Sentença de Julgado de Paz
Processo: 346/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL - RESCISÃO NO ÂMBITO DO DIREITO DO CONSUMIDOR
DEVOLUÇÃO DO PREÇO EM DOBRO NUMA VENDA À DISTÂNCIA
Data da sentença: 03/21/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 346/2016 – J.P.

RELATÓRIO:
O demandante, J M M. F., NIF. xxxxxxxxx, residente na rua da Á do S, bloco 1, apartamento 412, no concelho do Funchal.
Requerimento Inicial: Alega em síntese que, no início de julho de 2016, contatou telefonicamente a demandada a fim de encomendar um Smartphone Go Play, pelo valor de 99€. Esta encomenda foi efetuada na sequência de um panfleto que o demandante recebeu na sua caixa de correio, no qual se publicitava que ao adquirir um Smartphone Go Play, recebia três ofertas associadas, sendo uma delas um “smartwatch”, uma bolsa de proteção de telemóvel e um auricular. O panfleto foi enviado pela Europcupon, empresa pertencente ao G. S. No dia 20/07/2016 o demandante foi contatado telefonicamente pela demandada, a propor-lhe o envio de um telefone de melhor qualidade, com ecrã de 4 polegadas, 4 GB de memória RAM e GPS automático, pelo preço de 179€, com portes de envio incluídos. Em momento algum a demandada informou o demandante que o telefone em questão seria de outra marca do inicialmente encomendado. O demandante aceitou a proposta pressupondo estar a encomendar um telefone da mesma marca que o inicial, ou seja, um Smartphone Go Play, mas com melhor qualidade e superiores caraterísticas. No dia 21/07/2016, o demandante recebeu a encomenda, pagando 179€ ao funcionário dos CTT que procedeu à respetiva entrega. Nesse mesmo dia, o demandante verificou que o telefone que recebeu não correspondia minimamente àquele que vinha publicitado no panfleto da demandada. Primeiro não era da marca Go Play; segundo a lente da câmara de filmar não era central como faziam publicidade no panfleto, mas sim num dos cantos na parte de trás do mesmo; terceiro porque a capa do telemóvel que recebeu era muito maior que o telefone. Consequentemente, e após ter entrado em contato via telefone com a demandada nesse mesmo dia, informando que o telefone e acessórios não correspondiam ao produto que tinha encomendado, o demandante no dia seguinte, procedeu à respetiva devolução juntamente com a cópia da fatura que lhe havia sido enviada, mencionado pelo seu punho que procedia à devolução do artigo pelos motivos já referidos. Cumpriu assim o demandante o procedimento correto de devolução previsto no Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro. Após confirmação que a demandada tinha recebido a devolução do artigo, o demandante contatou várias vezes a demandada, através dos contactos telefónicos que constam do panfleto e a única resposta que recebeu foi que aguardasse que iria ser contactado pela demandada, nomeadamente para indicar o seu IBAN, a fim de ser devolvido o montante por si pago. Acontece que até à presente data a demandada nunca contactou o demandante nem o reembolsou do valor do artigo, ou seja, dos 179€. O demandante tem o direito a ser ressarcido do valor de 179€, acrescido de indemnização de igual montante pelo facto de ter resolvido o contrato de imediato, ter procedido à devolução do material e a demandada não ter restituído a totalidade do montante pago pelo demandante, no prazo de 14 dias a contar da data da respetiva devolução, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 10 do regime dos contratos celebrados à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, conjugado com o disposto nos n.ºs 7 e 8 do art.º 9-B, do Decreto-Lei n.º 24/96, de 31 de julho, na sua atual redação. O demandante apresentou queixa na Autoridade Regional das Actividades Económicas, a qual apesar de ter notificado a demandada para reembolsar o montante em dívida ao demandante, nada pagou até a presente data. Conclui pedindo que a demandada seja condenada no pagamento da quantia de 358€, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento. Juntou 5 documentos.

MATÉRIA: Responsabilidade civil contratual, enquadrada nos termos da alínea H) do n.º 1, do art.º 9 da L.J.P.
OBJETO: Rescisão no âmbito do direito do consumidor, devolução do preço em dobro numa venda à distância
VALOR DA AÇÃO: 358€.

A DEMANDADA: M. – D. e C. de A. para o L, Unipessoal, Lda., NIPC. xxxxxxxxx, com sede na rua D. B., 1734, A., Foz ------ e -------, no concelho do Porto.
Estando regularmente citada, conforme consta do registo de receção a fls. 19, não apresentou contestação, nem constituiu mandatário.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação, por ausência da demandada.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.


AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada, sem possibilidade de dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 26. da L.J.P., uma vez que a demandada não compareceu, não obstante estar regularmente notificada da realização da audiência, a fls. 30. No prazo legal não apresentou justificação para a ausência.

- FUNDAMENTAÇÃO –
I – FACTOS PROVADOS:
Todos, conforme foram alegados no r.i.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal firmou a decisão na análise dos documentos juntos pelo demandante.
Foi, igualmente, relevante para efeitos de aplicação do disposto no art.º 58, n.º 2 da L.J.P., a demandada não apresentar contestação e a falta injustificada à audiência de julgamento.

II – DO DIREITO:
À relação contratual dos autos, atenta a qualidade dos intervenientes e a forma como o contrato foi celebrado, aplica-se o Decreto-Lei 24/2014, de 14 de fevereiro, com as alterações da Lei n.º 47/2014, de 18 de julho, que disciplina os contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial. Para efeitos deste último diploma (art.º 3, alíneas c) e i)), é consumidor qualquer pessoa singular, ou coletiva, que atue com fins que não se integrem no âmbito da respetiva actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, sendo considerado como fornecedor de bens ou prestador de serviços, a pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, num contrato com um consumidor, atue no âmbito da sua atividade profissional, ou através de outro profissional, que atue em seu nome ou por sua conta, o que é, respetivamente, o caso do demandante e da demandada.
Segundo o art.º 3, alínea a), do mesmo diploma legal, qualifica-se como contrato celebrado à distância, todo aquele que seja “celebrado entre o consumidor e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços sem a presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância mediante a utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração. “
Este é precisamente o caso dos autos.
Na realidade, a demandada publicita a oferta dos bens que comercializa através de panfletos publicitários, distribuídos pelo correio e o contrato é celebrado através de contato telefónico, o qual foi utilizado pelo demandante para a aquisição do equipamento publicitado.
Ora, dispõe o n.º 1, do art.º 4.º do referido diploma que o consumidor deve dispor, em tempo útil e previamente à celebração de qualquer contrato celebrado a distância de um acervo de informações, nomeadamente caraterísticas essenciais do bem ou serviço, na medida adequada ao suporte utilizado e ao bem ou serviço objeto do contrato.
Ademais, dispõe o art.º 5 do mesmo diploma legal que, além das informações referidas no art.º 4 do já mencionado diploma, que o consumidor deve ser informado dos requisitos de forma, nos contratos celebrados à distância.
Nos termos do art.º 10, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma legal, o consumidor tem o direito de resolver o contrato sem incorrer em quaisquer custos, para além dos estabelecidos no n.º 3, do art.º 12 e no art.º 13 quando for caso disso (o que não é o caso), e sem necessidade de indicar o motivo, no prazo de 14 dias a contar do dia em que o consumidor ou um terceiro, com exceção do transportador, indicado pelo consumidor adquira a posse física dos bens, no caso dos contratos de compra e venda.
Por outro lado, dispõe o art.º 11 do mesmo diploma que, o consumidor pode exercer o seu direito de livre resolução através do envio do modelo de «Livre resolução» constante da parte B do anexo ao presente decreto-lei, ou através de qualquer outra declaração inequívoca de resolução do contrato (n.º 1).
E foi isso mesmo que o demandante fez, conforme consta do doc. 2, junto aos autos.
É inequívoca a declaração do demandante, comunicando, por palavras suas, a decisão de resolver o contrato e peticionando a devolução do bem, como o fez (art.º 11, n.º 2 do mesmo diploma).
Considera-se exercido o direito de livre resolução pelo consumidor dentro do prazo quando a declaração de resolução é enviada antes do termo dos prazos referidos no artigo anterior (art.º 11, n.º 3 do mesmo diploma), como o demandante o fez, conforme doc. 3 junto aos autos.
Nos termos do art.º 11, n.º 5 do mesmo diploma, o demandante provou que exerceu o direito de livre resolução.
Nos presentes autos, vem o demandante, ancorado nos factos que invoca, requerer que a demandada seja condenada a devolver-lhe a quantia que pagou, em dobro, acrescida de juros de mora nos termos peticionados.
Quanto à devolução da quantia paga, em dobro, não restam dúvidas de que o demandante tem esse direito, uma vez que resulta provado que exerceu o seu direito de livre resolução dentro do prazo legal, nos termos do art.º 12, n.º 6 do mesmo diploma, sendo que a demandada não reembolsou o demandante, no prazo de 15 dias úteis.
A demandada contactada pelo demandante para que efetuasse o reembolso, solicitou o seu IBAN, mas não procedeu ao reembolso.
Aliás, parece ser comum esta situação, uma vez que a demandada, também, requereu o IBAN do demandante através deste Tribunal, o que fez por meio de requerimento, datado de 19/12/2016, a fls. 21, cujo teor dou por integralmente reproduzido. O demandante informou o seu IBAN, a fls. 24, facto que foi comunicado à demandada, a fls. 26. Posteriormente, a 13/01/2017 e a 13/02/2017 veio a demandada, novamente, mediante requerimentos dirigidos a este Tribunal alegar que aguardava o IBAN do demandado, a fls. 27 e a fls. 31. Embora a demandada já tivesse sido informada do IBAN do demandante em janeiro de 2017 a fls. 26, essa informação voltou a ser dada por e-mail, a fls. 33. Porém, o reembolso continuou sem ser realizado.
Pelo equipamento o demandante pagou a quantia de 179€, pelo que, o demandante tem direito ao reembolso em dobro do montante pago, ou seja, tem a demandada o dever de reembolsar ao demandante o montante total de 358€.
Nos termos do disposto nos art.º 433 e 434, ambos do C.C., a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio e determina, em consequência, a restituição de tudo o que tiver sido prestado (nº 1 do art.º 289 do C.C.), o que, no caso, corresponde ao preço pago e à devolução do equipamento adquirido pelo demandante, sendo que no caso concreto, o demandante já procedeu á devolução do equipamento.
No que concerne ao pagamento de juros de mora, à taxa legal, dispõe o n.º 1, do art.º 804 do C.C. “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.” e dispõe o art.º 806, n.º 1 que “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”
Por outro lado, dispõe o n.º 1, do art.º 559 do C.C. que “Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano.”.
A taxa de juros legalmente fixada e aplicável ao caso sub judicie é de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8/04).
Resta averiguar a partir de quando são devidos juros de mora. Em regra, o devedor constitui-se em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art.º 805, n.º 1, do C.C.). Todavia, nos termos da al. a), do n.º 2 do mesmo dispositivo há mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo. Que é o caso dos autos.
Efetivamente, a demandada, não tendo devolvido a quantia paga pelo equipamento, no prazo de 14 dias, contados do dia 26/07/2016 (data da receção da carta a comunicar a resolução do contrato), nos termos do art.º 12, n.º 1 do Decreto-Lei 24/2014, de 14 de fevereiro, com as alterações da Lei n.º 47/2014, de 18 de julho, após o decurso desse prazo é obrigada a devolver o preço em dobro, no prazo de 15 dias, nos termos do art.º 12, n.º 6 do Decreto-Lei 24/2014, de 14 de fevereiro, com as alterações da Lei n.º 47/2014, de 18 de julho, o que, até à presente data não fez.
Por conseguinte a demandada entrou em mora após os 29 dias, contados da comunicação da resolução, uma vez que após os 14 dias, teria de devolver a quantia paga, em dobro, no prazo de 15 dias, contados do termo daquele prazo de 14 dias.
Pelo que, a nosso ver, os juros vencem-se sobre a totalidade do pedido, desde o dia 25/08/2016, até integral pagamento.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação procedente, por provada. Condena-se a demandada a pagar ao demandante a quantia de 358€, relativa ao valor do equipamento devolvido, em dobro. Mais decido condenar a demandada no pagamento de juros de mora à taxa legal, sobre a referida importância, contados desde o dia 25/08/2016, até efetivo e integral pagamento.

CUSTAS:
É da responsabilidade da demandada devendo proceder ao pagamento da quantia de 70€ (setenta euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicado a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), pelo atraso no cumprimento desta obrigação legal, nos termos dos art.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001, de 28/12 com a redação dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24/02.
Em relação ao demandante cumpra-se o disposto no art.º 9 da referida Portaria.
Notifique-se.
Funchal, 21 de março de 2017
A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º 5 C.P.C)
(Margarida Simplício)