Sentença de Julgado de Paz
Processo: 35/2015-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DE UMA EMPREITADA - RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data da sentença: 06/24/2015
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 35/2015-J.P.

RELATÓRIO:
Os demandantes, A e B, com residência no Funchal, instauraram a ação declarativa de condenação contra a demandada, C, Lda., NIPC.-----------, com sede em ------, nos termos da alínea H) do n.º1 do art.º 9 da L.J.P.
Para tanto, alegam em síntese que, contrataram a demandada para fabricar todo o mobiliário da sala de estar, obra que foi adjudicada a 1/11/2013, com pagamento inicial de 2.853,84€, perfazendo a quantia total paga de 9.599,84€ e 1.037,85€ para transporte. Os móveis foram entregues no dia 20/03/2014 na respetiva residência, sita no Funchal. Ao desempacotar os móveis verificaram que as cadeiras modelo Moss, com pé lacado e tecido Friday 1531, tinham pés com diferentes alturas, o que provocava instabilidade, e algumas tinham um calço nos pés para minimizar o defeito, assim como fissuras na estrutura. Cada cadeira custou 298,80€, acrescido de 18€ pra impermeabilização do tecido, o que perfaz as quantias de 1.792,80€ e 108€. Tal facto, foi informado á demandada por email a 31/03/2014, sendo anexado as fotos. Acordaram na substituição das cadeiras, sendo recolhidas pela transportadora, o que sucedeu a 21/04/2014. A 12/06/2014 tiveram conhecimento que afinal as cadeiras não seriam substituídas mas reparadas, e a 19/06/2014 receberam as cadeiras, estando assim privados daquelas 60 dias, após a recolha do bem, mas esperaram num gesto de boa-fé. Porém, verificaram que 5 cadeiras tinham os mesmos defeitos, instabilidade em solo plano, por os pés terem diferentes dimensões, e 2 com recurso a calços num dos pés, fissuras nas estruturas e estragos no tecido, mais propriamente no “vivo”, acabamento na junção do tecido com a madeira, estando 1 roto e outro com cola. Contactaram telefonicamente com a demandada que lhes disse que deveriam fazer a reclamação por escrito, o que fizeram, tendo aquela solicitado que explicassem melhor os defeitos, acabando aquela por dizer que não era defeito mas caraterística da cadeira, conforme exemplar que tinham na loja. Ora nunca foi objetivo adquirirem cadeiras com calços ou instáveis, sobretudo se não foram objeto de informação prévia pela demandada, conforme resposta que deram àquela. Por sua vez, passou a insistir que se tratava de um problema que surgiu com o transporte, com o qual não concordam, sobretudo pelos calços que não surgem assim. Finalmente, aquela acabou por dizer que não estava disposta a fazer novas cadeiras para serem destruídas. Perante a posição da demandada acabaram por aceitar nova reparação desde que fosse feita na RAM, pois a primeira demorou cerca de 80 dias. Enviaram 2 peritos a casa deles para verificarem os defeitos e procederem á sua reparação, os quais confirmaram ser defeitos de fabrico, pelo que não comportava reparação, já que comprometia a qualidade e segurança, dizendo que a solução seria a substituição mas a demandada não aceitou. Perante isto, apresentaram reclamação junto da DECO, tendo aquela respondido mas não tendo ocorrido a resolução do diferendo. Concluíram pedindo que seja condenada: na resolução do contrato de aquisição das cadeiras na quantia total de 1.900,80€, procedendo aquela á recolha das mesmas no prazo de 6 dias, e caso não o faça deve ser condenada na quantia de 5€/dia, a titulo de sanção pecuniária compulsória. Juntaram 31 documentos.

A demandada foi regularmente citada, conforme registo a fls. 13, tendo contestado. Alegou a incompetência do Julgado de Paz do Funchal em razão do território, uma vez que deveria a ação ser instaurada nos Tribunais do concelho de Vila Nova de Gaia, sendo o cumprimento da obrigação o local onde se comprometeu a entregar a mercadoria, Matosinhos, concelho do Porto. Aceita os art.º 4, 5, 8, 11, 12, 13, 14, 19, 20 e 21 do r.i., quanto á restante matéria alegada impugna a sua totalidade. Na realidade o preço pago pela demandante foi com desconto de 20%, o que resulta do documento junto a fls. 48, pelo que não pagaram os 1.900,80€ mas 1520,64€, o que revela má-fé. Foi acordado que ficaria por conta da empresa a entrega da mercadoria ao transportador, pelo que o transporte dos bens era por conta e risco da demandante. Não obstante, a demandada, de boa-fé procedeu, de forma gratuita, á substituição das cadeiras, e não á reparação, facto que se verifica pela imagem a fls. 43, o que foi assegurado por um gestor de qualidade, e pelo responsável do armazém. Mas de acordo com a nova reclamação as cadeiras voltaram a chegar com danos, não obstante e demandante ter declarado o contrario á transportadora, o que impediu que ativassem o seguro. Quanto aos vivos nos estofos não foi efetuada intervenção na substituição da estrutura, pelo que a haver danos correm por conta da demandante, a qual até se disponibilizou a proceder á sua reparação desde que fosse autorizada, o que não sucedeu. Para além disso, foi a demandada que contratou com uma transportadora, a comercial D apenas a auxiliou dando o contacto e cotação do serviço, o que agradou aquela. As pessoas que foram a casa da demandante fazem parte de 2 lojas, sitas no Funchal, sendo por ela contratada para verificarem e nenhuma delas lhe transmitiu o que aquela alega nos art.º 22 a 24 do r.i, e nunca mais se manifestaram. Em relação á DECO não lhes foi dada oportunidade de se pronunciarem, remetendo o assunto para os Tribunais. Conclui pela procedência da exceção e improcedência da ação, absolvendo-a do pedido. Junta 4 documentos.

Os demandantes responderam. Alegando que face á norma especial do art.º 12 da L.J.P., optaram pelo lugar do cumprimento da obrigação, e sendo este o Funchal, este Julgado é competente. Concluem pela improcedência da exceção e procedência da ação.

O Tribunal no despacho em que designou o dia da audiência, a fls. 129, referiu que, como as partes tinham posições díspares em relação ao lugar do cumprimento da obrigação, seria a mesma objeto de prova em audiência.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré mediação, por recusa da demandada.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada sem possibilidade de dar cumprimento ao disposto no n.º1 do art.º26 da LJP, uma vez que a demandada não compareceu, não obstante estar notificada, a fls. 15. No prazo legal a demandada não apresentou justificação para a ausência.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I-FACTOS ASSENTES (POR ACORDO):
A)Os demandantes contrataram com a demandada a conceção de todo o mobiliário da sala de estar, que foi adjudicada a 1/11/2013, com o pagamento inicial de 2.835,84€ á demandada, de um total de 9.599,84€, acrescido de 1.037,85€ de transporte, tudo pago á demandada.
B) Os demandantes informaram a demandada a 31/03/2014, por email, anexando as fotos.
C)A resposta tardou, mas ficou acordado a substituição das cadeiras com recolha da transportadora a ocorrer a 21/04/2014.
D)Decorreu 80 dias desde a denúncia do defeito, e 60 dias desde a recolha dos bens, muito acima do prazo máximo, previsto na lei que é de 30 dias.
E)Os demandantes voltaram a contactar telefonicamente a demandada, na pessoa de E.
F)Perante a inexistência de soluções viáveis foram informados que a reclamação deveria ser feita por escrito.
G) Os demandantes apresentaram via email e também por carta registada com aviso de receção, á demandada, o desejo de efetuar a resolução do contrato ou em alternativa a substituição integral das cadeiras.
H)A demandada, na pessoa de Joana Baptista, via email pediu aos demandantes para explicarem melhor os defeitos encontrados, tentando, ainda, fazer passar a ideia de que as espessuras num dos pés para tentar endireitar as cadeiras, a que chamava de calços era uma caraterística das cadeiras, e que a mesma estava patente noutros exemplares das suas lojas.
I)Apesar dos esforços dos demandantes, para uma resolução extra judicial deste atropelo á lei a demandada, manteve sempre uma postura intransigente afirmando: que “será mais fácil para nós remetermo-nos á legalidade e assacar em via judicial, mesmo que por intermédio da intervenção provocada, a responsabilidade maior que não é assumida extra judicialmente pela transportadora”.
J)E, além de não aceitar nenhuma das soluções apresentadas pelos demandantes, não permitiu a resolução do contrato, conforme o esboça a seguinte citação na missiva de 3/07/2014, num claro desrespeito pela lei e claro abuso de poder: “não estamos dispostos a fazer novas cadeiras para serem novamente destruídas no transporte e muito menos devolver o dinheiro das mesmas perante os sacrifícios que temos feito em prol da sua satisfação e sem ter a maior responsabilidade no problema que nos denunciou”.
L)Perante a intransigência da demandada na resolução do contrato, os demandantes aceitaram uma eventual 2ª reparação das cadeiras, desde que a mesma se efectuasse no Funchal (de modo a causar o mínimo de transtorno, note-se que a 1ª reparação tinha demorado 80 dias) e desde que garantisse a qualidade que deveriam esperar das cadeiras.

II- FACTOS PROVADOS:
Todos conforme foram alegados no requerimento inicial.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal firmou a decisão nos factos alegados no requerimento inicial, na análise dos documentos juntos pela demandante.
Relevou, ainda, a ausência injustificada da demandada á audiência de julgamento, para efeitos do n.º2, do art.º 58 da LJP.

III-DO DIREITO:
O caso dos autos prende-se com o cumprimento defeituoso de uma empreitada, que tem como objeto bens móveis.
Suscitou a demandada uma questão prévia, a ilegitimidade territorial do julgado do Funchal, pois a sua sede situa-se em --------, concelho de Vila Nova Gaia. Os demandantes alegaram que optaram pelo local do cumprimento da obrigação, ou seja, o Funchal. Face á posição antagónica das partes, era preciso provar os termos do negócio que realizaram, o qual incluiria o lugar do cumprimento da obrigação, tal como no despacho proferido foi referido.

No caso concreto, qualquer um dos locais identificados pelas partes podia ser o local do cumprimento da obrigação, nomeadamente a casa dos demandantes ou a transportadora, o que dependeria dos termos contratuais, e assim poderia identificar que tipo de obrigação estaria em causa.

Como a demandada não compareceu á audiência e não justificou a falta, é aplicável, também neste aspecto a cominação do art.º 58, n.º2 da L.J.P., ou seja, não fez prova do que alega, logo o local do cumprimento da obrigação seria o imóvel dos demandantes, sito no concelho do Funchal, e como tal este Julgado de Paz, considera-se competente em razão do território para apreciar este litigio.

Estamos face a uma união de contratos, ou seja, quando ocorre em simultâneo a celebração conjunta de diversos contratos. A união, neste caso será externa, na medida em que resulta de terem todos sido celebrados pela mesma ocasião, não existindo entre eles qualquer outro nexo de dependência ou ligação.

No caso concreto conclui-se desta forma pela apresentação de 1 orçamento único, composto de diversos itens, sendo atribuído um valor distinto para cada um dos bens a executar e serviços solicitados, o que resulta do documento junto de fls. 33 a 34.

Este documento contém, ainda, o prazo da entrega dos bens e as condições de pagamento.

Quanto ao regime que deve ser aplicado a este tipo de contratos, uma vez que cada contrato mantém a sua autonomia será o regime da empreitada (art.º 1207 e sgs do C.C.) e em especial o da defesa do consumidor (L. 24/96 de 31/07, conjugado com o Dec. L. n.º 67/2003 de 08/04 com as alterações do Dec. L. n.º 84/2008 de 21/05), já que resulta que a demandada será uma profissional do ramo em questão e foi no âmbito da mesma que realizou o negócio com os demandados, ou sejam os consumidores.

Resulta da conjugação destas leis que deve ser entregue ao consumidor bens que tenham qualidade, sendo esta uma imposição resultante do cumprimento da obrigação.

A conformidade resulta, antes de mais, de uma relação entre o objeto do negócio e a descrição que é feita do mesmo.

Nos termos do n.º1, do art.º 2 D.L. 67/2003 é ao prestador do serviço que compete o ónus da prova de que o objeto que entregou está segundo os termos acordados.

O legislador estabeleceu, um conjunto de situações em que considera não existir conformidade (n.º2 do art.º 2 do D.L. 67/2003) por falta de requisitos, destacando-se com interesse para a causa a alínea d) que se inclui os bens que não apresentem as qualidades e o desempenho habitual em bens do mesmo tipo e que o consumidor poderia esperar, atendendo ao tipo de bem.

Estabelecendo-se no n.º2 do art.3 do Dec. L. 67/2003 de 08/04 a presunção legal de que a falta de conformidade já existia no momento da entrega do bem, desde que se manifeste num prazo de 2 anos a contar, tendo em consideração o tipo de bem.

Todavia, a lei impõe ao consumidor um duplo ónus, (n.º2 e 3 do art.º 5-A do Dec. Lei 84/2008 de 21/05) denunciar os defeitos no prazo de dois meses a contar do momento em que os tenha detetado, e no prazo de dois anos, após a denuncia se a sua pretensão não for satisfeita, deve intentar a correspondente ação, sob pena de caducidade do direito, acrescentando, os n.º4 e 5 deste artigo que o prazo para intentar a ação suspende-se enquanto o comprador estiver privado do uso do bem, no caso de ter estado a ser reparado, bem como nas situações em que as partes entendam submeter o diferendo a tentativa de resolução extra judicial, nomeadamente mediação ou conciliação.

A lei estabelece 4 opções á escolha do consumidor: reparação, substituição do bem, redução do preço e ainda a resolução do contrato. O legislador nacional não procedeu ao escalonamento destas opções é o que resulta do art.º n.º, apenas veda a possibilidade de opção em casos de manifesta impossibilidade ou de constituir um abuso de direito, remetendo esta situação para o regime do 334º do C.C. Para além disto, pode ainda comportar uma indemnização ao comprador (art.12º da LDC conjugado com os art.º 908º, 909º e 918º do C.C.).

Assim, se os demandantes realizaram o pagamento pelos bens que mandaram executar, devia a demandada de satisfazer os clientes, entregando as cadeiras de acordo com o solicitado, pois esta era a prestação a que se obrigou.

Mais se conclui que não ocorreu a caducidade do respetivo direito, uma vez que a denúncia foi de imediato efetuada, o que resulta dos vários documentos juntos aos autos, a troca de emails entre as partes, e também da carta enviada á demandada, a fls. 30 e sgs, e a presente ação foi intentada cerca de 8 meses depois.

Como é evidente, uma cadeira na qual foi colocado um calço num dos pés, não pode resultar de um mero transporte, independentemente do meio de transporte utilizado para fazer chegar o bem ao consumidor, o que resulta do senso comum. Quanto á falta de estabilidade nas outras cadeiras e fissuras na respetiva estrutura, a demandada ao optar por não comparecer na audiência, não elidiu a presunção legal que sobre ela recaia, pelo que se considera existir um cumprimento defeituoso da sua obrigação (art.º 798 e 799 do C.C.).

Assim, como os demandantes optaram pela resolução desta parte do negócio, resta ao Tribunal satisfazer a pretensão, declarando a resolução daquele, com a competente devolução da quantia que pagaram de 1.900,80€.

Requereram, ainda, a aplicação de uma sanção compulsória, como forma de compelir a devedora/profissional a cumprir com a sua obrigação (art.º 829-A, n.º1, 2 e 3 do C.C.), nomeadamente a retirar as cadeiras do imóvel dos demandantes, no prazo de 6 dias.

O prazo requerido e a quantia indicada são razoáveis, tendo em consideração que a demandada não possui sede na RAM, precisando de se deslocar ou enviar alguém para, em sua representação, o fazer.

DECISÃO:
Nos termos expostos julga-se a ação procedente, por provada, e em consequência reconhece-se a resolução do negócio, em consequência condena-se a demandada a devolver aos demandantes a quantia paga de 1.900,80€, procedendo no prazo de 6 dias, á recolha das cadeiras, sob pena de vir a pagar a quantia de 5€/dia, a título de sanção pecuniária compulsória, até efetivo e integral recolha daquelas.

CUSTAS:
É da responsabilidade da demandada devendo proceder ao pagamento quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicado a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros) pelo atraso no cumprimento desta obrigação legal, art.º 8 e 10 da Portaria n.º1456/2001 de 28/12 na redação da Portaria n.º 209/2005 de 24/02.

Proceda-se ao reembolso dos demandantes.

Funchal, 24 de junho de 2015

A Juíza de Paz

(Margarida Simplício)

(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)