Sentença de Julgado de Paz
Processo: 12/2016-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Data da sentença: 12/21/2016
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

RELATÓRIO
A, divorciado, propôs contra B e esposa, C, a presente ação de indemnização fundada em acidente de viação, enquadrada na alínea h) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia global de € 1 112,71 (mil cento e doze euros e setenta e um cêntimos), a titulo de danos morais e patrimoniais, acrescida de juros legais ate integral pagamento. ---------------------------------------
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial e juntou quatro documentos, que aqui se dão por reproduzidos. --
Os demandados contestaram, impugnando todos os factos, que alegaram desconhecer, e que não tinham qualquer animal de raça canina, concluindo pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido. Não juntaram documentos. Em Audiência de Julgamento ambas as partes apresentaram testemunhas. -------
Valor da ação: € 1 112,71 (mil cento e doze euros e setenta e um cêntimos). ---------------------------------------------------
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim: ----------------
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ------------------
Consideram-se provados os seguintes factos: ------------------
1.º- O demandante é dono e legítimo possuidor do motociclo da marca Yamaha, modelo XV 125, com a matricula xx—xx—LR; ----
2.º- No dia 28 de junho de 2015, pelas 21.13 horas, o motociclo supra identificado circulava pela EN 313, na localidade de yyyy, concelho de xxxx, na direção xxxx — yyyy, conduzido pelo demandante; -------------------------------------------------
3.º- E quando ia a passar ao quilómetro xx, junto ao armazém de fruta dos demandados, correu na sua direção um cão de grande porte, de cor acastanhada; ------------------------------------
4.º- Atravessou a estrada e atirou-se contra a parte dianteira do motociclo conduzido pelo demandante; -------------------------
5.º- Embatendo nele e projectando-o para o pavimento, assim como o seu condutor; -----------------------------------------
6.º- Este, em face da imprevisibilidade dos acontecimentos, não teve qualquer possibilidade de evitar o embate com o animal; ----
7.º- Como consequência do embate, o motociclo foi projetado para o chão; -------------------------------------------------
8.º- Tendo sofrido múltiplos danos, nomeadamente no punho, espelhos, piscas, farol, embraiagem, tampa e no capacete do condutor; -----------------------------------------------------
9.º- Para reparar esses danos, o demandante necessitou de recorrer a uma oficina especializada situada na zona industrial de xxx, tendo pago por essa reparação a quantia de € 620,31 (seiscentos e vinte euros e trinta e um cêntimos);---------------
10.º- Como consequência do embate, também o demandante foi projetado para o chão, tendo sofrido ferimentos; ---------------
11.º- E em resultado disso, teve de recorrer ao Centro de Saúde de yyyy e Hospital de www, onde foi observado e medicado; ----
12.º-E teve de adquirir medicamentos vários, identificados nos autos, que importaram na quantia global de € 44,90 (quarenta e quatro euros e noventa cêntimos); ----------------------------
13.º-Tendo o veículo ficado impossibilitado de circular durante vários dias; ---------------------------------------------------
14.º- 0 demandante necessita do referido veículo para tratar de assuntos da sua vida pessoal; ---------------------------------
15.º- Além disso, o demandante sofreu, dores físicas provocadas pelos ferimentos; ---------------------------------------------
16.º- E também angústia e muitos incómodos; -----------------
17.º- Os demandados moram em xxx e apenas se encontram em xxx quando estão a trabalhar no armazém ou nos pomares; ------
18.º- Na casa que o demandante refere residem cerca de oito pessoas, nomeadamente pais, irmão e sobrinhos do demandado marido; ------------------------------------------------------
19.º- Como se trata de uma casa junto à estrada, não são raras as vezes em que lá se encontram cães e gatos vadios; ---------
20.º- Sendo que, por vezes, os sobrinhos do demandado marido os alimentam, fazendo com que por lá fiquem vários dias e até semanas. -----------------------------------------------------
Motivação dos factos provados: -----------------------------
Os factos assentes resultaram da conjugação das declarações de ambas as partes, dos documentos juntos aos autos, e da inquirição das testemunhas, cujo depoimento foi valorado tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil(CPC), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil. --------
Relativamente à prova testemunhal, as testemunhas arroladas pelo demandante, D, que o acompanhava noutro veículo no local e hora dos factos – seguia mais à frente, e o agente da GNR, E, que se encontrava em patrulha e foi ao local tomar conta da ocorrência, elaborou o Auto, prestaram um depoimento isento e credível, sobre factos de que tinham conhecimento direto. ------
Quanto às testemunhas dos demandados, F, sua trabalhadora e G, irmão do demandado marido, depuseram sobre factos de que tinham conhecimento direto, mas os seus depoimentos têm de ser valorados com alguma reserva atenta a relação de trabalho da primeira e de parentesco da segunda.-------------------------
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa e relativamente aos quais tiveram a possibilidade de se pronunciar. -----------------
factos não provados e respetiva motivação: ---------------
Por inexistência de qualquer prova ou da insuficiência da que foi apresentada, não se provaram quaisquer outros factos alegados pelo demandante com interesse para a decisão da causa, nomeadamente: ----------------------------------------------
- Que o cão causador do acidente é propriedade dos demandados; De facto, o demandante referiu que o costuma ver em baixo na estrada, a sua testemunha agente da GNR, depôs que na altura do acidente este lhe terá referido que o animal saiu da zona do armazém e que, perante esta afirmação, olhou para cima, para a casa, praticamente contínua com o armazém, e o cão estava deitado no pátio da mesma, e que posteriormente ao acidente passou por lá umas duas vezes no mínimo e viu este animal dentro desta propriedade, bem como populares na altura do acidente lhe afirmaram que o cão era do B mas não quiseram identificar-se porque “não queriam confusão”; Mas são factos que, só por si, não são decisivos, atendendo a que a sua testemunha D depôs que na altura só lhe disseram que o cão era da casa, e tendo em conta ainda a contraprova produzida pelos demandados, nomeadamente que o demandado tem um filho que também se chama B, que vivem várias pessoas na casa e que andam por aquela zona animais vadios; ------------------------
- O número exato de dias em que o veículo ficou impossibilitado de circular; ---------------------------------------------------
- Que o demandante necessita do referido veiculo para se deslocar na sua atividade profissional de agricultor; -------------
- Que a casa e o armazém que o demandante refere são propriedade dos pais do demandado, embora este e o irmão tenham dito que sim.------------------------------------------
Fundamentação de direito: ---------------------------------
Está em causa nos presentes autos uma situação de danos causados por um animal que, a provar-se ter dono, ou possuidor ou que o utilizasse no seu próprio interesse, este responderia, independentemente de culpa, pelos prejuízos que o mesmo causasse a terceiros ou à sua propriedade (danos patrimoniais e/ou morais), nos termos do disposto nos artigos 483º, nº 2 e 502º do Código Civil. -----------------------------------------
Trata-se de uma responsabilidade civil extracontratual, objetiva, dependendo apenas que os danos causados pelo animal tenham resultado do perigo especial que envolve a sua utilização. ------
A provar-se, no caso dos autos, que o cão era dos demandados, como proprietário ou possuidor, ou utilizador em proveito próprio, este perigo seria acrescido pelo facto de o mesmo andar à solta.
Mas para ser responsabilizado civilmente haveria ainda que provar os danos, o nexo de causalidade entre a atuação do cão e os danos, e que essa atuação resultou da sua perigosidade. -------
De facto, “a responsabilidade objectiva ou pelo risco pressupõe todos os requisitos da responsabilidade subjectiva menos o da culpa e da ilicitude do facto causador do dano” (in. www.dgsi.pt, Ac. Trib Rel. Porto, de 17.06.1992). ----------------------------
E, neste caso, competia ao demandante, como lesado, o ónus da prova (cf. artigo 342º, nº 1 do Código Civil). -------------------
E se, ficaram provados os danos, o nexo de causalidade e ter sido o referido cão o seu agente, não logrou o demandante provar que o mesmo pertencia aos demandados, como proprietários, possuidores ou utilizadores em proveito próprio. E este facto essencial para determinar a respetiva legitimidade substantiva, a sua responsabilidade pelos danos causados pelo animal, sendo que o ónus competia também ao demandante (bem como dos demais factos constitutivos do seu direito), nos termos do referido artigo 342º, nº 1 do Código Civil.-----------------------
Os demandados são parte legítima, processual, enquanto titulares do interesse em contradizer, nos termos em que o demandante formulou o pedido e a causa de pedir e atendendo ao disposto no artigo 30º do Código de Processo Civil. ------------------------
Contudo, a falta de prova da qualidade de proprietários, em que fundamenta o demandante os pedidos formulados, configura já não um pressuposto processual, mas uma situação de ilegitimidade substantiva que já respeita ao mérito da causa e que determina a improcedência da ação (cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23/07/91 e 18/02/99, in www.dgsi.pt).----
Atento o exposto, não tendo o demandante logrado provar a titularidade ou posse do animal por parte dos demandados e, em consequência, serem estes os titulares do dever de eventual ressarcimento, não é possível condená-los a pagar-lhe qualquer valor pelos danos patrimoniais e morais alegados, pedido que terão, sem mais, de improceder. ------------------------------
Decisão: ---------------------------------------------------
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, e em consequência, absolvo os demandados, B e C, dos pedidos formulados. ---------------------------------------------------
Custas totais pelo demandante, declarando-o parte vencida, nos termos dos artigos 1º, 8º e 10º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro. -------------------------------------------------
Registe e notifique. ------------------------------------------