Sentença de Julgado de Paz
Processo: 168/2005-JP
Relator: PAULO BRITO
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL - CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES
Data da sentença: 10/17/2005
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A..., casada, reformada, residente ......., Porto;
Demandado: B..., casado, reformado, residente, ............, Porto.

II – OBJECTO DO LITÍGIO
A demandante intentou contra o demandado acção declarativa de condenação enquadrada na alínea a) do n.º 2 do art. 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação deste a indemnizá-la no montante de € 3.000 por ter sido vítima de um crime de ofensa à integridade física simples por este praticado.

Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 22 de Maio de 2002 foi agredida pelo demandado de forma violenta, o que lhe causou dores morais e físicas, nomeadamente hematomas, tendo-se deslocado nesse dia ao serviço de urgência do Hospital de S. João, onde realizou exames clínicos.

O demandado alegou, em súmula, que o desentendimento referido terá ocorrido por iniciativa da demandante e ter sido ele a sofrer danos físicos e morais.

Não se logrou acordo na mediação.

Questões a resolver: Basicamente, importa avaliar se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual e, em caso afirmativo, fixar o quantum indemnizatório.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo como da respectiva acta se alcança.

Importa desde já esclarecer que o Tribunal se encontra, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, limitado a avaliar a verificação de eventual responsabilidade civil por factos ilícitos, não podendo conhecer a questão do ponto de vista da avaliação da existência de responsabilidade criminal.

Cumpre apreciar e decidir.

Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância não existindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III – FUNDAMENTAÇÃO
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
a) em 22 de Maio de 2002 a demandante foi agredida pelo demandado que a atirou ao chão e lhe desferiu vários pontapés;
b) nesse mesmo dia, a demandante deslocou-se ao serviço de urgência do Hospital de S. João, tendo sido submetida a exames clínicos;
c) as agressões de que a demandante foi vítima causaram-lhe dores físicas, hematomas no braço direito e nas costas, e dores morais, aflição, descontrole emocional;
d) os hematomas apareceram nos dias seguintes à agressão e em consequência desta.
Não ficou provado: que o demandado tivesse sido agredido pela demandante e, em consequência disso, tivesse sofrido quaisquer danos físicos e/ou morais.

Fundamentação:
Para dar como provados os factos descritos nas alíneas a) e b) consideram-se os depoimentos de C... e D..., vizinhos dos demandante e demandado, pelo conhecimento directo que tiveram do ocorrido, bem como os documentos a fls. 11 e 64.
A factualidade dada por provada, constante das alíneas c) e d), fundou-se no depoimento de E... que nos apresentou uma versão credível tanto quanto dos factos como das razões por que disse saber deles, assim como nos documentos de fls. 9 e 10.

Quanto ao facto dado por não provado, resulta do conhecimento que o Tribunal formou após a inquirição da única testemunha arrolada pelo demandado.

IV – DECISÃO
O Direito
A Constituição da República Portuguesa consagra no seu art.º 25.º o direito dos cidadãos à sua integridade física e moral.
O direito à integridade física constitui um direito de personalidade reconhecido pela lei (cfr. art.º 70.º do Código Civil), constituindo a sua violação facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar.
O art. 70.º referido constitui uma norma de tutela geral da personalidade da qual se pode destacar o direito à integridade física.
Segundo o acórdão do S.T.J. de 6-5-98, “Os direitos de personalidade são protegidos contra qualquer ofensa ilícita nos termos do art.º 70.º do C.C. não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si (cfr. CJ/STJ, 1998, 2º-76 e BMJ, 477º-406).
De qualquer modo, no caso sub judice o demandado agiu como dolo directo preenchendo inteiramente a hipótese típica do crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 143.º do Código Penal.

Será com base no comportamento ilícito do demandado que a demandante pode alicerçar o seu direito a ser ressarcida pelos danos sofridos nos termos do art. 483.º do Código Civil. A responsabilidade civil extracontratual está dependente da verificação cumulativa de vários pressupostos, a saber: violação ilícita de um direito ou interesse de outrem tutelados pelo Direito; culpa nessa violação; a existência de um dano, e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

Perante os factos provados está estabelecido que o demandado violou de forma consciente e culposa o direito à integridade física da demandada e que, em consequência, esta sofreu um dano não patrimonial relevante.
Finalmente, ficou também provado que os hematomas no corpo da demandada e todo o seu sofrimento moral são consequência directa, imediata e necessária da agressão de que foi vítima cometida pelo demandado. Verificado está, pois, o nexo de causalidade pressuposto da responsabilidade civil extracontratual.
Verificados estão, assim, todos os pressupostos desta responsabilidade.

Nos termos do art.º 496.º do Código Civil são indemnizáveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do Direito. A indemnização visa não só reparar os danos sofridos pelo lesado, mas também reprovar ou castigar, no pleno Direito Civil, a conduta do agente.

De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31-3-82, “Para determinar o montante da indemnização por danos não patrimoniais, há que atender à sensibilidade do indemnizando, ao sofrimento por ele suportado e à sua situação socio-económica; e há ainda que tomar em linha de conta o grau de culpa do agente, a sua situação socio-económica e as demais circunstâncias do caso” (CJ 1982, 2º-315).

No caso sub judice, o demandado agiu com itensidade reprovável, entre vizinhos, com consciência que determinava prejuízos, os quais poderão ser ressarcidos pela atribuição de uma quantia que, de certo modo, rasure a memória do acontecimento e tenha em conta a condição de sensibilidade e socio-económica da lesada.

Apelando aos critérios de equidade que a lei faz convergir para a quantificação, estimo prudente, nestas circunstâncias, o montante indemnizatório de € 300.

Pelo exposto, facilmente se conclui igualmente que não se verificam os pressupostos da litigância de má-fé (cfr. art.º 456.º do C.P.C.) quanto à demandante.

Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno o demandado a pagar à demandante a indemnização de €300 pelos danos não patrimoniais que lhe causou.

Beneficiando a demandante de apoio judiciário, custas por conta do demandado na proporção do decaimento que fixo em 10% em conformidade com o art.º 446.º do Código de Processo Civil ex vi art.º 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.

Porto, 17 de Outubro de 2005
O Juiz de Paz
(Dr. Paulo Brito)
________________________________________
Processado por computador Art.º 138.º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Porto