Sentença de Julgado de Paz
Processo: 300/2016-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL/CONTRATO DE SUBEMPREITADA/PAGAMENTO DO SERVIÇO REALIZADO/COMPENSAÇÃO.
Data da sentença: 04/20/2018
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
RELATÓRIO:

A demandante, A., Lda., NIPC. ..., com sede na rua do …, no concelho de Coimbra, representada pela gerência.

Requerimento Inicial: A demandante dedica-se á prestação de serviços na área de serralharia civil e metalomecânica. A 19/03/206, no âmbito dessa atividade, foi contactada pela demandada, para fornecimento de uma chapa com as dimensões de 300x1500x15, paters e pilar em viga HEB220, o qual era para reparar e reforçar uma viga na parede de betão nas instalações da B., em S. Martinho do Bispo. No dia seguinte, o representante legal da demandante informou, por telefone, a demandada, o custo total dos materiais no valor de 1.890€. A demandada aceitou e devido á urgência neste serviço a demandante deu prioridade ao mesmo. A 21/03/2016 a demandante foi buscar os materiais ao fornecedor, tendo iniciado os trabalhos na oficina, designadamente o corte, furo e solda da viga HEB. A 22/03/2016 a demandante entregou a viga na obra, nas instalações da B., referente ao pilar HEB. A demandada solicitou-lhe que também aplicasse a viga e as chapas. Devido á urgência a demandante acedeu por pingos de solda, para fixar provisoriamente as chapas na viga, com intenção de, posteriormente, realizar o serviço definitivamente. No dia seguinte a eng. da obra telefonou a perguntar se o soldador que tinha era certificado, como não era, aquela disse-lhes que iria arranjar um que fosse certificado, pois era exigência da cliente, o que inviabilizou que realizasse a solda definitiva, não obstante ter condições para o fazer, pelo que apenas faturou a quantia de 1.890€, referente aos materiais fornecidos conforme consta da fatura n.º 0000000000. Sucede que á medida que foram realizando o serviço, a demandada solicitou-lhe novos pedidos, nomeadamente outra chapa, mais um pilar HEB, varões diversos, bucha química, porcas anilhas, conforme fatura n.º 00000000, pelo valor de 2.855,95€. Para além disso, como a demandada não conseguiu arranjar um soldador certificado, a cliente acabou por contractar outra empresa para realizar a mão-de-obra para reforçar a viga, ou seja, para fazer a soldadura definitiva, situação a que é totalmente alheia, uma vez que sempre a informou que não possuía soldador certificado. Contudo, foi surpreendida com a recusa da demandada em remeter o auto de encomenda, para emitir a fatura definitiva no valor de 4.745,95€, a qual recusou pagar, e enviou-lhe a fatura n.º 000000000, com a designação de penalidades da obra da B.. Ora, a demandante não tem de ser penalizada, pois não deu origem a nenhum prejuízo, tendo realizado os serviços no prazo, colocando de lado outros serviços, forneceu o que lhe foi pedido, tudo extraorçamento inicial, e sempre informou não ter soldador certificado, por ser uma empresa pequena e familiar. Ficou chocada quando lhe propôs que fizesse o pagamento total ou faseado em 4 prestações, pelo que que aquela emitisse uma nota de crédito no valor de 1.690€, e aquela lhe impusesse prazo de pagamento de 10 meses, no valor de 305,60€, descontando o valor da fatura n.º 00000000000, para além disso, sem o seu consentimento, efetuou a 1ª transferência bancária para pagamento da prestação, á sua revelia. Assim, a 24/10/2016, por carta registada, reiterou o pedido de pagamento na totalidade do valor referente á fatura n.º 14/238, e a emissão de nota de crédito referente á fatura n.0000000, a qual não foi levantar aos correios. Conclui pedindo que seja condenada a pagar a quantia de 4.745,95€, pelos materiais fornecidos e serviços realizados, bem como emitir a nota de crédito referente á fatura n.º 000000000000000, no valor de 1.690€. Juntou 13 documentos.

MATERIA: Ação de incumprimento contratual, enquadrada no art.º 9, n.º 1 alínea I) da L.J.P.

OBJETO: Contrato de subempreitada, pagamento do serviço realizado.

VALOR DA AÇÃO: 4.745,95€.

A demandada, C., Lda., NIPC. ..., com sede na rua do …, no concelho de Coimbra, representada por mandatário constituído.

Contestação: Questão prévia: A demandante funda a lide e atos provenientes do exercício de atividade sujeita a tributação fiscal, mas não demonstrou a última declaração periódica, á qual estava adstrita, embora não interfira no pleito. Aceita os factos n.º 1 a 3, quanto ao resto impugna. A demandada é uma sociedade comercial por quotas, tendo como objeto social a construção civil e obras públicas, bem como a elaboração de projetos de engenharia e prestação de serviços conexos. No âmbito desta atividade outorgou um contrato de subempreitada com a empresa L., S.A., que tinha como objeto o fornecimento e montagem de construção civil hidráulica da expansão do edifício A, piso 2 da B., sito na rua …, em Coimbra. Assim, acabou por contratar uma subempreitada com a demandante, tendo como objeto o fornecimento de uma chapa com as dimensões de 300x1500x15, paters e pilar em viga HEB220, para reparar e reforçar uma viga na parede de betão nas instalações da B. em Coimbra. Comunicou á demandante os elevados padrões de exigência do dono da obra, mormente a urgência reclamada, sem omitir o rigor técnico e profissional na execução dos trabalhos, do que aquela ficou ciente. Comunicou, por escrito, a premente necessidade de instruir a sua presença na obra com um acervo documental, o que era exigido pelo dono da obra, o que foi completamente ignorado pela demandante. Sucede que na data convencionada para conclusão da subempreitada a demandante mantinha injustificadamente atraso a conclusão dos trabalhos, tendo sido alertada para isso, de forma a evitar derrapagens nos prazos da obra. A demandante aligeirou os procedimentos e atabalhoadamente tentou suprimir os atrasos na execução, dando o serviço por concluído, o que não se enquadrava nos critérios de qualidade e segurança impostos pelo dono da obra. Essas fragilidades foram reconhecidas por ela nas diversas comunicações escritas que trocaram, com as quais o dono da obra não se compadeceu, pelo que as supriu recorrendo a terceiros, para reparar os vícios que a execução da subempreitada detinha. Devido a isto, imputou á demandada, na qualidade de subempreiteira o valor de 1.690€, correspondentes ao trabalho executado pela outra empresa, em substituição da demandante. Assim, é da responsabilidade desta, pois foi ela que causou o dano, o que lhe foi várias vezes comunicado. Não obstante, a demandada sempre manifestou disponibilidade para liquidar os materiais que a demandante adquiriu, desde que deduzisse a penalidade aplicada pelo dono da obra, pelo que apenas deve estar em divida a quantia de 3.055,95€. Para além disso, foi acordado que esta quantia seria paga em 10 prestações sucessivas no valor de 305,60€, tendo já procedido ao pagamento da 1ª, que a demandante recebeu na sua esfera patrimonial, pelo que não se alcança o sentido desta lide, inclusive a demandante já a interpelou para proceder ao pagamento da 2ª prestação, o que só se compreende num quadro de consenso entre as partes. Conclui pedindo que se opere a compensação entre as partes, nos termos referidos. Juntou 3 documentos.

A demandante, notificada para se pronunciar sobre a compensação requerida, juntou requerimento sintético, de fls. 74 a 107, acompanhado de um conjunto de emails trocados entre as partes. E, reafirmando que a demandada apenas procedeu ao pagamento de 5 prestações das acordadas.

TRAMITAÇÃO:

Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa da demandada.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

O processo é isento de nulidades, que o invalidem na sua totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 27, n. º1 da L.J.P. sem acordo das partes. Seguiu-se para produção de prova com audição de testemunhas e junção de documentos, sendo concedido prazo para vistas. Na 2ª sessão continuou-se com a audição de testemunhas e terminou com alegações finais, conforme consta das atas de fls. 110 a 112, e 121 a 122.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I-DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo):

A) A demandante dedica-se á prestação de serviços na área de serralharia civil e metalomecânica.

B) A 19/03/2016 (sábado), no âmbito dessa atividade, foi contactada pela demandada, para fornecimento de uma chapa com as dimensões de 300x1500x15, paters e pilar em viga HEB220, material que era destinado á reparação e reforço de uma viga na parede de betão, nas instalações da B., em S. Martinho do Bispo.

C) No dia seguinte, (domingo), o representante legal da demandante informou, por telefone, a demandada, do custo total dos materiais no valor de 1.890€.

II-DOS FACTOS PROVADOS:

1)A demandada aceitou o preço.

2) A demandante deu prioridade á solicitação da demandada.

3) A demandante adquiriu o material junto de um fornecedor e iniciou os trabalhos na oficina, designadamente o corte, furo e solda de paters á viga HEB.

4)A demandante, entregou a viga na obra, nas instalações da B..

5) A demandada solicitou que, também, aplicasse a viga e as chapas.

6)A demandante acedeu e colocou pingos de solda, fixando provisoriamente as chapas na viga.

7) A demandada, através de funcionária, perguntou á demandante se o seu soldador era certificado.

8) A demandante não tem soldador certificado.

9) A demandada informou que iria arranjar um soldador certificado para conclusão do trabalho de soldadura, por exigência da cliente.

10) A demandante faturou os materiais fornecidos e aplicados, conforme fatura n.º 000000 no valor de 1.890€.

11)Devido às novas necessidades que surgiram na obra, a demandada fez novos pedidos á demandante.

12) Nomeadamente, mais uma chapa, mais um pilar HEB, diversos varões, bucha química, porca e anilhas.

13) A demandante faturou os materiais referidos no ponto 12, e a montagem em obra, conforme fatura n.º 0000 no valor de 2.855,95€

14) Como a demandada não conseguiu contratar um soldador certificado, a cliente da demandada contratou outra entidade para fazer o reforço da viga, ou seja, a soldadura definitiva.

15) A demandada recusou pagar o valor final constante da fatura n.º 000000000 no valor de 4.745,95€.

16)E, apresentou á demandante a fatura n.º 0000000, de 3/06/2016, com as penalidades na obra da B., no valor de 1.690€.

17)A demandante não concordou, propondo á demandada que o pagamento do preço fosse feito na totalidade ou em 4 prestações.

18)E, solicitou que fosse emitida uma nota de crédito no valor de 1.690€

19)A 24/10/2016 a demandante, por carta, reiterou o pedido de pagamento na totalidade do valor, referente á fatura 0000 e a emissão da nota de crédito, referente á fatura n.º 0000000000000000, que não foi levantada no correio.

20) A demandada é uma sociedade comercial por quotas, tendo como objeto social a construção civil e obras públicas, bem como a elaboração de projetos de engenharia e prestação de serviços conexos.

21) No âmbito desta atividade, a demandada, outorgou um contrato de subempreitada com a empresa L., S.A., que tinha como objeto o fornecimento e montagem de construção civil hidráulica da expansão do edifício A, piso 2 do edifício B., sito na rua …, em Coimbra.

22) A demandada outorgou um contrato de subempreitada com a demandante, que tinha como objeto o fornecimento de uma chapa com as dimensões de 300x1500x15, paters e pilar em viga HEB220, para reparar e reforçar uma viga na parede de betão nas instalações da B. em Coimbra.

23)Tendo comunicado á demandante os padrões de exigência do dono da obra, as condições de execução da obra, nomeadamente a urgência.

24)E, comunicou, por escrito, a previa necessidade de instruir a presença dela na obra, com acervo documental, o que era exigido pelo dono da obra.

25)O que a demandante nunca o fez.

26)A demandante estava atrasada na execução dos trabalhos da subempreitada.

27)Sendo alertada pela demandada para a necessidade de terminar a obra sem derrapagens nos prazos de execução.

28) A demandante aligeirou os procedimentos, tentando suprimir os atrasos, deu por concluído os trabalhos.

29)No entanto, este não correspondia os critérios de qualidade segurança do dono da obra.

30)O que foi reconhecido pela demandante, em comunicações escritas, trocadas com a demandada.

31)O dono da obra não se compadeceu com os atrasos e deficiências técnicas na execução do trabalho e suprimiu a os vícios com recurso a terceiros.

32)Pelo que foi imputado á demandada, na qualidade de subempreiteira, o valor de 1.690€, correspondente aos trabalhos executados por outra empresa, em substituição da demandante.

33)A demandada perdeu a subempreitada.

34)Não obstante, a demandada manifestou a intenção de liquidar á demandante o valor que suportou com os materiais despendidos na obra, desde que deduzisse a quantia referente á penalidade que lhe foi aplicado pelo dono da obra.

35)Acordaram que seria paga em 10 prestações sucessivas de 305,60€.

36)A demandante recebeu o pagamento.

37)E, interpelou a demandada para pagar a segunda prestação.

38)A demandada já procedeu ao pagamento de 5 prestações.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a decisão na análise critica de toda a documentação junta pelas partes, o que conjugou com a prova testemunhal realizada em audiência e regras da experiencia comum.

A testemunha, DL., é funcionária da demandante, e filha do gerente da demandante. Interveio diretamente no negócio realizado entre as partes, motivos pelo que tem conhecimento dos factos. Reconhecendo que, a maioria das comunicações das partes eram feitas por ela, assim como a troca de emails. O seu depoimento foi claro embora não totalmente isento, pois tem interesse no desfecho dos autos. Foi relevante para prova dos factos com os n.º 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 29, 30, 36 e 37.

A testemunha, RV., é funcionária da demandada, interveio no negócio realizado entre as partes, sendo a responsável da obra em questão, motivos pelo que tem conhecimento dos factos em questão, além de ter conhecimentos técnicos em matéria de construção civil. Reconheceu que foi pedido á demandada inicialmente o fornecimento em obra de material, e posteriormente pediram mais material e a sua execução na obra, tendo aquela sabido da urgência, tendo prontificando-se a faze-lo. No entanto, o que foi realizado além do atraso, estava mal executado, pelo que o dono da obra deslocou-se ás instalações da demandante para verificar se realmente estavam a executar algum serviço e o estado do mesmo, com o qual não se conformou, pelo que acabou por os afastar da obra, tendo-lhes imputado os custos de serviços de terceiros para repara a má execução do trabalho da demandante. O seu depoimento foi claro, isento e desinteressado, sendo relevante para prova dos factos com os n.º 1, 5, 7, 9, 11, 12, 14, 15, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37.

Foram tidos em consideração os emails juntos pela demandante, de fls. 75 a 107, embora alguns documentos estejam repetidos nos autos, os quais comprovam que a demandante regularmente pedia á demandada que fizesse os pagamentos mensais, e prova que foram realizadas 5 prestações, auxiliando na prova dos factos 35, 36 e 37.

O facto instrumental de prova n.º 38 resulta precisamente dos emails juntos pela demandante, de fls. 75 a 107.

Os documentos juntos pelas partes auxiliaram na prova dos factos n.º 10, 13, 16, 19, 24, 30, 35 e 37.

Quanto ao facto provado com o n.º4 não foi feita prova sobre a data concreta em que a demandante realizou esta entrega, havendo divergência entre as datas do documento a fls. 8 com os emails que trocaram a fls. 38.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Que o contrato de subempreitada fosse integralmente cumprido, conforme resultou das declarações da testemunha A, o que foi conjugado com a análise critica da fatura n.º 0000000, 2º parte.

O restante, que foi alegado pela demandada, é matéria de direito, e não factos reais, que sucederam entre as partes, e embora sejam pertinentes não devem estar inseridos nesta secção.

III-DO DIREITO:

O presente litígio prende-se com um contrato de subempreitada, realizado entre duas empresas, no decurso de uma obra.

Questões: houve ou não o cumprimento total do contrato, pagamento e compensação.

A subempreitada é um contrato que consiste na obrigação de um terceiro face ao empreiteiro, de realizar a obra a que este se encontrava vinculado, ou parte dela (art.º 1213 do C.C.).

No que diz respeito ao contrato em causa apenas foi formalizado verbalmente, e na realidade esta forma de realizar este tipo de negócio é legalmente válida pois a lei não exige qualquer forma específica para o fazer (art.º 219 do C.C.).

Este contrato tem sempre na sua génese o contrato de empreitada, estando subordinado àquele, significa isto que existe uma hierarquia entre as partes e o dono da obra.

«É uma empreitada de segunda mão que entra na categoria geral do subcontrato, e em que o subempreiteiro se apresenta como um empreiteiro do empreiteiro, também adstrito a uma obrigação de resultado (P. Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial Almedina,2001,pág.403esgs).

Na subempreitada, o empreiteiro ocupa a posição de dono da obra em relação ao subempreiteiro, pelo que nas relações entre o
empreiteiro e o subempreiteiro, o regime legal aplicável é idêntico ao do dono da obra (aqui o empreiteiro) e o empreiteiro (no caso, o subempreiteiro).

Ora, a empreitada caracteriza-se por ser um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, dele emergindo reciprocamente direitos e deveres para ambas as partes contratantes.

Dispõe o art.º 1208 do C.C. que “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.

Quanto ao serviço em causa apurou-se que ocorreu duas fases distintas. A primeira, onde a demandada contrata a demandante apenas para fornecer os materiais que necessitava para reforço de uma viga e sua entrega na obra, para o qual foi verbalmente apresentado orçamento, o qual corresponde ao preço de 1.890€. E, a segunda fase, que consistia no fornecimento de mais materiais e montagem dos mesmos na obra. Este último serviço não foi precedido de qualquer orçamento, caraterizando-se por ser um acréscimo face ao pedido inicial.

Ora é em relação a este último que há divergência entre as partes. Não obstante, apraz dizer que a demandante não cumpriu integralmente com as exigências iniciais do dono da obra, pois nunca apresentou a documentação necessária para instruir a presença dela na obra, o que levou a que o dono da obra suspeitasse da sua intervenção na obra, pelo que sentiu necessidade de o averiguar, deslocando-se ás instalações da demandante para verificar se realmente realizava algum serviço para a obra, como resulta expressamente dos documentos junto com a contestação a fls. 37 e 38.

Quanto ao litígio, a demandante apresentou a respetiva fatura n.º 00000, a qual contém a totalidade do preço pelos serviços contratualizados, no valor de 4.745,95€, e na qual se distinguem os dois momentos da sua intervenção na obra. Esta fatura descrimina sinteticamente o serviço que realizou em cada momento, tendo aposto os valores cobrados em cada uma das fases, que como se constata são diferentes, veja-se o doc. 3, a fls. 9.

No que diz respeito ao último item, tal como é referido na fatura inclui a montagem dos materiais em obra. Ora este serviço, montagem, pressupõem que fosse executado com a devida soldadura, a qual constitui a legis artis adequada á execução da obra, pois está em causa de estruturas metálicas e vigas, as quais são o suporte das construções, pelo que necessitam de ser executados em termos adequados para conferir a devida segurança á estrutura global de um edifício. Segundo foi apurado, a demandada apenas realizou a montagem provisoria, tendo somente, como admitiu a testemunha DL. em audiência e resulta igualmente do documento junto a fls. 38 verso- emails trocados entre as partes-, que apenas colocaram pingos de solda para segurar as chapas, ora isto não é exatamente o mesmo que ter realizado a soldadura necessária, para fixar as estruturas. Quer isto dizer que o serviço foi mal executado, estando inacabado, facto que não agradou ao dono da obra quando verificou, pelo que exigiu que fosse realizado por soldador certificado, de forma a colmatar os defeitos que constatou.

No caso em apreço é o dono da obra que tem a última palavra, pois detém o poder de fiscalizar o serviço (art.º 1209 do C.C.), sendo esta feita no seu interesse imediato, cujo objetivo é precisamente evitar que a obra continue a ser executada em termos viciosos, mas tal não exime o empreiteiro de ser responsabilizado por defeitos.

Na realidade, decorre em simultâneas duas relações contratuais paralelas, uma entre o dono da obra e o empreiteiro, e a outra entre este e o subempreiteiro.

Em regra, o empreiteiro goza dos direitos de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção, e só no caso do não cumprimento destas obrigações poderá exigir a redução do preço ou resolver o contrato (P. Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, II, nota 3 ao art.º 1226 do C.C.).

Na verdade, a demandante não tinha soldadores certificados para executar a obra em conformidade, facto que reconheceu junto da demandada, motivo pelo qual o dono da obra teve de recorrer a terceiros para terminar o serviço, algo que a demandante nem desconhece, atente-se ao disposto no art.º 14 do r.i., reconhecendo que foi a T. que acabou por executar o serviço.

Ora este serviço, que no fundo se resume a mão-de-obra certificada, custou ao dono da obra a quantia de 1.690€, conforme documento 7, junto a fls. 13. O qual, por sua vez, imputou esse custo ao empreiteiro, a ora demandada.

A situação descrita constitui o que a doutrina designa por cumprimento defeituoso do contrato, encontra estatuições próprias no âmbito do Capítulo do Código Civil que aborda este tipo de negócio jurídico (o XII), atenta as particularidades que o mesmo apresenta.

Acrescenta-se que, a demandante em sede de audiência juntou um documento, de fls. 113 a 116, com o qual pretendia que lhe fosse reconhecido o valor total da fatura, uma vez que terá realizado serviços que entendeu não cobrar. Efetivamente, a testemunha apresentada pela demandada, RV., reconheceu que foi realmente executado uma rampa que não estava prevista, mas que houve necessidade de a fazer, contudo quando conversaram sobre a divida, a demandante referiu que não queria cobrar este serviço extra. Ora se a demandante na altura prescindiu, voluntariamente, da quantia referente a esse serviço, não pode agora invoca-lo, pois os acordos entre as partes devem ser realizados de boa-fé (art.º 227 do C.C.), estando agora a negar um facto que foi por ela praticado e levando a contraparte a crer na sua boa vontade, o que é censurado juridicamente com a figura do abuso de direito (art.º 334 do C.C.).

Face a uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato, o lesado (dono da obra ou empreiteiro se a relação se estabelece perante um subempreiteiro) terá de seguir os seguintes passos pela ordem que se indica:

1) Exigir ao empreiteiro ou ao subempreiteiro (consoante os casos) a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos (art.º 1221.º, n.º 1, 1.ª parte);

2) Exigir nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados (art.º 1221, n.º 1, parte final);

3) Exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, caso os defeitos não terem sido eliminados, ou não tenha sido construída nova obra e desde que tais defeitos tenham tornado a obra inadequada ao fim a que se destinava (art.º 1222 do C.C.);

4) Exigir uma indemnização nos termos gerais (art.º 1223 do C.C.).

No caso em apreço, a demandada ao apresentar á demandante esta fatura, a qual constitui o prejuízo que teve com o incumprimento defeituoso do contrato, a qual enquadra-se na última opção referida.

E, sendo esta uma opção legal, não tem razão a demandante ao requer a emissão de uma nota de crédito nessa quantia, pois isso só faria sentido, se a subempreitada fosse executada sem qualquer defeito, o que não foi o caso, além de estar inacabada.

A compensação consiste numa forma de extinguir a obrigação, para além do cumprimento integral, no caso concreto constitui processualmente uma exceção de direito material.

Para que alguém possa prevalecer-se deste expediente legal é necessário reunir os seguintes elementos: quando as partes sejam reciprocamente credor e devedor, o crédito seja judicialmente exigível, e as obrigações tenham por objeto coisa fungível da mesma espécie e qualidade (art.º 847 do C.C.).

Conforme foi referido anteriormente, foi imputado pelo dono da obra á demandada, o custo do serviço de mão-de-obra realizado por terceiro, para colmatar a má execução do serviço da demandante, na quantia de 1.690€. Ora esta constitui precisamente o valor do crédito que a demandada detém sobre a demandante, sendo uma quantia certa, da mesma espécie e qualidade face á quantia alegada pela demandante.

Perante o exposto, considero que estão preenchidos os requisitos legais para a procedência da compensação, sendo certo que a demandante foi notificada para se pronunciar sobre isto, limitando-se a juntar os emails referentes às “conversas” que tiveram sobre este assunto, apenas ressalva que, ainda, estão em divida as 5 prestações mensais, pelo que não há motivos legais para improceder este expediente legal.

Em relação ao pedido de pagamento na íntegra, decorre dos emails que foram trocados pelas partes, juntos de fls. 74 a 107, que a demandada efetuou uma proposta, do que concluo, em primeiro lugar, que a demandada assumia estar em falta, em relação ao pagamento, para com a demandante, tal como também o admite na sua contestação, atente-se ao teor do art.º 17.

Pela análise dos mesmos, verifica-se que a demandante, embora diga que não concorde com a proposta, pois pretende que aquela faça o pagamento na íntegra, a verdade é que mensalmente ia-lhe exigindo que procedesse ao respetivo pagamento, e inclusive na resposta a fls. 74, reafirma que reclama a falta de pagamento das 5 prestações, o que significa que aceitou que a demandada pagasse a quantia em divida por prestações mensais e sucessivas.

Ora isto constitui um acordo tácito (art.º 217, n. º1, 2ª parte do C.C.), ou seja, embora não declarasse expressamente que aceitava, das suas palavras, ou melhor, das expressões que emite nos emails, decorre uma manifestação clara da sua vontade. Tal foi assim a interpretação feita pela demandada, pelo que foi procedendo aos pagamentos por transferência bancária, os quais foram interrompidos quando foi citada para a ação, o que a deixou surpreendida, uma vez que estava a cumprir o acordo estabelecido entre elas.

Requerer, agora, o pagamento total constitui, o que em termos jurídicos se designa por um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio (art.º 334 do C.C.), sendo que esta é sancionada, e como tal deve ser indeferida esta pretensão.

Contudo, apraz dizer que a demandada deve continuar a proceder ao pagamento das prestações em falta ao qual se encontra vinculada, no valor de 305,60€, cada, referente ao montante em falta que, ainda, totaliza a quantia global de 1.528€, uma vez que, na altura em que é proferida esta sentença, já devia estar totalmente paga, tendo em consideração o quadro que apresentou á demandante, junto a fls. 15 e 16.


DECISÃO:

Nos termos expostos, julga-se a ação improcedente, absolvendo-se a demandada dos pedidos.

CUSTAS:

Face ao decaimento do pedido da demandante, deve proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), no prazo de 3 dias úteis, sob pena de aplicação da sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros).

Proceda-se ao reembolso da demandada.

Tal como foi requerido pela demandada, tendo em consideração que a demandante não fez prova nos autos de ter apresentado a última declaração periódica de rendimentos (art.º 274, n.º 3 do C.P.C. e art.º 131 do CIRE), oficie-se a Autoridade Tributária Financeira do mesmo, para os fins tidos por convenientes.

Proferida nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P.

Coimbra, 20 de abril de 2018

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C)

(Margarida Simplício)