Sentença de Julgado de Paz
Processo: 3/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: CONTA DE DEPÓSITO BANCÁRIO
PROPRIEDADE DO DINHEIRO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
Data da sentença: 07/27/2016
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 3/2016-J.P.

RELATÓRIO:
DEMANDANTE, A, NIF. xxxxx, residente na estrada regional 102, n.º 161, na Camacha.
Representada por mandatária B com domicílio profissional, na rua dos x, n.º 260, no Funchal.

Requerimento Inicial: Alega em suma que as partes são titulares de uma conta bancária de depósitos no C. Trata-se de uma conta solidária, que qualquer um dos titulares pode movimentar. Sucede que no dia 24/09/2014 o demandado procedeu ao balcão ao levantamento da totalidade do saldo existente na conta, na quantia de 10.531,30€, sem dar conhecimento de tal facto á demandante, tendo levado a mais a quantia de 5.265,65€ do que era legitimo, conforme dispõe o art.º 516 do C.C. Apesar de ter encetado contactos para esclarecer os factos o demandado protelou contactos, e nem devolveu qualquer quantia, pelo que deve á demandante a quantia de 5.265,65€, que ora reclama, bem como os juros moratórios. Conclui pedindo que seja condenado a pagar á demandante a quantia de 5.265,65€, acrescida dos juros moratórios, á taxa legal, desde a citação, até efetivo e integral pagamento, acrescido das custas, bem como na aplicação da sanção pecuniária compulsória nos termos do art.º 829-A, n.º4 do C.C. Junta 2 documentos.

MATÉRIA: Ação destinada a efectivar o cumprimento de obrigação, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea a) da L.J.P.

OBJETO: Conta de depósito bancário, propriedade do dinheiro, litigância de má-fé.

VALOR DA CAUSA: 5.265,65€.

DEMANDADO, D, NIF. xxxxxx, residente na Urbanização da x, rua A, n.º4, no Funchal.
Contestação: Aceita os factos com os n.º1 a 3 do r.i. Quanto ao restante alega que as partes são sócio da sociedade comercial E, Lda. A referida conta do ex-C resulta de poupanças dos sócios, na proporção de 90% para o demandado e 10% para a demandante, servindo para fazer face a dificuldades de tesouraria. Sucede que a sociedade estava a passar por dificuldades, por isso levantou o dinheiro e aplicou-o em pagamentos da seguinte forma 5.500€ de suprimentos á sociedade, para despesas, e o remanescente ao Estado- impostos, conforme documentos que junta. A demandante tem perfeito conhecimento de tal facto pois é a responsável pela contabilidade da empresa, pelo que nada deve. Conclui pela improcedência da ação e pela condenação da demandante em litigância má-fé. Juntou 15 documentos.
Resposta á exceção: quanto á condenação em litigância de má-fé, não resulta dos autos qualquer situação que integre a previsão do art.º 542,n.º2 do C.P.C., pelo que refuta a mesma. Conclui pela improcedência da exceção e reitera o pedido inicial deduzido.

TRAMITAÇÃO:
Realizou-se sessão de mediação mas sem consenso das partes.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P. sem obtenção de consenso entre as partes. Seguindo-se para produção de prova com declarações das partes, nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P. terminando com alegações finais, conforme consta da ata de fls. 54 a 56.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- DOS FACTOS ASSENTES (POR ACORDO):
A) As partes são titulares de uma conta bancária de depósitos, onde ambos são titulares, com o n.º xxx no C.
B) Trata-se de uma conta de depósitos solidária em que qualquer um dos titulares tem a faculdade de movimentar a conta, só de per si.
C) Sucede que a 24/09/2014 o demandado procedeu ao levantamento ao balcão da totalidade do saldo existente na conta, no total de 10.531,30€.

II- DOS FACTOS PROVADOS:
1)Que as partes são sócios da sociedade comercial denominada por E, Lda.
2)Que a conta de depósito foi aberta com o propósito de fazer face a dificuldades de tesouraria daquela sociedade.
3)Que o demandado não deu conhecimento de tal levantamento á demandante.
4)Que a demandante falou com o demandado acerca deste acto.
5)Que o demandado não esclareceu o que fez ao dinheiro.
6)E, não devolveu qualquer quantia á demandante.
7)Que o demandado é titular de outras contas de depósito, sendo uma delas no banco F.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal baseou a decisão na analise da documentação junta pelas partes, a qual foi conjugada com as regras da experiencia comum.
Cada uma das partes efetuou declarações, nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P. expondo a respetiva versão dos factos, as quais traduzem as peças processuais, sem mais nenhuma prova que possa corroborar a respetiva versão.
Quanto aos factos provados com os n.º 1 a 5, resultam de ambas as partes terem respondido de forma positiva aos mesmos.
O facto complementar de prova com o n.º 7 resulta dos documentos juntos com a contestação, de fls. 22 a 30, que retratam a objectividade dos movimentos bancários.
Os factos não provados resultam da ausência de prova nesse mesmo sentido.

III- DO DIREITO:
O caso dos autos prende-se com uma conta de depósitos, pertencente a dois titulares, situação regulada pelo disposto no art.º 513 e sgs do C.C.
Consideram-se depósitos solidários, aqueles em que, qualquer um dos credores (depositantes ou titulares da conta), apesar da indivisibilidade da prestação, tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, a o reembolso de toda a quantia depositada (acrescida dos respectivos juros, se os houver) e em que a prestação assim efectuada libera o devedor (o banco depositário) para com todos eles (art.º 512 do C. C.).

A faculdade de qualquer um dos co-titulares do depósito bancário, sem a autorização dos demais, poder levantar a totalidade da quantia depositada exprime o regime de solidariedade activa.


“As contas bancárias são susceptíveis de diversas qualificações, das quais se podem destacar, fundamentalmente, aquelas cuja diferenciação assenta no número dos seus titulares e nas regras a que fica sujeita a movimentação do depósito que lhe está associado.
Como elucida o Professor ANTÓNIO PEDRO A. FERREIRA, “A relevância deste último aspecto sobressai a propósito da movimentação do depósito a débito, isto é, da determinação de quem pode reclamar a restituição do saldo da respectiva conta, ou dispor de parte do mesmo durante a vigência do contrato”, in Dtº Bancário, 2ª ed., Quid Juris, 2009.


Assim, quanto à titularidade, a conta pode ser individual ou colectiva, consoante se trate de apenas um ou de dois ou mais titulares.


Por sua vez, nesta última modalidade – colectiva - a conta bancária pode ser solidária, conjunta ou mista.


No primeiro caso, qualquer dos titulares pode movimentar sozinho a conta, e o banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um dos titulares, tal como sucedeu nos autos, conforme o comprova o documento junto a fls. 12.


Como já foi referido, a conta em causa nos autos tinha a modalidade de conta solidária. A questão atinente à propriedade do dinheiro depositado respeita, exclusivamente, às relações internas entre os titulares da conta.
Estando em causa, uma conta em que as partes escolheram o regime de solidariedade para a sua movimentação, a propriedade das quantias depositadas é uma questão que apenas respeitava àqueles, situando-se no âmbito das relações internas entre eles.


Sociologicamente, está na base da opção por este tipo de contas solidárias, a relação de confiança que existe entre os seus titulares, que de modo tácito se consentem, reciprocamente, a faculdade ou o direito de procederem a levantamentos por sua exclusiva vontade, não carecendo do consentimento dos demais. Algo que as partes, em sede de declarações, afirmaram que existia no momento em que procederam á abertura desta conta de depósitos.

Os titulares de conta bancária solidária têm o direito de crédito de poder exigir do Banco a restituição integral do depósito, mas nem sempre coincide tal direito, com o direito real de propriedade, ou compropriedade sobre o dinheiro depositado.

Por isso, não é legítimo afirmar-se que qualquer co-titular da conta solidária é dono do dinheiro. Dono do dinheiro é aquele que puder afirmar o seu direito de propriedade, ou compropriedade, sobre ele.


No entanto o art.º 516 do C. C. estabelece que “nas relações entre si se presume que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.


À luz dos princípios enunciados temos de concluir que, desde logo, aquele que pretende afirmar a propriedade exclusiva de dinheiro depositado em contas bancárias solidárias, tem de ilidir a presunção constante do art.º 516 do C. C., ou seja, que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos co-titulares.


È este o caso da situação jurídica em análise, saber se o demandado é ou não proprietário da totalidade do capital que levantou.

Resulta dos factos provados que a referida conta embora estivesse em nome de duas pessoas singulares, serviria para fazer face a dificuldades de uma pessoa coletiva, uma sociedade comercial da qual os dois são sócios.
Mais se apurou que, a conta foi aberta daquela forma, pois as partes, naquela altura, a 23/01/2012 tinham confiança um no outro. Porém, devido ao desgaste da relação comercial perderam a confiança que detinham um no outro, o que culminou com este levantamento.
Mais se provou que na ocasião o demandado não deu conhecimento de tal facto á demandante, a qual só veio a saber da mesma em momento posterior.
Alega o demandado que a metade daquela quantia foi utilizada para pagar despesas da sociedade de que ambos são sócios.

De acordo com o seu n.º 1 do art.º 243, do C. Soc. Com., define os suprimentos como sendo um “contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo características de permanência”.

Trata-se de um contrato incluído na parte da legislação das sociedades por quotas, e como tal á partida seria aplicável á sociedade comercial de as partes confirmam de que são sócios.

A origem dos suprimentos provém não só das entradas em dinheiro ou outra coisa fungível, da não exigência do pagamento de créditos sobre a sociedade, como também do não levantamento de dividendos.

No que diz respeito a esta alegação, o demandado apresentou extractos das suas contas pessoais. Pela análise das mesmas, não se pode dizer que a quantia levantada tenha sido depositada em alguma delas.

De facto, de uma das contas, de fls. 22 a 28, apenas apresenta movimento a partir de Dezembro de 2015, pelo há um espaço de tempo de cerca de dois meses em que se desconhece o que sucedeu. Quanto á outra conta, a fls. 30, os movimentos são referentes a janeiro de 2016, pelo que também não podemos conclui que, aquela verba tenha sido depositada na conta bancária que apresentou.

Mais se acrescenta que, se metade daquele saldo bancário foi ou não para o fim que alega, será indiferente pois, em termos legais presume-se que aquela metade era dele e como tal poderia, se assim o entendesse, dar-lhe o destino que bem entendesse.

Por outro lado, o destino que terá dado ao dinheiro que levantou é algo bem diferente de saber a origem do mesmo, pois nesta ação o que se pretende é saber se o demandado era proprietário da totalidade do saldo bancário, pois só isso lhe permitia apoderar-se da totalidade do saldo, conforme fez.

Quanto a isto ficamos na mesma, nenhuma das partes prova que determinada quantia era sua. Pelo que, indubitavelmente, teremos que accionar a presunção legal prevista no art.º 516 do C.C., pois como se refere ninguém a elidiu, pelo que se terá de concluir que cada uma das partes será dono de metade daquele saldo bancário, ou seja, de 5.265,65€.

Assim, e quanto a esta, terá o demandado que devolver á demandante a quantia de 5.265,65€, já que não lhe pertencia.

Os juros legais, são o expediente encontrado supletivamente, para ressarcir o credor, ora demandante, pelos prejuízos que a falta da quantia monetária, que era sua, lhe fez (art.º 808, n.º 2 do C.C.).

Assim, e porque o devedor só fica constituído em mora após ser interpelado para cumprir com a sua obrigação (art.º 805, n.º 1 do C.C.), já que no presente caso não existia prazo certo para o fazer, a mesma considera-se realizada com a interpelação judicial, a citação, a qual ocorreu a 27/01/2016, conforme consta do aviso de receção, a fls. 17, na qual vai igualmente condenado, até que ocorra o cumprimento efetivo e integral da sua obrigação.

Quanto á má-fé da demandante, para que tal seja procedente teria que reunir os pressupostos do art.º 542 do C.P.C., sendo certo que o demandado não comprovou que a demandante fosse responsável pela contabilidade da empresa, já que obrigatoriamente a empresa tem de possuir contabilidade organizada e confirmada por técnico oficial de contas, profissão que a demandante não possui.

Mas mais uma vez se mistura, ou tenta misturar, as contas daquela sociedade comercial com contas pessoais, ora tal facto não deve suceder em nenhuma sociedade comercial para evitar maus resultados.

Não obstante, sempre se dirá que a demandante, em termos pessoais, instaurou a presente ação ciente de que lhe assistia o direito de o fazer. E, com a mesma visava obter o ressarcimento do direito que entendia ter sido lesada.

Por outro lado, a demandante entendeu voluntariamente prestar declarações, sendo solícita às perguntas que lhe foram dirigidas pelo Tribunal e pelos mandatários das partes.

Perante o exposto, e pela atitude que a mesma demonstrou na audiência, nada indicia que instaurasse a ação por má-fé, ou que ocultasse algum facto que fosse importante para os autos, por este motivo se entende indeferir a referida pretensão.

Por fim, a demandante requereu a aplicação da sanção pecuniária compulsória, a qual é diferida nos termos do art.º 829-A, n.º4 do C.C., pois com a mesma visa-se compelir, nos presentes autos o demandado, a cumprir com a obrigação a que foi condenado, devolver á demandada a quantia de que apoderou, de forma ilegal, já que não lhe pertencia.

DECISÃO:

Nos termos expostos, julga-se a ação procedente, condenando-se o demandado a devolver á demandante a quantia de 5.265,65€, acrescida dos juros, á taxa legal, desde a sua citação para a ação, a 27/01/2016, até que ocorra o cumprimento efetivo e integral da sua obrigação, á qual será de acrescer os juros, provenientes da aplicação da sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.º829-A, n.º4 do C.C.

CUSTAS:
São da responsabilidade do demandado, devendo efetuar o pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), num dos 3 dias úteis subsequentes á notificação da presente decisão, sob pena de incorrer na sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento desta obrigação legal, sujeitando-se ainda a eventual execução (art.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, com as alterações da Portaria n.º 209/2005 de 24/02).
Em relação á demandante, proceda-se á correspondente devolução.
Notificada às partes nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Funchal, 27 de julho de 2016


A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º131, n.º5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)