Sentença de Julgado de Paz
Processo: 185/2018-JPACB
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL./ VENDA DE VEÍCULO COM DEFEITOS
Data da sentença: 02/25/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 185/2018-JPACB

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandante: A., com NIF 000 residente na Rua XX Benedita.
Demandada: B., S.A. , com sede em Porto Salvo.
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OBJECTO DO LITÍGIO:
A Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea h) do nº 1, do artº 9º, da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação da Demandada a proceder à reparação ou substituição da bateria danificada, alegando em síntese que em 2011 adquiriu uma viatura de marca YY e matricula 00-LT-00 tendo lhe sido oferecida uma garantia da bateria eléctrica, de 5 anos ou cem mil quilómetros. No dia 9 de Janeiro de 2016 foi feito um teste oficial pelo técnico da B, com programa Consult-III plus, ficando comprovado que as células 24 e 25 da bateria estão danificadas e devem ser substituídas, o que foi confirmado pelo teste não oficial que realizou com o programa Z. Mais alega que fez o “teste da tomada” que é o mais fidedigno e que a bateria só consegue armazenar 18,88 Kwh quando originalmente armazenava 24,00 Kwh. Efectuou todas as manutenções periódicas na marca e acionou a garantia no prazo, com carta registada, nos termos plasmados no requerimento Inicial de fls 3 e 4.
Juntou com o Requerimento Inicial, os documentos de fls. 5 a 15 e posteriormente os documentos de fls. 124 a 132 que se dão igualmente por reproduzidos.
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A Demandada apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 29 a 33 que se dão por integralmente reproduzidos, impugnando em suma os factos relatados no requerimento inicial afirmando que não se está perante uma avaria na bateria mas uma perda gradual e normal da capacidade da bateria de iões de lítio, não coberta pela garantia, acabando por peticionar a improcedência da acção. Juntou um documento, de fls. 34 a 59, que por requerimento de fls.169 solicita que não seja relevado, tendo-o substituído pelo documento de fls. 171 a 190, que se dá por reproduzido.
Não se realizou a sessão de pré-mediação e mediação, por recusa na pré-mediação. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, em duas sessões, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito e com observância do legal formalismo consoante resulta da respetiva Acta de fls. 192 e 205/206.
Demandante e Demandada apresentaram uma testemunha respectivamente e a Demandante juntou documentos de fls. 197 a 204.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 7.000,00 – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas.
Não existem outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1. A Demandante é proprietária do veículo ligeiro de passageiros marca YY Eléctrico e matricula 00-LT-00, que adquiriu em 01 de junho de 2011 na C., sucursal da Demandada. Cfr Doc. 1 de fls 125.
2. O veículo goza de uma Garantia de 5 anos / 100.000Km – Cfr. doc.s de fls 5/6 e 171 a 190 que se dão por reproduzidos.
3. A garantia foi entregue à Demandante com a compra do veículo.
4. O veículo é composto por uma bateria de iões de lítio que tem uma capacidade de 24 Kwh.
5. D., companheiro da Demandante é o principal utilizador do veículo.
6. A Demandante e D. notaram uma perda de capacidade de autonomia do veículo.
7. Em 2016 D. levou o veículo à C. nas Caldas da Rainha que, sendo representante da YY, contactou a YY Iberia.
8. Por email de 12 de janeiro de 2016 foi accionada a garantia junto da C.
9. Em 19 de janeiro de 2016 foi feito o teste Consult-III plus, na C. que indica perda de capacidade das células 24 e 25 e aconselha a substituição dos módulos.
10. Por Email de 11 de fevereiro a C. informou D. que a Demandada tinha dúvidas quanto à eficiência da bateria e solicita um teste na E. cfr. Doc. 4 de fls 128 que se dá por reproduzido.
11. Em 07 de Abril de 2016 foi realizado o teste na E. em Sintra, por indicação da Demandada, tendo resultado que e a célula 24 apresentava valores inferiores aos iniciais e aconselha a substituição dos módulos.
12. Por email de 23-01-2017 a Demandada recusa a substituição da bateria por a mesma ter uma perda gradual de capacidade normal e não uma avaria, cfr. Doc junto a fls 204 que se da por reproduzido.
13. D., realizou ainda um teste não oficial – programa Z – teste da tomada - do qual resultou que as células 24 e 25 estão fracas e a bateria tinha uma capacidade de 18,88 Kwh.
14. O veículo fez as revisões periódicas na C.
15. Na altura da compra a Demandada foi informada que era normal uma perda de capacidade de cerca de 20% em 5 anos.
16. D. agiu sempre como representante da Demandante.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a discussão e decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Para a fixação da matéria fática dada como provada foram tidos em consideração os factos admitidos pelas partes nos seus articulados, bem como a prova testemunhal apresentada e demais prova que seguidamente se especifica.
A prova testemunhal apresentada pela Demandante, companheiro D., corroborou a tese da Demandante, explicando que é o principal utilizador do veículo e o mesmo demonstrou uma elevada perda de capacidade e autonomia. Dirigiu-se ao Stand C. nas Caldas da rainha e foi feito o teste Consult-III plus no dia 19-01-2016 e na E. em Sintra em 07-04-2016, que demonstra que as células 24 e 25 com muito baixa capacidade de armazenamento de energia, afirmando que “estão danificadas”, confirmando que os documentos 2 e 3 (fls. 7, 8 e 126 e 131) são provenientes do referido Stand. Confirmou o envio e recepção de emails de fls 127 a 130, bem como a reclamação junto da Demandada, acionando a Garantia. Confirma que fez um teste não oficial – programa Z – teste da tomada - que consiste em descarregar toda a bateria e voltar a carregar, verificando-se assim que a capacidade da bateria estava em cerca de 188,88 Kwh.
Mais informou que lhes foi dito que a perda normal de capacidade da bateria seria na ordem dos 20% em 5 anos.
Por sua vez, a testemunha apresentada pela Demandada demonstrou credibilidade e conhecimento técnico e especializado dos factos em discussão, expondo que relativamente à bateria é uma bateria de iões de lítio de um veículo de 2011. Sendo um bem consumível, sofre degradação normal e gradual ao longo do tempo, originando alguma perda de autonomia – “ A perda gradual não é um defeito mas uma característica… consta do manual da bateria” -. Explicou que a bateria é composta por um “pack” de 48 módulos onde estão associadas 96 pequenas baterias. Mais referiu que será normal um desgaste de cerca 20%, dependendo sempre de outros factores externos, como condução, calor, sendo que acima teria de se avaliar a situação concreta. Uma verdadeira avaria seria detectada pelo sistema constante do veículo, daria uma indicação de avaria e bloquearia o veículo por questões de segurança. Confirmou que a garantia cobre os defeitos da bateria verificados até 5 anos após a compra ou até atingir os 100.000 Km.
À prova mencionada acresce a dos documentos juntos, elementos que conjugados com critérios de razoabilidade e normalidade alicerçaram a convicção do julgador.
Quanto aos documentos, veio o Demandado impugnar a prova documental documentos 2, 3, 4 e 5. Tratando-se de documentos particulares, aplica-se o artigo 374º nº 1 do Cód. Civil e quanto à sua força probatória o artigo 376º do mesmo código. Impugnando, a parte contra a qual o documento particular foi apresentado, o conteúdo dos documentos, nos termos previstos no artigo 444º do Código de Processo Civil, cabe à parte que os ofereceu fazer prova da veracidade da subscrição pela pessoa a cuja autoria é atribuído. In casu, cabe à Demandante fazer prova da veracidade dos factos alegados no Requerimento Inicial e tendo, a Demandada, impugnado o conteúdo, teor e dizeres dos vários documentos, não fica estabelecida a genuídade dos documentos apresentados. Não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, os mesmos constituem apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador. Foi apresentada prova adicional que corroborou o conteúdo dos documentos referidos. Efectivamente a testemunha D. apesar de ser companheiro da Demandante depôs de forma clara e credível, mostrando ter conhecimento directo do conteúdo e forma de obtenção dos referidos documentos e do seu conteúdo, pelo que são atendidos na determinação da factualidade dada como provada.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a sua insuficiência ou inexistência. Nomeadamente não ficou provada a existência de avaria do equipamento adquirido pelo demandante coberta pela garantia, assim os factos não provados, resultaram da ausência de prova.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO:
Entre a Demandante e a Demandada, através da concessionária C. foi celebrado um contrato de compra e venda do veículo automóvel YY e matricula 00-LT-00 (Art.ºs 874.º e 879.º do Código Civil).
Neste caso estamos perante uma relação de consumo, como ela é definida na al. a), do art.º 1.º-B, da Lei da defesa do Consumidor (LDC), que dispõe que “Considera-se consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.” (Lei n.º 24/96, de 31 de Junho, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril e pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio). Com o pedido formulado a Demandante move-se no âmbito da venda de coisa defeituosa (Art.º 913.º e seguintes do CC). De facto, a coisa entregue pelo vendedor, na execução do contrato de compra e venda, deve estar isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pelo comprador.
No mesmo sentido vai a LDC, resultando da referida Lei os direitos gerais dos consumidores, sendo que, além de outros, o consumidor tem o direito à qualidade dos bens ou dos serviços e o direito à prevenção e à reparação dos prejuízos, quando o bem ou o serviço não respeite aquele outro direito.
Nos termos das disposições legais que disciplinam a matéria, tem-se como defeito “…o vício que (…) desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim …” (art.º 913.º do Cód. Civil) e assim, se o objeto da venda puder ser consubstanciado em tal norma, estamos perante a venda de um bem defeituoso. Nos termos do disposto nas disposições supra referidas, resulta que o consumidor, em caso de desconformidade do bem, tem direito à reparação ou à substituição do bem; redução adequada do preço ou à resolução do contrato (n.º 1, do art.º 4.º, da LDC) clarificando o n.º 5 do mesmo artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”. Nos termos do artigo 9º, podem ser prestadas garantias voluntárias. Feito que está o aresto da legislação aplicável ao caso, cumpre averiguar se existem os alegados defeitos e, caso existam, da possibilidade da sua eliminação ou à substituição do equipamento, de aquela não for viável.
A Demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da Demandada a proceder à reparação ou substituição da bateria danificada do seu veículo marca YY e matricula 00-LT-00, que adquiriu, em 2011, tendo lhe sido oferecida uma garantia da bateria eléctrica, de 5 anos ou cem mil kilómetros. No dia 9 de Janeiro de 2016 foi feito um teste oficial pelo técnico da B., com programa Consult-III plus, ficando comprovado que as células 24 e 25 da bateria estão danificadas e devem ser substituídas, o que foi confirmado pelo teste não oficial que realizou com o programa Z. Mais alega que o “teste da tomada” que é o mais fidedigno e que a bateria só consegue armazenar 18,88 Kwh quando originalmente armazenava 24,00 Kwh. Efectuou todas as manutenções periódicas na marca e acionou a garantia no prazo, com carta registada.
Do exposto resulta que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o que compreende defeitos, vícios e avarias, como consta do artigo 2º do mencionado decreto-lei, o vendedor responde tanto no momento da entrega do bem como dentro do prazo de garantia, tendo o consumidor direito a que tal conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. No caso dos autos, verifica-se que a Demandante, pretende fazer valer o seu direito à substituição do equipamento. Da factualidade provada resulta que a Demandante adquiriu veículo Eléctrico em 2011 com uma garantia de 5 anos / 100.00 Km (fls. 173 a 190), Ainda da prova resulta que, o veículo (bateria de iões de lítio) apresentou uma perda de autonomia de cerca de 22%, desde a compra até 2016, estando as células 24 e 25 com menor poder de “armazenamento” que a demais. A Demandante apresentou reclamação junto da sucursal e foi feito o teste Consult-II Plus na C. e E. tendo resultado fraco desempenho das células 24 e 25.
Resultou ainda provado que a capacidade inicial da bateria era de 24 Kwh e em 2016 estava em 18,88 Kwh, tendo perdido sensivelmente 22% da sua capacidade. Assim, veio a Demandada expor que a bateria de iões de lítio é um bem consumível e tem um desgaste normal de cerca de 20% em 5 anos, dependendo de outros factores externos.
O artigo 208º do Código Civil define bem consumível como aquele cujo uso regular implica a sua destruição. Na verdade, a testemunha da Demandada expôs que em cerca de 5 anos a bateria de iões de lítio tem um desgaste normal de cerca de 20%.
O veículo tem uma garantia de 5 anos/ 100.000 Km Ora, como se comprova a fls. 172 e segs dos autos, a garantia abrange reparações gratuitas de “… todas as peças e componentes de cada YY novo fornecido pela B. dos quais se prove que têm defeitos de material ou de mão-de-obra.A Garantia do sistema eléctrico é valida durante 5 anos a partir da data de início da garantia ou de 60.000 milhas (ou 1000.000Km), o que acontecer primeiro. 1. Bateria de iões de lítio. Acontece que não resulta provado que a perda de capacidade resulta de uma verdadeira avaria da baterias ou suas células, apesar de se ter verificado que a perda será resultante das falta de capacidade das células 24 e 25, ao que acresce que a referida perda de capacidade (22%) se encontra no limiar do valor normal de perda de capacidade pelo uso, nas baterias de iões de lítio, tal como refere a Demandada no email de 23-01-2017 (fls 204). Cabia à Demandante provar que tal perda de capacidade resultava de uma verdadeira avaria e, tratando-se de questões técnicas e especificas, sem um parecer ou testemunho de um técnico especializado, não consegue o tribunal determinar que efectivamente se verificou uma avaria nas células da bateria.
Nos termos do exposto, resulta da prova produzida a existência de conformidade do bem adquirido. Isto é o veículo está conforme com o contrato de compra e venda e é o módulo da bateria que necessitará de ser substituído pois a capacidade do mesmo teve um desgaste normal que provoca a diminuição da autonomia do veículo, donde se conclui, improceder o peticionado pela Demandante.

Decisão:
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação totalmente improcedente, absolve-se a Demandada B., S.A dos pedidos contra si formulados pela Demandante.

Custas:
Custas totais a suportar pela Demandante.
Devolva-se € 35,00 (trinta e cinco euros) à Demandada.
A Demandante deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder € 140,00, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Registe e notifique.
Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 25 de fevereiro de 2019
A Juíza de Paz

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(Luísa Ferreira Saraiva)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Oeste