Sentença de Julgado de Paz
Processo: 405/2014-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: CONDENAÇÃO POR DEVER DE INFORMAÇÃO
Data da sentença: 01/23/2015
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
RELATÓRIO:
Os demandantes, A e B, residentes no Funchal, instauraram a ação declarativa de condenação contra os demandados, Banco C, S.A: e Sociedade Gestora de Fundos de investimento Mobiliário, S.A. D, ambas com sede em Lisboa, nos termos do art.º 9, n.º1, alínea H) da L.J.P.
Para tanto, alegam em suma que, são titulares solidários de uma conta aberta no E sita numa agência do Funchal. A 28/12/2001 subscreveram um produto designado por PPR, no qual efetuaram varias aplicações e, posteriormente, a 19/12/2003 subscreveram também outro PPR (Reforma Segura), estes produtos foram até 2005 considerados como PPR/E. Referem, ainda, que os documentos subscritos fazem parte de contratos de adesão, elaborados previamente e impressos, pelas demandadas e apresentados ao cliente. Sucede que a 31/08/2012 a demandante solicitou o levantamento das quantias para fazer face a despesas com educação do seu filho, o outro demandante, que entrara na faculdade. Nessa ocasião, apresentaram-lhe alguns papeis para assinar e assim poder dispor da quantia de 11.500€, o que fez de boa-fé. Contudo, ninguém lhe disse que o resgate antecipado estava sujeito a condições, pelo que deveria apresentar documentos que comprovassem o fim do resgate, nomeadamente em termos fiscais, limitaram-se a advertir das comissões a que estaria sujeita. Sucede que em 2014 foi notificada pela AT para efetuar correção no valor do IRS de 2012, pois tinha fruído do beneficio fiscal durantes os anos de 2001 a 2004 e 2009, a que não teria direito. Após reclamação foi-lhe dada razão mas somente em parte, pelo que teve de devolver o reembolso que obteve em 2012, acrescido de juros e coimas, o que totaliza a quantia de 3.500€. Assim ocorreu a violação de um dos deveres da instituição de crédito, nomeadamente odever de informação, consagrado pelo BdP, uma vez que não foi informada que poderia ter mantido o benefício desde que preenchesse as condições de reembolso, pois destinava-se a fazer face a despesas de educação de elemento do agregado familiar, o seu filho, igualmente demandante, que comprovadamente entrou na faculdade de direito do Porto em setembro de 2012, facto que também foi comprovado junto das demandadas. As demandadas não agiram de forma adequada, quebrando a lealdade e confiança que a cliente depositara, sendo a responsabilidade da intermediária uma responsabilidade contratual, causadoras de danos patrimoniais e não patrimoniais, o que se manteve mesmo após a cliente ter apresentado a documentação solicitada mas que foi recusada porque teria que ter data de 2012 e não de 2014, o que nenhuma instituição fará. Sentindo-se a demandante humilhada, por ver o seu bom nome sujo ao ser notificada pela AT para proceder a correções no IRS. Quanto aos danos não patrimoniais pede assim a quantia de 754,38€, atendendo aos critérios do art.º 496, n.º1. Concluem pedindo que sejam condenadas A) substituir a declaração datada de 31/08/2010, por outra, pois foi assinada contra o espirito da cliente ao resgatar os PPR fora das condições gerais; B) reconhecerem como validos as justificações das despesas de educação já remetidos; C) dar sem efeito a comunicação efetuada á AT (modelo 37) relativo ao sujeito passivo, a ora demandante; D) comunicarem á AT que não ocorreu qualquer incumprimento da cliente no resgate, retirando do sistema informático tal informação; E) indemnizar os clientes na quantia nunca inferior a 3.500€, acrescida de juros, á taxa legal, por ter assumido os encargos do acréscimo á coleta de IRS no ano de 2012, na quantia de 2.601,50€. Juntaram 11 documentos.
Os demandados regularmente citado contestaram. Alegam que apenas aceitam os art.º 1, 4,5 e parte do 7 até levantar dinheiro. Quanto á restante matéria impugnam-na. De facto a demandante subscreveu 2 PPR fazendo entregas ocasionais até 31/12/2005. Efetivamente poderia manter os benefícios fiscais se reunisse as condições legais, porém o resgate fora das mesmas sofre sempre a penalização, e no caso concreto a demandante solicitou o resgate total, sem informar a funcionária sobre a finalidade do pedido, nunca falando que se destinava a custear as despesas com educação do filho. Nessa altura foi informada que não se enquadrava na fruição do benefício, tanto assim que assinou os documentos com essa declaração. Mais não se aceita que tivesse assinado documentos sem que soubesse o que fazia pois é professora, perfeitamente capaz de entender o sentido da declaração. A cliente não alegou os motivos do resgate, além disso na data em que requereu o resgate as condições para manter o benefício fiscal não se verificavam, pois o filho só se inscreveu a 12/09 e o pedido de resgate foi em data anterior, 31/08, a quantia total não se enquadrava nos limites legais previstos para efeitos do benefício fiscal. Mais tarde a clienteprocurou esclarecimentos sobre o modelo 37 e a referida correção, mas tal não foi possível pois era preciso reunira as condições que á data do pedido não existiam, apenas em 2014 juntou a documentação para justificar o reembolso do PPR mas com base em documentação de 2014 não o pode fazer pois veio confirmar que na data solicitada as condições não estava reunidas. E dessa situação foi novamente informada em reunião com o banco que podia reclamar da decisão da AT não incumbindo á sociedade gestora confirmar as declarações dos contribuintes, esta é uma obrigação acessória. Quanto aos danos não patrimoniais foi peticionada uma quantia que não se encontra demonstrada, nem foram sequer alegados. Para além disso, mesmo que existisse dano não há nexo causal imputável às demandadas, pelo que terá que improceder. Conclui pela improcedência total da ação. Juntaram 6 documentos.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré mediação por recusa dos demandantes.
O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.
As partes são legítimas e dispõe de personalidade e capacidade judiciária.
Os autos estão isentos de qualquer irregularidade ou nulidade processual que obste á apreciação do mérito da ação.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem que as partes tenham chegado a consenso. Seguiu-se para produção de prova com declarações de parte (art.º 466 do C.P.C.), audição das testemunhas presentes, terminando com breves alegações dos mandatários das partes, tudo conforme ata de fls. 99 a 102.

FUNDAMENTAÇÃO-
I-FACTOS ASSENTES (ACORDO):
A)Que os demandantes são, respetivamente, titular e cotitular da conta solidária n.º E aberta no C.
B)Que após 28/12/2001 (data da subscrição inicial) foram efetuadas diversas aplicações no produto bancário C reforma investimento e a partir de 19/12/2003 no produto D reforma segura.
C)Que os produtos bancários foram subscritos até 31/12/2005 sob forma de plano poupança reforma educação PPR/E, como é reconhecido pela própria instituição.
D)Que no dia 31/08/2012 a demandante foi á agência do C, sita na rua ------------, no funchal, para levantar dinheiro.

II-FACTOS PROVADOS:
)Que a demandante foi atendida pela F .
2)Que solicitou o reembolso total dos PPR/E que aí detinha.
3)Que lhe explicou que tinha de suportar uma comissão bancária.
4)Que a demandante assinou vários papeies (documentos) emitidos pelo banco.
5)Para aceder ao valor que acumulara nos PPR.
6)Sem a informarem que tinha consequências fiscais inerentes ao resgate.
7)Que não foi informada da check-list de documentos que teria de apresentar pelo resgate.
8)Que não a informaram que o resgate estava sujeito a um limite anual.
9)Que o demandante entrou na faculdade de direito do Porto a 12/09/2012.
10)Que é um fator gerador de despesa para o agregado familiar.
11)Que J é funcionário do banco, demandado, naquela agência.
12)Que a demandante foi notificada pela AT para proceder a correcção no IRS de 2012.
13)Que o D. comunicou que a demandante procedera ao resgate dos PPR fora das condições do art.º 4, n.º1 do D.L. 158/2002 de 2/07.
14)Que a demandante exerceu o direito de audição prévia.
15)Que foi alterado o valor da correcção proposta.
16)Que a demandante acabou por acrescentar á coleta o valor de 2.601,50€.
17)Que a demandante acabou por pagar a quantia de 2.745.62€ á AT.
18)Que a demandante contactou com as demandadas.
19)Que procuraram remediar o sucedido.
20)Que lhe solicitaram os documentos em falta.
21)Que a demandante apresentou os documentos, declaração da faculdade e declarações da junta de freguesia.
22)Que os documentos foram emitidos no ano de 2014.
23)Que o resgate foi processado fora das condições gerais de PPR.
24)Que a cópia da declaração emitida foi entregue á demandante.
25)Que a declaração emitida refere expressamente que se trata de resgate fora das condições gerais, ficando sem efeito a fruição do benefício fiscal do art.º 21, n.º2.
26)Que a demandante é professora.
27)Que a quantia disponibilizada (11.500€) não provém totalmente de PPR/E.
28)Que para manter o benefício fiscal, a demandante, necessitava de preencher os requisitos legais.
29)Que a inscrição do aluno ocorreu a 12/09/2012.
30)Que o resgate foi pedido a 31/08/2012.
31)Que a demandante procurou esclarecimentos junto do Banco C.
32)E, solicitou a correcção da declaração enviada á AT.
33)Que a demandante apresentou a 23/06/2014 a documentação justificativa do pedido de reembolso do PPR.
34)Que analisaram a documentação.
35)Que concluíram que o reembolso não reunia as condições.
36)Que concluíram que não erraram no reporte á AT.
37)Que houve reuniões entre as partes.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal sustenta a decisão na analise critica de toda a documentação junta pelas partes, conjugada com a prova testemunhal e regras da experiencia comum.
A demandante, entendeu efetuar declarações de parte (art.º 466, n.º1 do C.P.C.). Tratou-se de uma versão pessoal dos acontecimentos, onde relatou os motivos para ter subscrito os PPR e os motivos que a levaram a pedir o resgate antecipado dos mesmos. Demonstrando ser uma pessoa esclarecida e atenta ao que a rodeia, quer em termos familiares, como socialmente. Referiu que teve conversas com um funcionário do banco sobre a sua vida familiar, o que a levou a pedir o resgate. No entanto, as conversas, não foram corroboradas por mais nenhuma testemunha, embora fossem coerentes e se enquadrasse no contexto global da situação, tendo inclusive conhecimento de factos pessoais desse funcionário que foram confirmadas pela G. Relatou, ainda, que no dia em que procedeu ao resgate apenas a informaram que está sujeito a comissão e a quantia que teria de suportar, não obstante confirmou ter assinado de boa-fé todos os documentos que elaboraram e lhe deram para assinar, o que fez por, até então, ter confiança na instituição. Porém, hoje já não sente o mesmo, com aquela situação quebrou-se a confiança, sente que foi enganada. Mais esclareceu que soube depois de ser notificada pelas finanças e de contactar o banco que havia uma cheklist, de onde consta os documentos necessários que poderia ter apresentado se lhe tivessem dito, de modo a evitar perder o benefício fiscal. Admite que o banco lhe pediu esses documentos, á posteriori, mas queriam que tivessem a data da época (2012), facto que não é possível pois as entidades emitentes também estão sujeitas a regras e não passam declarações com datas de anos passados.
As testemunhas, H e I, apresentadas pela demandante embora merecessem toda a credibilidade, não tinham conhecimentos pessoais dos factos em questão. Sendo testemunhas abonatórias do carater da demandante, pessoa organizada, esclarecida e íntegra, por a conhecerem a nível profissional e também em termos de amizade, á longos anos. Confirmando, também, que a demandante tem um filho, que se encontra a estudar no ensino superior.
A testemunha, G, comum às duas partes, apenas teve conhecimento dos factos, posteriormente á sua ocorrência. Assim, relevou na parte em que interveio pessoalmente, onde procurou inteirar-se do que se passara, e da intervenção do banco para tentar sanar o “ mal entendido” com a cliente. Relatando alguns episódios onde se reuniram, inclusive com o diretor regional do banco, admitindo que serviria para sanar a situação, pois foi permitido que a demandante, á posteriori, apresentasse a documentação em falta mas com a data da época passada. Explicou, também, as instruções gerais de funcionamento que são dadas aos funcionários, para que as sigam e assim hajam face aos clientes. Explicou os documentos constantes dos autos, identificando a assinatura da funcionária e o seu número interno, assim como a hora da realização do serviço.
A testemunha F, participou diretamente nos factos ocorridos. Confirmando as assinaturas constantes dos documentos, pois foi ela que atendeu a demandante. No entanto, não se recorda da conversa concreta que terá tido com a cliente. Relatou apenas o que se recorda, ao olhar para a documentação, que a demandante pediu o resgate total das quantias que poupou, o que fez, emitindo os respectivos documentos os quais apresentou á demandante para assinar, e aquela assim o fez. Explicou-lhe que teria que aguardar 5 dias até estarem disponíveis na conta á ordem. No seguimento recorda de lhe solicitar que fossem transferidos para outra conta de outro banco, o que fez, pedindo que assinasse logo a documentação para o referido fim já que não estaria na RAM. Quanto às explicações dadas pela demandante para o resgate total, não tem memória, nem em relação a ter prestado ou não a devida informação sobre a perda do benefício fiscal, embora tal conste dos documentos que a demandante tem na sua posse, pois a documentação é feita em duplicado sendo um exemplar entregue ao cliente. Em relação a esta questão em concreto referiu-se em termos genéricos. Revelando que sabe o que tinha de fazer, mas não foi clara, não esclareceu se efetivamente informou a cliente. Aliás é normal que com o passar dos anos não recorde tudo o que se passa com os clientes que atende, especialmente se não forem clientes assíduos. No entanto, as suas “recordações” referem-se apenas á análise da documentação que o banco possui, facto que um funcionário experiente não terá dificuldade em fazer, e não propriamente ao caso concreto.
Não se provaram mais factos com interesse para a causa, nomeadamente que a demandante tenha falado com o funcionário bancário J, bem como o local e motivos da conversa.

III-DO DIREITO:
O caso dos autos refere-se á mobilização antecipada de dois PPR e suas consequências tributárias, factos regulados pelo D.L. 205/89 de 27/07 e posteriormente o D.L. 357/99 de 15/07, com a alterações do D.L. 158/2002 de 2/07 com as alterações do D.L. 125/2009 de 22/05 e pela Portaria n.º 145/2002 de 11/11.
Questões a considerar: reunia a situação concreta os requisitos para mobilização total antecipada, observação (ou não) do dever de informação, indemnização.
Iniciamos a exposição com a caracterização dos PPR e sua envolvência no caso concreto.
Geralmente os PPR e PPR/E são apresentados pelos bancos aos clientes como sendo um produto financeiro, expressão esta que é muito generalista e na qual se podem englobar um vasto número de coisas comercializadas pela banca.
O art.º 1 do D.L. 158/2002 tem como epigrafe a noção. Começando por referir as 3 modalidades que pode revestir, e no n.º2 concretiza que são certificados nominativos de um fundo, acrescentando-se no n.º3 que podem revestir a forma de investimento mobiliário, de pensões ou equiparadamente, um fundo autónomo de uma modalidade de seguro do ramo vida.
Porém, tal como se refere não é propriamente um seguro mas algo equiparado. No fundo trata-se de um instrumento de captação de poupanças do consumidor, que permite adiar o consumo imediato/presente pelo consumo futuro, devido á taxa de juro que a poupança possibilita. Configurando-se como um esquema complementar de segurança social, de iniciativa individual, servindo para o seu titular como um meio compensatório que poderá fruir a médio ou longo prazo, para determinado fim.
Uma das atrações que este produto representa para o consumidor, além da taxa remuneratória, é precisamente o benefício fiscal que lhe está inerente, possibilitando um desagravamento da carga fiscal, com maior rendimento disponível para o seu titular. Tal facto é manifestado no preambulo do referido D.L. 158/2002, quando explicita que facilita a captação de poupança e não penaliza o seu reembolso, posição esta defendida no AC.do TRP Proc. 0723831 de 6/02/2008 e também no AC. TRL. Proc. 7728/10.5TCLRS.L.1-7 DE 23/09/2014, in dgsi.pt.
Por seu turno, o benefício fiscal é uma medida de carater excecional instituída para tutela de interesses públicos, nestes se inclui as isenções, amortizações, as deduções á coleta, etc… e mais uma serie de medidas fiscais, que do ponto de vista orçamental representam uma despesa.
A doutrina costuma distinguir entre os benefícios fiscais tout court e as isenções (o que para o caso não é relevante), embora na prática tenham o mesmo efeito: impedir a produção do facto tributário e a consequente tributação.

No caso concreto o Tribunal não viu a documentação que serve de base/titulo destes produtos, desconhecendo se deles consta toda a informação pertinente. No entanto, as demandadas confirmam tratar-se de 2 produtos destintos mas com o mesmo fim PPR e PPR/E.
De acordo com a experiencia comum, é usual ser entregue pelo banco ao cliente a documentação/titulo que comprova o produto que se subscreve.Uma vez que se trata de um certificado nominativo o Banco, como intermediário da subscrição dos títulos,está sujeito ao dever de comunicação e informação (art.º 5 e 6), resultante do regime das cláusulas contratuais gerais, reguladas pelo D.L.446/85 de 25/10, pois o cliente não pode interferir nas negociações e clausulas, apenas se limita a aderir ou não ao mesmo, o que dependerá da forma como este lhe é apresentado.
Este dever aplica-se, não só na altura em que o cliente está a subscrever o produto mas, também, durante toda a relação negocial, o que também deriva do princípio geral da boa-fé contratual (art.º 227, n.º1 e 762, n.º2 do C.C.), aplicável á presente situação, e em especial, quanto ao que nos interessa na altura em que a demandante resgatou os planos de poupança (ou seja na fase decisória do negócio- em que foi emitida a declaração negocial).
Isto porque o banco emitiu vários documentos que foram assinados pela demandante, que se encontram junto aos autos de fls. 82 a 85, os quais foram elaborados de acordo com modelo que já possuem no sistema interno do banco, conforme a sua funcionária o admitiu e igualmente explicado pelo atual gerente daquela agência. Para as demandadas, não obstante terem entregado á demandante um duplicado dos documentos que assinou, era-lhes exigido que os funcionários prestassem informações claras e esclarecedoras, devido às implicações que daí advêm (art.º 6, n.º1 do D.L.446/85).

No que diz respeito ao resgate das quantias que ao longo dos anos a demandante foi acumulando há a considerar duas modalidades destintas: o resgate total, que pode ser efetuado a todo tempo, com a perda do benefício fiscal que tenha obtido; e o resgate parcial de acordo com a reunião de um conjunto de pressupostos, mantendo os benefícios fiscais já auferidos (art.º 4,n.º 1, alínea f) e n.º 5 do referido D.L. 158/2002), qualquer uma das modalidades por que opte está sujeita a uma comissão da instituição bancária (art.º 2-A do D.L.158/2002).
Contudo, se o reembolso for efetuado nos termos da referida alínea f) o reembolso só pode ser efetuado 1 vez por cada ano civil e dentro dos limites (económicos) fixados por portaria conjunta do M.F com o da Educação e do Ensino Superior (art.º 5, n.º 2 do D.L. 158/2002), tendo em consideração o local de residência do estudante.

No caso concreto a demandante efetuou no dia 31/08/2012 o resgate total dos referidos PPR, o que implica a perda do benefício fiscal, o que decorre diretamente da lei, e de facto neste dia ainda não reunia as condições legais para requerer o resgate faseado.
Porém, o que pretendia era continuar a fruir daquele benefício, o que resulta do conteúdo global do próprio R.I. e das suas declarações em sede de julgamento, pelo que se poderá dizer que agiu em erro, ou seja, atuou na convicção de que não teria de inscrever no seu IRS a referida verba que resgatou, e agiu em conformidade com tal.
Nos termos do art.º 247 do C.C. considera-se existir erro quando existe uma divergência entre a vontade e a declaração que emitiu, podendo assumir a forma intencional ou não intencional.
E, de entre as modalidades de divergências não intencionais, encontra-se o erro obstáculo ou na declaração, na medida em que a declarante emite uma declaração, desconforme com a sua vontade real e sem consciência disso, ou seja em linguagem comum, enganou-se, equivocou-se.
No entanto para poder prevalecer-se deste erro é necessário que se encontre preenchido 3 requisitos, a saber: estado de erro da declarante (os demandantes), o carater essencial sobre o qual recai o erro, e o conhecimento ou a não ignorância sobre a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro.
Conforme já se referiu o primeiro destes requisitos já se encontra preenchido (erro da declarante).
Conforme já se referiu na data em que solicitou o resgate total a demandante, ainda, não reunia as condições legais exigidas para solicitar o resgate faseado com a manutenção do benefício fiscal, desde logo porque, nesse dia 31/08/2012, o seu filho, ainda, não frequentava o ensino superior, o que veio a acontecer dias mais tarde, a 12/09/2012, facto devidamente comprovado por documento.
A questão que se coloca é se ela soubesse desse facto teria igualmente pedido o resgate total ou teria optado pelo resgate faseado, esperando mais uns dias.
Trata-se de uma questão para a qual deveria de estar informada de modo a que pudesse fazer uma opção livre e de forma esclarecida. Mostra a experiencia comum que nos dias em que correm (como era o caso do ano de 2012, no qual existia no país um forte aperto económico ao contribuinte, por causa da difícil situação económico-financeira existente) ninguém paga mais se pode pagar menos, sobretudo quando se está no pleno conhecimento de todos os elementos necessários para que assim possa optar pelo que mais lhe convier.
E, mesmo para a demandante que é uma pessoa ponderada, como as testemunhas que apresentou assim a descreveram, com nível de conhecimentos superiores -enquanto professora de inglês do ensino secundário-,para matérias tão específicas como esta, exige-se conhecimentos acima da média, o que a sua formação profissional certamente não lhe dá, pois está fora deste âmbito.
Assim, de acordo com as regras da experiencia comum, se a demandante tivesse percebido que havia duas modalidades de resgatar a quantia aforrada, umaque a obrigava a declarar a quantia resgatada na sua declaração de IRS, sujeitando-se a pagar o devido imposto, já que não poderia manter o beneficio fiscal e outra que lhe possibilitava manter o beneficio, certamente não teria optadopelo resgate total da quantia acumulada mas sim pelo resgate faseado, mesmo que adiasse por alguns dias a sua obtenção, de modo a ter os documentos necessários para o efeito.
Pois, conforme declarou nas declarações de parte, e se comprova pelo documento n.º3 junto a fls. 16, o seu filho acabou por se inscrever na faculdade 12 dias mais tarde, e com quantias mais pequenas disponíveis na conta á ordem mais facilmente poderia controlar os gastos do filho. Esta é uma preocupação normal de uma mãe atenta,pois com o filho a estudar no continente e ela na ilha, teria mais dificuldades de á distancia controlar os gastos do filho, o que também resulta da experiencia comum.
Desta forma considera-se estar reunido o segundo elemento deste tipo de erro.
Por seu turno, é preciso não esquecer que as demandadas, sociedades comerciais, são instituições especializadas em matérias económicas, ou sejam profissionais do ramo, e como tal encontram-se sujeitas ao regime legal da lei da defesa do consumidor e ao regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, de ora em diante designado pela sigla RGICSF, mais propriamente os deveres gerais, de entre os quais se destaca de diligência (art.º 74) e o dever de informação (art.º 75).
Assim, nas relações com o cliente deverá atuar com a devida qualidade e eficiência. Defende Menezes Cordeiro, in Manual de Dt.º Bancário, págs. 435 e sgs, que deve assegurar ao cliente em todas as atividades que exerça elevados níveis de competência técnica, dotando-se na sua organização empresarial de meios materiais e humanos necessários, de modo a assegurar a qualidade e eficiência. Aponta este critério para a figura de um banqueiro criterioso e ordenado, semelhante á figura de um bonuspater famílias, prudente, ordenado e dedicado.
Por sua vez, o próprio dever de informação (art.º 75 RGICSF) decorre também do referido princípio geral da boa-fé (art.º 227, n.º1 e 762, n.º2, ambos do C.C.), já suficientemente referido anteriormente, sendo uma norma de conduta inerente á atividade bancaria.
E, com base nisto se insiste que não basta apresentar documentos para o cliente assinar, é preciso explicar de forma clara e adequada ao cliente o motivo para que os mesmos são emitidos e a que se destinam. E, mesmo que o cliente não tivesse revelado o objetivo do resgate, a obrigação mantinha-se pois estava inerente uma obrigação fiscal que decorre do regime legal dos produtos subscritos pela demandante, e tal facto não pode ser ignorado pelas demandadas, mais concretamente pelo C, banco, enquanto intermediário de todo o negócio.
No caso concreto a demandante não conseguiu provar que realmente tenha falado com outro funcionário do banco e lhe tenha revelado o objetivo do resgate, embora se apurasse que se trata de uma pessoa real, que efetivamente trabalha naquela agência do banco e que tem filhos em idade de estudar, o que os outros funcionários das demandadas confirmaram.
No entanto, há uma desigualdade notória entre os sujeitos deste negócio que tem que se ter em consideração na análise desta situação. De um lado temos entidades que têm especiais conhecimentos e obrigações e por outro lado o cliente, um simples particular, que é um leigo nesta matéria. No fundo é o cumprimento do dever de informação que compensa a desigualdade das partes, dai a sua importância nas relações entre os bancos e os clientes, em que a fragilidade destes é de tal modo notória que coloca em causa a sinalagmaticidade das relações.

Por seu turno as demandadas, também, não conseguiram provar que a sua funcionária, aquela que comprovadamente atendeu a demandante, tenha efetivamente prestado os esclarecimentos necessários para que a demandante pudesse saber que incorria na perda dos benefícios fiscais, com a consequente inscrição da verba na sua declaração anual de IRS.
E, do testemunho daquela o Tribunal retirou que a referida funcionária sabia precisamente o que devia fazer, porém a própria funcionária não foi clara. Acabando por dizer que não se recordava se explicou ou não o conteúdo da declaração. E, o ónus daquela prova (de ter prestado a devida informação) competia-lhes fazer, o que não lograram demonstrar, por isso pode dizer-se que aquelas não podiam ignorar que a demandante pretendia resgatar os PPR/E mantendo o benefício fiscal, ou seja, fazer o resgate faseado.
Posto isto, é lícito concluir que além dos pressupostos do erro estarem reunidos, as demandadas agiram negligentemente na forma como o dever de informação foi prestado ao cliente, pois nas circunstâncias concretas era-lhes exigido agir de outra forma, isto é, não podiam limitar-se a emitir a documentação sem que previamente lhe prestasse os esclarecimentos sobre as implicações que os documentos importavam, sobretudo a nível fiscal.
Sendo esta uma das modalidades que a culpa pode revestir, o não cumprimento daquele dever importa a responsabilidade daquelas instituições de crédito, nos termos dos art.º 485, n.º2 e 799, n.º1, ambos do C.C., já que se trata de um dever jurídico que não foi observado de forma adequada e do qual resultaram danos.

Quanto aos pedidos concretos deduzidos pelos demandantes, nomeadamente os primeiros quatro pontos referidos no r.i. estão subjacentes a toda esta problemática. Quer isto dizer que não é possível atender aos pedidos sem previamente considerar com que base é que se pede a substituição de declarações emitidas, facto que foi bem entendido pelos demandados que remetem logo para a não existência de qualquer erro, quer no reporte á AT., quer no preenchimento da declaração modelo 37. E, embora o Tribunal não se possa substituir às partes, após verificar a forma como os pedidos deduzidos tiveram o devido feedback, não pode deixar de entender que naqueles pedidos está implícito outro, a anulabilidade da declaração emitida pela demandante. Só com base no erro e seus efeitospodedeclarar-sea substituição das declarações assinadas pela demandante, o que implica o reconhecimento de que ocorreu um erro na declaração transmitida pela demandada á Autoridade Tributária, com a aceitação da documentação apresentada pela demandante.
Por fim, quanto aos pedidos de indemnização temos os dois tipos de danos reclamados, patrimoniais e não patrimoniais.
Se em relação ao dano patrimonial sofrido corresponde á quantia que efetivamente pagaram á A.T., conforme documentos emitidos a fls. 31 e seguidamente a fls. 32, o qual comprova que pagou por multibanco, veja-se a coincidência dos números da referência para pagamento e valor a pagar, sendo este o dano patrimonial concreto e a consequência daquele erro.
Já em relação aos danos não patrimoniais, há também que considerar o disposto no art.º 496, n.º1 do C.C., ou seja, apenas são ressarcíeis os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, e quanto á fixação da indemnização a atribuir no caso de estar subjacente a mera culpa do agente, o montante é fixado pelo Tribunal de acordo com os critérios previstos no art.º 494 do C.C.
A observação do princípio da boa-fé assenta em dois pilares fundamentais: a lealdade e confiança entre os contraentes nas relações que desenvolvam entre si, os quais são deveres acessórios da conduta que deve ser observada.
No caso em apreço há uma desigualdade de conhecimentos e deveres em relação às partes, do qual resulta uma maior exigência, um maior cuidado na relação, em especial no que tange a informações prestadas no âmbito da atividade desenvolvida por estas, o que se explica pela importante função que desempenham na sociedade hodierna.
A tutela da confiança permite esperar que a contraparte forneça, comunique os factos importantes para que com base neles tenha os conhecimentos técnicos, indispensáveis para a sua tomada de decisão, sobretudo em assuntos com conteúdos específicos esobre os quais não existe muita informação circulante. Isto deixa os clientes das instituições bancárias e afins nas “suas mãos”, isto é, resta-lhes esperar que os seus funcionários ajam com a devida diligência e que a informação prestada por eles seja a importante, a essencial para o seu próprio caso.
A confiança institucional é sedimentada ao longo dos anos em que as partes desenvolveram as suas relações, não se trata de uma relação pontual mas duradoura, complementada pelos deveres de diversos negócios e operações que realizem.
O não cumprimento ou cumprimento insuficiente daquele dever é merecedor de tutela jurídica e como tal susceptível de ser indemnizado.
Tendo em consideração que o recurso á equidade assenta numa ponderação casuística, que a confiança e sua quebra são valores de difícil quantificação mas que existem em toda a sociedade e merecedores da devida tutela jurídica, no que respeita ao cômputo da indemnização é tido em consideração, tudo o que já foi explanado anteriormente nomeadamente a desigualdade entre as partes no que toca a conhecimentos, deveres e a situação económica das partes, também ela muito dispare, pelo que o Tribunal considera como justo atribuir na presente situação a quantia de 500€.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação procedente. Consequentemente reconhece-se que as declarações de resgate dos PPR/E devem ser substituídas por outras que mantenham os benefícios fiscais, com a consequente aceitação dos documentos já apresentados pela demandante e indemnização dos demandantes por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na quantia global de 3.245,62€.

CUSTAS:
São da responsabilidade das demandadas em proporção ao respetivo decaimento que se fixa em 90%, pelo que devem proceder ao pagamento da quantia de 28€ (vinte e oito euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária de 10€ (dez euros).
Em relação aos demandantes proceda-se ao respetivo reembolso em função do decaimento na ação fixado em 10%, ao qual corresponde a quantia de 28€ (vinte e oito euros).

Funchal, 23 de janeiro de 2015
(redigido e elaborado pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)

A Juíza de Paz

(Margarida Simplício)