Sentença de Julgado de Paz
Processo: 86/2017-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 06/30/2017
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral:

Sentença

Processo nº 86/2017-JP

Relatório

A demandante A, melhor identificada a fls. 1, intentou, em 11/4/2017, contra os demandados B e C, melhor identificados a fls. 1, ação declarativa com a vista a obter a restituição de valor entregue, formulando o seguinte pedido:

- Serem os demandados condenados a pagar à demandante o valor de 7.131,91, além de juros legais contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 2 (dois) documentos.

*

Não houve realização da sessão da pré-mediação.


*

Regularmente citados os demandados (fls. 22 e 23 – verso), apresentaram a contestação de fls. 25 a 29, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando em suma os factos alegados no requerimento inicial, deduzindo reconvenção e requerendo a condenação da demandante por litigância de má-fé. Juntaram 2 (dois) documentos.

*

Realizou-se audiência de julgamento em 12 de junho de 2017, com a observância das formalidades legais, como da Ata de fls. 61 e 62 se infere.

Cumpre apreciar e decidir

O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.

--- Fixa-se à causa o valor de €7.131,91 (sete mil cento e trinta e um euros e noventa e um cêntimos).

*

A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 54/2013 (Lei dos Julgados de Paz) estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar (entre outros) uma “sucinta fundamentação”.

Fundamentação da Matéria de Facto

Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:

1- A demandante, na qualidade de compradora e os demandados, na qualidade de vendedores, outorgaram entre si, em 21 de agosto de 2006, um contrato designado “Declaração”, mediante o qual o vendedor declarou ter recebido da compradora o valor de €5.000,00 como sinal pela compra de um terreno sito em Lugar da X, em Mira, registado na matriz sob o nº XXXX, mais declarando que o valor acordado para a venda do terreno foi de €52.500,00 e que a compradora se compromete a pagar a diferença de €47.500,00 no ato de escritura.

2 – Em 7/4/2017, os demandados notificaram a demandante, por meio de notificação judicial avulsa, para comparecer no dia 28/4/2017, pelas 15H no Cartório Notarial da Dra. X, sito em X, para outorgar a escritura pública de compra e venda do terreno acima identificado.

3 – No dia e hora aprazado a demandante não compareceu, nem justificou a ausência.


*

--- Para a fixação da matéria fática dada como provada, foi tida em consideração a audição das partes, os factos admitidos, bem como a prova testemunhal apresentada e demais prova que a seguir se mencionará.

A prova testemunhal apresentada pela demandante, X, irmã da demandante que a acompanhou na altura do negócio do terreno, teve um depoimento credível porém demonstrando um conhecimento muito limitado dos factos em discussão, pelo que nada acrescentou em termos probatórios.

À prova mencionada acrescem os documentos de fls. 4, 5, 36 a 46, elementos que conjugados com critérios de razoabilidade e normalidade alicerçaram a convicção do julgador.

--- Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a sua insuficiência ou inexistência.

Fundamentação da Matéria de Direito

A demandante intentou a presente ação peticionando a restituição do valor de €5.000,00 pago ao demandado marido, acrescido de juros legais de mora, alegando em sustentação desse pedido a celebração de um contrato promessa de compra e venda de um terreno com os demandados, alegadamente incumprido por estes, pretendendo, em consequência, a devolução do valor entregue aos demandados.

A relação material controvertida circunscreve-se a incumprimento contratual, dispondo o artigo 405º do Código Civil sobre o princípio da liberdade contratual, com os limites previstos na lei. No âmbito dos contratos, dispõe o nº 1 do artigo 406º do Código Civil que, uma vez celebrados os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que reflete o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos. Assim, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exatos termos em que são assumidas (pacta sunt servanta) e segundo as normas gerais da boa-fé. Sendo que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo as partes reger-se pelo princípio da boa-fé (artigo 762º do Código Civil).

Ainda nos termos do artigo 227º, nº 1 do Código Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na sua formação, proceder segundo as regras de boa-fé, sob pena de ter de responder pelos danos que culposamente causou à outra parte, quer no caso das negociações serem interrompidas, quer no caso do contrato se consumar.

As partes alegam estarmos em presença de um contrato promessa de compra e venda. Ora, nos termos do artigo 410º, nº 1 do Código Civil, à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceto as relativas à forma e as que não se devam considerar extensivas ao contrato promessa.

Assim, não estando o tribunal sujeito às alegações das partes nem à apreciação jurídica que fazem dessa factualidade, diga-se que, no presente caso, seria obrigatória que à declaração em causa e objeto destes autos, fossem aplicáveis as disposições relativas ao contrato prometido, o que não é o caso, considerando o desrespeito de formalismos legais, constantes do referido artigo 410º.

Pelo que, como preceitua o artigo 220º, do Código Civil, a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula.

Podendo a nulidade ser declarada oficiosamente pelo tribunal, a sua declaração tem efeito retroativo devendo ser restituído o que tiver sido prestado (artigos 286º e 289º, nº 1 do Código Civil)

Pelo que, tendo vindo a demandante peticionar a restituição do valor pago aos demandados, o que consubstancia a nulidade do contrato e tendo a nulidade do negócio efeito retroativo, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou o valor correspondente.

Pelo exposto, declara-se a nulidade do contrato celebrado entre demandante e demandados objeto dos autos, com todas as legais consequências daí derivadas, nomeadamente a restituição pelos demandados à demandante do valor pago de €5.000,00.

Quanto ao pedido reconvencional deduzido pelos demandados entende-se não se tratar de verdadeira reconvenção (limitada ao preceituado no artigo 48º da Lei dos Julgados de Paz), mas de impugnação e não se considerando a existência de contrato promessa de compra e venda, inexiste a figura jurídica do sinal propriamente dita, bem como as suas consequências legais.

Quanto aos juros peticionados pela demandante, só verificando-se o retardamento da prestação por causa imputável aos devedores é que estes se constituiriam em mora, não sendo este o caso.

Assim sendo, tendo esta sentença declarado a nulidade do contrato celebrado entre as partes de 21/8/2006, não são devidos juros de mora, exceto os juros que entretanto se vencerem, à taxa legal de 4%, após o trânsito em julgado desta decisão.

Quanto à peticionada condenação como litigante de má-fé da demandante, refira-se que tal instituto radica na própria boa-fé, a qual deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade e não requeiram diligências meramente dilatórias. Não agindo segundo tais ditames, ficam as partes sujeitas às sanções do artigo 456º do Código de Processo Civil.

Há, porém, que ter presente que a interpretação a dar ao artigo 456º não poderá ser restritiva, de forma a inviabilizar o amplo direito de acesso dos cidadãos aos tribunais e a permitir o pleno exercício do contraditório.

No caso vertente o comportamento da demandante não é indiciador de uma litigância de má-fé, uma vez que intenta a presente ação convencida da sua razão, entendendo-se não pretender prejudicar ou alterar factos, pelo que se julga tal pretensão improcedente.

Decisão

Em face do exposto, julga-se a ação procedente, por provada e, em consequência, declara-se a nulidade do contrato celebrado entre demandante e demandados em 21/8/2006, com todas as consequências legais daí decorrentes, nomeadamente a restituição à demandante pelos demandados B e C do montante de €5.000,00 (cinco mil euros), indo no mais absolvidos, julgando-se ainda improcedente o pedido de litigância de má-fé.

Custas

Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandante e demandados no pagamento das custas totais do processo, no valor de €70,00 (setenta euros), considerando o decaimento de ambas as partes, pelo que, tendo cada parte pago o valor de €35,00 (trinta e cinco euros), nada mais há a ordenar quanto a custas.

*

A Sentença (conforme A. O., processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei 54/2013, de 31 de julho.

--- Proceda-se ao depósito da sentença.

Notifique e Registe.

Julgado de Paz de Cantanhede, em 30 de junho de 2017

A Juíza de Paz (em acumulação),

_____________________

(Iria Pinto)