Sentença de Julgado de Paz
Processo: 146/2018-JPFNC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: DANOS SOFRIDOS
DEVIDO A REPARAÇÕES REALIZADAS A VEÍCULO AUTOMÓVEL
EM DESCONFORMIDADE COM OS TERMOS DO CONTRATO.
Data da sentença: 11/21/2018
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 146/2018 - JP
Sentença
Relatório:
A, e , B melhor identificados a fls. 1, intentaram contra C, também melhor identificada a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 1 a 11, dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido, peticionando a condenação da Demandada a pagar-lhes a quantia global de € 3.667,00 (três mil seiscentos e sessenta e sete euros).
Para tanto, alegaram, em síntese, que eram proprietários do veículo automóvel, da marca --------, ----------, do ano 2000, TCI, com duas portas, que colocaram o mesmo veículo para reparação na oficina da Demandada. No entanto, apesar de todas as reparações, trocas de peças e análises feitas pela Demandada ou sob orientação desta, o referido veículo ficou inutilizável e teve que ser abatido e vendido para sucata.
Concluíram pela procedência da ação, e juntaram 7 documentos.
---*---
Tramitação: ---
Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação de fls. 35 a 44, dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzida, defendendo-se por impugnação e por exceção.
Concluiu pela improcedência da ação, pedindo a condenação dos Demandantes ao pagamento de uma indemnização no montante de €1.833,50 (mil oitocentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos), por litigância de má-fé.
Juntou procuração forense e 13 documentos.

A Demandada manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação.

Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se.
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. (Fls.73 a 76, dos autos).
Em sede de alegações, os Demandantes requereram a redução do pedido para €1.394,26 (mil trezentos e noventa e quatro euros e vinte e seis cêntimos), sem oposição da contraparte, tendo sido admitida a redução nos termos do art.º 265.º, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art.º 63.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), conforme consta da ata, a fls. 75 e 75, dos autos. (Cf., art.º 265.º, n.º 3, do CPC)
---*---
Saneamento:
Na contestação a Demandada suscitou como “questão prévia” a exceção de ilegitimidade ativa dos Demandantes.
Para tanto, alegou em síntese que, não tendo sido junta a documentação respeitante ao veículo, desconhecia as razões da coligação dos Demandantes.
A exceção suscitada resultou assim, do facto de os Demandantes terem alegado que eram ambos proprietários do veículo em causa nos presentes autos.
Na sequência de despacho proferido em audiência, os Demandantes juntaram aos autos os documentos a fls. 79 e 83, respeitantes ao DUA da referida viatura e assento de casamento, celebrado entre os Demandantes.
Ora, dos documentos juntos, que não foram impugnados, resulta que o referido veículo automóvel tinha a matrícula MN, emitida em 12-1998, e o direito de propriedade sobre a viatura estava averbado a favor da Demandante. Cfr., fls.79 e 80.
Pelo documento de fls. 81 a 83, verifica-se que entre os Demandantes foi celebrado casamento civil, sem convenção antenupcial, em 22 de setembro de 1993.
Ora, dispõe o art.º 1717.º do Código Civil (CC), que na fala de convenção antenupcial, considera-se que o casamento foi celebrado no regime da comunhão de adquiridos.
Atenta a data da celebração do matrimónio entre os Demandantes, bem como, a data da matrícula do referido veículo, verifica-se que o mesmo só poderia ter sido adquirido posteriormente ao referido casamento, sendo por consequência um bem comum. (Cfr., artigos 1724.º, alínea b), e 1725.º, ambos do CC.
Assim, declaro improcedente, por não provada a exceção de ilegitimidade, suscitada pela Demandada.
A Demandada suscitou ainda a má-fé processual dos Demandantes, peticionando uma indemnização no montante de €1.833,50, alegando que estes não colocaram a “ação a quem lhe vendeu o material em segunda mão e em mau estado”.
Que no processo inexistem factos que responsabilizem a Demandada, e que a esta causaram prejuízo pela perda de tempo, má publicidade e custos com a ação.
Ora, esta questão apresenta uma relação de dependência direta com a questão principal e com a ponderação da prova, pelo que, remeto para aquilo que adiante fica explanado para efeitos de decisão sobre a matéria.
Efetivamente, para o pedido de condenação por litigância de má-fé proceder terá que ficar provado nos autos que, por dolo ou negligência grave, os Demandantes deduziram a sua pretensão, sabendo ou não podendo desconhecer que a mesma carecia de fundamento. Cfr., art.º 542.º, n.º 2, alínea a), do CPC, ex vi, art.º 63.º, da LJP.
Ora, tal circunstância não é evidente de imediato, pelo que, o referido pedido será apreciado e decidido a final.
*
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, com a modificação respeitante ao valor do pedido, conforme decidido em audiência e acima mencionado.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam outras exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.

Valor: atribuo à causa o valor de €3.667,00 (três mil seiscentos e sessenta e sete euros). Cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
---*---
Questões a decidir:
Na presente ação o objeto do processo resulta da causa de pedir e do pedido, pelo que, as questões a decidir são as seguintes:
a) Se a reparação efetuada pela Demandada ao veículo dos Demandantes foi realizada de modo defeituoso, ou desconforme com as legítimas expectativas destes, e na positiva;
b) Se os Demandantes sofreram danos e quais;
c) Se a Demandada é responsável por indemnizar tais danos, e os custos com a ação;
d) Ou, pelo contrário, se os demandantes interpuseram culposamente a presente ação, sem qualquer fundamento, causando prejuízo à Demandada.
---*---
Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
*
Fundamentação – Matéria de Facto:
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que:
1. No dia 22 de setembro de 1993, os Demandantes celebraram entre si casamento civil, sem convenção antenupcial. Cf., fls. 81 a 83;
2. Em data não concretamente apurada, durante o ano 2013, os Demandantes adquiriram o veículo automóvel da marca --------,--------------, do ano 2000, TCI, matrícula MN, do ano 1998;
3. O referido veículo automóvel foi adquirido por um valor não superior a €3.500,00 (três mil e quinhentos euros);
4. O referido veículo automóvel ficou com a propriedade averbada em nome da Demandante. Cf. 79 e 80;
5. O mencionado veículo destinava-se ao uso particular dos Demandantes;
6. No verão de 2016, o Demandante dirigiu-se à oficina da Demandada;
7. A referida oficina encontra-se instalada no Caminho ---, n.º ---, Pavilhão --, Funchal;
8. Nessa circunstância, o referido veículo estava com o bloco do motor podre e furado;
9. No mesmo dia, foi realizado o conserto do referido furo no bloco do motor do veículo;
10. Posteriormente, o veículo continuou a apresentar problemas no bloco do motor, até que ficou imobilizado na oficina da Demandada a aguardar reparação;
11. Em data não concretamente apurada, mas que terá sido em meados do mês de abril de 2017, o Demandante adquiriu um bloco de motor usado a um terceiro, particular;
12. O Demandante entregou o bloco de motor na oficina do Demandante, onde o referido veículo automóvel estava imobilizado;
13. O bloco de motor adquirido pelo Demandante não estava selado;
14. No dia 7 de abril de 2017, o Demandante adquiriu diversas peças e componentes de motor para o referido veículo, destinadas a serem montadas no veículo automóvel acima mencionado, no montante de €242,50 (duzentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos). Cfr. fls. 12 a 15;
15. No dia 05 de maio de 2017, o Demandante adquiriu um kit de embraiagem, pelo montante de €131,76 (cento e trinta e um euros e setenta e seis cêntimos). Cfr. fls. 16;
16. Em 1 de junho de 2017, ao “remexerem no motor repararam que havia um tubo em ferro da refrigeração que estava deteriorado e inutilizável”;
17. O gerente da Demandada aconselhou os Demandantes a encomendar uma peça igual no torneiro mecânico;
18. Após a referida peça ter sido entregue na oficina da Demandada, esta já tinha todas as peças necessárias para proceder à montagem do motor no veículo.
19. Por acordo entre as partes, as peças e componentes adquiridos pelo Demandante a terceiros destinavam-se a serem montadas no veículo automóvel em causa nos autos, por recurso aos serviços de oficina da Demandada;
20. O bloco do motor adquirido pelo Demandante foi montado no veículo, no estado em que se encontrava, pelos serviços da Demandada;
21. No dia 31 de agosto de 2017, o mencionado veículo foi submetido a uma inspeção técnica periódica, tendo sido aprovado, com menção de uma deficiência no indicador luminoso do sistema ABS, não impeditiva de circulação. Cf. fls. 18;
22. No documento referido no ponto anterior, encontra-se mencionado que o referido veículo registava 244.283 quilómetros percorridos;
23. Após a referida inspeção os Demandantes utilizaram o referido veículo, pelo menos durante 20 dias, encontrando-se o mesmo em bom estado;
24. O veículo voltou a avariar no final de setembro de 2017;
25. No dia 24 de setembro se 2017, o Demandante deslocou-se à oficina da Demandada, e recolheu o turbo do veículo para o testar numa oficina especializada. Cfr. fls. 20;
26. Após ter obtido o resultado do diagnóstico, o Demandante adquiriu um turbo usado na sucata;
27. O Demandante contratou os serviços da Demandada para colocar o referido turbo usado e adquirido a terceiros, no veículo automóvel acima mencionado;
28. Em 20 de dezembro de 2017, a Demandada emitiu a fatura, n.º 1/511, no montante de €850,00 (oitocentos e cinquenta euros), correspondente aos serviços prestados aos Demandantes, relativamente à desmontagem e substituição do bloco do motor do referido veículo. Cf. fls. 23;
29. Na referida fatura consta que o veículo automóvel em causa nos autos registava 236.014 quilómetros percorridos;
30. Em 22 de dezembro de 2017, os Demandantes venderam o veículo automóvel em causa nos autos ao centro de abate, denominado G, Lda. fls. 24.
31. O preço da referida venda foi de, pelo menos, €700,00 (setecentos euros).
32. Após orçamento, o Demandante não autorizou a encomenda de um turbo novo, para substituição do turbo avariado, que foi considerado sem viabilidade de reparação. Cfr., fls. 20.
33. A Demandada é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto consiste na “Manutenção e a reparação (mecânica, elétrica e electrónica, etc) de veículos automóveis (ligeiros e pesados), motociclos, barcos e máquinas e de suas partes e peças. Inclui as atividades de lavagem, polimento, pintura, tratamento anti-ferrugem, reparação, substituição ou instalação (de pneus, párabrisas, vidros, rádios, jantes, etc,) Comércio de automóveis, motociclos e barcos e de peças e acessórios dos mesmos.” Cfr. fls. 87 a 90.
*
Factos não provados: ---
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que:
i. O processo de conserto do referido veículo causou aos Demandantes muitas aflições e constrangimentos;
ii. Ao trocar um bloco do motor por outro usado, a nova peça tem de ser verificada por um torneiro mecânico, com colocação de novos segmentos, necessitando de uma análise completa;
iii. As orientações de reparação do referido veículo dadas pela Demandada e os colaboradores ao seu serviço resultaram na inutilização do referido veículo;
iv. O D, em representação da Demandada, renunciou à sua responsabilidade no que diz respeito à mão de obra, das reparações efetuadas no veículo;
v. Em 20 de dezembro de 2017, o D exaltou-se e anunciou que começaria a exigir o pagamento de €5,00 (cinco euros) referente ao parqueamento do veículo na oficina da Demandada;
vi. Em 20 de dezembro de 2017 a Demandada cobrou a quantia de €41,00 (quarenta e um euros), relativamente a um novo diagnóstico efetuado ao veículo;
vii. Com a presente ação os Demandantes causaram à Demandada prejuízos com má publicidade, e custos da ação, no montante de €1.833,50 (mil oitocentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos).
---*---
Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações de parte, dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados por qualquer das partes, do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento.
Considera-se provado por confissão da Demandada o facto respeitante ao número 20.
Ficaram provados por confissão do Demandante os factos constantes nos números 2; 3; 8; 9; 11; 23; e 31.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 7; 10; 12; 16; 18; 19; 24; 25; 27.
Pela prova documental consideram-se provados os factos indicados de forma especificada e respetivamente, na enumeração da matéria assente, supra.
A matéria vertida nos números 5; 6; 13; e 17, resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação jurídica estabelecida pelas partes.
O depoimento da testemunha E, única apresentada pelos Demandantes, para além de ter confirmado, com alguma inconsistência, o facto de o veículo ter estado na oficina da Demandada para ser reparado devido a problemas do bloco do motor, afirmou perentoriamente o seu desconhecimento relativamente aos restantes factos relevantes para a decisão da causa, pelo que, o valor probatório do seu depoimento é residual.
A testemunha F, apresentada pela Demandada, procedeu ao diagnóstico efetuado ao turbo avariado, e confirmou que o mesmo não tinha viabilidade de reparação. Para além de detalhes sobre o funcionamento mecânico da peça, não mostrou conhecimento sobre outras matérias relevantes para a decisão da causa, pelo que, o seu valor probatório é reduzido ao facto acima mencionado.
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados ou dos depoimentos das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
---*---
Fundamentação – Matéria de Direito:
Em termos sucintos, os Demandantes alegaram que entregaram o seu automóvel para reparação na oficina da Demandada, tendo fornecido as peças e material necessário aos diversos arranjos necessários, mas o veículo foi deficientemente reparado, de forma sucessiva, relativamente às avarias verificadas, até que ficou inutilizado e teve que ser vendido para a sucata.
Deste modo, a causa de pedir na presente ação respeita a danos, alegadamente sofridos pelos Demandantes, devido às reparações realizadas pela Demandada, ao veículo automóvel de sua propriedade, em desconformidade com os termos do contrato.
Sendo assim, a causa é enquadrável na alínea h), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), na parte respeitante à responsabilidade contratual.
Do pedido deduzido pelos Demandantes (após a redução do pedido primitivo) extrai-se a pretensão de obterem a condenação da Demandada ao pagamento da quantia global de €1.394,26 (mil trezentos e noventa e quatro euros e vinte e seis cêntimos), a título de danos.
Vejamos se lhe assiste razão:
Podemos, desde já, concluir que a relação material controvertida subsume-se ao contrato de empreitada, previsto no art.º 1207.º, do Código Civil (CC), o qual dispõe que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”
O contrato de empreitada é uma modalidade do contrato de prestação de serviço (Cfr., art.º 1155.º, do CC).
Por outro lado, temos de considerar que estamos perante uma relação de consumo, o que convoca a aplicação do regime jurídico da Lei de Defesa do Consumidor, estabelecido na Lei n.º 24/96, de 31 de julho, na sua redação atual, adiante designada abreviadamente LDC.
O referido diploma legal é aplicável aos contratos de fornecimento de bens e de prestação de serviços ou da transmissão de quaisquer direitos, apenas no âmbito dos contratos de consumo, ou seja, aqueles que envolvem atos de consumo, que vinculam o consumidor a um profissional (designadamente, produtor, fabricante, empresa de publicidade, instituição de crédito).
A característica fundamental da relação de consumo reside na qualidade de cada uma das partes contratantes, em que uma pessoa atua profissionalmente no exercício de uma atividade económica, para a obtenção de benefícios, e por sua vez, o consumidor é uma pessoa particular, que atua no âmbito da satisfação de necessidades pessoais.
Assim é no caso sub judice, uma vez que, os Demandantes, enquanto particulares, contrataram a reparação do veículo identificado nos autos com a Demandada, sociedade comercial, cujo escopo social consiste, entre outros, na manutenção e a reparação (mecânica, elétrica e electrónica, etc) de veículos automóveis (ligeiros e pesados), motociclos, barcos e máquinas e de suas partes e peças (…). Cfr. fls. 87 a 90.
O art.º 4º, da LCD, dispõe que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
Do regime jurídico acima referido resultam determinados direitos gerais dos consumidores, sendo que, além de outros, o consumidor tem o direito à qualidade dos bens ou dos serviços e o direito à prevenção e à reparação dos prejuízos, quando o bem ou o serviço esteja em desconformidade com as normas legais aplicáveis, ou legítimas expectativas do consumidor (Cf., art.º 4., da LCD).
O facto de as peças utilizadas na execução da empreitada terem sido todas fornecidas pelos Demandantes, cabendo à Demandada, nos termos do contrato celebrado pelas partes, apenas a montagem no veículo das peças adquiridas por aqueles a terceiros, exclui a aplicação do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de abril, relativo à venda de bens de consumo.
Todavia, a LDC consagra o direito à proteção dos interesses do consumidor, “impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa-fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos.” Cfr. Art.º 9.º, n.º 1, da LDC.
Como decorrência da proteção dos interesses do consumidor, o referido diploma legal dispõe que “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens e serviços defeituosos.” Cfr. art. 12.º, n.º 1, da LDC.
A obrigação de indemnizar os danos do consumidor decorre, forçosamente, da responsabilidade civil do agente económico que, na falta de um critério especial, tem de ser aferida nos termos gerais.
O art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil (CC), determina o seguinte: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Ora, para que se possa declarar a existência de responsabilidade civil e a correspondente obrigação de indemnizar, é necessário que se verifiquem os respetivos pressupostos, ou seja, a autonomização de um facto ilícito, a imputação do facto ilícito ao lesante, culpa, dano, e nexo de causalidade adequada à produção do dano.
Os referidos pressupostos são cumulativos e sequenciais, o que significa que, a falta de verificação de um deles obsta à procedência do pedido de condenação do demandado na obrigação de indemnizar.
Nos termos gerais (cfr., artigos 342.º, e 483.º, ambos do CC), incumbe ao lesado provar os factos essenciais constitutivos dos referidos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, que o facto é ilícito e culposo.
Todavia, no âmbito da responsabilidade contratual – como é o caso dos autos - existe uma presunção legal (que abrange a culpa e a ilicitude), no sentido onerar o devedor com a prova de factos que demonstrem que o incumprimento defeituoso do contrato não procede de culpa sua. (Cfr., art.º 799.º, do CC).
Assim, a referida presunção tem natureza ilidível, ou seja, admite prova em contrário. (Cfr., arts. 349.º e 350.º, ambos do CC).
A culpa consiste na imputação do facto ilícito ao seu autor, traduzida num juízo de censura, segundo o qual, o agente poderia e deveria ter-se abstido de praticar o ato lesivo.
Por sua vez, a ilicitude é um elemento objetivo, que respeita à concretização da violação do direito do lesado, determinada pela ocorrência do próprio ato causador dos danos.
No âmbito da responsabilidade contratual, o elemento subjetivo (culpa), deve estar correlacionado com o elemento meramente objetivo (ilicitude), no sentido de imputar o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso ao devedor.
De facto, o direito de propriedade dos Demandados sobre o veículo foi afetado, designadamente, pelas despesas em que incorreram com reparações ineficazes que, no mínimo, obstaram aos poderes utilização do bem.
No entanto, pela prova produzida nos autos, ficou ilidida a presunção de culpa da Demandada, ficando a faltar a necessária imputação do facto ao agente. Isto é, nos termos do contrato celebrado entre as partes, a Demandada apenas montou as peças no veículo. Pelo que, o risco pelo bom funcionamento das peças utilizadas na execução do serviço correu por conta dos Demandantes.
Ora, da prova constante nos autos, as avarias que se sucederam resultaram das peças utilizadas e não da montagem das mesmas.
Ficou provado nos autos que o veículo automóvel teve avarias por desgaste resultante de uso, uma vez que em 31 de agosto de 2017, tinha registo de 244.283 quilómetros percorridos, enquanto pela fatura emitida pela Demandada, relativamente à substituição do bloco do motor, o veículo tinha 236.014 quilómetros percorridos, o que revela uma utilização intensa do mesmo.
Por outro lado, tanto o bloco do motor como o turbo que foram substituídos eram usados.
Sendo certo que, as peças utilizadas nas reparações efetuadas pela Demandada eram propriedade dos Demandantes (porque adquiridas por estes a terceiros), e já usadas, sem qualquer certificação de origem ou de bom estado de funcionamento, resulta dos usos e do senso comum, que a oficina que efetua a respetiva montagem não assegura o seu bom funcionamento. De resto, outra solução não resulta da prova efetuada nos autos, cabendo o respetivo ónus aos Demandantes. Cf. 342.º, do CC
Relativamente ao turbo, resulta provado que o mesmo estava efetivamente avariado e a reparação era inviável. Cfr., documento a fls. 20.
No entanto a substituição do turbo não resolveu os problemas, o que recolocou a origem das avarias no bloco do motor.
Quanto a este, se o mesmo avariou cerca de 20 dias após a entrega do veículo, o qual funcionou em boas condições durante esse período (como os próprios Demandantes confessam, cf. art.º 22.º do requerimento inicial), tal avaria não pode ser imputável à Demandada, por defeito no serviço prestado, mas sim, ao desgaste das peças e componentes, com as quais a reparação foi efetuada.
Em audiência os Demandantes tentaram o desenvolvimento do alegado no art.º 27.º, do requerimento inicial, no sentido de responsabilizar a Demandada por falta de informação quanto à necessidade de retificar o bloco de motor utilizado na reparação.
Efetivamente, ficou provado que a Demandada montou o referido bloco do motor no estado em que o mesmo se encontrava.
No entanto, não é de considerar que tenha havido violação do dever de informação, designadamente, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1, alínea a), e n,º 5, do art.º 8.º, da LDC.
Em conjunto com a restante prova e no contexto da relação jurídica estabelecida entre as partes, o referido facto não é condição suficiente para a responsabilização da Demandada, uma vez que esta limitou-se a cumprir aquilo que foi acordado entre as partes, não lhe sendo exigível que agisse de modo diverso.
Ora, os Demandantes não provaram que o acordo envolvia a retificação do bloco. Assim, fica excluída a hipótese de a Demandada não ter retificado o bloco, contrariando o estipulado pelas partes, e logo fica também excluído o cumprimento defeituoso da empreitada, relativamente a este aspeto. Cf. 342.º, do CC.
Aliás, ressalta do requerimento inicial e das próprias declarações de parte, que os Demandantes só posteriormente à reparação tiveram a noção da necessidade de retificar o bloco de motor usado. Assim sendo, tal estipulação não poderia ter sido efetuada pelas partes em momento anterior.
Mas, no âmbito do contrato, aliás, da relação jurídica estabelecida pelas partes – em que não há um acordo único de empreitada, mas sim, várias intervenções, ocasionais e sucessivas -, bem como, no contexto dos factos, é de entender que a Demandada não estava vinculada a um específico dever de informação, nem que omitiu qualquer informação relevante, mesmo por negligência.
Do conjunto da prova é possível presumir que a Demandada confiou nos conhecimentos do Demandante, relativamente aos materiais a utilizar nas reparações, porque andou ele próprio a comprar as peças nos locais que entendeu e a quem preferiu.
Ao fornecer as peças para a reparação do veículo, o Demandante tornou-se, verdadeiramente, um interveniente ou elo na cadeia de produção do resultado final da empreitada (reparação), e consequentemente retirou o nexo de imputação do facto à Demandada, o que exclui a responsabilidade desta pelos danos.
Ainda assim, nada impedia que a mencionada retificação tivesse sido feita a posteriori, tendo em conta que os custos de tal intervenção, a ser feita, seriam por conta dos Demandantes. No entanto, os Demandantes não adiantaram qualquer razão para não terem procedido à retificação dos segmentos do motor, depois de saberem que a mesma era necessária. Pelo contrário, optaram por continuar a utilizar o veículo nas referidas condições (art.º 28.º, do requerimento inicial), e mais tarde decidiram vender o mesmo para abate, por razões financeiras (cfr. art.º 41.º, do requerimento inicial.
Deste modo, a ação não deverá proceder.
Relativamente ao pedido de indemnização por litigância de má-fé.
Nos termos do n.º 2, do art.º 542.º, do CPC, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitidos factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Com o direito de ação, a ordem jurídica põe a tutela jurisdicional e os poderes processuais à disposição de todos os titulares de direitos sendo indiferente que, no caso concreto, o litigante tenha ou não razão. (Art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa).
No entanto, o concreto exercício dos direitos de ação e de defesa está subordinado pela ordem jurídica, ao princípio da boa-fé.
Se a parte agiu de boa-fé, convencida das suas razões, mesmo com fundamentos erróneos, a sua conduta é lícita, e não deve ser objeto de censura. Eventualmente, com a falta de procedência, a parte suportará o encargo das custas da ação, expurgando a sua responsabilidade processual.
Ao invés, se a parte agiu de forma culposa, com a consciência de que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as suas pretensas razões, o direito à ação, constitucionalmente consagrado e conferido de forma abstrata, passa a ser exercido com abuso de direito, numa emanação de má-fé, e o recurso à ação no caso concreto torna-se ilícito, impondo o art.º 542º, do CPC, que, quem assim atua no processo, seja condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
Coisa diferente é a expectativa de cada uma das partes sobre a procedência da ação.
Entendo que a questão da falta de fundamento é distinta da falta de procedência. A falta de fundamento é prévia e autónoma relativamente à própria ação, ou à prática de atos no processo, enquanto a improcedência da pretensão, resulta em grande medida, da insuficiência da prova produzida, ou da contraprova e da defesa que, naturalmente, só podem ser analisadas no decurso da audiência.
Efetivamente, os Demandantes não conseguiram sustentar e comprovar a versão por si trazida aos autos.
No entanto, nada nos autos permite concluir que os Demandantes estavam na posse de todos os elementos para saberem que a ação não tinha fundamento, e atuaram motivados pelo intuito de prejudicar a Demandada ou que deveriam ter evitado de a acionar.
Aliás, após a produção da prova, os Demandantes reduziram o pedido, demonstrando uma postura de reponderação da sua pretensão inicial, apesar de se manterem dentro da sua perspetiva de merecimento da ação.
Por outro lado, nenhuma prova foi trazida aos autos pela Demandada, designadamente, quanto a danos por má publicidade e despesas com a ação, nem foi feita prova efetiva, que demonstrasse de forma inequívoca, que os Demandantes tivessem omitido e deturpado factos. (Cfr., 342.º, do CC).
Assim, considero que os Demandantes estão no seu direito de se socorrer da presente ação para discutir o objeto da causa.
Deste modo, o pedido de condenação dos Demandantes por litigância de má-fé deve improceder por não provado.
---*---
DECISÃO
Pelo exposto:
a) Absolvo os demandantes A, e B, do pedido de pagamento de multa e uma indemnização à demandada C, por litigância de má-fé.
b) Julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada, e consequentemente, absolvo a demandada C, de todos os pedidos contra si formulados.
Custas:
Nos termos da Portaria 1456/2001, de 28/12, declaro os Demandantes parte vencida, condenando os mesmos ao pagamento das custas do processo no montante global de €70,00 (setenta euros), pelo que, devem proceder ao pagamento da segunda parcela de €35,00 (trinta e cinco euros) no prazo de três dias úteis, e comprovar o facto no Julgado de Paz, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação.
Cumpra-se o disposto no art.º 9.º, da Portaria 1456/2001, de 28/12, relativamente à Demandada.
Notifique e registe.
Julgado de Paz do Funchal, em 21 de novembro de 2018

O Juiz de Paz

_________________________
Carlos Ferreira