura à Oficina indicada pela Demandada (no Seixal) para substituição da capota, com a indicação que os trabalhos demorariam cerca de 3/4 dias;
34. Em 23 de julho de 2017, após insistências do Demandante, este levanta o veículo da Oficina, com a indicação de ter de lá voltar para finalização dos trabalhos - troca de uma borracha;
35. Em 23 de Julho de 2017, aquando da lavagem do veículo, entrou água para o seu interior pela capota;
36. O Demandante comunica tal facto à Demandada por e-mail datado de 24 de julho de 2017, que não lhe deu qualquer resposta/solução;
37. Em 30 de julho de 2017 o Demandante levou novamente o carro à Oficina (no Seixal) para colocação de borracha;
38. Em maio de 2017, como tentativa de resolução da situação é proposto pela Demandada a troca do veículo ... por um veículo..., que sujeito a diagnóstico, não veio a concretizar-se;
30. Em 29 de setembro de 2017, o Demandante enviou missiva à Demandada onde pede a resolução do contrato, com a devolução do valor pago pela aquisição do veículo, de € 9.500,00, concedendo para o efeito o prazo de quinze dias úteis;
40. Em 20 de outubro de 2017, a Demandada enviou missiva, registada com AR, ao Demandado, por este recebida, subscrita pela Advogada Drª D., onde ancorando-se na garantia prestada de um ano, de motor e caixa de velocidades, apenas aceita a anomalia respeitante à ausência de líquido de arrefecimento, rejeitando a responsabilidade quanto às demais anomalias participadas.
41. Aquando do mencionado no item 1, foi subscrita “Carta de garantia”, onde, para além do mais, consta “Está ao abrigo da garantia de motor e caixa de velocidades por um período de: 1 Ano de comum acordo. Decreto lei nº 84/2008”;
42. A entrada de água pela capota do veículo persiste;
43. O descrito supra provocou no Demandante meses de aborrecimentos.
44. O Demandante viu-se privado da utilização do veículo aquando das reparações supra descritas, bem como tem-se visto impossibilitado de circular com o mesmo quando chove.

Com interesse para a apreciação da causa nada mais ficou provado, considerando-se não provados todos os factos alegados e que sejam de sentido contrário aos provados.
Nomeadamente não ficou provado que:
a) O Demandante teve de cancelar uma viagem com esposa no fim-de-semana do aniversário desta;
b) Em 18 de março de 2017 o Demandado teve de aguardar até muito tarde pela liberação de uma viatura reserva da seguradora;
c) O Demandante insiste que a viatura deveria ser completamente consertada sobretudo a capota para que seja vendida em perfeitas condições;
d) O Demandante liga diversas vezes para saber como corre a venda mas sente haver pouco empenho já que não se iria facturar nada com aquele negócio;
e) No dia 10 de maio de 2017, o Demandante deslocou-se de ... ao stand da Demandada em Cascais;
f) Em 25 de maio, aquando do diagnóstico da capota é referido que a Demandada sabia da situação (necessidade de troca da capota) desde a primeira reparação por infiltração;
g) O Demandante deslocou-se ao Seixal pelo menos uma vez por semana para saber notícias acerca da troca da capota;
h) O diagnóstico à viatura ... não foi positivo e o Demandante na viagem vê que a viatura estava a “esquentar”;
i) O Demandante teve todas as férias frustradas e perdidas;
j) A Demandada é recorrente em prestar maus serviços e vender viaturas com defeito;
l) Aquando da colocação da borracha a solução proposta pelo estofador para evitar a entrada de água foi aplicar um spray;
m) O veículo ... da permuta encontrava-se em péssimas condições de funcionamento, tendo o Demandante atuado de má-fé.


Motivação da matéria de facto provada e não provada:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, tendo considerado o acordo das partes plasmado nos articulados (itens 1, 2, 3, 7, 8 e 10 dos factos provados), os elementos documentais juntos pelas partes que aqui se dão por reproduzidos e integrados, conjugados com as declarações das partes, que se mostraram credíveis.
Mais foram tidos em conta factos instrumentais e os que complementam ou concretizam o que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa (artº 5º, nº 2, al.s a) e b) do C.P.C.).
Assim considerou o Tribunal o teor dos documentos juntos pelo Demandante de flªs 14 (comprovativo da transferência do valor de € 6.000,00), flªs 15 (print informático da AT referente a fatura no valor de € 9.500,00 emitida pela Demandada em 21.03.2017, onde consta como “Consumidor” o Demandante e “Comerciante” a Demandada), flªs 16 (comprovativo de transferência de € 250,00), flªs 17 e 18 (comprovativo de pagamento de € 370,00), flªs 19 (comprovativo de pedido de registo de transferência de propriedade a favor do Demandante do veículo 00-00-XC, datado de 17.03.2017, junto da Conservatória do Registo Automóvel de Cascais), flªs 22 (e-mail enviado pelo Demandante à Demandada em 19.03.2018 onde comunica a indicação dada pelo painel do veículo sobre o liquido de arrefecimento, com sobreaquecimento do veículo, e reboque do mesmo para a Oficina E. a fim desta fazer diagnostico da anomalia; resposta da Demandada, por e-mail de 19.03.2017 onde se compromete a resolver a situação); flªs 23 (comprovativo da prestação de serviço de reboque do veículo em 18.03.2017, com destino à Oficina E.), flªs 24 e 38 (fotos do painel do veículo, com luz indicativa de anomalia no airbag), flªs 25 a 28 (fotos relativas à anomalia do sobreaquecimento do motor do veículo, e reboque do mesmo); flªs 29 a 31 (fatura relativa a atribuição de carro reserva ao Demandante); flªs 32 (fatura relativa ao custo dos amortecedores, emitida em nome da Demandada); flªs 33, 34 e 36 (facturas relativas ao custo da reparação da anomalia da perda liquido de arrefecimento o veículo, emitidas em nome da Demandada), flªs 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 49, 50, 67, 68, 69, 80, 81 (fotos que retratam infiltração de água pela capota do veículo e condensação do seu interior), flªs 47 (e-mail datado de 25.03.2018 enviado pelo Demandante à Demandada após a verificação da infiltração de água no interior do veículo pela capota, onde faz referência a anomalia da perda de líquido de arrefecimento e luz do airbag, e comunica que não pretende continuar com a viatura, com anulação do negócio, fazendo seguir com o e-mail fotos da infiltração de água), flªs 51 (e-mail datado de 08.04.2018 enviado pelo Demandante à Demandada a comunicar que o veículo apresentou problemas com o liquido de arrefecimento no dia anterior, com foto que retrata o painel do veículo, onde se pode observar as luzes acesas referentes a “liq. Refrig.” e “AIR BAG”), flªs 52 e 53 (e-mail de 09.04.2017 enviado pelo Demandante para a Demandada com a indicação da localização do veículo para ser rebocado; e-mail datado de 09.04.2017 da Demandada para o Demandante onde se compromete a resolver as anomalias – sobreaquecimento e luz do airbag; e-mail datado de 09.04.2017 do Demandante para Demandada onde lista as anomalias do veículo, com vista ao cancelamento da compra, devolução das viaturas e do valor pago; e-mail de 09.04.2017 da Demandada para Demandante onde refere já não ser viável o pretendido pelo Demandante uma vez que a viatura dada em retoma já tinha sido vendida, propondo continuar a reparar o veículo; e-mail de 09.04.2017 do Demandante para Demandada a insistir pela devolução do veículo aguardando resposta da Demandada); flªs 54 e 55 (fotos que retratam o veículo a ser rebocado); flªs 56 (contrato de consignação do veículo, com vista à sua venda pela Demandada); flªs 57 a 64 (diagnóstico da I., mas apenas na medida em que foi efectuado diagnóstico ao veículo), flªs 65 e 66 (diagnostico da Oficina da marca ao veículo, de onde decorre que o sobreaquecimento se devia a tubo mal apertado, e sua rectificação), flªs 70 (e-mail datado de 12.05.2017 enviado pelo Demandante à Demandada com vídeo do estado do veículo após ter chovido), flªs 71 (e-mail datado de 21.05.2017 do Demandante para Demandada aguardando a indicação para levar veiculo à Oficina para reparação da capota), flªs 72 (e-mail de 22.05.2017 da Demandada para Demandante com indicação da morada do estofador; e-mail de 30.05.2017 do Demandante para Demandada referindo ter marcado com Oficina o dia da instalação da capota, com referência à repartição do seu custo, de € 350,00 para cada um); flªs 73 (e-mails datados de 18.07.2017 e 19.07.2017 enviados pelo Demandante à Demandada onde refere o seu descontentamento pelo atraso na colocação da capota, solicitando contacto com ele e resolução da situação), flªs 74 (e-mail datado de 24.07.2017 enviado pelo Demandante à Demandada a relatar o facto de, após ter ido levantar a viatura ao estofador, ter procedido à sua lavagem e a água infiltrou-se no seu interior pela capota, pedindo que a Demandada solucionasse esta anomalia, que persistia), flªs 75 (foto relativa a colocação da capota na oficina) flªs 82 a 84 (cópia de missiva denominada “Notificação Extrajudicial” enviada pelo Demandante à Demandada, em que descreve as anomalias de que o veículo padece e solicita a resolução do contrato com a devolução do valor de € 9.500,00 dando, para o efeito, o prazo de 15 dias úteis); flªs 85 a 86 (missiva da Demandada ao Demandante, subscrita pela Advogada Drª D. a declinar a responsabilidade), e de flªs 87 (“Carta de garantia” datada de 16.03.2017).
Considerou ainda o Tribunal o teor dos documentos juntos pela Demandada de flªs 102 e 103 (certidão permanente da Demandada, de onde decorre que é uma sociedade por quotas que se dedica, para além do mais, ao comércio de veículos automóveis), flªs 105 (“Carta de garantia” datada de 16.03.2017), flªs 112 e 113 (AR e registo da missiva da Demandada datada de 20.10.2017), sendo que em relação aos documentos de flªs 106 a 111, 114 a 116 constituem os mesmos juntos pelo Demandante a flªs 32, 33, 34, 35, 36, 37, 85 e 86.
Ainda em declarações o Demandante reiterou o alegado no requerimento inicial, e o teor dos documentos que o instruem, mais referindo que, com a infiltração de água no seu interior, não pode circular com o carro quando chove, nem estacioná-lo na rua, que a capota constitui uma peça vital do carro. Que tudo lhe causou aborrecimentos e constrangimentos.
Por seu turno o representante da Demandada referiu que a Demandada enquanto empresa que vendia automóveis procurava satisfazer as pretensões dos seus clientes. Referiu ter efectuado as reparações solicitadas pelo Demandado, que chegou a propor a troca do veículo ... por um veículo..., que se encontrava em bom estado de funcionamento e o Demandante não aceitou. Reconheceu as anomalias que o veículo foi padecendo, referindo tê-las reparado. Quanto à situação da infiltração da água pela capota, reconheceu que tal vício se verifica. Que tentaram solucionar o problema com impermeabilização e substituição por uma capota usada, que não resultou, suportando quanto a esta última intervenção metade do seu custo, mas que tal não surtiu efeito.
Ora atendendo à prova produzida não teve o Tribunal dúvidas quanto à celebração entre o Demandante e Demandada de um contrato de compra e venda de veículo usado, marca, matrícula 00-00-XC, pelo valor de € 9.500,00 (sendo € 6.000,00 em dinheiro, € 3.250,00 por retoma de veículo e € 250,00 entregues a titulo de sinal), que foi entregue ao Demandante em 17.03.2017. Que na altura foi subscrita “Carta de garantia” em que se estabeleceu a garantia de 1 ano limitada a avarias de motor e caixa de velocidades. Sucede que logo após a sua compra o veículo veio a padecer de anomalias que impediam o seu normal uso, concretamente sobreaquecimento do motor por perda de líquido de arrefecimento, trepidação anormal, luz do air bag acesa, e por fim infiltração de água no interior do veículo pela capota, pesando o facto do veículo em causa ser descapotável. Essas anomalias foram comunicadas à Demandada, que foi efectuando reparações, nomeadamente com substituição de amortecedores, reservatório do líquido refrigerante (arrefecimento) e reparação da luz do airbag. Sendo que relativamente à situação do sobreaquecimento só por iniciativa do Demandante junto da Oficina autorizada da marca é que o problema ficou totalmente solucionado. Contudo persiste a anomalia relativa à infiltração de água no interior do veículo pela capota, vício reconhecido pela Demandada, e que, após duas intervenções (impermeabilização da capota e substituição por outra) nada mais fez para o sanar, recusando-se a aceitar a resolução do contrato, com devolução do veículo. Tal vício que persiste impede a utilização, na sua plenitude, do veículo em causa, nomeadamente sempre que chove.
Quanto aos factos dados como não provados resultam da ausência de prova credível e bastante que atestasse a veracidade dos mesmos ou da prova em contrário. Nomeadamente no que respeita às al.s j) e m) dos factos não provados, o teor dos documentos de flªs 88 (print informático com reclamação) e 118 (e-mail datado de 05.04.2017, enviado pela Demandada ao Demandante), por si só, não se revelam suficientes para prova do contrário, respectivamente. Bem como não se atendeu aos documentos de flªs 76, 77 e 78 (fotos), e de flªs 35, 37, 109 e 111 (faturas com data anterior ao contrato dos autos), por não se mostrarem relevantes para a decisão da causa, e ao de flªs 79 (foto a preto e branco) por não ser perceptível o estado da capota.


IV. O Direito
A questão de fundo dos presentes autos consiste em saber se os factos apurados permitem, ou não, ao Demandante, o direito à resolução do contrato de compra e venda do veículo ....
Com efeito, estamos perante um contrato de compra e venda de um automóvel usado celebrado entre um profissional (a sociedade Demandada vendedora) e um consumidor ou comprador não profissional (o Demandante comprador) - artº 2º, nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (doravante LDC).
Sendo neste caso aplicável o regime jurídico específico da venda de bens de consumo (artºs 1º, nº 1, 1-A do Decreto-Lei nº 67/2003, na redação do artº 1º do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21.05), como aliás é reconhecido na “Carta de garantia” subscrita pela própria Demandada (item 41 fatos provados).
O consumidor tem direito, entre outros, à qualidade dos bens e serviços, e estes devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor (artºs 3º, nº 1, al. a), e 4º da LDC).
O consumidor tem ainda direito à indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos, sendo que o produtor desses bens é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei (artº 12º, da LDC).
Por outro lado, o vendedor é responsável perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega do bem. E, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (arts 3º e 4º, nº 1, do DL nº 67/2003).
Os nºs 1 e 5 do artº 4º do DL nº 67/2003 admitem expressamente que o consumidor possa exercer, quer o direito de exigir a reparação, quer o de resolver o contrato, sem estabelecer qualquer precedência entre eles.
No entanto, a opção do consumidor está sempre limitada, no que ao direito de resolução se refere, quer pelo abuso de direito – artigos 4º, nº 5 do DL nº 67/2003 e 334º do Cód. Civil –, quer pelas exigências gerais relativas ao exercício deste direito (nomeadamente, pelos nº 2 do artº 432º, nº 2 do artº 793º e nº 2 do artº 802º todos do Cód. Civil).
Visa o referido DL nº 67/2003 a proteção do consumidor relativamente à aquisição de bens de consumo (móveis ou imóveis), em que o bem entregue padece de desconformidade face ao contrato de compra e venda.
E, segundo o artº 2º, nºs 1 e 2 do DL nº 67/2003 há, presuntivamente, desconformidade com o contrato nas seguintes situações:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

Voltando ao caso que nos ocupa, ficou, além do mais, provado que:
- Em 16.03.2017 a Demandada vendeu ao Demandante o veículo usado, marca matrícula 00-00-XC, pelo valor de € 9.500,00, o qual lhe foi entregue em 17.03.2017;
- Esse veículo apresentou anomalias, concretamente sobreaquecimento do motor por perda de líquido de arrefecimento, trepidação anormal, luz do airbag acesa, e por fim infiltração de água no seu interior pela capota, sendo que o sobreaquecimento do veículo foi resolvido definitivamente por iniciativa do Demandante junto da Oficina da marca, e a infiltração da água não se encontra sanada.
- esses vícios/anomalias manifestaram-se nos dois meses seguintes à data da entrega da viatura ao Demandante, foram comunicados atempadamente à Demandada, que se comprometeu a repará-los.
Dada a manifesta “desconformidade face ao contrato de compra e venda” celebrado pelas partes, a ausência de elementos que permitam considerar abusivo o exercício do direito de resolução - nº 5 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 67/2003 e artigo 334º do Cód. Civil (note-se que, por diversas vezes, o Demandante insistiu pela resolução do contrato, mas a Demandada recusou-se a aceitá-la “optando pela reparação” ou preferindo a troca por outro veículo ou venda), e estando preenchidos os requisitos exigidos pelos artºs 2º, al. a) do nº 2), 3º e 4º do DL 67/2003, considero procedente o pedido de resolução do contrato celebrado entre as partes.
Ainda a este respeito dir-se-á que mostra-se legítima a conduta do Demandante, dada a gravidade do defeito que persiste (infiltração de água) e da sua repercussão negativa na aptidão para o fim a que se destina o veículo, nomeadamente impedindo-o de circular em todas e quaisquer circunstâncias, ou seja em quaisquer condições atmosféricas, impedindo-o de ficar exposto (p. ex., estacionamento/imobilização) ao tempo de chuva/neve, e limitando a limpeza da capota, não se podendo fazer uso de líquidos, necessitando, assim de cuidados acrescidos na sua lavagem. Pesa ainda o facto da ocorrência das anomalias anteriores, e das tentativas infrutíferas de resolução da infiltração, sem que a Demandada apresentasse outra solução, o que, em conjunto, justifica objectivamente a perda de interesse do Demandante no veículo.
A resolução consiste no ato de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado (M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª Ed., pág. 268).
Na falta de disposição especial, a resolução do negócio equipara-se, relativamente aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, ou seja, dado o efeito retroativo, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie, não for possível, o valor correspondente (artº 433º, do Cód. Civil).
Dispõe o nº 1 do artigo 289º, do Cód. Civil que "Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente".
Contudo não sendo, no caso, possível à Demandada restituir o veículo da retoma, por tê-lo vendido, toma-se por referência o preço ajustado de € 9.500,00 (onde o valor atribuído àquele se inclui).
Por sua vez, não sendo possível ao Demandante restituir ao Demandado o automóvel no estado em lhe foi entregue, a forma de equilibrar as restituições a realizar por virtude da resolução, à qual se aplicam os efeitos jurídicos da anulação e da nulidade, traduz-se na dedução, no preço a restituir de € 9.500,00, da desvalorização e desgaste decorrentes da utilização, embora que parcial, durante cerca de um ano, que o veículo sofreu até à data da citação da Demandada para a presente acção, cujo apuramento se remete para liquidação de sentença (artºs 358º e seg.s do C.P.C.), pois os autos não possuem elementos bastantes para se decidir.
É que o Demandante, ainda que com as descritas vicissitudes, tirou algum proveito do veículo, tendo referido que não circulava com o mesmo em tempo de chuva. Por outro lado, é um facto notório que um veículo automóvel desvaloriza à medida que o tempo decorre, devendo ser considerado a desvalorização do veículo como correspondendo às vantagens que o Demandante retirou do mesmo.

Peticiona o Demandante a declaração de nulidade da garantia prestada.
Vejamos,
Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato – e dentro do prazo de garantia que, quanto a bens móveis usados, é de dois anos, salvo acordo das partes que o reduza até um ano –, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato – artºs 5º, nº 2, 4º, nº 1, e 5º do DL 67/2003, sem qualquer hierarquização de direitos.
E assim é atendendo à mais baixa expetativa que o consumidor razoavelmente terá acerca das qualidades e funcionamento do bem já usado, com mais idade e desgaste.
O DL n.º 67/2003 regula ainda as chamadas “garantias voluntárias” ou de bom funcionamento, ou seja, a declaração pela qual o vendedor, o fabricante ou qualquer intermediário promete reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se, de qualquer modo, da coisa defeituosa, que vincula o seu autor nas condições constantes dela e da correspondente publicidade (artigo 9º).
A garantia voluntária é aplicável em tudo o que possa conferir mais e melhor proteção ao consumidor, mas não afasta, nem pode afastar o conteúdo (mínimo) da garantia legal.
Face ao carácter imperativo dos direitos conferidos ao consumidor pelo DL 67/2003 (artº 10º), e como tal, irrenunciáveis, não podem as partes ao limitar a garantia para um ano, ainda limitá-la aos vícios mencionados na “Carta de garantia” dos autos – motor e caixa de velocidades -, pelo que tal limitação, lesiva dos direitos do consumidor, nesta parte, é nula e de nenhum efeito, o que se declara.
Não procede, assim, a argumentação da Demandada ao referir que as anomalias do veículo dos autos não estão cobertas pela garantia.
A viatura adquirida pelo Demandante tem a garantia de 1 ano (como acordado), ficando a Demandada obrigada a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, durante esse prazo, nos termos do qual se presume que as faltas de conformidade que se manifestem dentro do referido prazo, já existiam na data da venda e entrega do bem, com excepção dos componentes de “desgaste rápido”.
Por outro lado, sempre se dirá que o facto de ter sido efectuada uma primeira reparação com impermeabilização da capota, e após, a troca da capota por outra, sem que a anomalia da infiltração de água ficasse eliminada, não faz perder a garantia.


Peticiona o Demandante a condenação da Demandada no pagamento da quantia de € 350,00 relativa a metade do custo da reparação da capota, e quantia não inferior a € 2.500,00 a título de danos morais.
Ora, no caso dos autos ocorreu o cumprimento defeituoso por parte da Demandada, sendo aplicável as regras gerais da responsabilidade contratual acima citadas, presumindo-se a culpa do vendedor, porque a coisa entregue padece de defeito – artº 798º e seg.s do Cód. Civil.
O artº 12º, nº 1 da LDC, estatui que o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
Trata-se de uma responsabilidade subjetiva nos termos gerais, ou seja, só terá lugar se o vendedor/Demandada não provar que o cumprimento imperfeito da obrigação não procede de culpa sua (artº 799º Cód. Civil).
Não se mostra ilidida a presunção de culpa que impende sobre a Demandada.
Ora, o estado de angústia, desgosto e desgaste emocional do Demandante é compreensível, dado que despendeu a quantia de € 9.500,00 na compra de um veículo que não possui as características e qualidades que esperava que tivesse e que não tirou partido do mesmo como esperava tirar, vendo assim frustradas as suas expectativas, com os inerentes meses de aborrecimentos pelas sucessivas deslocações a oficinas e ao stand da Demandada, pelo tempo de espera pelas reparações, pelos contactos efectuados e envio de e-mails, com vista à resolução da situação, diagnóstico, pela privação do uso do veículo aquando das reparações, sendo que a última – substituição da capota - ultrapassou os 30 (trinta dias) dias, e essencialmente quando chove. Situação e estado psicológico esses que sobrevieram ao Demandado em consequência da conduta da Demandada, os quais constituem danos que assumem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, mediante a atribuição do direito a haver da Demandada uma compensação, cujo valor se fixa equitativamente em € 750,00 (setecentos e cinquenta euros). O mesmo se diga quanto ao pagamento da quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) relativa a metade do custo da substituição da capota suportado pelo Demandante, pois o custo desta reparação teria de ser suportado na íntegra pela Demandada, assistindo ao Demandante o direito de ser reembolsado daquele montante.


V. Decisão
Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência,
a) declaro resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel, marca .... modelo..., matrícula 00-00-XC, celebrado entre o Demandante e a Demandada, devendo o Demandante restituir à Demandada esse veículo, condenando-se a Demandada a devolver ao Demandante o preço de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), deduzido do montante correspondente à desvalorização e desgaste sofridos pelo veículo entre a data da respectiva entrega (17/03/2017) e a da citação da Demandada, a apurar em sede de liquidação de sentença;
b) declaro nula a garantia prestada ao veículo identificado nos autos, na parte em que a limita a avarias de motor e caixa de velocidades;
c) condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros) relativa ao custo suportado com substituição de capota, e ainda a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) a titulo de danos morais;
d) absolvo a Demandada do demais peticionado.


Custas: por via do disposto no artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 63º da LJP, declaro ambas as partes vencidas, pelo que vão ambas condenadas em custas na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 15% para o Demandante e 85% para a Demandada (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro).
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A presente sentença foi notificada à parte Demandada e I. Mandatária presentes, dela tendo ficado cientes.
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Registe e notifique a parte Demandante, por não se encontrar presente.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada.
Cascais, Julgado de Paz, 05 de Dezembro de 2018
A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz