Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 35/2015-JP |
Relator: | MARGARIDA SIMPLÍCIO |
Descritores: | CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DE UMA EMPREITADA - RESOLUÇÃO DO CONTRATO |
Data da sentença: | 06/24/2015 |
Julgado de Paz de : | FUNCHAL |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 35/2015-J.P. RELATÓRIO: A demandada foi regularmente citada, conforme registo a fls. 13, tendo contestado. Alegou a incompetência do Julgado de Paz do Funchal em razão do território, uma vez que deveria a ação ser instaurada nos Tribunais do concelho de Vila Nova de Gaia, sendo o cumprimento da obrigação o local onde se comprometeu a entregar a mercadoria, Matosinhos, concelho do Porto. Aceita os art.º 4, 5, 8, 11, 12, 13, 14, 19, 20 e 21 do r.i., quanto á restante matéria alegada impugna a sua totalidade. Na realidade o preço pago pela demandante foi com desconto de 20%, o que resulta do documento junto a fls. 48, pelo que não pagaram os 1.900,80€ mas 1520,64€, o que revela má-fé. Foi acordado que ficaria por conta da empresa a entrega da mercadoria ao transportador, pelo que o transporte dos bens era por conta e risco da demandante. Não obstante, a demandada, de boa-fé procedeu, de forma gratuita, á substituição das cadeiras, e não á reparação, facto que se verifica pela imagem a fls. 43, o que foi assegurado por um gestor de qualidade, e pelo responsável do armazém. Mas de acordo com a nova reclamação as cadeiras voltaram a chegar com danos, não obstante e demandante ter declarado o contrario á transportadora, o que impediu que ativassem o seguro. Quanto aos vivos nos estofos não foi efetuada intervenção na substituição da estrutura, pelo que a haver danos correm por conta da demandante, a qual até se disponibilizou a proceder á sua reparação desde que fosse autorizada, o que não sucedeu. Para além disso, foi a demandada que contratou com uma transportadora, a comercial D apenas a auxiliou dando o contacto e cotação do serviço, o que agradou aquela. As pessoas que foram a casa da demandante fazem parte de 2 lojas, sitas no Funchal, sendo por ela contratada para verificarem e nenhuma delas lhe transmitiu o que aquela alega nos art.º 22 a 24 do r.i, e nunca mais se manifestaram. Em relação á DECO não lhes foi dada oportunidade de se pronunciarem, remetendo o assunto para os Tribunais. Conclui pela procedência da exceção e improcedência da ação, absolvendo-a do pedido. Junta 4 documentos. Os demandantes responderam. Alegando que face á norma especial do art.º 12 da L.J.P., optaram pelo lugar do cumprimento da obrigação, e sendo este o Funchal, este Julgado é competente. Concluem pela improcedência da exceção e procedência da ação. O Tribunal no despacho em que designou o dia da audiência, a fls. 129, referiu que, como as partes tinham posições díspares em relação ao lugar do cumprimento da obrigação, seria a mesma objeto de prova em audiência. TRAMITAÇÃO: AUDIENCIA DE JULGAMENTO: III-DO DIREITO: No caso concreto, qualquer um dos locais identificados pelas partes podia ser o local do cumprimento da obrigação, nomeadamente a casa dos demandantes ou a transportadora, o que dependeria dos termos contratuais, e assim poderia identificar que tipo de obrigação estaria em causa. Como a demandada não compareceu á audiência e não justificou a falta, é aplicável, também neste aspecto a cominação do art.º 58, n.º2 da L.J.P., ou seja, não fez prova do que alega, logo o local do cumprimento da obrigação seria o imóvel dos demandantes, sito no concelho do Funchal, e como tal este Julgado de Paz, considera-se competente em razão do território para apreciar este litigio. Estamos face a uma união de contratos, ou seja, quando ocorre em simultâneo a celebração conjunta de diversos contratos. A união, neste caso será externa, na medida em que resulta de terem todos sido celebrados pela mesma ocasião, não existindo entre eles qualquer outro nexo de dependência ou ligação. No caso concreto conclui-se desta forma pela apresentação de 1 orçamento único, composto de diversos itens, sendo atribuído um valor distinto para cada um dos bens a executar e serviços solicitados, o que resulta do documento junto de fls. 33 a 34. Este documento contém, ainda, o prazo da entrega dos bens e as condições de pagamento. Quanto ao regime que deve ser aplicado a este tipo de contratos, uma vez que cada contrato mantém a sua autonomia será o regime da empreitada (art.º 1207 e sgs do C.C.) e em especial o da defesa do consumidor (L. 24/96 de 31/07, conjugado com o Dec. L. n.º 67/2003 de 08/04 com as alterações do Dec. L. n.º 84/2008 de 21/05), já que resulta que a demandada será uma profissional do ramo em questão e foi no âmbito da mesma que realizou o negócio com os demandados, ou sejam os consumidores. Resulta da conjugação destas leis que deve ser entregue ao consumidor bens que tenham qualidade, sendo esta uma imposição resultante do cumprimento da obrigação. A conformidade resulta, antes de mais, de uma relação entre o objeto do negócio e a descrição que é feita do mesmo. Nos termos do n.º1, do art.º 2 D.L. 67/2003 é ao prestador do serviço que compete o ónus da prova de que o objeto que entregou está segundo os termos acordados. O legislador estabeleceu, um conjunto de situações em que considera não existir conformidade (n.º2 do art.º 2 do D.L. 67/2003) por falta de requisitos, destacando-se com interesse para a causa a alínea d) que se inclui os bens que não apresentem as qualidades e o desempenho habitual em bens do mesmo tipo e que o consumidor poderia esperar, atendendo ao tipo de bem. Estabelecendo-se no n.º2 do art.3 do Dec. L. 67/2003 de 08/04 a presunção legal de que a falta de conformidade já existia no momento da entrega do bem, desde que se manifeste num prazo de 2 anos a contar, tendo em consideração o tipo de bem. Todavia, a lei impõe ao consumidor um duplo ónus, (n.º2 e 3 do art.º 5-A do Dec. Lei 84/2008 de 21/05) denunciar os defeitos no prazo de dois meses a contar do momento em que os tenha detetado, e no prazo de dois anos, após a denuncia se a sua pretensão não for satisfeita, deve intentar a correspondente ação, sob pena de caducidade do direito, acrescentando, os n.º4 e 5 deste artigo que o prazo para intentar a ação suspende-se enquanto o comprador estiver privado do uso do bem, no caso de ter estado a ser reparado, bem como nas situações em que as partes entendam submeter o diferendo a tentativa de resolução extra judicial, nomeadamente mediação ou conciliação. A lei estabelece 4 opções á escolha do consumidor: reparação, substituição do bem, redução do preço e ainda a resolução do contrato. O legislador nacional não procedeu ao escalonamento destas opções é o que resulta do art.º n.º, apenas veda a possibilidade de opção em casos de manifesta impossibilidade ou de constituir um abuso de direito, remetendo esta situação para o regime do 334º do C.C. Para além disto, pode ainda comportar uma indemnização ao comprador (art.12º da LDC conjugado com os art.º 908º, 909º e 918º do C.C.). Assim, se os demandantes realizaram o pagamento pelos bens que mandaram executar, devia a demandada de satisfazer os clientes, entregando as cadeiras de acordo com o solicitado, pois esta era a prestação a que se obrigou. Mais se conclui que não ocorreu a caducidade do respetivo direito, uma vez que a denúncia foi de imediato efetuada, o que resulta dos vários documentos juntos aos autos, a troca de emails entre as partes, e também da carta enviada á demandada, a fls. 30 e sgs, e a presente ação foi intentada cerca de 8 meses depois. Como é evidente, uma cadeira na qual foi colocado um calço num dos pés, não pode resultar de um mero transporte, independentemente do meio de transporte utilizado para fazer chegar o bem ao consumidor, o que resulta do senso comum. Quanto á falta de estabilidade nas outras cadeiras e fissuras na respetiva estrutura, a demandada ao optar por não comparecer na audiência, não elidiu a presunção legal que sobre ela recaia, pelo que se considera existir um cumprimento defeituoso da sua obrigação (art.º 798 e 799 do C.C.). Assim, como os demandantes optaram pela resolução desta parte do negócio, resta ao Tribunal satisfazer a pretensão, declarando a resolução daquele, com a competente devolução da quantia que pagaram de 1.900,80€. Requereram, ainda, a aplicação de uma sanção compulsória, como forma de compelir a devedora/profissional a cumprir com a sua obrigação (art.º 829-A, n.º1, 2 e 3 do C.C.), nomeadamente a retirar as cadeiras do imóvel dos demandantes, no prazo de 6 dias. O prazo requerido e a quantia indicada são razoáveis, tendo em consideração que a demandada não possui sede na RAM, precisando de se deslocar ou enviar alguém para, em sua representação, o fazer. DECISÃO: Proceda-se ao reembolso dos demandantes.
Funchal, 24 de junho de 2015
A Juíza de Paz (Margarida Simplício) (redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.) |