Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1001/2016-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: INJÚRIAS - INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data da sentença: 09/20/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:
Sentença

Processo n.º 1001/2016 – JP.
Matéria: Injúrias.
Objeto: Indemnização por danos não patrimoniais.
Valor da acção: 10.500,00 € (dez mil e quinhentos euros).
Demandantes:
1 - A;
2- B e
3 - C,Ld.ª, todos com morada na Rua ---------------------- LISBOA.
Mandatário: Dr. D com escritório na Rua ---------------- LISBOA.

Demandada: E, com morada na Rua --------------------- LISBOA.
Mandatário: Dr. F, com escritório na Av. ------------------LISBOA.

Do requerimento inicial: de fls.1 a fls.10.
Pedido: fls. 10.
Junta: 6 documentos.
Contestação: A fls. 41 e segs

Tramitação:
Após a entrada da ação a parte demandante afastou a mediação conforme requereu a fls. 39 dos autos.
Foi marcada audiência de julgamento para o dia 22 de maio de 2017, pelas 10h, que continuou no dia 23 de junho de 2017, pelas 12h, sendo as partes notificadas para o efeito.

Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 76 a 83.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – Os primeiro e segunda demandantes, de nacionalidade, respectivamente, tunisina e brasileira, são gerentes comerciais da 3.ª demandante (cfr. doc. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2 – O objecto social da terceira demandante está definido como “café, cervejaria, bares, casas de chá e pastelaria” (cfr. doc. 1);
3 – A sede e local de desenvolvimento do objecto social da 3.ª demandante situa-se na Rua ------------, em Lisboa (cfr. doc. 1);
4 - Os primeiro e segunda demandantes desempenham eles próprios os atos de prossecução do objecto social, atendendo e servindo os clientes (admitido);
5 – No dia 24 de agosto de 2016, cerca das 9h, na sede social da 3.ª demandante, a demandada dirigindo-se aos primeiro e segunda demandantes proferiu as seguintes afirmações: “isto é um antro”; “eu vou fechar esta merda , porque isto é uma merda, é só droga, você é uma merda”; “volte para a sua terra seu árabe mais a tua brasileira, o que é que estão aqui a fazer”; “chamo a policia e fecham este antro”; “você é mal criado, a crescerem para mim, o meu filho vai saber disto, e vem aqui e parte isto tudo”; “digo à ASAE que não me deram o livro de reclamações e a ASAE fecha isto, já fechei um e fecho outro”;
6 – A demandante proferiu as palavras supra referidas dentro e fora do estabelecimento sendo audíveis quer pelos clientes quer por quem passava na rua;
7 – Os primeiro e segunda demandantes sentiram-se envergonhados, vexados e apreensivos com as palavras ofensivas e ameaçadoras proferidas pela demandada;
8 – O demandante respondeu à demandada chamando-lhe putona.
9 - A demandada continuou a fazer comentários a partir da rua para dentro do café tais como “não sei como há pessoas que vêm aqui”.

Factos não provados.
Consideram-se não provados os factos não consignados. Nomeadamente não se considera provado:
- Que o demandante tenha ameaçado bater na demandada;
- Que os demandantes tenham tido qualquer prejuízo material resultante do comportamento da demandada.

Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos depoimentos das partes proferidos em audiência, nos depoimentos das testemunhas e no documento de fls. 46, junto pela demandada. Nas declarações proferidas pelas partes em audiência, disse o demandante que, no dia 24 de agosto de 2016, como tinha acontecido de outras vezes, a demandada apareceu no café a insultá-lo a ele e à companheira, sempre com o mesmo discurso: “isto é um antro de prostituição, de droga, vou fechar esta merda, sua puta brasileira, já fechei uma casa e também fecho esta”; disse que a demandada faz estas afirmações de forma audível para os clientes que estão no café e que se sentem enxovalhados; por sua vez a demandada declarou que tudo o que foi dito é mentira. Disse que foi o demandante que a ofendeu chamando-lhe “putona e que trabalha por marcação de homens”; disse que o Sr. G assistiu e que tentou acalmar o demandante, pois este até a queria empurrar”, e que não apresentou queixa a pedido do Sr. A”; mais disse que, mais tarde, em 14 de Setembro chamou a polícia às 20h, mas que eles só chegaram ao café pelas 21h e 30m, na sequência da citação que recebeu do Julgado de Paz”; disse que o polícia falou com o Sr. A fora do café”; não apresentou nenhuma explicação para o facto de ter chamado a polícia nem o que lhes disse que os levasse a deslocar-se ao café.
A testemunha G, referida pela demandada no seu depoimento, e apresentada pela parte demandada, disse que é cliente habitual do Café --------; disse que no dia 24 de agosto de 2016, foi ao café logo pela manhã, e quando lá chegou, cerca das 9h, a demandada já lá estava; disse que não se sentou no lugar habitual para não ficar ao lado da ora demandada porque esta uns dias atrás quando o viu “começou a dizer que ele era isto e aquilo” a “ofender” e que se dirigiu ao ora demandante e disse-lhe porque não se sentava no lugar habitual; disse que a demandada começou a dizer que estavam a dizer mal dela e saiu; à tarde a demandada voltou e foi pedir satisfações ao Sr. A a dizer que de manhã tinham estado a dizer mal dela, dizendo para ele ir “para a terra dele, que o café era um antro, que mandava fechar o café, que o filho conhecia muita gente”, disse que o demandante “tentou manter calma da situação” e que ele (testemunha) lhe disse que não valia a pena chatear-se por causa disso; três dias depois, a 27 de agosto à noite, estava a ver um jogo de futebol na televisão e aparece um carro da polícia e logo a seguir a demandada; disse que “a presença da polícia gerou um certo burburinho e desconforto, porque a casa estava cheia”;
A testemunha H, apresentada pelos demandantes, disse que assistiu à ocorrência do dia 24 de agosto de 2016 à tarde; disse que foi tomar café e quando lá chegou já estava a demandada “tresloucada”, a dizer para o dono do café voltar para a terra dele, “que não tinha nada de estar ali a roubar o trabalho dos portugueses”, “tu e a tua mulher são uma merda”, “isto é um antro”; que “ia à ASAE e ia fechar este café também”; disse que a dada altura se dirigiu a si e disse “você está aqui também deve ser uma delas”; disse que o demandante só dizia “tenha calma, saia do café, não quero arranjar problemas com ninguém”, mas a demandada insistia e continuava “tu não mandas aqui, és um árabe”. Disse lembrar-se da data porque na altura tinha um braço partido e fez nesse dia a segunda sessão de fisioterapia; mais disse que via a demandada a passear o cão, mas não a conhecia nem sabia o seu nome; mais disse que a situação gerou conversas na vizinhança e que a mulher do A andou “perdida” com esta situação, tinha “crises de choro”, e que ficou “perturbada psicologicamente”; disse, de forma clara e inequívoca, sem qualquer constrangimento perante a demandada, que esta “continua a ofender passando na rua a fazer comentários a olhar para dentro do café a dizer “não sei como há pessoas que vêm aqui, e coisas do género”.
A testemunha I, filho da demandada, não assistiu a nenhum dos factos relatados nos presentes autos, a mãe contou-lhe mais tarde, mas “se tivesse sabido logo as coisas não ficavam assim”; o que sabe foi a mãe que lhe contou, e aludiu ao sr. do talho que “mandava bocas quando a mãe passava, chamava-lhe velha e que fosse tomar a medicação”; e que o sr. A também disse “velha estás maluca”;
A testemunha J, apresentada pela demandada, disse que mora no mesmo prédio que a demandada e a conhece há muitos anos; disse que também costuma ir ao café, mas que não foi naquele dia; que não assistiu a nada que o que sabe lhe foi contado pela demandada e outras testemunhas; que foram ditas palavras muito desagradáveis e que o Sr. A terá chamado “putona” à demandada; que a demandada é pessoa de bem, humilde e boa.
A testemunha K, disse conhecer a demandada da Rua ------, de outro café onde ia tomar o pequeno almoço; disse que ia a passar na rua e como conhecia a demandada parou para ouvir; disse que a demandada estava à porta do café e que de dentro do café o sr. A disse “vai-te embora putona, fazer marcações pelo telefone”; disse que estava um africano gordo à porta que disse para o A “deixa-a ir embora”; disse que não ouviu a D. E (demandada) responder, e que esta é uma pessoa pacífica.

Do Direito.
Os Demandantes vêm propor contra a Demandada a presente ação, destinada a apreciar o pedido de indemnização cível, alegando, para tanto, os factos supra dados por provados, enquadrados na alínea, d), do nº 2 do art.9º da Lei nº 78/2001,de 13 de Julho, na versão dada pela Lei 54/2013 de 31 de Julho, doravante LJP. Por seu turno, a demandada contestou apresentando a sua versão dos factos, dizendo que no dia 24 de agosto de 2016 se dirigiu ao estabelecimento comercial dos demandantes para beber um café, onde estava um cliente de nome G, seu conhecido, que no estabelecimento se apercebeu que estavam a falar mal de si e saiu, e que estando já fora do estabelecimento, o demandante lhe perguntou “Quem é que disse que estávamos a falar de ti putona?”. Diz que ficou num grande estado de nervosismo e não se lembra de mais nada, lembrando-se apenas que nesse dia voltou ao estabelecimento, e que mais tarde apresentou queixa na polícia. Contudo não há prova da apresentação de queixa alguma, tendo a polícia ido ao café no dia 27 de agosto, três dias depois, chamada pela demandada não tendo ficado claro a que pretexto. Nega ter proferido afirmações racistas e xenófobas para os demandantes. Junta a demandante uma declaração médica de acordo com a qual demonstra que desde 2005 é seguida em consulta de psiquiatria, no âmbito de um quadro antidepressivo marcado por “irritabilidade fácil”.
É consabido que os Julgados de Paz não têm competência penal, podendo apenas aferir da obrigação de indemnizar face à existência de factos praticados, suscetíveis de integrar os ilícitos elencados no referido n.º 2, do artigo 9.º da LJP. Dispõe o nº 1 do artº 181.º do Código Penal: “Quem, injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias. No âmbito do Direito Civil, o art. 70.º do Código Civil, consagra a tutela geral dos direitos de personalidade, bem jurídico ofendido no contexto das injúrias. É entendimento uniforme, seguido pela jurisprudência e pela doutrina, que, para o efeito de preenchimento do elemento subjectivo deste ilícito, não releva o resultado típico, isto é, que o ofendido se tenha sentido humilhado ou tenha sofrido com o facto, pois que o crime de injúria se enquadra na categoria dos crimes de perigo e não de dano, fazendo-se a imputação objetiva do resultado à conduta do agente. Não é necessário que o agente com o seu comportamento queira ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado ou sequer que haja previsto o perigo, bastando a consciência da genérica perigosidade da sua conduta ou do meio de acção previstos na norma incriminadora. No caso dos autos, não temos dúvida alguma de que a demandada estava consciente das consequências nefastas para os demandantes das palavras que proferiu e do alcance socialmente atribuído às mesmas, dando lugar à reacção do demandante que, sem a considerar legitima é seguramente desculpável. Relativamente aos alegados danos materiais, a que os demandantes aludem nos pontos 35 e 36 do RI, embora não especifiquem no segmento relativo ao pedido, não lograram os demandantes produzir prova susceptível de fundamentar qualquer indemnização. Quanto aos danos morais. Pedem os demandantes uma indemnização cível pelos danos morais resultantes das injúrias, fundamentalmente de natureza racista e xenófoba e ameaças de intervenção da policia e da ASAE e até ameaça de intervenção do filho, que, a avaliar pelas declarações do mesmo em audiência eram para levar a sério, levadas a efeito pela demandada, não se tratando de um processo crime para punir com uma sanção penal, a prática dos actos tiveram consequências negativas, ou seja, danosas. Deste modo, impõe-se aferir se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil (art.º 483.º do Código Civil) geradores da obrigação de indemnizar, resultante da prática de factos ilícitos que lesaram os demandantes. Os actos praticados pela demandada, que se deram como provados, são factos ilícitos, praticados com dolo, até susceptíveis de integrarem factos típicos de ilícitos criminais, como injúrias, difamação, ameaças, previstos no Código Penal e ofenderam, fundamentalmente, os primeiro e segunda demandantes, de forma grave, violando normas legais destinadas a proteger direitos e interesses alheios e provocando danos morais nos primeiro e segunda demandantes, havendo nexo causal entre os factos e os danos. Para além disso, que materializa já a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil, nos termos do referido artigo 483.º do Código Civil, a testemunha H, não deixou dúvidas ao tribunal de que o comportamento ofensivo da demandada se prolongou, numa atitude que configura a prática continuada de atos que lesam os direitos de personalidade dos demandantes, direitos consagrados não só no já referido artigo 70.º do Código Civil, como também no n.º 1, do artigo 26.º da Constituição da República. Face ao exposto, consideramos preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil estabelecidos no artigo 483.º, e consideramos os danos causados suficientemente graves para merecer a tutela do direito, conforme previsto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil. Nos termos do n.º 3, do art.º 566.º, do Código Civil “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver como provados”. No caso vertente, foram provados os danos que são de natureza não patrimonial e consequentemente de quantificação sempre muito difícil. Porém, tendo em conta esta norma e a situação em concreto, entendemos que não se aplicam à terceira demandante as considerações necessárias à sua protecção no âmbito da previsão do aludido artigo 496.º. Assim, o que está em apreço é a quantificação do ressarcimento dos danos morais relativamente aos 1º e 2.ª demandantes, cujos montantes pedidos se afiguram exagerados, tendo em conta a equidade e os limites da prova. Deste modo, entende-se como valor justo a fixar a título de indemnização, a pagar pela demandada, a quantia de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), a cada um dos 1.º e 2.ª demandantes.

Decisão.
Em face do exposto, condeno a demandada a pagar a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) ao demandante A e outro tanto, de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) à demandante B, ficando absolvida do restante.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero a demandada parte vencida, pelo que lhe cabe pagar a totalidade das custas, que ascende à quantia de €70,00, das quais declaro isenta nos termos do deferimento do requerimento de apoio, judiciário conforme oficio de fls. 75 dos autos.
Proceda-se à devolução de €35,00 à terceira demandante.
Julgado de Paz de Lisboa, em 20 de Setembro de 2017
A Juíza de Paz
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Maria Judite Matias