Sentença de Julgado de Paz
Processo: 632/2017-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO – DEVOLUÇÃO CAUÇÃO – ENTREGA DO LOCADO
Data da sentença: 11/07/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 632/2017

Objeto: Arrendamento urbano – devolução caução – entrega do locado

Demandante: A..
Mandatária: Sr.ª Dr.ª B.
Demandado: C.

RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra o demandado, também devidamente identificado nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 1.200 (mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 5 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que em 24 de março de 2014 celebrou com o demandado um contrato de arrendamento do …º andar letra … do …., sito na Avenida …., n.º …, concelho de Lisboa, contrato que findou em 30 de abril de 2017. Alega que, no dia 2 de maio de 2017, o locado foi entregue, na presença das partes e do agente imobiliário, tendo o locado sido vistoriado e, tendo as partes concordado que tudo estava bem e o procurador do demandado referido que iria devolver, por transferência bancária, a caução prestada, o que nunca fez. Juntou procuração forense e 3 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citado, o demandado contestou (de fls. 16 a 18 e 32 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), tendo o procurador do mesmo aceitado a entrega do locado no dia 2 de maio de 2017, dia em que “não notei nenhuma anormalidade”, porém, regressado ao locado no dia seguinte, verificou que um estore elétrico não funcionava, o teto da casa de banho estava com uma infiltração e que duas paredes de dois quartos estavam com riscos e manchas, reparações cujas reparações foram orçadas em € 1.333,32 (mil trezentos e trinta e três euros e trinta e dois cêntimos), concluindo que a demandante deve-lhe ainda € 133,32 (cento e trinta e três euros e trinta e dois cêntimos). Juntou os documentos de fls. 19 a 30 e 33 a 35 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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A demandante afastou a mediação, pelo que foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatária, sido devidamente notificadas.
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Iniciada a audiência, na presença das partes, e mandatária, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas por ambas as partes.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 1.200 (mil e duzentos euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Em 24 de março de 2014, demandante e demandado, nas qualidades de inquilina e senhorio, respetivamente, celebraram o contrato de arrendamento de fls. 6 a 8 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual o segundo deu de arrendamento à primeira o segundo o … andar letra “…” do prédio urbano sito na Avenida …., concelho de Lisboa.
2 – Pelo prazo de um ano, com início em 1 de abril de 2014 e termo em 31 de março de 2015 (cfr. cláusula 1.ª do contrato).
3 – Mediante o pagamento da renda mensal de € 1.200 (mil e duzentos euros) – (cfr. cláusula 2.ª do contrato).
4 – Na data de assinatura do contrato, a demandante entregou ao demandado a quantia de € 3.600 (três mil e seiscentos euros), correspondente € 1.200 (mil e duzentos euros) à renda referente ao mês de abril de 2014, € 1.200 (mil e duzentos euros) à última renda do contrato e € 1.200 (mil e duzentos euros) “a título de caução que será utilizada em caso de deterioração dos bens do anexo ao presente contrato apresentem um desgaste superior à sua utilização normal no presente contrato” – (cfr. n.º 3 da cláusula 2.ª do contrato).
5 – O contrato de arrendamento cessou em 30 de abril de 2017.
6 – No dia 2 de maio de 2017, demandante, procurador do demandado e o agente imobiliário que mediou o arrendamento vistoriaram o locado, verificando o estado do mesmo e dos bens existentes no locado e, após o procurador do demandado ter aferido do bom estado do locado e bens, a demandante entregou as chaves do locado.
7 – O procurador do demandado comprometeu-se a devolver à demandante, por transferência bancária a realizar nos próximos dias seguintes, a caução prestada.
8 – O que nunca fez.
9 – Em 17 de maio de 2017 o procurador do demandado remeteu à demandante a carta a fls. 27 dos autos, dando conta de um estore danificado e de uma infiltração no teto da casa de banho e concluindo “agradecia que agora deixasse de insistir na devolução da caução. Aguarde pelo fecho das contas!”.
10 – Dão-se aqui por reproduzidos o documento a fls. 20 e 21 dos autos, a fatura a fls. 33 e o orçamento a fls. 34 e 35 dos autos.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos alegados com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 – O locado foi devolvido ao demandado com um estore, o teto da casa de banho e as paredes no estado visível nas fotografias a fls. 19, 22 a 25 dos autos.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas.
Quanto ao depoimento das duas testemunhas apresentadas, uma comum a ambas as partes e outra pelo demandado, refira-se que ambas depuseram de forma segura, convincente e demonstrando ter conhecimento directo dos factos sobre os quais depunham, confirmaram a este tribunal todos os factos acima dados como provados. A primeira testemunha, o mediador imobiliário que mediou o negócio do locado e esteve presente na devolução do mesmo, foi peremptório no seu depoimento esclarecendo que, nesse dias, as partes vistoriaram a fração e que foi acordado que o Demandado iria devolver a caução pois não havia danos visíveis na casa, que a casa estava em bom estado de conservação, acrescentando que a devolução iria ser realizada por transferência bancária (cfr. ata a fls. 51 e seguintes).
A segunda testemunha apresentada (representante da empresa administradora do prédio) disse recordar-se de ter sido contactada telefonicamente pela inquilina da fração, e que pensa ter sido a Demandante já que falava espanhol, a informá-la que havia uma infiltração no teto da casa de banho e que solicitou a essa pessoa que tirasse fotografias aos estragos e que lhe enviasse, o que nunca foi feito; que nessa altura (final 2016, princípios de 2017) não foi à fração. Posteriormente, a pedido do procurador do demandado, accionaram o seguro comum, que inclui a fração, mas como o local se encontrava seco (possivelmente já havia sido reparado) não conseguiam precisar a origem das infiltrações; pelo que a seguradora afastou a sua responsabilidade. Quanto ao estado do locado no momento da sua devolução ao senhorio, ou em qualquer outro momento, referiu nada saber.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e testemunhas.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a conciliação teria sido o meio ideal e útil de, no caso em apreço, se conseguir solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, e somente nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Nos presentes autos, pretende a demandante que o demandado, seu antigo senhorio, lhe devolva a caução que prestou no âmbito do contrato de arrendamento junto aos autos, como se comprometeu a fazê-lo no momento da devolução do locado, fundamentando, assim, a sua pretensão no instituto da responsabilidade civil contratual.

Considerando a causa de pedir e o pedido, comecemos por referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade contratual (artigo 405º do Código Civil), nos termos dos quais as partes podem fixar livremente os conteúdos dos contratos que celebram, podendo celebrar contratos diferentes dos previstos na lei – ou seja contratos atípicos – desde que dentro dos limites da lei; sendo também outro princípio basilar do ordenamento jurídico português o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos, ou seja, uma vez celebrados os contratos devem ser “(…) pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.” (cfr. n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil), assim como o é o principio da boa fé, previsto tanto no n.º 2 do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, (“no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”). Ou seja, os contraentes têm o dever de agir de boa-fé, agir com diligência, zelo e lealdade, correspondendo aos legítimos interesses da contraparte, devem ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, não prejudicando os legítimos interesses da outra parte, no cumprimento ou execução do contrato, até ao termo da sua vigência. E, no âmbito do dever de boa-fé no cumprimento das obrigações encontram-se variadíssimos deveres acessórios de conduta, tais como deveres de proteção, de esclarecimento, de informação, de cooperação e de lealdade.
E, é por tal razão que, no âmbito da responsabilidade contratual, a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá de provar que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. (artigo 798º, do Código Civil). Por outro lado, prescreve o n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil, que Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, é sobre a parte demandante que recai o ónus da prova, competindo-lhe provar os factos constitutivos do direito que alega ter; no caso concreto, que o demandado incumpriu o contrato celebrado ao não lhe devolver a caução acordada e entregue no momento da celebração do contrato, competindo, por sua vez, à parte demandada, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo que “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”, no caso, que o locado foi entregue com os danos alegados, razão pela qual a caução não foi devolvida.
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Da matéria fáctica provada resulta que, em 24 de março de 2014, as partes celebraram o contrato de arrendamento de fls. 6 a 8 dos autos, o qual vigorou até 30 de abril de 2017. Mais ficou provado que no dia 2 de maio de 2017, demandante, procurador do demandado e o agente imobiliário que mediou o arrendamento vistoriaram o locado, verificando o estado do mesmo e dos bens existentes no locado e, após o procurador do demandado ter aferido do bom estado do locado e seus bens, a demandante entregou as chaves do locado, tendo o procurador do demandado se comprometido a devolver à demandante, por transferência bancária a realizar “nos próximos dias”, a caução prestada.
Prescreve a alínea i) do artigo 1038.º, do Código Civil, que o locatário tem a obrigação de restituir a coisa locada findo o contrato, acrescentando o artigo 1081.º, que “a cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário”. Por outro lado, dispõe o n.º 1 do artigo 1043.º, do mesmo Código, que “(…) o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.
Quanto à caução, dispõe o n.º 2 do artigo 1076.º, do mesmo Código, que “As partes podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das obrigações respetivas. No caso, as partes acordaram (cfr. n.º 3 da cláusula 2.ª do contrato) que na data de assinatura do contrato, que a demandante entregaria ao demandado a quantia de 1.200 (mil e duzentos euros)a título de caução que será utilizada em caso de deterioração dos bens do anexo ao presente contrato apresentem um desgaste superior à sua utilização normal no presente contrato”, quantia que a demandante lhe entregou.
Ora, como já referimos, competia ao demandado provar que o locado lhe foi entregue com os danos alegados. Não o fez, já que da prova apresentada resultou o contrário: que as partes vistoriaram o locado no momento da sua devolução ao senhorio e verificaram que o mesmo estava em boas condições, tendo o procurador do demandado se comprometido a devolver a caução à demandante, o que nunca fez. Competia, assim, ao demandado provar que nessa data estavam ocultos os danos alegados, os quais só posteriormente os verificou, o que não provou, já que não apresentou qualquer prova nesse sentido, não sendo suficiente para o comprovar a junção aos autos de fotografias, já que se desconhece o local e momento em que foram tiradas.
Por outro lado, as partes acordaram expressamente o que a caução prestada de destinava a garantir: o estado de conservação “(…)dos bens do anexo ao presente contrato”. E, analisado o teor da contestação em momento algum o demandado alega que algum dos bens constantes desse anexo (que não foi junto aos autos) tinha qualquer deterioração, facto sobre o qual também não foi produzida qualquer prova.
Assim, aqui aportados, resulta claro que assiste razão à demandante ao exigir que a caução prestada lhe seja restituída, tal como contratualmente acordado, indo, consequentemente, o demandado condenado na sua restituição.
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Por último, quanto à condenação do demandado no pagamento de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, verificando-se existir um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ao demandante (artigo 804.º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar a partir do dia de constituição de mora (artigo 806.º do Código Civil). Nos termos do nº 1 do artigo 805.º do Código Civil, o devedor fica constituído em mora, nomeadamente, após ter sido judicialmente interpolado ao pagamento. Deste modo, tem o demandante direito a juros de mora, à taxa de 4%, (nos termos do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril) desde a data da citação (8 de junho de 2017, cfr. doc. a fls. 15), conforme pedido, até efetivo e integral pagamento.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, condeno o demandado a restituir à demandante a quantia de € 1.200 (mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 8 de junho de 2017 até efetivo e integral pagamento.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, o demandado é condenado nas custas, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandante. Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, com a redacção que lhe foi atribuída pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada às partes e mandatária, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Registe.
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Julgado de Paz de Lisboa, 7 de novembro de 2018
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)