Sentença de Julgado de Paz
Processo: 191/2014-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: DIREITO DO CONSUMIDOR - REPARAÇÃO DE VIATURA
Data da sentença: 08/06/2014
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Proc.º 191/2014-JP em que são partes:

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, residente na Rua ---------------, Mirandela.
Demandada: B , com sede na Avenida ----------- Marco de Canaveses.
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OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou a presente acção declarativa, enquadrável na alínea i) do nº 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação da Demandada:
1. a reparar a viatura identificada no artigo 1º da petição ou, em alternativa
2. a pagar a quantia de € 204,85, correspondente ao valor constante do orçamento, acrescida dos juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação até concreto e efetivo pagamento.
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A Demandada, devidamente citada, não apresentou contestação, mas juntou documentos, tendo comparecido à audiência de julgamento, a qual se realizou com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor que se fixa em € 204,85 - artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – art.º 25º do C. P. Civil )e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS:
A. Em 17 de Novembro de 2011, o Demandante adquiriu à Demandada, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Renault, ---------, versão ------------, com a matrícula HR, no estabelecimento comercial da Demandada, sito na Avenida D Porto.
B. Nesse dia, quando se dirigia para Mirandela, sentiu um pequeno barulho na roda do lado esquerdo.
C. Posteriormente, em Julho de 2012, o Demandante efectuou uma viagem a Espanha e o barulho aumentou.
D. Quando chegou a Portugal, o Demandante dirigiu-se à concessionária da marca em Mirandela, que concluiu que o ruído provinha de um rolamento da roda esquerda.
E. Aquando da aquisição, a viatura HR tinha 43.990 Km.
F. A viatura HR ainda se encontrava ao abrigo da garantia de 24 meses.
G. O Demandante contactou a Demandada, sem qualquer êxito.
H. A avaria ainda se mantém.
I. A reparação do veículo HR importa no montante de € 204,85.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e da prova testemunhal apresentada.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA:
Conforme se apurou, o Demandante celebrou com a Demandada um contrato de compra e venda de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Renault, modelo -----, versão -----, com a matrícula HR, usado.
Esta relação contratual qualifica-se como uma relação de consumo, à qual se aplica a Lei de Defesa do Consumidor, Lei nº 24/96, de 31 de Julho e o D.L. nº 67/2003, de 8 de Abril, que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela referidas, devendo ainda ter-se em conta o regime geral da responsabilidade contratual - art.ºs 798º e segs do C.Civil.
Dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do supra citado D.L. que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, clarificando o n.º 5 do mesmo artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
Dispõe ainda o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 67/2003 que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, presumindo-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar que os bens não apresentam “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (…)” (alínea d) do nº 2 do mesmo artigo).
Analisemos agora as pretensões do Demandante: a condenação da Demandada a reparar o veículo automóvel ou no pagamento da reparação no montante de € 204,85.
Resulta dos factos provados, que em 17 de Novembro de 2011, o Demandante adquiriu à Demandada, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Renault, modelo ------, versão -------, com a matrícula HR, no estabelecimento comercial da Demandada, sito na Avenida D, no Porto, sendo que, nesse dia, quando se dirigia para Mirandela, sentiu um pequeno barulho na roda do lado esquerdo. Posteriormente, em Julho de 2012, o Demandante efectuou uma viagem a Espanha e o barulho aumentou e quando chegou a Portugal, dirigiu-se à concessionária da marca em Mirandela, que concluiu que o ruído provinha de um rolamento da roda esquerda. O Demandante contactou a Demandada, sem qualquer êxito, pelo que a avaria ainda se mantém.
A questão a apreciar, prende-se com o facto de saber se assiste o direito ao Demandante à reparação da avaria ao abrigo da garantia.
Com efeito e voltando à específica legislação no âmbito do direito de consumo e que tende a favorecer o consumidor, no que concerne à aquisição de um produto defeituoso, estabelece esta, uma presunção que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar que os bens não apresentam “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem”.
Conforme refere Pedro Romano Martinez em - Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 216: “No sistema jurídico português, a distinção entre coisas novas e usadas não tem consagração legal e não pode ser fundamento para efeitos de excluir a responsabilidade. Todavia, sendo vendida uma coisa usada, o acordo incide sobre o objecto com qualidade inferior e idêntico a um bem novo, razão pela qual o regime do cumprimento defeituoso só encontra aplicação na medida em que essa falta de qualidade exceder o desgaste normal.
Ora, resulta dos factos provados, que o veículo em questão, se trata de um carro usado com uma quilometragem à data da compra e venda de 43.990 Km, encontrando-se ao abrigo da garantia de 24 meses.
A Demandada não apresentou contestação, mas juntou documentos. A fls. 32, 33 e 41, consta um extracto do livro de garantia exibido em audiência de julgamento e confirmado pela testemunha apresentada pela Demandada, segundo o qual, sendo os rolamentos peças de desgaste, estão excluídos da garantia.
Segundo a experiência comum, um rolamento trata-se de uma peça que se desgasta pelo simples uso normal de um veículo, sendo certo que o desgaste normal das coisas usadas não consubstancia um vício da coisa, contudo, in casu, o ocorrido com o veículo HR, não consubstancia um desgaste normal, atendendo à quilometragem do veículo. Com efeito, os rolamentos das rodas estão calculados para durarem muito tempo, cerca de 1.000.000 Km, no entanto, outras causas, em geral anómalas, podem provocar a avaria prematura do rolamento, influenciando a sua vida útil.
Beneficiando o Demandante da presunção que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar que os bens não apresentam “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem, caberia à Demandada ilidir esta presunção, o que, não logrou fazer. Face à prova produzida, retira-se que a falta de qualidade excedeu o desgaste normal, face àquilo que já se referiu, pelo que tem o Demandante direito à reparação do veículo ou em alternativa ao custo da reparação no montante de € 204, 85, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação até concreto e efetivo pagamento.
No que concerne ao pedido de pagamento de despesas efectuadas pelo Demandante em deslocações ao Porto, no montante de € 350,00, após exercido o contraditório, a Demandada veio dizer ser excessivo o referido valor, sendo que a existirem essas despesas teriam de ser devidamente documentadas e fundamentadas.
Ora, com efeito, o Demandante apenas se limitou a peticionar o montante de € 350,00, de deslocações de Mirandela ao Porto e vice-versa, não tendo provado como foi apurado esse montante, nem por suporte documental nem por recurso à prova testemunhal, pelo que se indefere esta sua pretensão.
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DECISÃO
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência condeno a Demandada:
a) a reparar a viatura identificada no artigo 1º da petição ou, em alternativa.
b) a pagar ao Demandante a quantia de € 204,85, correspondente ao valor constante do orçamento, acrescida dos juros de mora calculados à taxa legal, desde a citação até concreto e efectivo pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento que se fixam em 50% para cada parte, em conformidade com os art.º 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 06 de Agosto de 2014
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário.
Julgado de Paz do Porto