Sentença de Julgado de Paz
Processo: 388/2018–JPPRT
Relator: MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO - REPARAÇÃO DO VEÍCULO
Data da sentença: 02/07/2019
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc. n.º 388/2018 – JPPRT

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A., NIF 000, residente na Rua … Maia
Demandada: B. S.A., (designação actual da Companhia … S.A.), NIPC 000, com sede na Avenida ….Lisboa
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OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação da Demandada no pagamento da reparação do veículo no valor de € 2.012,72, conforme relatório de peritagem, e no valor da paralisação do veículo de € 4.400,00, correspondente a € 20,00/dia, desde 22.11.2017 até 02.07.2018, e ainda no que se vier a liquidar em execução de sentença.
Alegou, em suma, que é proprietária da viatura de marca …, modelo …., matrícula 00-00-QQ, sendo, igualmente, sua condutora habitual, e que, no dia 22.11.2017, cerca das 17.35h, na via pública A20, em Paranhos, sentido Arrábida – Freixo, foi interveniente num sinistro, juntamente com o veículo de matrícula 00-JB-00, marca …, modelo …, propriedade de C Lda., conduzido por D., tendo o sinistro ocorrido quanto a viatura segura na Demandada mudou de faixa e embateu na parte lateral esquerda frente da viatura da Demandante, a circular na terceira faixa a contar do separador central, quando saía na saída Amial/Arca D`Água, sendo que a Demandante vinha da Maia; a responsabilidade pelo acidente ficou a dever-se única e exclusivamente ao condutor do veículo seguro na Demandada; a viatura da Demandante sofreu danos localizados na parte lateral esquerda frente, tendo necessidade de reparação do braço de suspensão, amortecedor, chaparia e pintura à cor da viatura, tendo ficado impossibilitado de circular; a Demandada considerou que o veículo se encontrava em perda total, tendo avaliado o mesmo em € 1.200,00 e o salvado em € 100,00, sendo de € 2.012,72 o valor da reparação do veículo, já com IVA; o veículo é imprescindível para a Demandante fazer a sua vida profissional e particular; apesar de parcialmente reparado, a Demandante não utiliza o veículo dado o mesmo não estar reparado de chapa e pintura – cfr. fls. 2 a 18.
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A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 25 a 34, tendo impugnado parte da factualidade alegada pela Demandante, e invocando que o acidente ocorrido se deveu exclusivamente à conduta da Demandante, mais tendo pugnando, a final, pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo consoante resulta da respectiva acta (cfr. fls. 64 e 65).
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea h) da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 2, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor que se fixa em € 6.412,72 (cfr. artigos 297.º, n.º 1 e 306.º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, doravante CPC Salvo indicação em contrário, todos os artigos do CPC que sejam referidos na presente sentença são aplicáveis por via do disposto no artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – cfr. artigo 25.º do CPC) e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. Em 22.11.2017, a Demandante era proprietária do veículo automóvel de marca …, modelo …, matrícula 00-00-QQ.
B. No indicado dia 22.11.2017, cerca das 17.35h, na via pública A20/VCI, em Paranhos, sentido Arrábida – Freixo, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo aludido no precedente facto provado, conduzido pela Demandante, e o veículo com a matrícula 00-JB-00, marca ….., modelo …., propriedade de C, Lda., seguro na Demandada, e conduzido por D..
C. O acidente mencionado no precedente facto provado ocorreu quando o veículo com a matrícula 00-JB-00 mudou da segunda faixa a contar do separador central para a terceira faixa a contar desse mesmo separador central, e embateu na parte lateral esquerda frente do veículo com a matrícula 00-00-QQ, o qual se encontrava a circular nessa mesma terceira faixa.
D. O veículo com a matrícula 00-00-QQ, conduzido pela Demandante, vinha da Maia, tendo entrado na A20/VCI, e encontrava-se a circular na terceira faixa a contar do separador central, quando foi abalroado pelo veículo com a matrícula 62-JB-92, conforme descrito no precedente facto provado, uma vez que a Demandante pretendia sair na saída Amial/Arca D`Água.
E. Do embate referido no precedente facto C, resultaram danos no veículo 00-00-QQ, localizados na lateral esquerda frente, necessitando de reparação a nível da porta lateral dianteira esquerda, amortecedor, direcção, chapa e pintura.
F. No seguimento do acidente aludido no precedente facto C, foi efectuada, pela E. S.A., a pedido da seguradora da Demandante, a F. –S.A., uma peritagem, em 24.11.2017, ao veículo de matrícula 00-00-QQ, tendo-se concluído que a reparação total dos danos sofridos no veículo importava o valor de € 2.012,27.
G. Mais se concluiu, no relatório aludido no precedente facto provado, que a reparação do veículo de matrícula 00-00-QQ não era viável, pelo que se considerou que o mesmo se encontrava numa situação de perda total, tendo-se atribuído, como valor de mercado do veículo, € 1.200,00, e como valor do salvado € 100,00.
H. Em consequência do acidente referido no precedente facto C, o veículo de matrícula 00-00-QQ ficou impossibilitado de circular.
I. Atenta a impossibilidade de circulação do veículo de matrícula 00-00-QQ aludida no precedente facto provado, desde a data do acidente mencionado no precedente facto C até Março de 2018, a Demandante não usufruiu do seu veículo de matrícula 00-00-QQ.
J. Em Março de 2018, a Demandante reparou, parcialmente, o veículo 00-00-QQ, tendo-o reparado a nível de mecânica, e tendo gasto o montante de € 800,00, não o tendo, porém, reparado a nível de chapa e pintura.
K. Durante o período aludido no precedente facto provado I, a Demandante teve que se deslocar de transportes públicos e de táxi.
L. Em 15.10.2018, a Demandante entregou o veículo de matrícula 00-00-QQ, uma vez que a informaram que não valeria a pena reparar os danos ainda existentes no veículo.
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FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
1. O veículo 00-JB-00 circulava pela A20/VCI, no sentido Arrábida – Freixo, pela faixa mais à direita das três ali existentes no referido sentido.
2. A Demandante, condutora do veículo 00-00-QQ, circulava pela faixa de acesso à VCI, vindo da Maia, pretendendo tomar a faixa por onde seguia o veículo 00-JB-00.
3. A Demandante, condutora do veículo 00-00-QQ, no momento em que passava o veículo 00-JB-00, guinou para a sua esquerda, a fim de entrar na faixa em que já circulava este último veículo.
4. A Demandante invadiu, brusca e inesperadamente, a faixa de rodagem por onde seguia o veículo 00-JB-00, indo embater com a frente esquerda do 00-00-QQ na lateral direita daquele.
5. A Demandante tinha sinal de perda de prioridade para a entrada na VCI, e, caso pretendesse sair para Amial/Arca D´Água, nem precisava de entrar na dita terceira faixa da VCI, pois a faixa de entrada prolonga-se e passa a ser faixa de saída para esse destino (Amial/Arca D`Água).
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, os factos A e B resultaram provados por via de admissão (cfr. artigo 574.º, n.º 2, do CPC).
Os factos C, E e H resultaram provados por via da prova documental junta aos autos, não impugnada pela Demandada, conjugada com a prova testemunhal e a prova por declarações de parte produzidas. Com efeito, e no que se reporta ao facto C, da participação do acidente junta aos autos, especificamente, do croqui elaborado pelo agente da PSP G., que prestou depoimento em sede de audiência de julgamento e corroborou a sua autoria do auto de participação do acidente, bem como das fotografias juntas pela Demandante em sede de audiência de julgamento, e, ainda, das declarações de parte prestadas pela Demandante em sede de audiência de julgamento (as quais se consideraram credíveis, pois a Demandante depôs de uma forma espontânea e fluída), formou o Tribunal a convicção de que foi o veículo 00-JB-00 que, ao pretender mudar da segunda faixa a contar do separador central, onde seguia, para a terceira faixa a contar desse mesmo separador central – e na qual seguia a Demandante – veio a embater na parte lateral esquerda frente do veículo 00-00-QQ, conduzido pela Demandante. Resulta do referido croqui, bem como das mencionadas fotografias, que o veículo 00-JB-00 se encontra ligeiramente inclinado à direita, o que evidencia que este veículo pretendia mudar para a faixa mais à direita daquela onde seguia, o que corresponde à versão alegada pela Demandante e por esta aludida em sede de declarações de parte. Acresce que, os danos verificados no veículo 00-JB-00 e que constam da participação do acidente (portanto, “Lateral direita frente e espelho retrovisor direito”), são susceptíveis de ser provocados por via de embate na parte lateral esquerda frente do veículo 00-00-QQ, ao pretender aquele mudar de faixa de rodagem, para a que se encontrava à sua direita, abalroando o veículo 00-00-QQ que já aí se encontrava a circular. Quanto ao facto E, o mesmo resultou provado por via do relatório junto com o requerimento inicial, conjugado com as declarações de parte da Demandante que invocou que, após o embate, a porta lateral dianteira esquerda não abria, tendo a Demandante se visto obrigada a sair do veículo pela porta lateral dianteira direita, mais tendo afirmado que o veículo necessitou de reparação a nível do amortecedor e da direcção. Acresce que, da participação do acidente resultam, igualmente, danos no veículo 00-00-QQ na “Lateral esquerda frente”. Relativamente aos danos a nível da porta lateral dianteira esquerda e da direcção, os mesmos foram tomados em consideração à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC. Quanto ao facto H, o mesmo resultou provado em face do aludido relatório, conjugado com as declarações de parte da Demandante.
Os factos F e G resultaram provados em face da prova documental junta aos autos pela Demandante, concretamente, relatório a que já se aludiu supra.
Os factos D, I, J, K e L resultaram provados por via das declarações de parte prestadas pela Demandante, sendo certo que os factos I, J, K e L foram tomados em consideração à luz do disposto no já mencionado artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC. Cumpre, ainda, especificar o seguinte, no que se reporta ao montante de € 800,00 que se considerou ter sido gasto pela Demandante na reparação do veículo: tal valor foi dado como provado com base, conforme exposto, nas declarações prestadas pela Demandante, e ainda com base no relatório junto com o requerimento inicial, por via do qual é possível constatar que i. o valor das peças necessárias à reparação do veículo corresponde a € 1.069,79, ii. o valor da mão de obra corresponde a € 276,42, iii. o valor de mão de obra de pintura a € 215,45, e iv. o valor do material de pintura a 74,70, todos sem IVA, pelo que, considera o Tribunal razoável que, em face dos danos que se consideraram provados e aludidos no facto E e que se provaram que a Demandante reparou (portanto, os danos a nível de mecânica, não tendo sido reparados os danos a nível de chapa e pintura, conforme facto J), a Demandante tenha gasto o valor de € 800,00, tal como por ela declarado.
Já os factos não provados resultaram de ausência de prova. Com efeito, a dinâmica do acidente que resultou provada foi a que consta dos factos C e D, a qual não é compatível com a versão alegada pela Demandada e constante dos factos não provados.
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DIREITO
Visa a Demandante, com a presente acção, a condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização, por entender que o acidente em causa nos autos se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo com a matrícula 00-JB-00, veículo este seguro na Demandada.
Da Responsabilidade dos intervenientes no acidente:
O artigo 483.º do Código Civil (CC) determina que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjectivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
Foi dado como provado que o acidente em apreço nos autos se deveu à conduta culposa do condutor do veículo seguro na Demandada, o qual, mudou da faixa de rodagem onde se encontrava, a segunda faixa a contar do separador central, para a terceira faixa a contar desse mesmo separador central, tendo vindo a embater na parte lateral esquerda frente do veículo propriedade da Demandante e por esta conduzido, o qual se encontrava a circular nessa mesma terceira faixa. Mais se deu como provado que o veículo conduzido pela Demandante vinha da Maia, tendo entrado na A20/VCI, e encontrava-se a circular na terceira faixa a contar do separador central, quando foi abalroado pelo veículo seguro na Demandada, uma vez que a Demandante pretendia sair na saída Amial/Arca D`Água.
Face à matéria provada, há que concluir que a responsabilidade do acidente em apreço se deve exclusivamente à conduta do condutor do veículo com a matrícula 00-JB-00, com culpa efectiva, o qual violou o disposto no artigo 35.º, n.º 1, do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio), violação, essa, que foi causa adequada para a ocorrência do acidente.
Conclui-se pois, estarem preenchidos todos os pressupostos (supra mencionados) do nascimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por parte do condutor do veículo com a matrícula 00-JB-00, sendo que o proprietário de tal veículo havia transferido a sua responsabilidade civil, por danos emergentes da sua circulação, para a Demandada, pelo que é sobre esta que recai a obrigação de indemnizar a Demandante pelos danos provocados pelo acidente.
Dos Danos:
Nos termos do disposto no artigo 562.º do CC, a obrigação de indemnizar visa, desde logo, a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado, no caso de não se ter verificado o evento que obriga à reparação.
São assim, indemnizáveis, os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes, quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 564.º do CC) e os de carácter não patrimonial (estes apenas no caso de mereceram a tutela do direito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do CC).
Mais dispõe o artigo 566.º, n.º 1, do CC que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
A Demandante, in casu, peticionou danos patrimoniais, especificamente os danos verificados no veículo, constantes do relatório de peritagem, cuja reparação se cifra em € 2.012,72, e os danos da privação do uso do veículo no valor de € 4.400,00, correspondente a € 20,00/dia, desde 22.11.2017 até 02.07.2018, e ainda os danos da privação do uso que viessem a liquidar-se em execução de sentença.
Provou-se que o veículo propriedade da Demandante sofreu danos, cuja peritagem concluiu serem reparáveis no valor de € 2.012,27. Mais se provou que essa mesma peritagem concluiu, igualmente, que o veículo se encontrava numa situação de perda total, tendo valor de mercado de € 1.200,00, e como valor de salvado € 100,00. Mais se deu como provado que, na sequência do acidente, o veículo propriedade da Demandante ficou impossibilitado de circular, não tendo a Demandante usufruído do veículo até Março de 2018, altura em que reparou o veículo a nível de mecânica, tendo gasto o montante de € 800,00, não tendo, porém, reparado o veículo a nível de chapa e pintura. Mais se provou, ainda, que, em 15.10.2018, a Demandante entregou o veículo de matrícula 00-00-QQ, uma vez que a informaram que não valeria a pena reparar os danos nele ainda existentes. Ora, temos, assim, que a Demandante não mais irá proceder à reparação de chapa e pintura do veículo, pelo que, o prejuízo, a nível de danos sofridos no veículo que a Demandante teve que suportar, corresponde aos € 800,00 que esta gastou a reparar o veículo a nível de mecânica, para que o mesmo pudesse circular. Pelo que, se considera devido o montante de € 800,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados no veículo 00-00-QQ.
Acresce que, não obstante a Demandante ter procedido, em Março de 2018, à reparação parcial do veículo, tal em nada invalida a indemnização que lhe é devida, pois, conforme decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.02.2018, proferido no processo n.º 3385/15.0T8PNF.P1, e disponível em www.dgsi.pt, “A indemnização pelo valor da reparação consubstancia uma forma de reconstituição natural a que o Recorrente autor tem direito e que não é afastada por aquele ter procedido à reparação do veículo sinistrado. O dano existiu e impõe-se a sua reparação mediante a atribuição do valor necessário.”
Em face do exposto e, bem assim, da factualidade dada como provada, impõe-se a condenação da Demandada no pagamento à Demandante do valor de € 800,00, quantia, esta, que a Demandante despendeu na reparação, a nível de mecânica, do seu veículo, em face do acidente de que foi exclusivo culpado o condutor do veículo seguro na Demandada.
Na medida em que se provou, ainda, que, na sequência do acidente, o veículo propriedade da Demandante ficou impossibilitado de circular, não tendo a Demandante usufruído do veículo até Março de 2018, altura em que o reparou parcialmente, e que se provou, ainda, que durante esse mesmo período, a Demandante teve que se deslocar de transportes públicos e de táxi, constata-se que a Demandante esteve impedida, desde a data do acidente até Março de 2018, de poder utilizar um bem que era seu, impedimento, esse, que lhe acarreta danos.
No que se reporta aos danos da privação do uso, tendo em conta a orientação da Jurisprudência mais recente, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.05.02, págs. 125 a 129, citado na obra “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, Volume I, 2ª Ed., Almedina, de ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES.
No mesmo sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.03.2005, proferido no processo 0520317, e disponível em www.dgsi.pt, considera que: “o lesado, durante o período da imobilização da viatura, ficou privado das utilidades que esta poderia proporcionar-lhe; e isto constitui um prejuízo, uma realidade de reflexos negativos no património do lesado, mesmo se, como é o caso, não se provou em concreto um aumento das despesas em razão da privação do seu uso.”
Citando novamente ABRANTES GERALDES (in “Indemnização do Dano da Privação do Uso”), no que concerne à temática dos autos (§ 5.14): “Pressupondo que a privação do uso do veículo representa sempre uma falha na esfera patrimonial do lesado e que, em regra, será causa de um prejuízo material, impõe-se avaliar qual a compensação ajustada ao caso, de acordo com a gravidade das repercussões negativas e o destino que, em concreto, era dado ao bem.”
“Essa compensação pode variar de acordo com o circunstancialismo presente em cada caso, designadamente, tendo em consideração, a disponibilidade de outro veículo com idêntica função ou o grau de utilização que, efectivamente, lhe seria dado durante o período da privação. Mas, em princípio, a privação deverá ser compensada com a atribuição de um quantitativo correspondente ao desvalor emergente da acção.”
“Mesmo não se tendo provado prejuízos efectivos, é possível determinar com o recurso à equidade, o valor dos danos da paralisação” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.96, in BMJ 457/325.
Ora, a Demandante peticiona, a este título, a quantia de € 4.400,00, correspondente a € 20,00/dia, desde 22.11.2017 até 02.07.2018, e ainda os danos da privação do uso que viessem a liquidar-se em execução de sentença. Na medida em que se deu como provado que a Demandante apenas esteve impossibilitada de usufruir do veículo, em consequência do acidente, desde a data do acidente, portanto, 22.11.2017, até Março de 2018, os danos da privação do uso terão que se reportar apenas a este período. Acresce que, provaram-se danos advenientes da imobilização do veículo, porém, o seu valor não foi possível concretizar. Em face do exposto, entende-se ser exagerado o montante de € 20,00/dia peticionado, pelo que se reduz este valor, fixando-se, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do CC, a quantia em € 980,00 (€ 10,00/dia x 98 dias) pelo dano da privação do uso do veículo propriedade do Demandante.
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DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a Demandada no pagamento, à Demandante, do valor de € 800,00 (oitocentos euros), a título de indemnização pelos prejuízos causados ao veículo 87-18-QQ, e,
b) Condeno a Demandada no pagamento, à Demandante, do valor de € 980,00 (novecentos e oitenta euros), a título de indemnização por 98 dias de privação do uso da referida viatura,
c) Absolvendo a Demandada do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento que se fixam em 30% para a Demandante e 70% para a Demandada – cfr. artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e remeta cópia da presente sentença à Demandada, atenta a sua falta de comparência na presente data e hora (17.00h), agendadas para leitura de sentença.
Porto, 7 de Fevereiro de 2019
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)

Processado por computador
(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Revisto pela signatária.
Julgado de Paz do Porto