Sentença de Julgado de Paz
Processo: 116/2014-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: ARRENDAMENTO – QUARTO – DANOS - DIREITO À RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
Data da sentença: 02/20/2017
Julgado de Paz de : ÓBIDOS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1, intentou, em 21 de agosto de 2014, contra B, melhor identificado, também, a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, fundada em responsabilidade civil, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 3.100,00 € (Três mil e cem euros), relativa à indemnização pelos danos sofridos pelo desaparecimento de bens da sua propriedade e bem assim pela violação do direito à inviolabilidade do domicílio e reserva da intimidade da vida privada.
Para tanto alegou os factos constantes do douto Requerimento Inicial de fls. 1 a 6, que se dá por reproduzido dizendo que: o demandado é proprietário do imóvel sito na Avenida x, Lote x-x, em Leiria; que, à data da aquisição do imóvel pelo Demandado, o Demandante detinha no mesmo um quarto arrendado, conjuntamente com outros colegas da Faculdade; em virtude da anterior senhoria ter vendido o imóvel ao ora Demandado, o mesmo deslocou-se ao imóvel, informando o Demandante e os demais inquilinos, que se manteria o contrato de arrendamento, passando desde então a proceder ao pagamento da renda mensal ao Demandado; o que sempre aconteceu; isso não obstante quer com a anterior senhoria quer com o Demandado não ter formalizado qualquer contrato de arrendamento; no decurso do ano de 2013, mais concretamente em agosto, o Demandante enviou mensagem de texto para o telemóvel do Demandante, referindo-lhe que iria arrendar a sala, transformando-a em mais um quarto para arrendar, solicitando ao Demandante que retirasse os seus bens da referida divisão; na sequência do solicitado retirou os seus pertences da sala, levando alguns para o quarto, acondicionando outros na varanda; entretanto e encontrando-se em período de férias escolares, o Demandante ausentou-se por algum tempo da referida habitação; para seu grande espanto, quando regressou constatou que havia sido retirado algum mobiliário do seu quarto e que os bens, que havia deixado na varanda tinham desaparecido; tais bens eram: um par de sapatilhas com sensores; um par de botas marca “Timberland; três pares de ténis, marca “Nike”; luvas; gorros; chuteiras e uma camisola do Real Madrid, no valor total de 600,00 € (Seiscentos euros); de imediato contactou telefonicamente o demandado, a fim de lhe indagar o que havia sucedido, ao que o mesmo lhe respondeu que havia entrado no domicílio do demandante e que os havia deitado fora; perante tal afirmação o demandante exigiu a entrega imediata dos bens, encetando-se discussão entre ambos; no meio da discussão o senhorio, aqui demandado, referiu ao inquilino, aqui demandante, que abandonasse imediatamente o locado, o que o demandante negou fazer pois que sempre cumprira com as suas obrigações, nomeadamente liquidando a renda aquando do seu vencimento; poucos dias depois e sem que nada o fizesse prever ao chegar a casa o demandante constatou que o mobiliário do seu quarto tinha sido alterado, as suas coisas remexidas, encontrando-se as roupas do mesmo espalhadas pelo quarto e os bens alimentares existentes no frigorífico deitados no caixote do lixo, encontrando-se o mesmo completamente vazio; mais uma vez contactou com o demandado, confrontando-o com tal situação, referindo o mesmo que já lhe havia dito para sair e que, por isso, desta vez ainda tinha deixado a roupa, mas que, da próxima, a mesma iria igualmente para o lixo, ameaçando ainda o demandante; face à postura do demandado, de consecutivas invasões de domicílio do demandante, não restou outra solução ao mesmo senão abandonar o locado receando pela sua integridade física e pela dissipação dos seus bens; tendo a renda paga relativa ao mês em questão e inclusive tendo pago o mês de caução, ao ter de abandonar o imóvel de um dia para o outro viu-se forçado a pedir auxílio a amigos que permitiram que permanecesse em casa daqueles até que arranjasse novo local para habitar; desapossado de todos os bens alimentares que detinha e bem assim de um local onde confecionar refeições teve de suportar as despesas com alimentação em restaurantes durante as três semanas seguintes e toda a situação causou grave e sério transtorno ao demandante, a conduta do demandado foi causa de todos os danos morais e patrimoniais sofridos pelo demandante. No mais, alega de direito sobre a inviolabilidade do domicílio que se enquadra no direito à reserva da intimidade da vida privada, enquanto direito pessoal e fundamental e sobre a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da violação do domicílio, pedindo a condenação do Demandado na devolução dos bens supradescritos ou, na impossibilidade da entrega, a pagar-lhe o valor correspondente, no montante de 600,00 € (seiscentos euros), acrescidos dos respetivos juros legais até pagamento integral e efetivo e no pagamento da quantia de 3.500,00 € (Dois mil e quinhentos euros, a título de danos não patrimoniais. Mais pediu a condenação do Demandado a suportar os custos da presente ação.
Não juntou documentos.
Tendo-se frustrado a citação do Demandado e desconhecendo-se o seu paradeiro, por douto despacho de fls. 28 Proferido pela Sra. Juíza de Paz, então titular do processo, em 9 de outubro de 2015., foi este declarado ausente, em parte incerta e decidida a nomeação de Defensor Oficioso, tendo sido nomeada a Ilustre advogada Sra. Dra. C, que, regularmente citada para contestar, no prazo, querendo, em representação do ausente, nada disse.
A instâncias do tribunal, o Demandante juntou aos autos cópia da Certidão de Registo Predial da fração autónoma e impressão das mensagens de telemóvel trocadas com o detentor do telefone com o número x entre 19 de agosto e 2 de setembro de 2013 e bem assim uma fatura de serviço de Internet e telefone, emitida pela PT Comunicações, S.A. e relativa ao mês de julho de 2013 (fls.55 a 57 e 60 a 65 e verso.
Após a junção da cópia da Certidão de Registo Predial, observado o direito ao contraditório por parte da Ilustre Defensora, nomeada ao Demandado, foi proferido despacho no qual, atenta a causa de pedir e o pedido, foi o Demandado declarado parte legítima (fls. 66 a 59).
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Cabe a este tribunal decidir se o Demandado é responsável pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, alegadamente, sofridos pelo Demandante e, na afirmativa, qual a quantia indemnizatória.
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Tendo o Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi a sessão de Pré-Mediação agendada para o dia 1 de setembro de 2014, a qual foi desmarcada em virtude de o Demandado não se mostrar citado e não se remarcou atenta a nomeação da Ilustre Defensora Oficiosa, situação incompatível com os princípios e objetivos da Mediação.
Tendo em consideração os constrangimentos com a disponibilidade de recursos humanos, que se agravaram exponencialmente no decurso do ano de 2016; a acumulação no exercício de funções com o Julgado de Paz do Seixal e o número de processos – de anos anteriores – pendentes de agendamento da audiência de julgamento, só em janeiro do corrente ano foi possível dar impulso processual aos autos, designando-se o dia 20 de janeiro para a realização da audiência de Julgamento (fls. 33).
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Aberta a Audiência e estando apenas presente o Demandante e a sua Ilustre mandatária – Sra. Dra. D – tendo em consideração que a Ilustre Defensora oficiosa, nomeada ao Demandado havia dado conta da sua impossibilidade de comparecer aos serviços do tribunal, tendo-se, no entanto, mantido a data designada não só pela proximidade (dia seguinte), mas também porque nada fora requerido e não foram indicadas datas alternativas (fls. (38), foi a audiência suspensa e designado o dia 3 de fevereiro de 2017 para a sua continuação, com produção de prova.
Reaberta a audiência, na segunda data designada, e estando todos presentes, foram estes ouvidos, nos termos do disposto no art.º 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), não se tendo efetuado a tentativa de conciliação por tal não se mostrar na disponibilidade da Ilustre Defensora Oficiosa, a qual, segundo declarou, não logrou estabelecer contacto com o Demandado, pelo que se procedeu à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
Devido ao adiantado da hora e à necessidade de ponderação, foi a audiência suspensa e designada, de imediato, a presenta data para a sua continuação, com prolação de sentença.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se à falta de mobilização probatória, para os factos não provados e ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, quanto aos factos provados, tendo sido tomadas em consideração as declarações do Demandante em Audiência de Julgamento; as regras do senso e da experiência comum e os documentos juntos, pelo Demandante.
Não se atribui relevância à ausência de contestação escrita e, por consequência, de impugnação, atento o disposto no n.º 4, do art.º 574.º, do Código de Processo Civil (CPC).
O tribunal não responde aos artigos que contêm matéria conclusiva, de direito ou meras conclusões.
Foi, ainda considerado o depoimento da testemunha apresentada pelo Demandante – E – que, aos costumes, declarou ser namorada do Demandante, à data dos factos, e sua atual mulher. O depoimento da testemunha não foi afetado pela sua especial qualidade, sendo certo que foi bastante elucidativo quanto à raiz de problemas de relacionamento verificados entre o Demandante e o alegado senhorio, uma vez que o seu discurso evidenciava que o quarto em questão era utilizado pelo casal, com inusitada frequência.
De facto, a testemunha ao descrever as situações sempre falou no plural sendo exemplos disso: “Tínhamos vindo de férias, em agosto de 2013; deixámos a casa disponível para serem feitas as obras; deixámos todos os pertences no quarto, na varanda e na cozinha; …houve um dia em que estava em casa sozinha e ouvi a porta bater e entraram três homens – o senhorio e mais dois pintores que iam pintar o corredor; houve um outro dia em que chegámos lá e já tinham entrado no quarto; os nossos pertences…”, sendo certo que reconheceu que, durante a semana ia lá duas vezes e passava no locado os fins de semana.
A testemunha não identificou qualquer bem dos que, alegadamente, haviam desaparecido, nem relatou qualquer dano não patrimonial que o Demandante tenha sofrido.
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Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. A fração autónoma, designada pela letra “CC”, correspondente ao oitavo andar esquerdo, para habitação, com garagem privativa na cave, parte integrante do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida x, lote x, em Leiria, é, desde 1 de abril de 2013, propriedade de F (Doc. fls. 55 a 57);
2. Desde data e condições não apuradas, o Demandante, através de um amigo seu, tinha arrendado um quarto na referida fração, sendo os restantes dois ocupados por dois colegas seus;
3. O acordo/contrato foi celebrado com a proprietária do imóvel;
4. A renda mensal era no montante de 390,00 € (Trezentos e noventa euros) repartidos pelos três ocupantes dos quartos;
5. A renda era paga através do depósito da quantia devida mensalmente na caixa do correio, confirmando, depois, a senhoria o seu recebimento;
6. Não eram emitidos recibos de pagamento em nome do Demandante;
7. O consumo de água, gás e eletricidade estavam contratados pela senhoria, sendo pagos pelos ocupantes dos quartos através de operação no Multibanco;
8. O Demandante tinha contrato com a PT Comunicações, S.A. para o serviço de Internet e telefone (Doc. fls. 65);
9. Em data não apurada, mas que o Demandante situa no princípio do ano de 2014, um alegado Sr. B reuniu-se com os três estudantes, ocupantes dos quartos e comunicou que tinha comprado a fração autónoma e que mantinham as condições anteriores;
10. O mobiliário que estava nos quartos era de senhoria a qual o pretendia retirar dos quartos;
11. Como era o tempo de Inverno, ficou combinado que o mobiliário seria retirado nas férias dos inquilinos;
12. No Verão de 2013, os colegas do Demandante foram de férias e este ficou sozinho na fração autónoma;
13. Nessa altura o alegado senhorio disse-lhe que queria transformar a sala em dois quartos e que deviam retirar os seus pertences da sala;
14. O Demandante retirou os seus pertences e os dos seus colegas da sala e colocou-os nos quartos, deixando alguns dos seus pertences na varanda da habitação;
15. Em data que não foi possível apurar mas que se situa na primeira quinzena de agosto, o Demandante ausentou-se, em gozo de férias;
16. Em 19 de agosto de 2013, ao final do dia, o Demandante enviou a seguinte mensagem telefónica para o alegado senhorio “Boa tarde, reparei que tirou tudo o que estava na varanda apenas gostava de saber onde colocou visto ir precisar ainda hoje de algumas coisas. Cumps.” (Doc. fls. 60);
17. Ao que o interlocutor respondeu “Boa tarde. Estão na dispensa numa caixa.” (idem);
18. E o Demandante respondeu “Sim essas eu vi mas estou me a referir a uma mala azul de 3 pares de ténis desportivos” (idem);
19. O alegado senhorio respondeu que “Vocês foram informados que tudo o que tivesse na sala ou na varanda que fosse vosso para recolherem se não iria para o lixo…e se não estão aí é pk foi pro lixo.”, tendo o Demandante retorquido “Só pode estar a brincar carto?”, ao que o alegado senhorio respondeu “Estou a falar a sério… Avisamos antes de ir aí a senhora da limpeza.” (Doc. fls. 61);
20. O Demandante respondeu então que “Avisou me para libertar a sala, não a varanda! Foi o que fizemos! Mandou a minha mala e ténis p lixo certo?”, ao que o alegado senhorio respondeu “Eu não mandei nada…Mas posso perguntar à senhora que foi aí…” e o Demandante “Pois pergunte então sff.” (Doc. de fls. 62);
21. Mais tarde, às 17,40 horas, o alegado senhorio enviou a mensagem com o seguinte teor “Foi pro lixo…” (idem);
22. Às 22:04 horas, o Demandante enviou a seguinte mensagem “E quem se vai responsabilizar? Por alto conto cerca de 300 €!”, ao que o alegado senhorio respondeu “Responsabilizar?!Foi dado mais que tempo para retirarem as coisas da sala. E se não foi dito varanda ma msg, estava implícito visto q a mesma faz parte da sala e já sabiam que ia deixar de ser um espaço comum, mas mesmo sendo um espaço comum não tem que ser a sucursal da lixeira de Leiria. Já para não falar do resto…amanha posso passar aí para falarmos…” (fls. 63);
23. No dia 27 de agosto de 2013, às 17:05 horas o Demandante enviou a seguinte mensagem “Boa tarde. Neste momento só estou disponível a partir de 5ª feira.” ao que o alegado senhorio respondeu “Mas não estas em Leiria?” (Doc. de fls. 64);
24. No dia 2 de setembro de 2013, às 23:27 horas, o alegado senhorio enviou ao Demandante a seguinte mensagem “Boa noite. Depois do que se tem vindo a passar não há condições para continuares lé em casa. Agradeço que retires as tuas coisas, no limite, até quarta-feira, dia 4 setembro. Deixa as chaves na mesinha da entrada, incluindo a do correio.” (idem);
25. Em data que não foi possível apurar, o mobiliário do quarto (secretária e colchão), propriedade da senhoria, foi retirado e a roupa estava no chão;
26. O Demandante e os seus colegas tinham a chave dos quartos, mas, por ser período de férias, só lá estava a roupa de Inverno, por isso não os fecharam à chave;
27. O Demandante pediu, então a um dos colegas que o autorizou dormir no seu quarto;
28. Apesar das condições, o Demandante, como tinha o mês de agosto pago e ganhava mal, não saiu do quarto;
29. Além disso, como a casa era boa, não queriam sair;
30. Em setembro de 2013, quando o alegado senhorio disse que os seus pertences tinham ido para o lixo, o Demandante foi para a casa de uma amiga, no mesmo prédio e nunca mais falou com aquele;
31. No período em que o alegado senhorio recebeu a renda, esta era colocada num envelope e entregue em mão ou deixada em cima da mesa e ele ia buscar;
32. Depois dos incidentes, o Demandante e outro dos seus colegas acabaram por ir para outro lado, tendo o terceiro colega ficado no locado.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa;
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Demandante âncora a sua pretensão no facto de o Demandado ser proprietário da fração autónoma em que tinha arrendado um quarto e de ter dissipado alguns bens de sua propriedade, além de ter violado o seu domicílio e os direitos que lhe são inerentes.
Pretende, assim, ser indemnizado por danos patrimoniais e não patrimoniais, movendo-se, portanto no âmbito da responsabilidade civil, por factos ilícitos, prevista no Art.º 483.º, do Código Civil (CC) e seguintes.
Como resulta do Art.º 483.º do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Além do dano, são comummente considerados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e ss do C.C.): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjetivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578).
Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
Analisando os factos provados da perspetiva do direito aplicável, ou seja dos requisitos da obrigação de indemnizar, verifica-se que resulta, desde logo, provado que, ao contrário do alegado pelo Demandante, o Demandado não está inscrito como detendo a qualidade de proprietário da fração autónoma de que fazia parte o quarto que o Demandante arrendou.
Desconhece-se, por isso, a que título entrou o alegado senhorio nesta equação e praticou os atos de cuja prática o Demandante o acusa.
Ao que acresce que não foi produzida qualquer prova no sentido de ligar o nome à pessoa.
De facto, não resulta provado que a pessoa que se intitulou senhorio em substituição da anterior é o Demandado – B – uma vez que se desconhece como e por que meios o Demandante chegou a esta identificação.
Ora, o Demandado não foi citado pessoalmente e a Ilustre Defensora que lhe foi nomeada não logrou estabelecer contacto com ele, pelo que as dúvidas avolumam-se, até pela forma como tudo se passou, sem um papel escrito; sem um recibo; sem uma testemunha que conhecesse os factos, quiçá um dos colegas de quarto que pudesse corroborar a versão dos factos trazida aos autos pelo Demandante.
É, por isso, com a prova produzida, impossível proceder à imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa.
Cabia ao Demandante alegar (e provar!) os factos constitutivos do seu direito à indemnização (n.º 1, do art.º 342.º, do CC) o que resulta com mediana clareza, não fez minimamente.
Isto já para não falar dos restantes requisitos estabelecidos para a obrigação de indemnizar, qual seja, por exemplo, a existência do dano uma vez que dizendo uma coisa nas mensagens, acaba o Demandante por vir alegar outra completamente diferente no seu douto Requerimento Inicial.
Sendo certo, ademais, que também quanto aos danos a prova produzida não foi suficiente para que o tribunal desse como provado o desaparecimento dos bens que o Demandante elenca no seu douto Requerimento Inicial nem o valor de cada um deles.
Pelo que, ainda que tais danos resultassem provados, o tribunal teria alguma dificuldade em estabelecer o quantum indemnizatório, o qual não pode (não deve!) ser apurado “por atacado”, como foi, primeiro em cerca de trezentos euros (nas mensagens) e, depois, em seiscentos euros (na presente ação).
Por outro lado, ainda, teríamos aqui de considerar a culpa do lesado, nos termos do disposto no art.º570.º, n.º 1, do Código Civil o qual dispõe que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.
Neste caso, o Demandante imputa ao Demandado dois tipos de atos ilícitos que determinariam a obrigação de indemnizar. Por um lado, a dissipação de bens seus que teria deixado na varanda do imóvel e, por outro lado, a violação do seu domicílio, com ofensa do seu direito à privacidade e à sua intimidade.
Ora, além de não se ter apurado em que condições foi celebrado o contrato, sendo certo que se terá tratado de um contrato de arrendamento parcial de imóvel, não poderia também proceder o seu pedido, uma vez que, além de não poder ser imputada a responsabilidade ao Demandado, por - repete-se - se desconhecer se este Demandado praticou qualquer um dos atos que lhe são imputados, também não se vê como assistiria razão ao Demandante, já que a pintura da sala foi acordada com o alegado senhorio e que o Demandante, por sua iniciativa, conta e risco, decidiu ausentar-se de férias naquele período, deixando, segundo alega, alguns dos seus bens na varanda da habitação.
Por outro lado, ainda, o Demandante também foi avisado que os móveis que eram da propriedade da senhoria – titular inscrita do direito de propriedade da fração autónoma – iriam ser retirados do seu quarto, no Verão, sendo certo que, segundo declarou, o Demandante e os seus colegas tinham a chave dos quartos, mas, por ser período de férias, só lá estava a roupa de Inverno, por isso não os fecharam à chave.
Enfim, o Demandante tomou as suas decisões conscientemente, sabendo que fora combinada a pintura do imóvel, sala e corredor, e bem assim a retirada dos móveis da senhoria do seu quarto, tudo no período do Verão e o que fez?
Ausentou-se de férias, deixando, segundo alega, alguns dos seus bens na varanda da habitação e, deixou a porta, do quarto, aberta, quando estava avisado que, por aquele período, os móveis da senhoria iriam ser retirados do seu quarto, sem que tivesse tomado as devidas precauções.
O que significa que se conformou com a entrada de alguém no seu quarto para retirar os móveis.
Finalmente importa dizer que a forma como a namorada do Demandante começou a utilizar e a usufruir do quarto e, por extensão, da fração autónoma também não terá sido alheia ao desenrolar dos acontecimentos e à deterioração da comunicação entre as partes.
Em resumo: não estando reunidos todos os requisitos da obrigação de indemnizar, não pode deixar de improceder totalmente a pretensão do Demandante.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação totalmente improcedente, porque não provada, e em consequência, absolver o Demandado dos pedidos contra si formulados pelo Demandante.
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Custas a suportar pelo Demandante (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
O Demandante deverá efetuar o pagamento da segunda parcela de custas de sua responsabilidade e em dívida, no valor de 35,00 € (Trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de aplicação da sobretaxa de 10,00 € por cada dia de atraso, e até um máximo de 140,00 € (cf. nº 10 da referida Portaria 1456/2001, de 28.12, na redação dada pela Portaria 209/2005, de 24.02).
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Registe e notifique o Ministério público, junto do Tribunal da Comarca de Leiria, Instância Local de Caldas da Rainha, Palácio da Justiça; Praça 25 de Abril; 2500-110 Caldas da Rainha (art.º 60.º, n.º 3, da LJP).
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Óbidos, 20 de fevereiro de 2017
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)
(Nomeada em 16 de outubro de 2015)
(Fernanda Carretas)