Sentença de Julgado de Paz
Processo: 447/2016-JPLSB
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS
PAGAMENTO DE QUOTIZAÇÕES DO CONDOMÍNIO / PRESCRIÇÃO DE QUOTAS
Data da sentença: 01/10/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Valor da acção: €2852,19 (dois mil oitocentos e cinquenta e dois euros e dezanove cêntimos).

Demandante: A, representado pela Administradora B, Travessa da 000 Lisboa.
Demandados: C, Rua X.
Mandatário: Dra. D, Advogada, com domicílio profissional na Av.ª ZZZ Lisboa.
Do requerimento inicial: Fls. 1.
Pedido: Fls.1
Junta: 7 documentos.
Contestação: A fls. 20 e 21.
Tramitação
O demandante afastou a mediação. Foi marcada audiência para o dia 19 de julho de 2017, pelas 10h, que continuou em 19 de outubro de 2017, pelas 14h, sendo as partes notificadas para o efeito.
Audiência de Julgamento:
A audiência decorreu conforme acta de fls. 65 e 66.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – Em 23 de março de 1999 o demandado comprou a E e Mulher, o prédio urbano sito em ZZZZZ (cfr. doc. 3, a fls. 5 e 6 dos autos);
2 – O referido prédio foi submetido ao regime da propriedade horizontal em 13 de janeiro de 2000, ficando autonomizadas as frações A; B; C; D e E (cfr. doc. 3);
3 – O demandado é proprietário das frações B e D (admitido);
4 – Em 14 de janeiro de 2010, os condóminos das frações E, A e C, tomaram a iniciativa de convocar uma assembleia de Condóminos, a realizar em 01 de fevereiro de 2010, com vista a aprovar o Regulamento do Condomínio, eleger um administrador, fixar uma quotização, analisar contas e outros assuntos (cfr. convocatória a fls. 43);
5 – A convocatória foi enviada ao demandado para a Rua ZZZZZZ Lisboa (cfr. fls. 45);
6 – Igualmente foi enviado ao demandado, para a mesma morada, a ata da Assembleia de Condóminos realizada a 01 de fevereiro de 2010, da qual consta que foi deliberado fixar a quotização mensal de €75,00, a pagar até ao dia 8, e o Regulamento aí aprovado (cfr. fls. 30 a 44 dos autos);
7 – Em março de 2011 a Câmara Municipal de ZZ intimou os condóminos a realizar obras de conservação do edifício (cfr. doc. 4, fls. 7 e 8);
8 – Em 15 de novembro de 2011 a Assembleia de Condóminos, deliberou a realização de obras, e deliberou uma quotização extraordinária para custear as mesmas, cabendo à fração B €287,92 e à fração D €673,52, com vencimento a 05 de dezembro de 2011 (cfr. ata 3, a fls. 49 e 50, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9 – A ata desta Assembleia bem como a intimação da Câmara Municipal de
ZZ foi enviada ao demandado para a Rua ZZZZZ, 18, 2.º A (cfr. fls. 49 a 56);
10 – A Assembleia de Condóminos realizada em 15 de julho 2014 aprovou o contrato de seguro do condomínio, cabendo à fração B €18,95 e à fração D €44,33, cuja convocatória, cópia de ata e demais documentos foram enviados ao demandado para a Rua ZZZZZZZZZ, 18, 2.º A (cfr. fls. 57 a 61);
11 – Em 29 de fevereiro de 2016, a Assembleia de Condóminos aprovou as contas de 2015, tendo deliberado a aprovação das dívidas dos condóminos, sendo a dívida do demandado em 31 de dezembro de 2015 de €2.852,19, compreendendo as quotizações ordinárias relativas às frações B e D, relativas aos meses de fevereiro de 2010 a 31 de dezembro de 2015 (€1.890,75), e às quotizações extraordinárias (€961,44).

Factos não provados.
Consideram-se não provados os factos não consignados.

Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual e no depoimento da testemunha apresentada pelo condomínio.

Do Direito.
Nos presentes autos pretende o condomínio do prédio supra identificado obter a condenação do demandado no pagamento da quantia de €2852,19, correspondentes a quotizações ordinárias, vencidas desde fevereiro de 2010 e quotização extraordinária deliberada em 15 de novembro de 2011. O demandado apresentou contestação na qual alega que a constituição do condomínio é nula porque não foi convocado para a Assembleia de Condóminos que o constituiu, bem como não foi convocado para qualquer outra assembleia, pelo que a parte demandante é ilegítima. Alega ainda que, “de todo o modo, ao menos as quotas referentes aos anos de 2010 e 2011 encontram-se prescritas (…)”
Vejamos, de forma resumida, o enquadramento legal das relações jurídicas subjacentes ao presente litígio.
No caso, estamos perante prédio urbano que foi constituído em propriedade horizontal, cujo título constitutivo está consubstanciado em escritura pública lavrada em 13 de janeiro de 2000. É consabido que, a partir da elaboração do título constitutivo da propriedade horizontal, o edifício fica, juridicamente, dividido, mesmo em relação ao seu proprietário, que aí exprime a vontade de sujeitar o imóvel ao regime da propriedade horizontal, em várias fracções autónomas, com individualidade jurídica própria, passando cada uma dessas fracções a constituir um objecto de direitos, uma coisa em sentido jurídico, muito embora quanto a tudo o mais que contende com o regime do condomínio, a eficácia do título fique dependente da alienação de, pelo menos, uma das fracções autónomas, pois que, só então, surgirá a pluralidade de condóminos, em face do que dispõe o 1414º do Cód. Civil.. Contudo, logo que essa realidade plural surja, estamos perante “um condomínio”, conceito que aglutina todos os “condóminos”, proprietários de frações autónomas ou titulares de direitos equiparados para tais efeitos. Assim, o conceito de condomínio não nasce de nenhum ato formal posterior à instituição da propriedade horizontal. Nasce da pluralidade de titulares da propriedade sobre frações autónomas. Questão diversa é a organização factual e efectiva da administração das partes comuns. Da factualidade assente resulta que a primeira assembleia de condóminos reuniu em 01 de fevereiro de 2010, conforme ata n.º 1, referida no nº 4 dos factos provados –, tendo aí sido eleita a administração do condomínio para o período de um ano. Infere-se, pois, que até essa data, os condóminos não elegeram o administrador, como se impunha (art. 1435º do Cód. Civil)
Rege, pois, o disposto no art. 1435º-A do Cód. Civil, sendo as funções de administrador exercidas, obrigatoriamente e a título provisório, pelo condómino cuja fração ou frações representem a maior percentagem do capital investido, salvo se outro condómino houver manifestado vontade de exercer o cargo e houver comunicado tal propósito aos demais condóminos – acrescente-se que esta última hipótese não foi equacionada nos autos, mormente pelo demandado. O que ocorreu foi a iniciativa de três condóminos, que perfaziam a permilagem de 626, que convocaram a Assembleia de Condóminos com vista a deliberar sobre os assuntos constantes da convocatória, deliberações subordinadas ao disposto no artigo 1433.º do Código Civil. Alega o demandado que tais deliberações não lhe são oponíveis. Contudo, para tanto, deveria ter impugnado as mesmas, nos prazos fixados no referido preceito legal. Admitindo que procedia os argumentos expendidos quanto ao envio de convocatória e cópia da respectiva ata para morada diferente da sua, o que não se concede face ao disposto no n.º 9 do artigo 1432.º, o demandado tomou conhecimento das deliberações por via da citação operada nos presentes autos.

Quanto à obrigação de contribuir para as despesas com uso, fruição e conservação das partes comuns, dispõe o artigo 1424º, do CC, que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comuns são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.”. A administração das partes comuns do edifício cabe à Assembleia de Condóminos e a um administrador (cfr. art.º 1430º, do C.C.), cabendo a este, entre outras, a função de cobrar as receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (al. d) e e) do art.º 1436º, do C.C.). Decorre da matéria supra dada por provada que o demandado incumpriu a obrigação decorrente do artigo 1424.°. Face ao exposto, atento o disposto nos artigos 1436.º e 1437.º do Código Civil, improcede a alegada ilegitimidade, quer do condomínio quer do administrador.
Porém, vem o demandado alegar a prescrição das quotizações relativas aos anos de 2010 e 2011.
Vejamos.
Nos termos da alínea g) do artigo 310º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos quaisquer prestações periodicamente renováveis.
Quanto a esta matéria, na esteira da jurisprudência que julgamos ser pacífica, entende-se que a obrigação do condómino de pagar as despesas de condomínio e de conservação do imóvel, na medida em que seja periodicamente renovável, ou reiterada, conforme deliberado pela Assembleia de Condóminos, cabe na previsão da alínea g) do artigo 310º do Código Civil, pelo que o prazo de prescrição é efectivamente de 5 anos, como invocado pelo demandado. De facto, como sublinha Aragão Seia, despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente nos termos do artigo 1424.º. Essas prestações renovam-se, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424.º e 1431.º.
Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - alínea g) do artigo 310.° - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — n.º 1 do artigo 306.º - interrompendo-se o prazo, no caso em apreço, com a apresentação do requerimento inicial, conforme estabelece o n.º 8, do artigo 43.º, da LJP. Contudo, entendemos que tal prazo não abrange as quotizações extraordinárias, as quais ficam sujeitas ao prazo ordinário de prescrição, estabelecido no artigo 309.º do Código Civil. Devemos ter presente que despesas com obras extraordinárias de conservação e manutenção do edifício, que se afigurarem necessárias de acordo com uma multiplicidade de fatores, mormente, como no caso em apreço, por imposição da Câmara Municipal, e que vieram a ser fixadas em deliberação tomada em Assembleia de Condóminos, assumem um carácter pontual e nessa óptica, não é de concluir que constituam prestações periódicas, como sucede com as designadas quotizações ordinárias.

Impõem-se algumas considerações relativamente ao envio de convocatórias e atas para morada alegadamente não correspondente à do demandado. Para além do disposto no já referido n.º 9, do artigo 1432.º do Código Civil, é de relevar o facto da administração ter enviado a convocatória para a Assembleia
de Condóminos realizada em 15 de novembro de 2011, bem como a respectiva ata, e convocatória e ata relativa à Assembleia de Condóminos de 15 de julho 2014, para a morada que o demandado reconhece ser a sua (Rua ZZZZ, 18, 2.º A, supra factos provados 8 a 10), e ainda assim o demandado manteve-se numa posição de completo alheamento relativamente à vida e problemas de um edifício, no qual tem (ou tinha à data dos factos) duas frações autónomas, o que não pode deixar de ser objecto de crítica, na medida em que não lhe assistem apenas direitos mas também as correspondentes obrigações e que de todo não cumpriu.
Assim, considerando a prescrição das quotizações relativas aos meses de fevereiro de 2010 a abril de 2011 e considerando ainda que a demandante contabilizou as quotizações ordinárias vencidas até 31 de dezembro de 2015, mas não pediu condenação nas quotizações vincendas e, considerando a prescrição das quotizações ordinárias vencidas entre fevereiro de 2010 e abril de 2011, há que subtrair ao montante pedido a quantia de €1.050,00 (=14X€75,00).

Decisão.
Em face do exposto, condeno o demandado a pagar ao condomínio demandante a quantia de €1.802,19 (mil oitocentos e dois euros e dezanove cêntimos), ficando absolvido do restante.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero a demandada parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso. Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação ao demandante.

Julgado de Paz de Lisboa, em 10 de janeiro de 2018
A Juíza de Paz
Maria Judite Matias